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O jornalismo no novo ambiente comunicacional: Uma reavaliação da noção do “jornalismo como sistema perito”

Journalism in the new communicational environment: a reassessment of the notion of “journalism as an expert system”

Resumo

O artigo revê, à luz das transformações contemporâneas no ambiente comunicacional, a noção de que o jornalismo opera como “sistema perito” - um sistema de expertise que desfruta da confiança nele depositada por usuários incapazes de avaliá-lo tecnicamente. As novas tecnologias ampliaram a concorrência no espaço discursivo, dissolvendo o monopólio do jornalismo e erodindo suas fontes de financiamento. Ao mesmo tempo, uma incerteza epistêmica radical (“pós-verdade”) e o insulamento do público em enclaves fechados comprometem sua legitimidade. Esta situação contribui para a crise da democracia, uma vez que seu funcionamento pressupunha um patamar mínimo de concordância sobre a agenda e sobre os fatos relevantes, que o jornalismo supria.

Palavras-chave:
Jornalismo; Sistema perito; Pós-verdade; Crise da democracia

Abstract

The article reviews, in the light of contemporary transformations in the communicational environment, the notion that journalism operates as an “expert system” - a system of expertise that receives trust by users who are technically unable to evaluate it. New technologies have increased competition in the discursive space, dissolving the monopoly of journalism and eroding its sources of funding. At the same time, radical epistemic uncertainty (“post-truth”) and the insulating of the public in closed enclaves compromise its legitimacy. This situation contributes to the crisis of democracy, since its functioning presupposed a minimum level of agreement on the agenda and on the relevant facts, which journalism supplied.

Keywords:
Journalism; Expert system; Post-truth; Crisis of democracy

Há mais de duas décadas, publiquei um artigo que definia o jornalismo como uma forma de sistema perito - um conjunto de práticas especializadas, no qual os consumidores depositavam uma confiança cuja solidez não tinham competência para avaliar (Miguel, 1999 Miguel, Luis Felipe . (1999), “O jornalismo como ‘sistema perito’”. Tempo Social, 11 (1): 197-208.). Na época, a internet estava no início de sua transição para a chamada “Web 2.0” (com interface mais amigável e foco na construção de redes). Algumas mídias sociais virtuais já operavam desde a metade da década, mas com pequeno alcance; os primeiros grandes sucessos, ainda assim com alcance restrito para os padrões de hoje (Friendster e, sobretudo, MySpace), só surgiriam no início do século XXI. Os smartphones ainda não existiam e a internet móvel engatinhava. Mesmo nos países mais ricos, o acesso à internet era reservado a uma parcela bastante minoritária da população1 1 Um documento do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 2000, fala em 275 milhões de usuários de internet em todo o mundo (para uma população planetária então estimada em 6 bilhões de pessoas) e avalia que, nos Estados Unidos, cerca de 20% dos lares teriam acesso a ela (MCT, 2000, p. 9). . Talvez ainda mais importante, para o usuário comum a experiência de navegação começava tipicamente pelo portal de um provedor de serviço, que orientava fortemente seu percurso, de uma maneira não muito diferente do que ocorria com a mídia tradicional. Em suma: o impacto da internet na configuração do ambiente comunicacional era relativamente pequeno.

O cenário atual é muito diferente. O rápido avanço das tecnologias da comunicação gerou uma situação em que a reivindicação central do jornalismo profissional, de ser o agente autorizado a expor o mundo para o público, é desafiada de múltiplas maneiras. Ao contrário, porém, do que preconizava a crítica “progressista” aos meios de comunicação de massa e ao monopólio discursivo de que eles desfrutavam, o principal aspecto do novo ambiente comunicacional não é a pluralização de vozes e de perspectivas sociais e políticas, que permitiria ampliar e aprofundar o debate público. Segundo uma leitura muito difundida, o efeito principal das novas tecnologias é a formação de enclaves discursivos fechados em si mesmos (“bolhas”) e a erosão da referência a uma realidade fática comum, necessária para o avanço de qualquer troca argumentativa (“pós-verdade”).

São questões disputadas. “Pós-verdade” é, em grande medida, uma expressão retórica que não alcançou o estatuto de um conceito, ainda que haja autores que se esforçam para dotá-la de maior rigor (Harsin, 2018 Harsin, Jayson (2018). “Post-truth and critical communication studies”. In: Oxford research encyclopedia of communication. Oxford, Oxford University Press, on-line. Disponível em https://oxfordre.com/communication/view/10.1093/acrefore/9780190228613.001.0001/acrefore-9780190228613-e-757, consultado em 14/06/2020.
https://oxfordre.com/communication/view/...
; Block, 2019Block, David. (2019), Post-truth and political discourse. Cham: Palgrave-Macmillan.; Kapolkas, 2019Kapolkas, Ignas. (2019), A political theory of post-truth. Cham: Palgave Macmillam.). Ela busca sintetizar um conjunto de fenômenos que emergiram para a consciência pública no início do século XXI, concomitantemente à disseminação da internet e, em particular, das mídias sociais: ampliação da desconfiança nas fontes até então julgadas legítimas de saber (como a ciência, a escola e também o jornalismo) e disseminação de um relativismo radical, levando à crença de que não há possibilidade de estabelecer com segurança qualquer fato e à equalização de todos os discursos como “opiniões” de valor simétrico. Estudos mostram também que a inconsistência gritante em discursos públicos, como quando um líder político sustenta afirmações contraditórias de forma simultânea ou quase simultânea, mostra-se insuficiente para erodir a adesão de seus partidários, em contraste com as percepções anteriores sobre o processo de produção da confiança nas relações interpessoais (Lewandowsky et al., 2017 Lewandowsky, Stephan et al. (2017), “Beyond misinformation”. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6 (4): 353-69.). É evidente, portanto, que há um mal-estar informacional.

Mas não está pacificado se a “pós-verdade” se refere a uma incerteza epistêmica generalizada ou localizada - ou, então, ao uso estratégico que dela fazem alguns agentes políticos. Nem mesmo há consenso sobre qual o grau de ruptura com a situação anterior, já que muitas das características apontadas na pós-verdade podem ser identificadas no passado. A disseminação de fake news remete ao velho uso interessado da mentira por agentes políticos (mas não só eles). Bolsões de crenças em práticas desacreditadas pela ciência são antigos, mesmo entre pessoas que tiveram acesso à educação formal, como exemplificam os casos da astrologia e da homeopatia, entre outros. De maneira mais geral, como escreveu Paul Ricœur (1965Ricœur, Paul. (1965), De l’interprétation. Paris: Seuil .), herdamos de Marx, Nietzsche e Freud uma “hermenêutica da suspeição”, segundo a qual qualquer discurso busca esconder interesses aos quais serve. Todas estas são características que podem ser reencontradas no cenário da pós-verdade2 2 O novo, talvez, resida no fato de que a hermenêutica da suspeição aponta para a veracidade ou sinceridade dos discursos, isto é, para a relação entre seus enunciados e as reais intenções dos emissores. Já a pós-verdade impõe dificuldades crescentes para o resgate de outra (e mais básica) condição de validade do discurso - para usar a terminologia de Habermas ([1981] 2003, vol. 1) -, a verdade. A fundamentação da reivindicação de verdade é impossibilitada quando qualquer comprovação apresentada é descartada a priori como possivelmente falsa ou manipulada. .

Já a percepção de que as interações nos novos meios digitais tomam a forma de “bolhas” (Pariser, 2011Pariser, Eli. (2011), The filter bubble. Nova York: Penguin.) ou de “câmaras de eco” (Sunstein, 2009Sunstein, Cass R. (2009), Republic.com 2.0. Princeton: Princeton University Press.) tem sido desafiada por estudos empíricos (Dubois e Blank, 2018Dubois, Elizabeth & Blank, Grant. (2018), “The echo chamber is overstated”. Information, Communication & Society, 21 (5): 729-45.; Cardenal et al., 2019Cardenal, Ana S. et al. (2019), “Echo-chambers in on-line news consumption”. European Journal of Communication, 34 (4): 1-17.). Ao que parece, a abundância de fontes e o caráter caótico da disseminação da informação na era da internet tornam inevitável que as pessoas tenham contato com visões diferentes das suas. No entanto, o fenômeno que a noção de “bolha” pretende explicar - a invulnerabilidade das opiniões aos argumentos contrários - permanece central para a compreensão do avanço de formas agressivas de polarização social e política e da situação de pós-verdade. Talvez seja possível supor que, embora o enfrentamento com visões de mundo diversas seja inevitável, a abundância de informações dá a cada um acesso a um grande contingente de discursos de reforço às próprias convicções, permitindo descartar, sem muito estresse, aqueles que a contrariam. Mais do que um muro inexpugnável, portanto, a “bolha” ou “câmara de eco” funcionaria como um mecanismo de redução do custo de lidar com a dissonância cognitiva.

Diante disto, qual é a situação do jornalismo? Trata-se de uma das vítimas da pós-verdade, que põe em xeque sua pretensão de relatar a realidade de forma fidedigna - pretensão que, por sua vez, é o que embasa sua legitimidade diante do público. Ao mesmo tempo, uma organização do mundo social na forma de bolhas invalida a capacidade do jornalismo de produzir uma narrativa comum a partir da qual a vida em sociedade é experienciada; isto é, compromete o poder de agenda que, há décadas, a literatura indica como sendo o fundamento de sua influência (McCombs e Shaw, 1972McCombs, Maxwell & Shaw, Donald. (1972), “The agenda-setting function of mass media”. Public Opinion Quarterly, 36 (2): 176-87.). Os termos da discussão podem ainda estar fluidos e sob contestação, mas resta pouca dúvida de que, nas últimas décadas, a posição do jornalismo mudou significativamente e que uma descrição de seu funcionamento como aparelho social feita no século XX não se adequa às circunstâncias de hoje. Em particular, como já apontam algumas pesquisas, seu funcionamento como sistema perito se encontra sob ameaça (Bezerra e Almeida, 2020 Bezerra, Arthur Coelho & Almeida, Marco Antônio de. (2020), “Rage against the machine learning”. Brazilian Journal of Information Studies, 14 (2): 6-23.; Aguiar e Rodrigues, 2021Aguiar, Leonel Azevedo de & Rodrigues, Cláudia Miranda. (2021), “Expertise no jornalismo”. Chasqui, 147: 243-57.; Cesarino, 2021Cesarino, Letícia. (2021), “Pós-verdade e a crise do sistema de peritos”. Ilha, 23 (1): 73-96; Freitas, 2021Freitas, Gustavo. (2021), “Regimes de verdade e discurso jornalístico”. Revista Comunicando, 10 (2): 186-206.; Roxo e Aguiar, 2021Roxo, Luciana & Aguiar, Leonel. (2021), “O populismo digital e a infodemia”. Revista Comunicando , 10 (2): 138-63.).

A primeira seção do artigo desenvolve a ideia de que o jornalismo funcionava como um sistema perito, expondo as peculiaridades do sistema de crenças que sustentava sua legitimidade pública. A segunda seção sumariza os desafios que as novas tecnologias apresentam para as empresas de comunicação em geral e para o jornalismo profissional em particular, destacando a competição ampliada pela atenção pública e a predileção crescente dos consumidores por informação gratuita. A terceira seção trata da crise de legitimidade que o jornalismo atual enfrenta, em especial com a produção permanente da incerteza sobre a veracidade de qualquer informação, própria do contexto da pós-verdade - e como ele tem buscado reagir. A conclusão, enfim, discute as implicações do atual ambiente de comunicação para a democracia.

O jornalismo como sistema perito

O conceito de sistema perito (expert system), com o qual Anthony Giddens elabora motivos weberianos para indicar uma característica fundante do mundo moderno, se refere a “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social” (Giddens, [1990] 1991 Giddens, Anthony. ([1990] 1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp., p. 35), incluindo saberes, práticas e artefatos. Somos todos clientes desses sistemas, exceto na (necessariamente reduzida) área de expertise de cada um - e a posição de cliente implica crer na competência do sistema sem dispor dos instrumentos para fazer uma avaliação acurada de seu funcionamento. É a crença do paciente na ciência médica, encarnada no médico, e na indústria farmacêutica, incorporada no medicamento; do passageiro na engenharia aeronáutica, materializada no avião, e no treinamento do piloto. Em geral, o paciente ou o passageiro não têm condições de avaliar os saberes especializados de que vai se valer: ele confia em seus portadores (sejam eles pessoas ou equipamentos). Esta é uma vivência cotidiana no mundo moderno, presente em situações tão comezinhas quanto acionar o interruptor para acender a luz, ligar a televisão ou o computador, andar de automóvel, ônibus ou metrô, passar sobre uma ponte.

Como observa Giddens, a confiança no sistema perito é semelhante à crença depositada no xamã de uma sociedade tradicional, mas com duas diferenças importantes. O conhecimento do perito é, em tese, acessível a qualquer um que se disponha a aprendê-lo. E sua esfera de competência é restrita: em outros campos, ele fica reduzido à posição de leigo. Já o “guardião da tradição” dispõe de “um status distinto e generalizado na comunidade” (Giddens, [1995] 1997Giddens, Anthony. ([1995] 1997), “A vida em uma sociedade pós-tradicional”. In: Giddens, Anthony et al. Modernização reflexiva. São Paulo: Editora Unesp ., pp. 83-4) e jamais se torna uma pessoa leiga.

Além disso, nossa dependência dos sistemas peritos é incomparavelmente maior. Num trecho famoso, que antecipa o cerne da formulação de Giddens, Max Weber elucida o sentido da racionalização do mundo, “criada pela ciência e orientada cientificamente pela tecnologia”, indicando que o domínio da natureza pela humanidade (no coletivo) leva a um menor domínio de cada ser humano sobre o ambiente que o cerca. Comparando um estudante que acompanhe sua palestra a “um índio americano ou um hotentote”, no que diz respeito ao conhecimento sobre as próprias condições de vida, ele conclui que “o selvagem […] conhece, de maneira incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza” (Weber, [1919] 1995Weber, Max. ([1919] 1995), “A ciência como vocação”. In: Metodologia das Ciências Sociais, parte 2. São Paulo: Cortez., p. 439).

Com base nesse conceito, é razoável entender o jornalismo como um sistema perito que estabelece com seu público - o leitor, ouvinte ou espectador, no papel de consumidor de notícias - uma relação similar à dos outros sistemas. A confiança depositada no jornalismo pode ser dividida em três momentos: 1) quanto à veracidade das informações relatadas; 2) quanto à justeza na seleção e hierarquização dos elementos importantes ao relato; 3) quanto à justeza na seleção e hierarquização das notícias diante dos “fatos” disponíveis. O primeiro momento corresponde à objetividade factual e à distinção mais básica entre verdade e mentira. O segundo e o terceiro momentos se deslocam para as questões relacionadas aos enquadramentos e ao poder de agenda do jornalismo.

Há uma característica distintiva do jornalismo, em relação a outros sistemas de especialização técnica: a baixa capacidade de comprovação independente da correção da confiança do público. A crença nos sistemas peritos não é gratuita, nem irracional; ela é sustentada pela experiência cotidiana, que confirma que eles funcionam. Via de regra, os aviões chegam a seus destinos, os médicos aliviam as doenças, os edifícios e as pontes não desabam. Minha confiança é sustentada pelo uso que faço deles (ou que pessoas próximas fazem). Mas a comprovação da efetividade do jornalismo - de que ele fornece o que promete - é mais difícil. O primeiro momento da crença do consumidor de informação (a veracidade do relato) permite a verificação apenas em certos casos, quando há possibilidade de conferir diretamente. Mas se a notícia se refere a um local física ou socialmente distante, poucos leitores terão condições de confirmar a exatidão da informação. A verificação do segundo momento da crença no jornalismo (na seleção dos elementos que compõem a notícia) é ainda mais difícil. Sua comprovação (ou não) exige o conhecimento íntimo de realidades que fogem por inteiro da vivência do consumidor de informação. Como saber, por exemplo, se o relato de uma manifestação não deixa de fora aspectos relevantes, quanto este relato é a única via de acesso a ela? Esta é, afinal, a justificativa da existência do jornalismo como sistema especializado de transmissão de informações: o fato de que nossa vida cotidiana nos coloca em contato com uma parcela muito restrita das informações de que podemos precisar para orientar nossa vida em sociedade.

Da mesma forma, a verificação do terceiro momento (a crença na correta seleção das notícias, diante dos fatos disponíveis) é inacessível para os consumidores de informação. Por vezes, determinada vivência pode levar ao questionamento dos critérios de seleção da imprensa - quando alguém está envolvido em algum acontecimento que julga que tem envergadura e percebe que ele foi ignorado pela imprensa. Mas é, no máximo, algo pontual. Não é possível questionar globalmente a seleção das notícias, já que o universo de fatos dos quais cada um toma conhecimento independente da imprensa é muito restrito.

Um ponto adicional deve ser abordado. A confiança não se sustenta apenas na experiência prática do funcionamento do sistema, mas também em “forças reguladoras”, isto é, “organismos que licenciam máquinas, mantêm vigilância sobre os padrões dos fabricantes de aeronaves, e assim por diante” (Giddens, [1990] 1991 Giddens, Anthony. ([1990] 1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp., pp. 36-7). Sei que posso usar os produtos ou contratar os profissionais sem receio porque eles estão sob supervisão de tais agências. É possível dizer que elas funcionam como metassistemas peritos (Miguel, 1999 Miguel, Luis Felipe . (1999), “O jornalismo como ‘sistema perito’”. Tempo Social, 11 (1): 197-208.), já que o público deve conferir a elas a mesma confiança desprovida de expertise que confere aos sistemas que elas supervisionam ou regulam. O cliente que não tem como aquilatar a competência do médico ou a segurança do avião também não saberá avaliar a justeza das medidas do conselho de medicina ou da agência reguladora do tráfego aéreo.

O conceito de metassistema perito pode ser ampliado para abranger os variados mecanismos que operam para reforçar a crença no funcionamento de determinados sistemas, para além da experiência individual dos consumidores. É o caso, por exemplo, da publicidade comercial, cuja ação Giddens ignora, e cujo discurso, embora voltado para a promoção de marcas específicas, afirma a eficácia daquela classe de produtos (e dos saberes nela materializados). Outro caso é, naturalmente, o jornalismo. Ele também amplia a experiência do consumidor de informação, para além de sua vivência pessoal, confirmando ou desmentindo as crenças estabelecidas na fiabilidade dos saberes incorporados em profissionais ou em artefatos. Ele funciona como um foro permanente de legitimação ou deslegitimação dos diversos sistemas peritos.

Cabe perguntar quem cumpre o papel de metassistema em relação ao próprio jornalismo. Em alguns casos, há mecanismos legais de reparação, que visam a impedir calúnia ou difamação, mas são morosos, envolvem aspectos polêmicos ligados à liberdade de expressão e, sobretudo, não atingem, de forma nenhuma, o segundo e o terceiro momentos da fé do consumidor de informação: a confiança na justeza da seleção dos elementos do relato e dos fatos considerados mais importantes. Quanto a isto, apenas o próprio jornalismo pode controlar a si mesmo. Ou seja, a responsabilidade é colocada nas mãos da concorrência. No entanto, ela é um mecanismo de controle muito insuficiente. A própria prática jornalística estrutura certas disposições que fazem com que o profissional tenda a selecionar determinado tipo de fato como relevante, dada a uniformização dos critérios de noticiabilidade. Além disso, os grandes órgãos de imprensa compartilham uma mesma visão de fundo - afinal, são grandes empresas capitalistas e, ademais, dependentes de anunciantes que também são, por sua vez, grandes empresas capitalistas. Há um interesse de classe compartilhado pelos controladores dos meios de comunicação.

Em suma, a concorrência funciona de maneira muito imperfeita como metassistema perito para o jornalismo. Ela o faz em alguma medida, como mostram a busca pelo furo de reportagem, a denúncia das “barrigas” alheias ou mesmo o intento de oferecer uma cobertura mais completa do que a dos outros veículos. Mas, se a competição funciona no varejo, no atacado permanece a pressão uniformizante provocada pela maneira de ver o mundo compartilhada pelos jornalistas, pelo interesse de classe dos proprietários e pela influência dos anunciantes.

O desafio das novas tecnologias

A crítica à posição ocupada pela mídia empresarial nas sociedades capitalistas contemporâneas (sugerida, ainda que não desenvolvida, no final da seção anterior) aponta para o baixo pluralismo como seu principal problema. Donos de empresas de comunicação, por um lado, e jornalistas, por outro, ocupam localizações sociais similares, o que implica interesses e perspectivas comuns. Na medida em que o jornalismo, como sistema, monopoliza a capacidade de dizer o mundo para o público, seu discurso particular vai transitar socialmente como universal. As implicações são profundas, tanto na autocompreensão dos grupos sociais subalternos quanto na estruturação do debate político - uma vez que os meios de comunicação podem ser considerados uma esfera de representação política, aquela em que são representadas as vozes relevantes para a troca pública de razões (Miguel, 2014Miguel, Luis Felipe. (2014), Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Editora Unesp .).

Neste cenário, as novas tecnologias da informação surgiram como uma esperança de democratização. Elas propiciaram uma brutal redução dos custos de produção e distribuição, além de quebrar restrições técnicas (como as que limitavam o número de estações de rádio e televisão). A fantasia alimentada por Brecht em relação ao rádio, quando imaginou que cada pessoa seria uma estação transmitindo de sua própria casa, ressurgiu com mais força e, talvez, também mais fundamento. Não é meu objetivo aqui contar a história, tantas vezes narrada, da ascensão e queda da profecia de que a internet seria o instrumento de uma democratização radical em todos os âmbitos da vida social. O ponto é indicar que, em relação aos meios de comunicação de massa, ela realizou um aspecto das previsões, a perda de centralidade dos veículos tradicionais. Mas quanto ao outro aspecto, a emergência de uma pluralidade de vozes que permitiria um debate público muito mais vibrante, é inevitável constatar que malogrou.

Falar da perda de centralidade dos veículos tradicionais, como no parágrafo anterior, não equivale a afirmar que eles se tornaram irrelevantes. É razoável avançar a hipótese de que continuam detendo grande influência na produção da agenda, mesmo em relação aos novos circuitos de difusão de informação. A “velha mídia” pauta websites, blogs e redes sociais todos os dias; o que eles fazem, muitas vezes, é reinterpretar ou mesmo desmentir o que é noticiado pelo jornalismo3 3 A fragmentação dos espaços de produção de discursos públicos também gera novos desafios para a pesquisa empírica sobre jornalismo e política. Há, no entanto, um bom conjunto de trabalhos, focando processos diversos, que fundamentam a afirmação feita aqui - por exemplo, Sayre et al (2012), Skogerbø e Krumsvik (2014), Harder et al. (2017), Su e Borah (2019) e Gilardi et al (2021) . É bem verdade que a influência na direção contrária (as redes pautando jornais ou telejornais) parece ocorrer com frequência crescente, mas, ainda assim, a mediação dos veículos tradicionais permanece relevante para que um tema ingresse na agenda pública geral, já que eles tendem a atingir um público menos segmentado4 4 Sobretudo quando se leva em conta que tendem a agir como um sistema de agendamento mútuo, em que o veículo A e o veículo B podem atingir públicos distintos, mas vão coincidir em grande parcela dos assuntos tratados. . A situação ganha complexidade maior ainda pelo fato de que muitos agentes, como políticos, governos, empresas e celebridades do show business, usam as novas ferramentas com o duplo propósito de falar com suas redes e atingir a imprensa - que, por sua vez, investe considerável energia em monitorar espaços como o microblog Twitter ou a rede social Instagram (Ekman e Widholm, 2015Ekman, Mattias & Widholm, Andreas. (2015), “Politicians as media producers”. Journalism Practice, 9 (1): 78-91.).

Para colocar o ponto de maneira sintética: os primeiros desafios que as novas tecnologias apresentam à mídia tradicional e, em particular, ao jornalismo não se ligam à produção da informação ou à formação da agenda pública, mas à concorrência pela atenção e ao financiamento. Começo por este último. As novas plataformas favorecem a circulação de informação grátis - o que compromete, em primeiro lugar, a vendagem dos veículos impressos. E elas permitem também que os consumidores de informação escapem da publicidade comercial, o que atinge todas as mídias. Apesar dos gigantescos esforços das empresas, a propaganda on-line ainda se mostra menos eficaz, seja porque é eliminada nos múltiplos processos de compartilhamento da informação, seja porque existem ferramentas tecnológicas para fugir dela (como bloqueadores de anúncios), seja ainda porque enfrenta a resistência dos usuários que a veem como imposições que prejudicam a fruição dos conteúdos que desejam acessar.

No entanto, a produção da informação, e sobretudo da informação de qualidade, que ande na contramão de discursos oficiais, continua tendo custos. O financiamento pelo mercado, tanto de anunciantes quanto de leitores, tinha problemas, mas apresentava ao menos a promessa de uma deontologia apoiada em valores de independência e imparcialidade - que nunca eram inteiramente realizados, mas formavam um horizonte normativo a partir do qual avaliar as práticas jornalísticas efetivas. Hoje, a sustentação deste modelo está cada vez mais difícil.

Não se trata só da pressão sobre o jornalismo propriamente dito. Toda a rede de financiamento dos veículos tradicionais foi atingida pela mudança tecnológica, enfraquecendo um modelo que permitia às empresas sustentar um jornalismo por vezes deficitário ou pouco lucrativo. A expansão da internet levou ao súbito desaparecimento de importantes fontes de receita, como os anúncios classificados - o surgimento da Craiglist, nos Estados Unidos, em 1995, é considerado o momento de virada, a partir do qual as seções de classificados nos jornais estavam condenadas. E reduziu a audiência da mídia tradicional, já que o público passou a dedicar à internet uma parte crescente do tempo que antes gastava, por exemplo, vendo televisão (Liebowitz e Zentner, 2012Liebowitz, Stan J. & Zentner, Alejandro. (2012), “Clash of the titans”. The Review of Economics and Statistics, 94 (1): 234-45.), com impacto na captação de publicidade.

Assim, para o jornalismo produzido na mídia comercial, colocam-se pressões contraditórias. Com receitas declinantes, as empresas são levadas a cortar custos e reduzir pessoal, mas com isso reduzem seu diferencial de qualidade em meio à cacofonia de informações presente no mundo virtual. Se apertam os controles para impedir a difusão indiscriminada de seus conteúdos, correm o risco de reduzir sua influência na opinião pública e frustram as expectativas de um público que passou a ver no compartilhamento uma forma de ocupar uma posição menos passiva na economia da disseminação da informação (Oeldorf-Hirsch e Sundar, 2015Oeldorf-Hirsch, Anne & Sundar, S. Shyam (2015), “Posting, commenting, and tagging”. Computers in Human Behavior, 44:240-9.; Choi, 2016Choi, Jihyang. (2016), “News internalizing and externalizing”. Journalism & Mass Communication Quarterly, 93 (4): 1-20.), além de entrar numa disputa provavelmente inglória com tecnologias projetadas para burlar tais barreiras. Se esmaecem a fronteira entre noticiário e conteúdo patrocinado - o que é uma forte tendência em empresas jornalísticas às voltas com receitas publicitárias minguantes (Hirst, 2017Hirst, Martin. (2017), “Towards a political economy of fake news”. The Political Economy of Communication, 5 (2): 82-94., p. 89) - ou, a fortiori, aceitam o financiamento oculto de quem não deseja dar visibilidade a marcas e produtos, mas sim influenciar no debate público5 5 Estudos têm mostrado a “repartidarização” da imprensa brasileira (Lattman-Weltman e Chagas, 2016). , colocam-se a serviço de interesses políticos e comerciais de uma maneira que tende a minar sua credibilidade.

Pelo mundo afora, as maiores empresas jornalísticas sobrevivem num equilíbrio instável entre tais exigências. As fórmulas adotadas - como o paywall poroso, que permite acesso gratuito a uns poucos conteúdos a cada semana ou mês, exigindo pagamento uma vez superado o limite, ou a permissão de compartilhamento em redes sociais de um número também restrito de links por cada assinante - são reveladoras das pressões contraditórias que os veículos enfrentam. Eles também têm uma relação conflituosa com as plataformas on-line, para as quais produzem conteúdo sem obter remuneração, o que levou, por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo a interromper a publicação no Facebook (Myllylahti, 2018Myllylahti, Merja. (2018), “An attention economy trap?”. Journal of Media Bussiness Studies, 15 (4): 237-53.). Propostas inovadoras para a sustentação econômica de um jornalismo imparcial e de qualidade, do crowdfunding cidadão ao financiamento público para empreendimentos independentes, nos moldes da pesquisa acadêmica, como propõe Robert McChesney (2013McChesney, Robert W. (2013), Digital disconnect. Nova York: The New Press.), não têm sido implantadas, a não ser em pequena escala.

Por vezes, os veículos de imprensa se veem forçados a uma espécie de “fuga para a frente”, abandonando a seus concorrentes setores inteiros que antes cobriam. Foi o que ocorreu com os anúncios classificados; mais tarde com a agenda cultural (programação de cinema, teatro etc.), hoje disponibilizada on-line; enfim, com os resultados de campeonatos esportivos. Instada pelo ombudsman do jornal a explicar o definhamento do noticiário de esportes, a secretaria de redação da Folha de S.Paulo explicou que estava ocorrendo a transição “para uma edição qualitativa, em que [o jornal] possa oferecer enfoques diferenciados ao leitor, conteúdos que ele não encontra na maciça cobertura esportiva de tvs, streamings e redes sociais” (apudMariante, 2022Mariante, José Henrique. (2022), “O Brasil tá vendo. E a Folha?”. Folha de S.Paulo, 13 fev., p. a-5., p. a-5). A rigor, tal movimento pode se espraiar para toda a cobertura, não apenas para a seção de esportes. Um reposicionamento que pode fazer sentido, mas que marca, inequivocamente, a demissão da missão original do jornalismo, que consiste em relatar ao público a realidade factual à qual ele não tem acesso direto6 6 Este caminho leva a imprensa a se constituir como um mostruário de opiniões, menos ou mais plural conforme seu posicionamento no mercado (Vieira, 2021). .

A situação para o jornalismo profissional de qualidade é desafiadora sobretudo porque, num ambiente saturado de informação, a esfera pública se organiza como uma competição pela atenção. O sensacionalismo se impõe, quase que naturalmente, como caminho mais óbvio para obter sucesso. Dada a relativa horizontalidade da rede, notícias produzidas dentro dos parâmetros da melhor deontologia jornalística concorrem com manchetes de caçadores de cliques (websites que são remunerados pelo tráfego em suas páginas e que, portanto, lutam desesperadamente para atrair os internautas). É claro que uma cobertura ponderada, que tenha a pretensão de ser fiel aos fatos e de ao menos arranhar a complexidade do mundo, parte em desvantagem. São estímulos aos quais o jornalismo não é insensível; como alguns pesquisadores apontam, seus critérios de seleção transitam dos “valores-notícia” para os “valores-compartilhamento” (Trilling et al., 2017Trilling, Damian et al. (2017), “From newsworthiness to shareworthiness”. Journalism & Mass Communication Quarterly , 94 (1): 1-23.).

Ao mesmo tempo, as funções do jornalismo continuam tendo que ser supridas. A pulverização dos canais potenciais de publicização de discursos não eliminou a necessidade de gatekeepers, isto é, de alguém que recolha, selecione e hierarquize as informações. Mesmo que as novas tecnologias possam ter viabilizado o acesso direto a algumas delas, o integrante comum do público não tem condições de assumir o trabalho de filtrá-las. Não é razoável esperar que todos tenham que ler milhares e milhares de páginas de documentos vazados pelo Wikileaks ou assistir a horas intermináveis de vídeos postados por mídias-ninjas para, a partir daí, encontrar aquilo que é importante. Pode ser que a função de selecionador da informação seja ocupada por mais pessoas e por pessoas mais diferentes entre si, o que tem potencial democratizador. Mas não é imaginável que cada indivíduo precise se defrontar com uma avalanche de informação não selecionada e não hierarquizada a cada dia.

Além disso, continua a ser necessária uma agenda pública comum. A multiplicidade de gatekeepers pode gerar uma multiplicidade de critérios de seleção diferentes, o que também é potencialmente democratizador. Mas leva ao risco de formação de bolhas que não se comunicam entre si. De fato, a disponibilidade quase inesgotável de informação pode levar a níveis antes inimagináveis de alienação, já que cada um pode se limitar a um conjunto microscópico de temas e interesses - cada um deles provavelmente produz informação suficiente na internet para manter alguém ocupado em tempo integral. Os algoritmos das redes sociais, que são centrais no processo de produção de bolhas (Pariser, 2011Pariser, Eli. (2011), The filter bubble. Nova York: Penguin.), reforçam esta tendência No entanto, isso não elimina o fato de que haverá uma agenda pública que norteará as decisões de alcance coletivo. Se a multiplicidade de gatekeepers permite equalizar um pouco a disputa pela construção dessa agenda, isso é positivo. Mas o efeito pode ser apenas por nos tornar menos conscientes dela, por nosso isolamento em mundos estanques.

A crise de legitimidade do jornalismo

O percurso traçado até aqui deixa claro que as novas tecnologias da comunicação, facultando o acesso de um grande número de pessoas a meios de disseminação de conteúdos que antes eram caros e exclusivos, ampliam a concorrência ao jornalismo profissional. Mas é a erosão dos critérios de verdade que dificulta que este mesmo jornalismo profissional empunhe os valores de uma expertise única, que serviria para diferenciá-lo de seus novos competidores. Numa situação em que todos os relatos são igualados como “narrativas” incapazes de embasamento seguro num mundo real, objetivo e compartilhado, a informação produzida por uma redação de repórteres experientes guarda, por definição, tanto valor de verdade quanto aquela disseminada por outro sujeito qualquer. O mesmo vale, aliás, para as vozes das autoridades, tanto funcionários públicos quanto sábios, nas quais o jornalismo com frequência sustentava seus relatos, servindo de intermediário entre elas e os cidadãos comuns.

Cada vez mais, a identificação entre o emissor e seu público torna-se a chave para o sucesso do processo comunicativo. À credibilidade da fonte original da informação, isto é, de quem a produziu, junta-se a credibilidade/familiaridade da fonte do seu compartilhamento. Não se trata de fenômeno inédito - Katz e Lazarsfeld (1964Katz, Elihu & Lazarsfeld, Paul F. (1964), Personal influence. Nova York: Free Press.) já assinalavam a importância dos “líderes de opinião” -, mas ganha novas dimensões com a internet, sobretudo pela ampliação exponencial do círculo sobre o qual um mesmo indivíduo pode exercer sua influência (Turcotte et al., 2015Turcotte, Jason et al. (2015), “News recommendations from social media opinion leaders”. Journal of Computer-Mediated Communication, 20 (5): 520-35.)7 7 A pesquisa sobre as práticas de consumo/compartilhamento de notícias nas mídias sociais ainda é incipiente. São canais múltiplos, com dinâmicas diversas (basta pensar em Facebook, Twitter e WhatsApp, por exemplo) e uma multidão de usuários, também muito diversos entre si, que não reagem necessariamente de maneira igual a diferentes circunstâncias. Boa parte da pesquisa empírica é baseada em observação limitada ou na construção de situações “de laboratório” bastante estilizadas - em um caso como no outro, com baixo potencial de generalização. Para uma revisão parcial da literatura, ver Kümpel et al (2015) . O jornalismo profissional apoia-se, como outros sistemas de expertise, no princípio oposto, isto é, na distância entre os meros consumidores e os especialistas (na captura e seleção de informação)8 8 Isto não significa que mecanismos de identificação com o público não sejam postos em ação pelo jornalismo profissional, apenas que eles representam um segundo momento da relação, subsidiário à afirmação do distanciamento entre quem tem e quem não tem competência para dizer o mundo. A identificação cumpre papel sobretudo na dinâmica da “objetivação de padrões morais” (Ettema e Glasser, 1998, p. 71; ênfase retirada), com a qual o jornalismo se coloca como “consciência” do mundo social. Sobre o tema, ver Biroli e Miguel (2012) .

Esta distância é própria da relação entre um interlocutor que controla capital cultural e outro que não o controla. Em texto anterior, descrevi o cenário da pós-verdade como uma “cruzada contra o capital cultural” (Miguel, 2021Miguel, Luis Felipe. (2021), “A cruzada contra o capital cultural”. Paper apresentado no XXX Encontro Anual da Compós. São Paulo, 27 a 30 de julho.). O reconhecimento “espontâneo” que era fornecido aos detentores de capital cultural, tal como identificado por Bourdieu (2016Bourdieu, Pierre. (2016), Sociologie générale: cours au Collège de France (1983-1986), vol. 2. Paris: Seuil., p. 261), desliza para seu oposto. Qualquer reivindicação de uma autoridade baseada em competência diferencial é rechaçada como inaceitável e antidemocrática. De maneira talvez paradoxal, esse discurso é mobilizado sobretudo por setores extremados da direita política. Ou seja: o setor ideológico que mais defende uma sociedade hierárquica é aquele que adere à recusa radical de hierarquias quanto se trata de conhecimento.

São afetadas até as ciências naturais, como bem exemplificam o negacionismo climático, o negacionismo epidemiológico, o criacionismo e o terraplanismo. Os procedimentos científicos de testagem e comprovação de hipóteses são ignorados, por meio de uma mescla de relativismo radicalizado (nada, afinal, pode ser provado para além de qualquer dúvida), de reforço da crença na experiência pessoal direta e de democratismo (a opinião do amador sem formação tem tanta autoridade quanto a afirmação do cientista).

A produção interessada de controvérsias em questões de ciência não é nova, mas é possível identificar mudanças em relação às técnicas usadas desde o início do século passado. Indústrias como a do tabaco, a dos pesticidas, a dos combustíveis fósseis ou, antes ainda, a das tintas à base de chumbo (Michaels, 2008Michaels, David. (2008), Doubt is their product. Oxford: Oxford University Press.) patrocinavam pesquisas que favorecessem seus interesses, a fim de induzir a ideia de que permaneciam polêmicas abertas em questões sobre as quais o consenso científico já estava estabelecido havia muito - como os riscos da contaminação por chumbo nos anos 1920, os malefícios do cigarro nos anos 1950, os efeitos dos venenos agrícolas ou da poluição por monóxido de carbono nos anos 1960. Hoje, ainda há investimento nos “mercadores da dúvida” (Oreskes e Conway, 2010Oreskes, Naomi & Conway, Erik M. (2010), Merchants of doubt. Nova York: Bloomsbury.), isto é, naqueles que alugam suas credenciais como cientistas e mimetizam os procedimentos consagrados de pesquisa para produzir resultados que sustentem os interesses das indústrias. Mas, em paralelo, há a aposta na afirmação de certezas invulneráveis ao debate e ao questionamento por parte de detentores de competências especializadas.

Como o discurso científico não pode abrir mão da possibilidade da dúvida, ele fica, por um lado, vulnerável às manobras dos patrocinadores de pesquisas enviesadas e, por outro, inferiorizado diante das crenças irredutíveis de quem não se guia por seus métodos9 9 O trecho de um documentário sobre o divulgador científico estadunidense Bill Nye serve de ilustração. Ao final de um debate entre Nye e Ken Ham (criacionista, defensor da terra jovem e negacionista climático), o moderador pergunta a ambos o que os faria mudar de opinião. Nye diz que ele mudaria de opinião caso apresentado a qualquer evidência sólida. Ham diz que, como a Bíblia é a palavra de Deus, não muda de opinião de jeito nenhum. E a plateia aplaude entusiasticamente a resposta de Ham, impressionada com a coerência de suas convicções (Alvarado e Sussberg, 2017). . No caso das ciências históricas, que já gozavam de menor legitimidade social do que as ciências naturais, um mecanismo importante de deslegitimação do capital cultural é que a evidência anedótica ganha peso superior à pesquisa. Se meu vizinho bem de vida cursa uma universidade pública, então ela é reduto de privilegiados e deve cobrar mensalidade, não importa o que digam os dados sobre o perfil do estudantado. Se meus parentes têm boas lembranças dos anos 1970 e nunca sofreram violências, então não é verdade que o Brasil vivesse na época sob uma ditadura. A este tipo de falácia, acrescenta-se uma exacerbação da plasticidade dos conceitos, que poderiam ser redefinidos praticamente ao infinito, sem necessidade de qualquer referência a sentidos compartilhados. Alcança-se um nominalismo radical, que permite, por exemplo, justificar, a partir de uma compreensão arbitrária do significado da metáfora espacial esquerda-direita como organizadora dos conflitos políticos, a conclusão de que “o nazismo era de esquerda” (Andrade, 2019Andrade, Érico. (2019), “Sobre o espólio do mal”. Le Monde Diplomatique, on-line, 25 de abril. Disponível em https://diplomatique.org.br/sobre-o-espolio-do-mal-e-o-nazismo-e-de-esquerda/, consultado em 10/02/2022.
https://diplomatique.org.br/sobre-o-espo...
)10 10 Para discussões sobre o revisionismo histórico, ver Traverso (2015); Sena Jr. et al (2017) .

O estatuto epistemológico e a imagem social do jornalismo certamente são diversos dos das ciências, mesmo das ciências humanas, mas também ele se apresenta como gerador de conhecimento - uma forma de conhecimento cristalizado no singular, para usar a definição lukacsiana de Genro Filho (1987)Genro Filho, Adelmo. (1987), O segredo da pirâmide. Porto Alegre: Tchê!. A ruptura da relação fiduciária entre o jornalismo e seu público é motivada sobretudo por outro aspecto do universo intelectual da pós-verdade: o complotismo. As narrativas presentes nos órgãos de imprensa podem ser descartadas de antemão porque todos eles estariam a serviço de interesses ocultos, em favor dos quais a informação seria manipulada de forma permanente e sistemática.

É possível encontrar essa reação em partidários de diferentes cores políticas, mas ela é bem mais frequente nos círculos conservadores (Lee e Hosam, 2020Lee, Taeku & Hosam, Christian. (2020), “Fake news is real”. Sociological Forum, 51: 996-1018.). À esquerda, também pode ocorrer, por vezes, a recusa sistemática a partes do noticiário - como, para alguns militantes, tudo o que se refere aos regimes da Venezuela ou da Coreia do Norte, para introduzir um exemplo de fácil compreensão. Em geral, porém, é privilegiado um tipo de explicação mais complexo, em que o destaque é concedido mais aos esquemas amplos de formação de sentido sobre o mundo (a ideologia) do que ao falseamento puro e simples da realidade factual. Sem descartar a possibilidade da existência de afinidades eletivas que tornem o pensamento de direita mais propício a alimentar teorias conspiratórias, observo que, no momento atual, é a extrema-direita que assume um discurso vigorosamente antissistêmico e de oposição entre o “homem comum” e as elites degeneradas que o oprimem. Portanto, é para ela que se coloca a necessidade de denunciar os esquemas institucionalizados que impediriam as pessoas de encarar a realidade tal como ela é.

Diante da crescente descrença em seus relatos, o jornalismo descobre que o mesmo mecanismo que fundava o privilégio de dizer o mundo a seu público - a impossibilidade de comprovação direta dos fatos, por parte dos consumidores de informação - compromete a capacidade de apresentar respostas convincentes aos céticos. De fato, seu funcionamento como sistema perito repousa necessariamente na confiança depositada pelos usuários, de uma maneira que o diferencia de muitos dos sistemas peritos “típicos”.

Um tratamento médico, imagina-se, dará resultado mesmo que o paciente não acredite no médico ou nas drogas, assim como o passageiro cético quanto à engenharia do avião ou à qualificação do piloto chegará, a despeito disto, a seu destino. Como observado na primeira seção, são estas experiências concretas, independentes das disposições subjetivas, que propiciam a disseminação da crença em tais sistemas. Quando se fala do cenário da pós-verdade, a autoridade dos especialistas é questionada em questões de médio ou longo prazo, com múltiplas mediações e causalidades cruzadas - como as relações entre tabagismo e câncer, entre ação humana e aquecimento global, entre escravidão e inferiorização social da população negra nas Américas. Não é colocada em xeque a expertise do engenheiro elétrico, se cada vez que aperto o interruptor a luz se acende.

O efeito do jornalismo, por sua vez, depende integralmente da confiança depositada pelo público. Sem ela, não é possível organizar a percepção do mundo e orientar o comportamento dos agentes. Se essa confiança é negada ou está fragmentada, isto é, se não é depositada no jornalismo como sistema relativamente unificado, fica comprometida sua capacidade tanto de agendamento (definição do elenco de questões importantes, às quais a sociedade, em geral, e o campo político, em particular, devem fornecer respostas) quanto de enquadramento (definição das narrativas explicativas possíveis para os problemas identificados na agenda).

Contra isso, as empresas jornalísticas têm investido em duas respostas que estão fadadas ao fracasso, uma vez que, para funcionar, dependem exatamente de que o público mantenha, diante das fontes consideradas legítimas de conhecimento, a postura que se erodiu nos últimos anos. A primeira resposta é o apelo à consciência cívica sobre a necessidade de produção de informações fidedignas, quando não imparciais. Está presente na publicidade dos próprios veículos, em suas campanhas de assinatura e também em recomendações de que qualquer mensagem obtida por outro meio seja confrontada com o relato autorizado do jornalismo profissional. Orienta iniciativas como The Trust Project, que reúne veículos que se comprometem publicamente com a manutenção de elevados padrões éticos na cobertura jornalística, elencados como os “valores” fundadores da autoridade baseada em pesquisa, autenticidade, transparência, inclusividade, imparcialidade e confiabilidade (reliability)11 11 Ver https://thetrustproject.org/ (consultado em 13/02/2022). Dezenas de empresas de mídia do mundo todo são acreditadas como parceiras do projeto, incluindo os jornais El País, Toronto Star e The Washington Post e a revista The Economist Do Brasil, são listados os portais de notícia A Gazeta, do Espírito Santo, e Amazônia Real, do Amazonas. O website da Folha de S.Paulo anuncia que ela participa do projeto, mas não está listada oficialmente (cf. https://www.folha.uol.com.br/, consultado em 13/02/2022). .

Assim, a imprensa se reafirma como capaz de ocupar o ponto de vista da universalidade, a partir da afirmação de valores que, no entanto, há muito são criticados como ilusórios (Miguel e Biroli, 2010Miguel, Luis Felipe & Biroli, Flávia. (2010), “A produção da imparcialidade”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 73: 59-76.). E que foram descartados pelas novas epistemologias populares que ganham força no ambiente da pós-verdade.

A segunda resposta é o recurso às agências de checagem de fatos (fact checking), sejam elas externas aos veículos ou organizadas como seções independentes das redações. Elas são usadas ostensivamente tanto como um antídoto à disseminação de fake news, sobretudo por parte de agentes políticos, quanto como uma comprovação da objetividade (isto é, adequação ao mundo factual) da cobertura jornalística. Cumprem um indisfarçável papel ideológico, na medida em que resumem a acurácia da cobertura à correção na apresentação de determinados dados, como estatísticas ou datas, deixando de fora sejam o agendamento e o enquadramento, sejam os conflitos sociais que atravessam os processos de produção de sentido (Miguel, 2019Miguel, Luis Felipe. (2019), “Jornalismo, polarização política e a querela das fake news”. Estudos em Jornalismo e Mídia, 16 (2): 46-58; Moretzsohn, 2019Moretzsohn, Sylvia Debossan. (2019), “O joio, o trigo, os filtros e as bolhas”. Brazilian Journalism Research, 15 (3): 574-97.).

No entanto, ao terceirizar a checagem dos fatos - ou mesmo ao buscar uma chancela externa para afiançar a veracidade de seus próprios relatos -, o jornalismo abre mão de sua pretensão original, que era exatamente relatar de maneira fidedigna o mundo a seu público. E nem isso garante a recomposição da confiança de seu público. Afinal, o ambiente cognitivo da pós-verdade se organiza como um pesadelo epistemológico, uma vez que, por definição, nenhum sistema pode pretender ocupar a posição de guardião da veracidade factual e todos os discursos com pretensão à veracidade são contestáveis. A parcela do público que desconfia do jornalismo e de suas fontes autorizadas, que julga que eles estão a serviço de interesses inconfessáveis e empenhados em ocultar a realidade, não tem por que não estender essa desconfiança às agências de checagem de fatos às quais recorre a imprensa. Seriam necessárias organizações para atestar a confiabilidade das agências de checagem, mas essas organizações também precisariam ser certificadas, num processo sem fim.

Conclusão

A crer no trajeto percorrido neste artigo, a crise de legitimidade do jornalismo, que compromete sua capacidade de funcionar como sistema perito, se deve a uma multiplicidade de fatores que se retroalimentam e não encontra solução fácil ou óbvia no horizonte. Os problemas identificados há décadas pela literatura crítica sobre a imprensa e os meios de comunicação de massa - baixa pluralidade, autorreferencialidade, vulnerabilidade ao poder econômico, efeito de universalização de uma perspectiva social particular - não foram resolvidos. E a eles foi acrescido um elenco de novas questões, vinculadas à erosão dos critérios compartilhados de validação de discursos e à crescente dificuldade de estabelecer um chão comum para o debate público.

Ao mesmo tempo, as promessas de horizontalidade das novas tecnologias da informação, anunciadas pela primeira geração de entusiastas, não se verificaram. É bem verdade que, hoje, gerar informação é mais fácil, publicá-la tornou-se fácil. No entanto, blogs ou páginas em redes sociais são, para quase todos os usuários, muito mais uma forma de desabafar do que de reconfigurar o debate público. Se esta capacidade depende menos do crédito de que dispunham os portadores de saberes especializados, como o próprio jornalismo, agora se ampara no controle de outros recursos, como o dinheiro. De fato, o enfraquecimento do capital cultural tende a servir ao fortalecimento do capital econômico (Miguel, 2021Miguel, Luis Felipe. (2021), “A cruzada contra o capital cultural”. Paper apresentado no XXX Encontro Anual da Compós. São Paulo, 27 a 30 de julho.), desequilibrando ainda mais a luta “pela imposição do princípio de dominação dominante” e, simultaneamente, “pelo princípio legítimo de legitimação” da dominação social (Bourdieu, 1989Bourdieu, Pierre. (1989), La noblesse d’État. Paris: Minuit., p. 376).

O novo ambiente informacional coloca desafios para o funcionamento da democracia eleitoral e é um dos fatores que compõem sua crise atual. Em contraste com o arranjo da Grécia antiga, de onde retira seu nome de batismo e uma parte de seu imaginário, a democracia moderna prevê uma profunda especialização política, com o exercício direto do poder sendo privilégio de uma minoria de cidadãos. O caráter democrático do sistema depende dos mecanismos de autorização e de responsabilização dos governantes, ambos implementados por meio do voto. Uma vez que o direito de voto se mostrou um incentivo muito fraco para a qualificação política cidadã, o sistema precisa presumir que, mesmo com baixo investimento na aquisição de conhecimentos sobre o mundo social, as pessoas seriam capazes de votar de maneira razoavelmente esclarecida e condizente com seus próprios interesses.

A mídia, assim, ocupa posição central - e dentro dela, em especial, o jornalismo. Ele deve reverberar as pressões de partidos, de movimentos e de outros grupos com interesse político, decantar uma agenda hierarquizada de preocupações comuns, apresentar as alternativas existentes. Com isso, baliza as escolhas das pessoas comuns, permitindo que a democracia eleitoral cumpra seus objetivos. Como já assinalado antes, o jornalismo nunca cumpriu seu papel sem ruídos, mesmo nos países que lograram alcançar uma mídia mais independente e com valores profissionais mais exigentes. De qualquer jeito, sua mediação é parte necessária do modelo.

O novo ambiente comunicacional é o ambiente em que estão erodidas as condições para reproduzir a centralidade inconteste do jornalismo profissional na configuração do debate público - e nada indica que haja um caminho para recompô-las. As gigantes da internet se tornaram grandes demais para serem enfrentadas, sobretudo se suas adversárias serão instituições políticas cuja legitimidade é cada vez menos consensual. As técnicas de capturas de dados, cada vez mais sofisticadas, ampliam a capacidade de manipulação de comportamentos, delas e de seus clientes (Zuboff, 2018Zuboff, Shoshana. (2018), The age of surveillance capitalism. Nova York: Public Affairs.). Ao mesmo tempo, as iniciativas para ampliação da capacidade crítica do público, na trilha da “alfabetização midiática” (media literacy), exigem empenho, distanciamento e concentração. Ou seja, o contrário do que é estimulado pela cultura das redes, que impele à atenção fragmentária e à reação impensada.

A mudança no ambiente comunicacional expõe e aprofunda a contradição que já reside no coração da democracia eleitoral: o poder deve ser, em última análise, exercido por um povo que, no entanto, tem baixo estímulo e poucas oportunidades para se qualificar politicamente. Um recuo ao passado - que inclui a recomposição de um jogo democrático fortemente filtrado pelas elites, como transparece em boa parte da literatura sobre a crise da democracia produzida no mainstream da Ciência Política (Miguel, 2022Miguel, Luis Felipe. (2022), Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil. Belo Horizonte: Autêntica., cap. 1) - é improvável. Mesmo onde os “populistas de direita” são apeados do governo, permanecem uma elevada tensão política, uma polarização extremada e o risco de transbordamento violento do conflito. E a incerteza informacional é componente relevante deste caldeirão.

A nostalgia da situação anterior, além de paralisante, já que aponta para um caminho de volta que não será viabilizado, leva a ignorar os problemas estruturais que geraram a crise atual. Como escreve Hirst (2017Hirst, Martin. (2017), “Towards a political economy of fake news”. The Political Economy of Communication, 5 (2): 82-94., p. 82), ainda que sem dúvida haja “necessidade de um antídoto para a disseminação de falsas narrativas antidemocráticas no jornalismo”, é preciso reconhecer que “o paradigma do Quarto Poder (Fourth Estate) não contém as respostas”. A estrita divisão do trabalho e a passividade a que eram relegadas as pessoas comuns, em seu duplo estatuto de cidadãs e consumidoras da informação, fazem parte da explicação do porquê elas se tornaram tão vulneráveis aos discursos demagógicos, às fake news e ao irracionalismo. Para o jornalismo, assim como para a democracia, a tarefa é reinventar-se, de um modo que ainda não se pode saber exatamente qual será, mas que certamente precisará ser mais pluralista e mais participativo.

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  • 1
    Um documento do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 2000, fala em 275 milhões de usuários de internet em todo o mundo (para uma população planetária então estimada em 6 bilhões de pessoas) e avalia que, nos Estados Unidos, cerca de 20% dos lares teriam acesso a ela (MCT, 2000MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia). (2000), Evolução da internet no Brasil e no mundo. Brasília, MCT. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=18037&co_midia=2. Acesso em: 26 mai. 2021.
    http://www.dominiopublico.gov.br/pesquis...
    , p. 9).
  • 2
    O novo, talvez, resida no fato de que a hermenêutica da suspeição aponta para a veracidade ou sinceridade dos discursos, isto é, para a relação entre seus enunciados e as reais intenções dos emissores. Já a pós-verdade impõe dificuldades crescentes para o resgate de outra (e mais básica) condição de validade do discurso - para usar a terminologia de Habermas ([1981] 2003, vol. 1)Habermas, Jürgen. ([1981] 2003), Teoría de la acción comunicativa, 2 vols. 4 ed. Buenos Aires: Taurus. -, a verdade. A fundamentação da reivindicação de verdade é impossibilitada quando qualquer comprovação apresentada é descartada a priori como possivelmente falsa ou manipulada.
  • 3
    A fragmentação dos espaços de produção de discursos públicos também gera novos desafios para a pesquisa empírica sobre jornalismo e política. Há, no entanto, um bom conjunto de trabalhos, focando processos diversos, que fundamentam a afirmação feita aqui - por exemplo, Sayre et al (2012)Sayre, Ben et al. (2012), “Agenda setting in a digital age”. Policy & Internet, 2 (2): 7-32., Skogerbø e Krumsvik (2014)Skogerbø, Eli & Krumsvik, Arne H. (2014), “Newspapers, Facebook and Twitter”. Journalism Practice , 9 ( 3): 350-66., Harder et al. (2017)Harder, Raymond A. et al. (2017) “Intermedia agenda setting in the social media age”. The International Journal of Press/Politics, 22 (3): 1-19., Su e Borah (2019)Su, Yan & Borah, Porismita. (2019), “Who is the agenda setter?” Journal of Information Technology & Politics, 16 (3): 236-49. e Gilardi et al (2021) Gilardi, Fabrizio et al. (2021). “Social media and political agenda setting”. Political Communication, “ahead of print”, pp. 1-22.
  • 4
    Sobretudo quando se leva em conta que tendem a agir como um sistema de agendamento mútuo, em que o veículo A e o veículo B podem atingir públicos distintos, mas vão coincidir em grande parcela dos assuntos tratados.
  • 5
    Estudos têm mostrado a “repartidarização” da imprensa brasileira (Lattman-Weltman e Chagas, 2016Lattman-Weltman, Fernando & Chagas, Viktor (2016). “Mercado futuro: a economia política da (re)partidarização da imprensa no Brasil”. Dados, 59 (2): 323-56.).
  • 6
    Este caminho leva a imprensa a se constituir como um mostruário de opiniões, menos ou mais plural conforme seu posicionamento no mercado (Vieira, 2021Vieira, Allana Meirelles. (2021), Opiniões à venda: oposições políticas e divisão do trabalho intelectual na mídia. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.).
  • 7
    A pesquisa sobre as práticas de consumo/compartilhamento de notícias nas mídias sociais ainda é incipiente. São canais múltiplos, com dinâmicas diversas (basta pensar em Facebook, Twitter e WhatsApp, por exemplo) e uma multidão de usuários, também muito diversos entre si, que não reagem necessariamente de maneira igual a diferentes circunstâncias. Boa parte da pesquisa empírica é baseada em observação limitada ou na construção de situações “de laboratório” bastante estilizadas - em um caso como no outro, com baixo potencial de generalização. Para uma revisão parcial da literatura, ver Kümpel et al (2015)Kümpel, Anna Sophie et al. (2015), “News sharing in social media”. Social Media + Society, 1 (2): 1-14.
  • 8
    Isto não significa que mecanismos de identificação com o público não sejam postos em ação pelo jornalismo profissional, apenas que eles representam um segundo momento da relação, subsidiário à afirmação do distanciamento entre quem tem e quem não tem competência para dizer o mundo. A identificação cumpre papel sobretudo na dinâmica da “objetivação de padrões morais” (Ettema e Glasser, 1998Ettema, James S. & Glasser, Theodore L. (1998), Custodians of conscience. Nova York: Columbia University Press., p. 71; ênfase retirada), com a qual o jornalismo se coloca como “consciência” do mundo social. Sobre o tema, ver Biroli e Miguel (2012) Biroli, Flávia & Miguel, Luis Felipe. (2012), “Orgulho e preconceito”. Opinião Pública, 18 (1): 22-43.
  • 9
    O trecho de um documentário sobre o divulgador científico estadunidense Bill Nye serve de ilustração. Ao final de um debate entre Nye e Ken Ham (criacionista, defensor da terra jovem e negacionista climático), o moderador pergunta a ambos o que os faria mudar de opinião. Nye diz que ele mudaria de opinião caso apresentado a qualquer evidência sólida. Ham diz que, como a Bíblia é a palavra de Deus, não muda de opinião de jeito nenhum. E a plateia aplaude entusiasticamente a resposta de Ham, impressionada com a coerência de suas convicções (Alvarado e Sussberg, 2017 Alvarado, David & Sussberg, Jason. (2017), Bill Nye. Documentário de longa-metragem. Produção estadunidense (PBS).).
  • 10
    Para discussões sobre o revisionismo histórico, ver Traverso (2015)Traverso, Enzo. (2015), Le passé, modes d’emploi. Paris: La Fabrique.; Sena Jr. et al (2017)Sena Júnior, Carlos Zacarias de et al. (orgs.). 2017 Contribuição à crítica da historiografia revisionista. Rio de Janeiro: Consequência.
  • 11
    Ver https://thetrustproject.org/ (consultado em 13/02/2022). Dezenas de empresas de mídia do mundo todo são acreditadas como parceiras do projeto, incluindo os jornais El País, Toronto Star e The Washington Post e a revista The Economist Do Brasil, são listados os portais de notícia A Gazeta, do Espírito Santo, e Amazônia Real, do Amazonas. O website da Folha de S.Paulo anuncia que ela participa do projeto, mas não está listada oficialmente (cf. https://www.folha.uol.com.br/, consultado em 13/02/2022).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2022
  • Aceito
    01 Abr 2022
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