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A ciência política é um mundo de homens? Uma crítica às narrativas da história da disciplina no Brasil

Is political science a man`s world? A critique of narratives about the history of the discipline in Brazil

¿La ciencia política es un mundo de hombres? Una crítica a las narrativas de la historia de la disciplina en Brasil

Resumo:

O objetivo do presente artigo é analisar as narrativas de história da ciência política brasileira partindo da pergunta “onde estão as mulheres?”. Para tal, a pesquisa toma como base indicadores bibliométricos do Google Scholar e seleciona o conjunto de textos mais citados sobre o tema. Os resultados mostram que os artigos que obtiveram maior impacto na comunidade acadêmica subestimam a participação feminina na fundação da disciplina, tendo limitações como a total ausência de menção a mulheres ou a referência ao grupo de modo marginalizado. Ambos os tratamentos não encontram respaldo em evidências empíricas sobre a institucionalização da área no país. Soma-se a isso a falta de indicações das desigualdades de gênero como um problema a ser enfrentado no campo científico. Não há, portanto, um estranhamento em observar a ciência política somente como um mundo masculino.

Palavras-chave:
ciência política; gênero; história disciplinar; desigualdades; mulheres

Abstract:

The aim of this article is to analyse the narratives of the history of Brazilian political science based on the question “Where are the women?”. To this end, the research is based on bibliometric indicators from Google Scholar and selects the set of most cited texts on the subject. The results show that the articles that have had the greatest impact on the academic community underestimate female participation in the foundation of the discipline, with limitations such as the total absence of mention of women or the reference to the group in a marginalised way. Both treatments are not supported by empirical evidence on the institutionalisation of the field in the country. Added to this is the lack of indications of gender inequalities as a problem to be faced in the scientific field. There is, therefore, no strangeness in observing political science only as a male world.

Keywords:
political science; gender; disciplinary history; inequalities; women

Resumen:

El objetivo de este artículo es analizar las narrativas de la historia de la ciencia política brasileña a partir de la pregunta “¿dónde están las mujeres?”. Para ello, la investigación se basa en indicadores bibliométricos de Google Scholar y selecciona el conjunto de textos más citados sobre el tema. Los resultados muestran que los artículos que han tenido mayor impacto en la comunidad académica subestiman la participación de las mujeres en la fundación de la disciplina, con limitaciones como la total ausencia de mención a las mujeres o la referencia al grupo de manera marginalizada. Ambos enfoques carecen de respaldo en evidencias empíricas sobre la institucionalización del campo en el país. A esto se suma la falta de reconocimiento de las desigualdades de género como un problema a abordar en el campo científico. Por lo tanto, no resulta extraño observar la ciencia política únicamente como un mundo masculino.

Palabras clave:
ciencia política; género; historia disciplinaria; desigualdades; mujeres

Introdução

O objetivo do presente artigo é apresentar uma crítica feminista à literatura que aborda a história da ciência política brasileira.2 2 Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla realizada durante o doutorado. Agradeço ao INCT - Instituto da Democracia e da Democratização da comunicação e à CAPES pelo fomento que a tornou possível. Agradeço também aos comentários do meu orientador, João Feres Júnior, da minha coorientadora, Fernanda Beigel, e de Luiz Augusto Campos, Ângela de Castro Gomes, Flávia Biroli e Lorena Barberia, participantes da banca de defesa de tese. Agradeço, ainda, à equipe editorial da RBCP e aos pareceristas anônimos que foram éticos e atenciosos com esse trabalho. Para tal, o estudo considera este recorte específico de pesquisa e parte da pergunta “onde estão as mulheres?”, utilizando como material de investigação a bibliografia especializada. O trabalho contextualiza o desenvolvimento da temática no país e produz uma revisão dos textos mais citados. O argumento é que as perspectivas de gênero precisam ser transversais à disciplina e não somente tratadas como um assunto segregado de outros subcampos do conhecimento.3 3 Ao longo do texto, refiro-me a temas estudados dentro da grande área da ciência política brasileira como “subáreas” ou “subcampos”. A “história da ciência política” é um deles. Por outro lado, os estudos de gênero também costumam ser tratados como uma “subárea” ou um “subcampo”, ao invés de serem considerados como importantes para a ciência como um todo. Ver Biroli, Gago e Fridenberg (2019). Isso redunda em duas modalidades de reflexão crítica: além de apontar lacunas na produção acadêmica mais geral, também são discutidos os problemas das publicações supostamente neutras em relação às assimetrias entre grupos sociais. É digno de nota que tais assimetrias são mais severas quando ponderada a questão racial. Pessoas negras, a despeito de serem maioria da população nacional, seguem sub-representadas na área. A análise ora elaborada é somente um passo inicial em meio a uma agenda de pesquisas que precisa progredir.

A história da ciência política, como uma subárea de investigação, começou a ganhar força na América Latina apenas recentemente (BARRIENTOS DEL MONTE, 2013BARRIENTOS DEL MONTE, Fernando. La ciencia política en América Latina. Una breve introducción histórica. Convergencia - Revista de Ciencias Sociales, n. 61, p. 105-133, 2013.; BULCOURF; MÁRQUEZ; CARDOZO, 2015BULCOURF, Pablo; MÁRQUEZ, Eduardo; CARDOZO, Nelson. Historia y desarrollo de la ciencia política en América Latina: reflexiones sobre la constitución del campo de estudios. Revista de Ciencia Política, v. 35, n. 1, p. 179-199, 2015.; MÁRQUEZ; TORRES-RUIZ, 2018MÁRQUEZ, E; TORRES-RUIZ, R. (orgs.) Reflexiones em torno a la ciencia política y la política em América Latina. México: Universidad Iberoamericana, 2018. , RAVECCA, 2019RAVECCA, Paulo. The politics of political science: re-writing Latin American experiences. New York: Routledge, 2019.), mas isso não significa que a região esteja desprovida de referências precursoras. Ainda nos anos 1950, Argentina, Brasil, México e Uruguai foram os países latino-americanos selecionados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para figurar na coletânea Contemporary Political Science, que buscava descrever o desenvolvimento da disciplina em diversos contextos nacionais ao redor do mundo. O caso brasileiro ficou a cargo da análise de Djacir Menezes, autor do ensaio “Political science in Brazil during the last thirty years”. O texto, curto e com pouco rigor, demonstrava o caráter incipiente do ensino e da produção de ciência política no país (MENEZES, 1950MENEZES, Djacir. Political science in Brazil during the last thirty years. Contemporary political science, ONU, 1950.; CANDIDO; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2019CANDIDO, Marcia; FERES JUNIOR; João; CAMPOS, Luiz Augusto. Desigualdades na elite da ciência política brasileira. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 19, n. 3, p. 564-582, 2019.).

Mais de uma década depois, a dupla Heloisa Michetti e Maria Teresa Miceli Kerbauy publicou os resultados de uma investigação iniciada em 1967, cuja base foi um survey que mapeou a emergente comunidade de acadêmicos interessados em difundir a ciência política no âmbito nacional. O artigo “A situação do ensino e pesquisa de ciência política no Brasil”, divulgado em 1969 na Revista de Ciência Política, não explicitou dados estatísticos relevantes, pois obteve diminuta participação de respondentes, mas o escopo do questionário e a própria iniciativa do trabalho conquistaram caráter singular e proeminente no acúmulo do que seria produzido sobre a temática (MICHETTI; MICELLI, 1969MICHETTI, Heloisa Helena; MICELI, Maria Teresa. A situação do ensino e pesquisa de ciência política no Brasil. Revista de Ciência Política, v. 3, n. 4, p. 89-110, 1969. [atual: KERBAUY, Maria Teresa Miceli]). Além de antecederem a consolidação de cursos de mestrado e doutorado, ou seja, de se anteciparem ao desenvolvimento de espaços formais de profissionalização dos debates intelectuais na disciplina, as autoras consideraram variáveis que perduraram muitos anos sem ser objeto de escrutínio dos cientistas quando abordavam o tópico, tal como gênero ou procedência geográfica.

A partir do final dos anos 1960, começaram a surgir as primeiras pós-graduações em ciência política no Brasil. Precedidos pela criação de revistas, que data já de meados da década de 1950, esses cursos de formação de mestres e, mais tarde, doutores, possibilitaram o crescimento das discussões na área, e, em conjunto ao funcionamento de associações profissionais e à realização de congressos, marcaram a institucionalização da disciplina no país.4 4 Duas revistas que enunciavam entre seus objetivos promover a especialização da ciência política foram criadas antes de cursos de pós-graduação em suas respectivas universidades sede, a Revista Brasileira de Estudos Políticos, publicada na UFMG, a partir de 1956, e a DADOS, iniciada no antigo IUPERJ, hoje IESP-UERJ, em 1966. Embora o tema da história disciplinar ainda seja menos frequente entre os analistas políticos do que entre os sociólogos e antropólogos (JACKSON; BARBOSA, 2017JACKSON, Luiz Carlos; BARBOSA, Darlan Praxedes. Histórias das ciências sociais brasileiras. In: MICELI, Sergio; MARTINS, Carlos Benedito (orgs.). Sociologia Brasileira Hoje. São Paulo: Ateliê Editorial, 2017. p. 217-279.), há uma substantiva expansão do assunto, que tem recebido um importante estímulo com ações da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), como a destinação de uma área temática para debates nos congressos bianuais e o fomento de projetos de memória, reunidos nos livros A Ciência Política no Brasil e Mulheres, Poder e Ciência Política (AVRITZER; MILANI; BRAGA, 2016AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 61-91.; BIROLI et al., 2020BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020.).

Mas como os cientistas políticos têm observado seu próprio ofício? O estudo da disciplina pode enfocar diferentes aspectos, como a trajetória de intelectuais ou instituições, o conteúdo produzido, tanto em relação a temas pesquisados, como a métodos utilizados, dentre outras coisas. Vale pontuar, contudo, que nem sempre tais abordagens proporcionam perspectivas históricas ou mesmo procuram prover dados com recortes temporais mais extensos. Recentemente houve um acréscimo considerável de textos que utilizam técnicas de bibliometria para avaliar a evolução da ciência política brasileira.5 5 Ver Soares (2005); Soares, Souza e Moura (2010); Leite (2017); Lima e Milani (2016); Campos, Feres Júnior e Guarnieri (2017); Nicolau e Oliveira (2017) dentre outros. Os balanços conjunturais sobre a área declaram que ela alcançou um estágio exitoso de institucionalização no país, mas, em contrapartida, costumam indicar que um dos problemas centrais do campo permanece sendo a baixa visibilidade internacional das produções locais (AMORIM NETO; SANTOS, 2015AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política em Brasil em la última década: la nacionalización y la lenta superación del parroquialismo. Revista de Ciencia Política, v. 35, n. 1, p. 19-31, 2015.; MARENCO, 2014MARENCO, André. The three Achilles’ heels of Brazilian political science. Brazilian Political Science Review, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 3-38, 2014.; MADEIRA; MARENCO, 2016MADEIRA, Rafael; MARENCO, André. Os desafios da internacionalização: mapeando dinâmicas e rotas da circulação internacional. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 19, p. 47-74, 2016.; AVRITZER, 2016AVRITZER, Leonardo. O papel do pluralismo na formação e consolidação da ciência política no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 165-183.).

Esse texto tem duas contribuições principais. A primeira delas consiste em tomar as publicações acadêmicas mais prestigiadas como uma evidência empírica de como as narrativas dominantes sobre a ciência política são construídas no Brasil. Isto é relevante porque são os artigos revisados por pares e publicados em revistas científicas que veiculam os conteúdos que são legitimados pela própria comunidade. A seleção deles com base em suas taxas de citação também ajuda a contornar possíveis vieses subjetivos de conhecimento. Além disso, aqui buscamos nos somar a um esforço mais amplo de pesquisas feministas que reavaliam a produção da ciência política e o espaço dado à representação de mulheres (HARTSOCK, 1997HARTSOCK, Nancy. How feminist scholarship could change political science. In: MONROE, Kristen Renwick (org.). Contemporary empirical political theory, 1997. p. 231-248.). A seguir, discutimos em maior profundidade os principais textos sobre história da disciplina no país.

Revisão da literatura

As taxas de citação, embora bastante contestáveis como mecanismo de definição de qualidade dos pesquisadores na academia, facilitam mensurar o que tem circulado mais nas produções de cada área.6 6 Entre as críticas ao uso das taxas de citação como critério de avaliação da produção científica podemos apontar a diferença entre subáreas de pesquisa, pois nem sempre um tema alcança o mesmo interesse de pesquisadores que outros. Há também o uso do inglês como língua dominante nos periódicos de maior impacto e a produção de assimetrias entre centros e periferias (BEIGEL, 2013; 2018). Além disso, no que toca especificamente às questões de gênero, não são poucos os estudos que mostram disparidades que prejudicam as mulheres (MALIANIAK; POWERS; WALTER, 2013; MITCHELL; LANGE; BRUS, 2013; DION; SUMNER; MITCHELL, 2018). Com auxílio do software Publish or Perish para implementar procedimentos de uma revisão sistemática da literatura, busquei as palavras-chave “história da ciência política brasileira” ou “ciência política brasileira”.7 7 A ferramenta é interessante para ser utilizada em revisões de literatura e tem sido usada em outras pesquisas. Ver, por exemplo, Batista, Domingos e Vieira (2021). O resultado precisou ser refinado pois apareceram muitos textos que não eram propriamente de estudos sobre a disciplina. Após exclusão das referências a outros temas ou a contextos que não tratavam do país, assim como de alguns poucos livros, teses, dissertações e trabalhos de congresso, a listagem de artigos mais citados culminou na presença significativa de publicações de políticas públicas.8 8 A opção pela seleção apenas de artigos ocorreu por eles estarem recebendo centralidade considerável nos debates e avaliações da ciência. Embora não ignoremos a importância de outros formatos de publicação, sobretudo dos livros, a proposta foi padronizar o perfil de análise. Acreditamos que os artigos fornecem um bom retrato sobre as características de certos debates na academia, ainda que não os esgote. Balanços sobre esse tópico lideraram as citações e são de autoria de mulheres como Celina Souza (2003)SOUZA, Celina. Políticas públicas: questões temáticas e de pesquisa. Caderno CRH, v. 16, n. 39, p. 11-24, 2003. e Marta Arretche, (2003)ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, 2003.. Há também análises da trajetória de conceitos na ciência política e nas ciências sociais como um todo, com Ângela de Castro Gomes (1996a)GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 31-58, 1996a., e debate sobre os problemas de formação metodológica na disciplina, com Gláucio Ary Dillon Soares (2005)SOARES, Gláucio. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 48, p. 27-52, 2005., além de uma série de discussões de subcampos específicos de pesquisa (RUBIM; AZEVEDO, 1998RUBIM, Antonio; AZEVEDO, Fernando. Mídia e política no Brasil: textos e agenda de pesquisa. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 43, 1998.; GUIMARÃES, 2001GUIMARÃES, Antônio Sérgio. A questão racial na política brasileira (os últimos quinze anos). Tempo Social, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 121-142, 2001.; MEDEIROS; CRANTSCHANINOV; SILVA, 2013MEDEIROS, Anny; CRANTSCHANINOV, Tamara; SILVA, Fernanda. Estudos sobre accountability no Brasil: meta-análise de periódicos brasileiros das áreas de administração, administração pública, ciência política e ciências sociais. Revista de Administração Pública, v. 47, n. 3, p. 745-775, 2013.; LESSA, 2005LESSA, Antônio. Instituições, atores e dinâmicas do ensino e da pesquisa em relações internacionais no Brasil: o diálogo entre a história, a ciência política e os novos paradigmas de interpretação (dos anos 90 aos nossos dias). Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, n. 2, p. 169-184, 2005.; LYNCH, 2016LYNCH, Christian. Cartografia do pensamento político brasileiro: conceito, história, abordagens. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 19, p. 75-119, 2016.). A Tabela 1 apresenta a seleção dos textos mais citados que desenvolveram perspectivas mais gerais sobre a história da ciência política nacional.

Tabela 1.
Artigos mais citados sobre história da ciência política brasileira

Entre os artigos campeões em citações há mais autores homens que mulheres, mas essas últimas chegam a desfrutar de boa visibilidade, figurando inclusive entre as primeiras colocadas. De todo modo, os textos listados corroboram o diagnóstico de escassez de abordagens sobre as desigualdades de gênero na ciência política brasileira, bem como de sua incipiente circulação entre os pares. É possível, ademais, encontrar a prevalência do contexto do Sudeste. Pode-se argumentar que é natural cidades como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo terem adquirido mais atenção da comunidade acadêmica, visto que são nesses locais que surgiram os primeiros cursos de mestrado e doutorado, assim como continua a ser nessa região a concentração maior de programas de pós-graduação (FERNANDES; CODATO; MOREIRA, 2019FERNANDES, Luis Manuel; CODATO, Adriano; MOREIRA, William, Documento de área: Ciência Política e Relações Internacionais. CAPES, 2019. ). Em adição, a subárea de história da ciência política no Brasil ainda é muito pequena. É de se esperar que o crescimento de produções sobre a temática gere mais pluralidade nos debates. Os livros lançados pela ABCP nos últimos anos mostram algum progresso nesse sentido, a exemplo dos capítulos publicados por Helgio Trindade (2016)TRINDADE, Helgio. A ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 93-122. sobre o Rio Grande do Sul, David Fleischer (2016)FLEISCHER, David. A ciência política em Brasília: uma visão histórica. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 123-139. sobre Brasília, e Monique Menezes et al. (2020)MENEZES, Monique et al. Trajetória profissional das mulheres da ciência política nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. In: BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020. p. 275. sobre as regiões Norte e Nordeste.

Os avanços em termos de preocupação com a diversidade também podem ser sentidos nos estudos mais recentes sobre a ciência política brasileira no que diz respeito às relações de gênero e raça (CANDIDO; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2019CANDIDO, Marcia; FERES JUNIOR; João; CAMPOS, Luiz Augusto. Desigualdades na elite da ciência política brasileira. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 19, n. 3, p. 564-582, 2019.; MENDES; FIGUEIRA, 2019MENDES, Marcos; FIGUEIRA, Ariane. Women’s scientific participation in political science and international relations in Brazil. Revista de Estudos Feministas, v. 27, n. 2, p.1-13, 2019.; CANDIDO; CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2021CANDIDO, Marcia; CAMPOS Luiz; FERES JÚNIOR, João. The gendered division of labor in Brazilian political science publications. Brazilian Political Science Review, v. 15, n. 3, 2021.; BIROLI et al., 2020BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020.). Todavia, as explicações para a demora de inserção desse tema na agenda de pesquisa dos cientistas são mais complexas, afinal, as mulheres são metade da população do país e estão relativamente bem distribuídas nas diferentes regiões nacionais. Uma hipótese aventada é que a composição da própria disciplina, majoritariamente constituída por homens em posições de poder, limitou a sensibilidade ao tema da sub-representação feminina (HARTSOCK, 1997HARTSOCK, Nancy. How feminist scholarship could change political science. In: MONROE, Kristen Renwick (org.). Contemporary empirical political theory, 1997. p. 231-248.; BIROLI, 2016BIROLI, Flavia. Divisão sexual do trabalho e democracia. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 59, n. 3, 2016.). Outro fator importante é que o campo de estudos de gênero, geralmente associado a contestar espaços exclusivamente dominados por pontos de vista masculinos, demorou a ganhar legitimidade na área (MATOS, 2016MATOS, Marlise. A institucionalização acadêmica dos estudos de gênero e feminismos na ciência política brasileira. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 347-391.).

As análises de gênero na ciência política não devem, contudo, ser apenas uma subárea do conhecimento. As diferenças de gênero orientam as formas de socialização das pessoas e precisam ser incorporadas como uma perspectiva transversal na academia (BIROLI; FREIDENBERG; GAGO, 2019BIROLI, Flavia; FREIDENBERG, Flavia; GAGO, Verónica. Gênero, militância feminista e conservadorismo na América Latina: entrevista com Flávia Biroli, Flavia Freidenberg e Verónica Gago. [Entrevista a] Marcia Candido, Simone Gomes, Talita Tanscheit. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 7, n. 11, p. 23-42, 2019.). Mesmo que as propostas de algumas pesquisas não sejam propriamente discutir a questão, é necessário que se conteste a falta de certo estranhamento em reputar sociedades nas quais as mulheres “não existem” ou aparecem apenas como o “outro” dos homens.10 10 A alteridade entre homens e mulheres é um dos temas clássicos da literatura feminista. Grosso modo, tal alteridade consiste em representar as mulheres como o “outro” dos homens, complementares, mas restritas ao âmbito privado (BEAUVOIR, 1967). O caminho para sociedades mais igualitárias requer que possamos refletir sobre o que as leva a ter desigualdades.

A ciência política tem um diferencial em comparação a outros campos das ciências sociais. Ela não é só a disciplina mais assimétrica em termos de participação de grupos sociais (CANDIDO; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2019CANDIDO, Marcia; FERES JUNIOR; João; CAMPOS, Luiz Augusto. Desigualdades na elite da ciência política brasileira. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 19, n. 3, p. 564-582, 2019.), como também destina pesquisas a espaços que usualmente são dominados por homens brancos. Assim, o que impera nesse âmbito de investigação é um conjunto de homens falando sobre outro conjunto de homens, o que muitas vezes obscurece a sensibilidade para perceber a inserção social de mulheres, retratadas frequentemente como apolíticas. Foi a progressão de pesquisas com orientação feminista que começou a reformular preceitos tidos como elementares na disciplina (HARTSOCK, 1997HARTSOCK, Nancy. How feminist scholarship could change political science. In: MONROE, Kristen Renwick (org.). Contemporary empirical political theory, 1997. p. 231-248.). Abordagens desse tipo impactaram conceitos e teorias tanto clássicas como contemporâneas, mudando ideias sobre a política e suas formas de representação de interesses e conhecimento (PATEMAN, 1988PATEMAN, Carole. O contrato sexual. São Paulo: Paz e Terra, 1988. ; DOLAN, 2011DOLAN, Kathleen. Do women and men know different things? Measuring gender differences in political knowledge. The Journal of Politics, v. 73, n. 1, p. 97-107, 2011.; FERRIN et al., 2019FERRIN, Monica et al. The gender gap in political interest revisited. International Political Science Review, v. 41, n. 4, p. 473-489, 2019.).

Embora igualmente recente, a agenda de pesquisas de gênero na ciência política brasileira antecedeu as críticas com recorte de gênero direcionadas ao modo como falamos da composição da disciplina no país. Carpiuc (2016)CARPIUC, Cecilia. Women and diversity in Latin American political science. European Political Science, v. 15, n. 4, 2016. foi uma das primeiras a considerar o caso brasileiro, ainda que em perspectiva comparada e somente com estatísticas descritivas, seguida de Candido, Feres Júnior e Campos (2019CANDIDO, Marcia; FERES JUNIOR; João; CAMPOS, Luiz Augusto. Desigualdades na elite da ciência política brasileira. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 19, n. 3, p. 564-582, 2019.; 2021)CANDIDO, Marcia; CAMPOS Luiz; FERES JÚNIOR, João. The gendered division of labor in Brazilian political science publications. Brazilian Political Science Review, v. 15, n. 3, 2021., que também avaliaram o cruzamento com a questão racial, e uma infinidade de contribuições disponíveis em Biroli et al. (2020)BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020.. Mas cabe fazer uma ponderação importante antes de prosseguirmos à análise dos artigos de história da ciência política no contexto nacional. As mulheres que foram pioneiras no Brasil, predominantemente brancas, não tiveram uma inserção socialmente diferenciada dos homens no que toca aos temas de pesquisa e às práticas profissionais. Não houve uma divisão sexual do trabalho pronunciada nos espaços acadêmicos, que pudesse justificar - ao menos superficialmente - o apagamento do gênero feminino nas narrativas de desenvolvimento científico. Tal como eles, elas enfocaram tópicos “tradicionais” e variaram em diretrizes de carreira, mais orientadas à pesquisa ou ao ensino. Argelina Figueiredo, Eli Diniz, Ingrid Sarti, Maria Antonieta Leopoldi, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Maria Regina Soares de Lima são alguns dos nomes que exemplificam isso.11 11 Há mais mulheres que foram fundadoras na ciência política brasileira, mas essas indicações se baseiam em pesquisa que ponderou pioneirismo, quantidade e impacto de publicações, assim como informações de formação e ensino. Os critérios preliminares que usei nesta seleção aparecem em Candido (2020) e são mais desenvolvidos nos capítulos três e quatro de livro que está sendo editado pela EdUERJ (CANDIDO, no prelo).

Transversalizar a crítica feminista na ciência política

Os próximos parágrafos discutem os textos mais citados de história da ciência política no Brasil e apontam críticas ao material a partir da mobilização das relações de gênero. Esses artigos podem ser separados em pelo menos três grupos. Em primeiro lugar, o de autores que de algum modo marginalizaram as mulheres nas análises ou não explicitaram as desigualdades como uma questão a ser enfrentada, mesmo quando dissertaram sobre problemas centrais na disciplina (QUIRINO, 1994QUIRINO, Celia. Departamento de ciência política. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 337-348, 1994.; FORJAZ, 1997FORJAZ, Maria. A emergência da ciência política no Brasil: aspectos institucionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997.; BULCOURF; MÁRQUEZ; CARDOZO, 2014BULCOURF, Pablo; MÁRQUEZ, Enrique; CARDOZO, Nelson. El desarrollo de la ciencia política en Argentina, Brasil y México: construyendo una mirada comparada. Anuario Latinoamericano Ciencias Políticas y Relaciones Internacionales, v. 1, p. 155-184, 2014.; AMORIM NETO; SANTOS, 2005AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política en Brasil: el desafío de la expansión. Revista de Ciencia Política, v. 25, n. 1, p. 101-110, 2005.; 2015AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política em Brasil em la última década: la nacionalización y la lenta superación del parroquialismo. Revista de Ciencia Política, v. 35, n. 1, p. 19-31, 2015.; KEINERT; SILVA, 2010KEINERT, Fábio Cardoso; SILVA, Dimitri Pinheiro da. A gênese da ciência política brasileira. Tempo Social - Revista de sociologia USP, v. 22, n. 1, p. 79-98, 2010.; RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Lidiane Soares. Rivalidades científicas e metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, Sociologia e Ciência Política. Urbana, v. 18, p. 71-95, 2017.); em seguida, os que podem ser associados a certa paridade nas formas de tratamento (GOMES, 1996bGOMES, Angela de Castro. Política: história, ciência, cultura etc. Estudos Históricos, v. 9, n. 17, p. 59-84, 1996b.; LYNCH, 2017LYNCH, Christian. Entre a “velha” e a “nova” ciência política: continuidade e renovação acadêmica na primeira década da revista DADOS (1966-1976). DADOS, v. 60, n. 3, p. 663-702, 2017.); e, por fim, os que são qualificados como neutros, ou seja, que se dirigem a recortes como a discussão de conteúdo disciplinar ou a análises transnacionais (FERES JÚNIOR, 2000FERES JÚNIOR, João. Aprendendo com os erros dos outros: o que a história da ciência política americana tem para nos contar. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 15, p.97-110, 2000.; CARPIUC, 2014CARPIUC, Cecilia. Hacia una hegemonía del “modelo mainstream norteamericano”? Enfoques de la ciencia política en América Latina (2000-2012). CLACSO, Policy Brief, 2014.; LEITE, 2017LEITE, Fernando. Tradições intelectuais na ciência política contemporânea. DADOS, v. 60, n. 3, 2017.).

Maria Cecilia Forjaz (1997)FORJAZ, Maria. A emergência da ciência política no Brasil: aspectos institucionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997. alcançou o posto de autora com o artigo mais citado sobre a história da ciência política no país. No texto publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, a cientista apresenta elementos internos e externos que teriam possibilitado a profissionalização de uma área sobre estudos políticos entre os brasileiros. No quesito de elementos internos aparece a criação de um sistema de pós-graduação implementado pela Reforma Universitária de 1968, bem como a formação de agências de fomento, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), valorizada também em outros balanços sobre a ciência política (LEITE; CODATO, 2013LEITE, Fernando; CODATO, Adriano. Autonomização e institucionalização da ciência política brasileira: o papel do sistema Qualis-Capes. Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCAR, v. 1, n. 1, 2013.; MARENCO, 2014MARENCO, André. The three Achilles’ heels of Brazilian political science. Brazilian Political Science Review, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 3-38, 2014.; 2015MARENCO, André. When institutions matter: Capes and political science in Brazil. Revista de Ciência Política, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 33-46, 2015.), e de um sistema nacional de desenvolvimento científico. Entre os elementos externos, por sua vez, estariam os estímulos internacionais, que ocorreram por meio de investimentos que financiaram a construção dos primeiros cursos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), a criação de espaços de pesquisa como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e a circulação de pesquisadores, que recebiam bolsas para formação em países estrangeiros, salientando-se a influência particular dos Estados Unidos e dos recursos da Fundação Ford.

Não são poucas as controvérsias possíveis de serem suscitadas com a leitura da narrativa que Forjaz constrói sobre a ciência política brasileira. No período inicial de institucionalização da disciplina, o país enfrentava uma ditadura militar que durou mais de duas décadas (1964-1985). Mesmo que a autora não deixe de mencionar casos de perseguição e tortura, ela se refere ao momento do golpe com o termo, no mínimo problemático, “revolução”, e destaca o papel do estado na condução de uma modernização conservadora que garantiu desenvolvimento científico. Um dos elementos que mais sobressaem na análise, no entanto, é a escolha de instituições e atores, bem como o evidente posicionamento de Forjaz sobre eles.

Assim como outros textos que revisitaremos sobre a história da ciência política no Brasil, Forjaz enfoca os conflitos intelectuais na formação da disciplina e seleciona o IUPERJ e a UFMG como espaços privilegiados de observação, salientando as trajetórias de lideranças como Wanderley Guilherme dos Santos e Fábio Wanderley Reis. Segundo ela, um dos empecilhos ao desenvolvimento da área no país consistiu na politização excessiva do debate, que derivava da herança do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), no Rio de Janeiro, e de suas ressonâncias em Minas Gerais, estado que era simultaneamente afetado por uma tradição de intervenção na política institucional. Essas características são qualificadas como negativas pela autora, que tece elogios a Bolivar Lamounier por escapar de tal postura de militância. Trabalhos de José Murilo de Carvalho e Edmundo Campos Carvalho recebem a mesma variante de bons comentários. Na postura de Forjaz sobre o que representa o melhor ou mesmo o pior da ciência política brasileira há pouco ou nenhum espaço para as mulheres. O gênero feminino aparece rapidamente citado, sem nenhuma descrição de seus trabalhos ou contribuições, como é o caso de Eli Diniz (FORJAZ, 1997FORJAZ, Maria. A emergência da ciência política no Brasil: aspectos institucionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997., p. 8).

Os textos “A gênese da ciência política brasileira” e “Rivalidades científicas e metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, sociologia e ciência política” se somam ao de Forjaz no quesito da falta de atenção às mulheres. Ambos também se concentram nos conflitos do Sudeste. No artigo de Fábio Cardoso Keinert e Dimitri Pinheiro da Silva (2010)KEINERT, Fábio Cardoso; SILVA, Dimitri Pinheiro da. A gênese da ciência política brasileira. Tempo Social - Revista de sociologia USP, v. 22, n. 1, p. 79-98, 2010. o objetivo foi discutir o processo de autonomização da ciência política no país a partir dos grupos geracionais que a fundaram. Nessa ideia de “grupo”, não obstante, os autores inseriram ao longo do trabalho somente agentes homens. A contenda entre Wanderley Guilherme dos Santos e Florestan Fernandes recebeu centralidade, mas Lamounier e outros cientistas do mesmo gênero foram alvo de algum grau de reconhecimento. O mais curioso na presença dessa lacuna é que Pinheiro da Silva possui uma dissertação sobre a trajetória de Paula Beiguelman e um artigo no qual aborda desafios específicos às mulheres nas ciências sociais (SILVA, 2009SILVA, Dimitri Pinheiro da. Da política à ciência política, da ciência política à política: a trajetória acadêmica de Paula Beiguelman (1949-1969). 2009. Dissertação. (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.; 2016SILVA, Dimitri Pinheiro da. Jogo de damas: trajetórias de mulheres nas ciências sociais paulistas (1934-1969). Cadernos Pagu, n. 46, p. 165-196, 2016.).

A produção de Lidiane Rodrigues (2017)RODRIGUES, Lidiane Soares. Rivalidades científicas e metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, Sociologia e Ciência Política. Urbana, v. 18, p. 71-95, 2017., por seu turno, estabelece uma retomada das trajetórias de Fernandes e Wanderley Guilherme dos Santos, mobilizando-as como fundamento para contextualizar e explicar os modelos de narrativa que esses autores propuseram na redação de histórias das ciências sociais. O primeiro centrado em uma periodização que divide momentos pré-científicos e científicos em função da criação de instituições de ensino e pesquisa. E o segundo, baseado na contestação a separações rígidas e à desqualificação de tradições intelectuais precedentes à institucionalização das ciências sociais no país. Para esse último, a ênfase importante a ser dada nas análises das respectivas disciplinas estaria na continuidade de um pensamento nacional orientado a enfrentar os problemas sociais e políticos dos brasileiros.

Na contribuição de Rodrigues (2017)RODRIGUES, Lidiane Soares. Rivalidades científicas e metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, Sociologia e Ciência Política. Urbana, v. 18, p. 71-95, 2017., é possível constatar uma das representações concedidas às mulheres como o “outro” dos homens. Entre os diversos atores mencionados nas relações que Wanderley Guilherme dos Santos e Fernandes estabeleciam à época, a única mulher citada é a esposa do sociólogo paulista, Myriam Rodrigues (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Lidiane Soares. Rivalidades científicas e metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, Sociologia e Ciência Política. Urbana, v. 18, p. 71-95, 2017., p. 87). A referência é, ainda, apenas ao casamento dos dois, ou seja, a uma questão do âmbito privado. O artigo chega a abordar os trabalhos de Spirandelli (2009)SPIRANDELLI, Claudinei. Trajetórias intelectuais: professoras do curso de ciências sociais da FFCL-USP (1934-1969). São Paulo. Tese. (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, 2009. e Silva (2008) em uma linha que fala do patriarcalismo no regime de cátedras da USP, mas não se aprofunda mais em problemas de gênero. O que é mais relevante no texto de Rodrigues para os fins de análise desse artigo, que o associa aos trabalhos de Forjaz (1997)FORJAZ, Maria. A emergência da ciência política no Brasil: aspectos institucionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997. e Keinert e Silva (2010)KEINERT, Fábio Cardoso; SILVA, Dimitri Pinheiro da. A gênese da ciência política brasileira. Tempo Social - Revista de sociologia USP, v. 22, n. 1, p. 79-98, 2010., é a naturalização da ausência feminina em interações intelectuais coletivas.

Em “Departamento de ciência política”, Célia Quirino (1994)QUIRINO, Celia. Departamento de ciência política. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 337-348, 1994. avalia a trajetória da especialização dos estudos políticos na Universidade de São Paulo (USP). Há uma distinção fundamental no texto de Quirino em relação aos discutidos acima: a autora descreve a dinâmica de apenas um espaço institucional. Para isso, ela estabelece uma cronologia da criação de cadeiras, cátedras e departamentos, e um registro de memória dos cursos e autores ensinados em política. O único nome feminino a aparecer no ensaio é o de Paula Beiguelman. Isto é, de certa maneira, justificável, visto que a pesquisa trata de atribuições profissionais específicas no período de surgimento da ciência política na universidade paulista. Beiguelman foi a única mulher a desfrutar de uma função de poder nesse momento, mas não recebeu comentários diferenciados por isso. Outro elemento a se chamar a atenção é a dimensão da formação de alunos(as). O artigo traz evidências históricas de que as principais referências estudadas nas aulas lecionadas eram basicamente do gênero masculino. Mais do que encaminhar uma cobrança à autora por não indicar a sub-representação de mulheres, destacar esses aspectos pretende afirmar o texto como uma evidência empírica que, mais uma vez, demonstra a naturalização das desigualdades partilhadas entre os(as) acadêmicos(as).

Já Pablo Bulcourf, Enrique Márquez e Nelson Cardozo (2014)BULCOURF, Pablo; MÁRQUEZ, Enrique; CARDOZO, Nelson. El desarrollo de la ciencia política en Argentina, Brasil y México: construyendo una mirada comparada. Anuario Latinoamericano Ciencias Políticas y Relaciones Internacionales, v. 1, p. 155-184, 2014. partem de um recorte mais extenso de pesquisa e estabelecem paralelos entre países com base na história da ciência política. Em “El desarrollo de la ciencia política en Argentina, Brasil y México: construyendo una mirada comparada”, o grupo de autores postula cinco níveis de análise para apreender a evolução desse campo científico nos países latino-americanos em que ele se encontra mais consolidado: os sujeitos, as instituições, a produção acadêmica e os seus meios de comunicação, e as associações e redes. O intuito de estabelecer um estudo comparado no espaço de um artigo logicamente restringe as condições de aprofundamento em detalhes e são elencadas uma série de informações sobre cada lugar, que não enunciam previamente seus critérios de seletividade.

Se homens e mulheres são citados no decorrer do artigo, há casos em que o gênero feminino não consta e nos quais tal ausência não é explicada, como no de “principais obras”. Para o Brasil são mencionados livros de Olavo Brasil de Lima Júnior, Bolívar Lamounier, Fernando Henrique Cardoso, Gláucio Soares, Wanderley Guilherme dos Santos, Renato Boschi e Luiz Bresser Pereira. Tratada de modo individual, essa evidência não necessariamente teria importância. Porém, ela faz parte de um cenário mais geral de não atribuição de crédito às mulheres. O tema dos partidos políticos, que foi endereçado em algumas das publicações sugeridas, teve participação feminina considerável no país, inclusive com lançamentos anteriores aos dos homens referenciados, como Estado e partidos políticos no Brasil, de 1976, escrito por Maria do Carmo Campello de Souza (SOUZA, 1976SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega, 1976.).

Com maior ênfase na atualidade e assumindo o desafio de prover um balanço sobre a ciência política no Brasil para um meio estrangeiro, Octavio Amorim Neto e Fabiano Santos foram encarregados da redação de dois panoramas da área em dossiês da Revista de Ciencia Política, editada pelo Instituto de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Chile. As edições, lançadas em 2005 e 2015, buscaram difundir análises sobre a situação da disciplina na América Latina, com enfoques majoritariamente nacionais e algumas exceções que se voltaram ao aspecto regional (ALTMAN, 2005ALTMAN, David. La institucionalización de la ciencia política en Chile y América Latina: una mirada desde el Sur. Revista de Ciencia Política, v. 25, n. 1, p. 3-15, 2005.; BULCOURF; MÁRQUEZ; CARDOZO, 2015BULCOURF, Pablo; MÁRQUEZ, Eduardo; CARDOZO, Nelson. Historia y desarrollo de la ciencia política en América Latina: reflexiones sobre la constitución del campo de estudios. Revista de Ciencia Política, v. 35, n. 1, p. 179-199, 2015.).

Os textos sobre o Brasil fornecem apanhados dos êxitos e empecilhos vivenciados pela comunidade acadêmica, mas fica de fora novamente a apreciação sobre as desigualdades de gênero. Em “La ciencia política en Brasil: el desafío de la expansión”, Amorim Neto e Santos (2005)AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política en Brasil: el desafío de la expansión. Revista de Ciencia Política, v. 25, n. 1, p. 101-110, 2005. postulavam a necessidade de (1) expandir a quantidade de pós-graduações a nível nacional, (2) melhorar o ensino de estatística, (3) criar maior diálogo e solidariedade entre os pares, (4) aprimorar as graduações em ciências sociais e (5) fomentar o estudo da política comparada, tornando nossa ciência menos paroquial. Já no ano de 2015, em “La ciencia política en Brasil en la última década: la nacionalización y la lenta superación del parroquialismo”, os autores declaravam alguns avanços e os impasses contemporâneos a serem superados apareceram por conta da (1) continuidade de uma baixa visibilidade da produção nacional nos países estrangeiros, (2) diminuta especialização em métodos qualitativos e (3) insegurança sobre o futuro em função da conjuntura política de cortes de gastos em ciência.

Embora todos os pontos ressaltados por Amorim Neto e Santos sejam válidos, eles também refletem um descuido que é mais generalizado da ciência política quanto a encarar os problemas de gênero (FREIDENBERG, 2020FREIDENBERG, Flavia. A cegueira de gênero na ciência política latino-americana. In: BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020.). Mesmo sendo uma das áreas mais desiguais das ciências sociais no Brasil, quando comparada à sociologia e à antropologia (CANDIDO; FERES JUNIOR; CAMPOS, 2019CANDIDO, Marcia; FERES JUNIOR; João; CAMPOS, Luiz Augusto. Desigualdades na elite da ciência política brasileira. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 19, n. 3, p. 564-582, 2019.), a disciplina segue seu cotidiano com relativa normalidade como um espaço predominantemente masculino e branco. Isto é identificável tanto na forma como os cientistas afirmam seu passado, não se incomodando com as referências apenas a homens, quanto no modo como analisam o presente, sem encontrar defeitos em espaços de trabalho isentos de diversidade.

Tornar a crítica feminista transversal à ciência política ajuda a identificar ausências nas análises sobre os espaços coletivos e as relações sociais, mas também fornece um novo tipo de embasamento para indicar pesquisas que reconhecem de maneira mais igualitária os atores e atrizes das produções acadêmicas, mesmo quando elas não possuem as questões de gênero como objeto. Nos artigos “Política: história, ciência, cultura etc.” e “Entre a “velha” e a “nova” ciência política: continuidade e renovação acadêmica na primeira década da revista Dados (1966-1976)”, há uma abrangência considerável no tratamento de referências e autores(as), sem que se reproduza esquecimento das contribuições de mulheres. O primeiro texto, de autoria de Ângela de Castro Gomes (1996b)GOMES, Angela de Castro. Política: história, ciência, cultura etc. Estudos Históricos, v. 9, n. 17, p. 59-84, 1996b., retoma a formação do campo de estudos sobre política principalmente a partir das suas fronteiras com a história, e destaca, além de trabalhos de homens, uma série de publicações importantes de mulheres, com notoriedade, por exemplo, ao aporte que o grupo deu à literatura sobre partidos políticos.

Já o segundo, redigido por Christian Lynch (2017)LYNCH, Christian. Entre a “velha” e a “nova” ciência política: continuidade e renovação acadêmica na primeira década da revista DADOS (1966-1976). DADOS, v. 60, n. 3, p. 663-702, 2017. para uma edição especial dos cinquenta anos de DADOS, empreende uma análise qualitativa dos debates divulgados nos anos iniciais de funcionamento da revista, que marcaram uma transição conciliada entre uma “velha” ciência política, “ensaísta e nacionalista”, e uma “nova”, empiricamente orientada e oriunda de influências dos EUA (LYNCH, 2017LYNCH, Christian. Entre a “velha” e a “nova” ciência política: continuidade e renovação acadêmica na primeira década da revista DADOS (1966-1976). DADOS, v. 60, n. 3, p. 663-702, 2017., p. 664). A revisão dos textos feita pelo autor não deixa de mencionar os artigos de mulheres e faz uma contextualização da instituição que criou a publicação, o antigo IUPERJ, referenciando o quadro de docentes, estudantes e pesquisadores de ambos os gêneros. Diferentemente das produções que citamos anteriormente, é perceptível, pela leitura do estudo, a presença feminina neste momento incipiente da disciplina, o que fornece um retrato histórico mais realista do que aqueles que propõem caracterizar grupos e gerações sem atentar para outros atores além dos homens.

Os três estudos restantes que estão entre os mais citados sobre a história da ciência política no Brasil podem ser associados a um caráter mais neutro em relação às questões de gênero. O cientista político Fernando Leite (2017)LEITE, Fernando. Tradições intelectuais na ciência política contemporânea. DADOS, v. 60, n. 3, 2017., em “Tradições intelectuais na ciência política brasileira contemporânea”, seleciona artigos dos periódicos mais prestigiados na disciplina e procura contribuir aos debates da área com uma análise sistemática de seu campo de pesquisas. Cecilia Carpiuc (2014)CARPIUC, Cecilia. Hacia una hegemonía del “modelo mainstream norteamericano”? Enfoques de la ciencia política en América Latina (2000-2012). CLACSO, Policy Brief, 2014., em “¿Hacia una hegemonía del ‘modelo mainstream norteamericano’? Enfoques de la ciencia política en América Latina (2000-2012)”, por outro lado, explora, também a partir de revistas acadêmicas, a americanização12 12 Embora o continente americano seja muito maior do que apenas os Estados Unidos, o termo “americanização” costuma ser utilizado para falar da influência do país na ciência política de outros países da região. da área em países como o Brasil, o México e a Argentina.

Por fim, em “Aprendendo com os erros dos outros: o que a história da ciência política americana tem para nos contar”, João Feres Júnior (2000)FERES JÚNIOR, João. Aprendendo com os erros dos outros: o que a história da ciência política americana tem para nos contar. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 15, p.97-110, 2000. revisita as principais referências que narram a trajetória da disciplina nos EUA e critica as versões dominantes que universalizam o desenvolvimento da área como algo associado à vocação democrática. Para o autor, o insulamento da teoria política de outras subáreas com enfoques em pesquisas empíricas entre os estadunidenses funcionou como uma barreira para que perspectivas mais contestatórias, que relacionam a formação da disciplina com o conservadorismo, por exemplo, pudessem emergir. A alta especialização acadêmica naquele país e o discurso de veracidade científica aparecem no texto como características que devem ser problematizadas pelos brasileiros. Isso permitiria que esses últimos valorizassem a falta de especialização da academia nacional, no sentido do desfrute de uma maior interdisciplinaridade, como uma fonte em potencial para o enriquecimento de posições críticas mais abrangentes sobre as realidades sociais e políticas, não reproduzindo as limitações às quais os norte-americanos estão sujeitos.

Os artigos de história ou conjuntura da ciência política brasileira importam pois são eles que comunicam às distintas gerações de pesquisadores(as) a memória da área, suas figuras e obras mais relevantes, assim como as agendas de melhorias que os cientistas devem almejar para o futuro. Geralmente, tais tipos de trabalho proliferam-se quando as disciplinas acadêmicas já têm um grau desenvolvido de institucionalização, que possibilita a uma comunidade bem estruturada começar a refletir sobre o conteúdo de suas atividades e práticas de organização. Se caminhamos para um estágio de amadurecimento do campo intelectual, ainda carece dar notoriedade ao tema das desigualdades.

Considerações finais

O presente artigo utilizou procedimentos de revisão sistemática da literatura para estabelecer uma crítica feminista às narrativas de história da ciência política brasileira que é dual: demonstra que há pouca atenção dos estudos em promover análises especializadas nas desigualdades de gênero, assim como explicita nas produções mais reconhecidas limitações de tratamento à participação das mulheres. A despeito da subárea examinada ser modesta e ter começado a se expandir recentemente, o trabalho sustenta evidências de que a sub-representação feminina e a mera referência ao grupo não foram questão relevante ao quadro de autores com maior impacto no assunto.

As pesquisas originadas nas duas últimas décadas vêm contribuindo para demonstrar que existem hierarquias de reconhecimento e prestígio em relação ao perfil de acadêmicos(as) que são consagrados na ciência política nacional e internacional (LENINE; MORSCHBACHER, 2020LENINE, Enzo; MORSCHBACHER, Melina. Pesquisa bibliométrica e hierarquias do conhecimento em ciência política. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 31, p. 123-160, 2020.). Ao considerarmos os textos supramencionados como objetos de investigação, é possível sugerir um indício de que gênero repercute na visibilidade dos intelectuais, uma vez que os homens conquistam centralidade nas narrativas, enquanto as mulheres, por vezes, sequer são lembradas.

O que poderia explicar tal lacuna? As mulheres obtiveram pouca importância no desenvolvimento da ciência política brasileira? Enquanto a baixa inserção do gênero feminino é uma realidade na área no que diz respeito aos postos mais altos e permanentes na academia nacional, como a docência em universidades públicas, o mesmo não pode ser dito para os quadros discentes. De fato, a diminuta presença do grupo entre os que produzem com maior estabilidade sobre a disciplina pode ser reafirmada como uma das razões para a falta de sensibilidade e atenção a problemas de gênero (HARTSOCK, 1997HARTSOCK, Nancy. How feminist scholarship could change political science. In: MONROE, Kristen Renwick (org.). Contemporary empirical political theory, 1997. p. 231-248.; BIROLI, 2016BIROLI, Flavia. Divisão sexual do trabalho e democracia. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 59, n. 3, 2016.). Por outro lado, ainda no início da institucionalização da área no país, as mulheres chegaram a ser até maioria em turmas de pós-graduação (CANDIDO, no preloCANDIDO, Marcia. Dois gêneros, duas histórias? A fundação da ciência política no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, (no prelo).). Se damos atenção somente ao dado quantitativo há, portanto, uma falha analítica ao desconsiderar estratos distintos da comunidade científica.

Essa falha é agravada pelas próprias características de construção incipiente da ciência política no Brasil. Em seu estágio inicial de institucionalização, a área necessitava de quadros “desbravadores”, ou seja, de indivíduos que se mobilizavam para adquirir formação em um setor de trabalho ainda pouco concreto no país. Esse grupo de pessoas inovava não só por buscar um curso de pós-graduação jovem, como também por ser justamente os atores e atrizes que passavam a publicar sobre tal campo científico nas revistas pioneiras. Parte dos livros clássicos da ciência política nacional emergiu de dissertações e teses de doutorado defendidas nesse período precursor.

Mesmo partindo de um patamar mais baixo no que se refere à inserção na carreira, a participação precoce de mulheres na pós-graduação brasileira em ciência política marca um divisor de águas do país ainda em relação a outros contextos, o que deve ser valorizado. A alegação de que a disciplina foi fundada por homens é mais factível para os EUA do que para o Brasil. A área emergiu como um campo de profissionalização entre os estadunidenses na virada do século XIX para o XX. Os perfis que são considerados pais da ciência política naquela terra se posicionavam contra o sufrágio universal, sendo avessos a uma das principais pautas do pensamento político e do movimento de mulheres da época (TOLLESON-RINEHART; CARROLL, 2006TOLLESON-RINEHART, Sue; CARROLL, Susan. “Far from ideal”: the gender politics of political science. American Political Science Review, v. 100, n. 4, 2006.). No Brasil, em contrapartida, a ciência política começou a se institucionalizar no final dos anos 1950. Mulheres desfrutavam, nessa fase, de direitos políticos e acesso ao ensino superior.13 13 A despeito de tal período não computar normas formais no Brasil no que diz respeito a barreiras à inserção de pessoas negras, vale ressaltar que o país sempre foi marcado por desigualdades raciais e esse cenário de acesso a direitos tende a ser mais representativo do desfrutado por mulheres brancas, que foram e seguem sendo maioria nas pós-graduações brasileiras. Informações mais detalhadas sobre isso, contudo, ainda são limitadas à ausência de indicadores sociais sobre a presença de negros na origem da ciência política brasileira.

Ainda que a participação de mulheres na fundação da ciência política brasileira tenha tido origem em um grau de formação levemente distinto do que foi vivido pelos homens, tais como Wanderley Guilherme dos Santos e Fábio Wanderley Reis, criadores das pós-graduações nacionais com títulos de doutorado na disciplina conquistados no exterior, essa diferença temporal, que assegurou uma breve distinção hierárquica entre posições de produção intelectual, não é justificativa para o apagamento feminino. Para se ter uma ideia, em indicadores tradicionais de avaliação científica, como as taxas de citação e a quantidade de orientações de estudantes, a liderança pertence a pioneiras mulheres. Eli Diniz é a autora da geração de fundadores(as) que recebeu o maior número de citações ao conjunto de suas obras; enquanto Maria Regina Soares de Lima é a professora que mais orientou alunos(as) na pós-graduação (CANDIDO, no preloCANDIDO, Marcia. Dois gêneros, duas histórias? A fundação da ciência política no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, (no prelo).). Nos cabe reconstituir nosso passado dando o reconhecimento justo a cada um desses papeis. A supressão de parte deles, contudo, reforça uma ideia de ciência avessa à participação de mulheres, que reproduz um “tipo ideal” de cientista com gênero e cor.

Referências

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  • ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, 2003.
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  • 2
    Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla realizada durante o doutorado. Agradeço ao INCT - Instituto da Democracia e da Democratização da comunicação e à CAPES pelo fomento que a tornou possível. Agradeço também aos comentários do meu orientador, João Feres Júnior, da minha coorientadora, Fernanda Beigel, e de Luiz Augusto Campos, Ângela de Castro Gomes, Flávia Biroli e Lorena Barberia, participantes da banca de defesa de tese. Agradeço, ainda, à equipe editorial da RBCP e aos pareceristas anônimos que foram éticos e atenciosos com esse trabalho.
  • 3
    Ao longo do texto, refiro-me a temas estudados dentro da grande área da ciência política brasileira como “subáreas” ou “subcampos”. A “história da ciência política” é um deles. Por outro lado, os estudos de gênero também costumam ser tratados como uma “subárea” ou um “subcampo”, ao invés de serem considerados como importantes para a ciência como um todo. Ver Biroli, Gago e Fridenberg (2019)BIROLI, Flavia; FREIDENBERG, Flavia; GAGO, Verónica. Gênero, militância feminista e conservadorismo na América Latina: entrevista com Flávia Biroli, Flavia Freidenberg e Verónica Gago. [Entrevista a] Marcia Candido, Simone Gomes, Talita Tanscheit. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 7, n. 11, p. 23-42, 2019..
  • 4
    Duas revistas que enunciavam entre seus objetivos promover a especialização da ciência política foram criadas antes de cursos de pós-graduação em suas respectivas universidades sede, a Revista Brasileira de Estudos Políticos, publicada na UFMG, a partir de 1956, e a DADOS, iniciada no antigo IUPERJ, hoje IESP-UERJ, em 1966.
  • 5
    Ver Soares (2005)SOARES, Gláucio. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 48, p. 27-52, 2005.; Soares, Souza e Moura (2010)SOARES, Gláucio; SOUZA, Cintia Ribeiro de; MOURA, Tatiana Whately de. Colaboração na produção científica na ciência política e na sociologia brasileiras. Sociedade e Estado, v. 25, n. 3, 2010.; Leite (2017)LEITE, Fernando. Tradições intelectuais na ciência política contemporânea. DADOS, v. 60, n. 3, 2017.; Lima e Milani (2016)LIMA, Maria Regina Soares de; MILANI, Carlos R. S. Política externa brasileira: campo de estudos e principais avanços. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos; BRAGA, Maria do Socorro (orgs.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV, 2016. p. 393-422.; Campos, Feres Júnior e Guarnieri (2017)CAMPOS, Luiz Augusto; FERES JUNIOR, João; GUARNIERI, Fernando. 50 anos da revista DADOS: uma análise bibliométrica do seu perfil disciplinar e temático. Dados, v. 60, n. 3, p. 623-661, 2017.; Nicolau e Oliveira (2017)NICOLAU, Jairo; OLIVEIRA, Lilian. Political science in Brazil: an analysis of academic articles (1966-2015). Sociologia e Antropologia, v. 7, n. 2, p. 371-393, 2017. dentre outros.
  • 6
    Entre as críticas ao uso das taxas de citação como critério de avaliação da produção científica podemos apontar a diferença entre subáreas de pesquisa, pois nem sempre um tema alcança o mesmo interesse de pesquisadores que outros. Há também o uso do inglês como língua dominante nos periódicos de maior impacto e a produção de assimetrias entre centros e periferias (BEIGEL, 2013BEIGEL, Fernanda. Centros e periferias na circulação internacional do conhecimento. Nueva Sociedad, n. 245, 2013.; 2018BEIGEL, Fernanda. Las relaciones de poder em la ciencia mundial: un anti-ranking para conocer la ciencia producida en la periferia. Nueva Sociedad, n. 274, 2018.). Além disso, no que toca especificamente às questões de gênero, não são poucos os estudos que mostram disparidades que prejudicam as mulheres (MALIANIAK; POWERS; WALTER, 2013MALIANIAK Daniel; POWERS, Ryan; WALTER, Barbara. The gender citation gap in international relations. International Organization, v. 67, n. 4, p. 889-922, 2013.; MITCHELL; LANGE; BRUS, 2013MITCHELL, Sara; LANGE, Samantha; BRUS, Holly. Gendered citation patterns in international relations journals. International Studies Perspectives, v. 14, n. 4, p. 485-492, 2013.; DION; SUMNER; MITCHELL, 2018DION, Michele; SUMNER, Jane; MITCHELL, Sara. Gendered citation patterns across political science and social science methodology fields. Political Analysis, v. 26, n. 3, p. 312-327, 2018.).
  • 7
    A ferramenta é interessante para ser utilizada em revisões de literatura e tem sido usada em outras pesquisas. Ver, por exemplo, Batista, Domingos e Vieira (2021)BATISTA, Marana; DOMINGOS, Amanda; VIEIRA, Bhreno. Políticas públicas: modelos clássicos e 40 anos de produção no Brasil. BIB, São Paulo, n. 94, p. 1-25, 2021..
  • 8
    A opção pela seleção apenas de artigos ocorreu por eles estarem recebendo centralidade considerável nos debates e avaliações da ciência. Embora não ignoremos a importância de outros formatos de publicação, sobretudo dos livros, a proposta foi padronizar o perfil de análise. Acreditamos que os artigos fornecem um bom retrato sobre as características de certos debates na academia, ainda que não os esgote.
  • 9
    A tabela reúne todas as referências a artigos de história da ciência política brasileira que receberam citações e constaram em busca realizada no Publish or Perish pela última vez em 29 de dezembro de 2020.
  • 10
    A alteridade entre homens e mulheres é um dos temas clássicos da literatura feminista. Grosso modo, tal alteridade consiste em representar as mulheres como o “outro” dos homens, complementares, mas restritas ao âmbito privado (BEAUVOIR, 1967BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.).
  • 11
    Há mais mulheres que foram fundadoras na ciência política brasileira, mas essas indicações se baseiam em pesquisa que ponderou pioneirismo, quantidade e impacto de publicações, assim como informações de formação e ensino. Os critérios preliminares que usei nesta seleção aparecem em Candido (2020)CANDIDO, Marcia. Cartografia das pioneiras da ciência política no Brasil. In: BIROLI, Flávia et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2020. p. 325-356. e são mais desenvolvidos nos capítulos três e quatro de livro que está sendo editado pela EdUERJ (CANDIDO, no preloCANDIDO, Marcia. Dois gêneros, duas histórias? A fundação da ciência política no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, (no prelo).).
  • 12
    Embora o continente americano seja muito maior do que apenas os Estados Unidos, o termo “americanização” costuma ser utilizado para falar da influência do país na ciência política de outros países da região.
  • 13
    A despeito de tal período não computar normas formais no Brasil no que diz respeito a barreiras à inserção de pessoas negras, vale ressaltar que o país sempre foi marcado por desigualdades raciais e esse cenário de acesso a direitos tende a ser mais representativo do desfrutado por mulheres brancas, que foram e seguem sendo maioria nas pós-graduações brasileiras. Informações mais detalhadas sobre isso, contudo, ainda são limitadas à ausência de indicadores sociais sobre a presença de negros na origem da ciência política brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2022
  • Aceito
    23 Jun 2023
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