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Indígenas do deserto: beduínos do Negev. Congresso em Beer Sheva, 2000: o futuro dos povos indígenas

RESUMO

Trata-se de uma reflexão despertada pela participação da autora em uma Conferência Internacional sobre o Futuro dos Povos indígenas, organizada no ano 2000 pelo Centro de Estudos Beduínos da Universidade Ben-Gurion, em Beer Sheva, no Negev, em Israel. Múltiplos temas se entrelaçam, em breves pinceladas. A condição dos beduínos, pouco conhecida no Brasil, apresenta semelhanças com a de povos indígenas, no embate com Estados nacionais e exclusão em uma sociedade desigual. A autora aponta sua descoberta do poder da poesia oral beduína, em parte também escrita por protagonistas orais ou em versão árabe/inglês pelo estudioso Clinton Bailey. Nas entrelinhas, os sentimentos conflitantes de uma judia, neta de imigrantes de Odessa, fugitivos ainda do czarismo, educada com a utopia da defesa incondicional de todos os povos do mundo e da condenação de qualquer holocausto. Escrever sobre essa viagem é expressar, mesmo com décadas de atraso, a admiração pelos Beduínos e em especial por Ismael Abu-Saad, diretor do Centro, por seus livros, artigos e defesa dos direitos dos povos e excluídos, fundamentais para este ensaio.

PALAVRAS-CHAVE:
Povos indígenas; Beduínos; Cidadania; Exclusão; Poesia oral; Oralidade-escrita; Educação; Direitos; Terra; Nomadismo; Colonização; Políticas públicas

ABSTRACT

The following pages summarize thoughts brought about by the author’s participation in the 2000 International Conference on the Future of Indigenous Peoples, organized in 2000 by the Center for Bedouin Studies at Ben-Gurion University of the Negev, Beersheba, Israel. Multiple topics intertwine, in brief brushstrokes. The condition of the Bedouins, little known in Brazil, is similar to that of indigenous peoples, in their clash with the State and their exclusion in an unequal society. The author draws attention to her discovery of the power of Bedouin oral poetry, in part also written by the poems’ pr otagonists themselves, or in an Arabic/English version by scholar Clinton Bailey. Between the lines, the conflicting feelings of a Jew, granddaughter of immigrants from Odessa (who were still fugitives from tsarism), brought up believing in the utopia of unconditional defense of all peoples of the world and the condemnation of any holocaust. Writing about this journey is to express, even with decades of delay, admiration for the Bedouins and especially for Ismael Abu-Saad, director of the Center, whose books, articles and defense of the rights of all peoples and the socially excluded are fundamental in this essay.

KEYWORDS:
Indigenous peoples; Bedouins; Citizenship; Exclusion; Oral poetry; Orality-writing; Education; Rights; Land; Nomadism; Colonization; Public policies

Há 21 anos tenho vontade de escrever sobre a viagem que fiz a convite dos beduínos de Israel. Foi tão perturbador o encontro, que só agora, com a maioridade do desejo, faço outra tentativa, mais madura.

Em maio do ano 2000, o Centro de Estudos Beduínos da Universidade Ben-Gurion, em Beer Sheva, no Negev, em Israel, organizou uma conferência internacional sobre o futuro dos povos indígenas e possíveis estratégias para sua sobrevivência e desenvolvimento. Os participantes eram beduínos e representantes dos Primeiros Povos de Canadá, Estados Unidos, Austrália, Israel, Árabes-israelenses, Latino-americanos. Antropólogos, professores universitários, advogados, defensores de direitos humanos. Tomaram consciência da situação socioeconômica e política dos beduínos do deserto do Negev, que é muito pouco conhecida e debatida, tanto no mundo como dentro de Israel. Os debates foram publicados em livro de Duane Champagne e Ismael Abu-Saad (2003CHAMPAGNE, D.; ABU-SAAD, I. (Ed.) The future of Indigenous Peoples, Strategies for survival and development. Los Angeles: University of California, UCLA American Indian Studies Center, 2003.), com a conclusão final do encontro: uma Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, nos moldes da clássica, pioneira, Declaração de Barbados, de 1971, à qual se seguiu a Declaração de San José, Costa Rica, em 1981.

O confronto Palestina/Israel sempre foi doloroso, sobretudo para judeus que não tinham sido sionistas e apoiavam a criação de dois países, bem como Jerusalém para ambos, em uma forma a ser encontrada. Meu pai, em público, sempre falou da difícil solução quando os dois lados têm razão; condenava os massacres e as colônias judaicas em terra palestina. Não me lembro de ouvi-lo falar sobre a história e a criação do Estado de Israel, ou sobre os países árabes, não creio que estudasse muito o assunto. Minha mãe, menos ainda. Filhos de imigrantes, sua identificação era com o Brasil. Definiam-se como judeus - não religiosos - mas faziam questão de afirmar que essa condição era a da origem, sem laços com Israel, essa uma outra nação, com política e governo próprios, nosso país sendo o Brasil. Aqui nascidos, participavam e opinavam como cidadãos brasileiros. Amos Gitai os visitou (depois do ano 2000?), e infelizmente eu não soube, ou não estava em São Paulo. Penso que meus pais não conheciam seus filmes, que vi quase todos, com os quais aprendi muito sobre Israel e a ocupação da Palestina anterior a 1948 e no Estado criado nesse ano. Uma das últimas “leituras” de meu pai, que lemos para ele porque não enxergava mais, foi o romance autobiográfico De amor e trevas, de Amos Oz (2005OZ, A. De amor e trevas. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.), que o impressionou muito.

O nazismo e o holocausto, sim, eram pautas presentes. Nasci em 1942 e lembro, antes dos 6 anos, na casa em que moramos até 1948, de ver muitos refugiados e ouvir suas histórias, como a de um arquiteto holandês que ficara anos escondido, do qual só guardei o primeiro nome, Eric, e o encanto com uma lapiseira de quatro cores que ele me deu. A leitura de Anne Frank veio bem depois... Na nossa família, que eu saiba, a única vítima do nazismo foi um primo-irmão de papai, que ele tentava trazer para o Brasil, mas morreu no naufrágio-ataque do navio em fuga para a Palestina, a partir da Romênia, durante a guerra.

Eu custei muito a me configurar como judia, só no colegial, com 14 anos, ao descobrir que uma das minhas maiores amigas, minha companheira de banco em sala de aula, Ilza Weltman, também era. Nós duas ótimas alunas, eu passava a maior parte das aulas contando a ela os livros da Comédia Humana que ocupavam minhas tardes, ou o teatro grego. Nenhum conteúdo judaico. Era como passar ao largo de quem era minha família, das festas judaicas frequentadas por nós no Lar dos Velhos, fundado por minha queridíssima avó paterna e o avô que não conheci. Foi importante a amizade com alguém da mesma cepa.

Sobre Israel, nessa viagem em 2000, minhas informações eram escassas, vagas. Eu fora a Israel em 1967, pouco depois da Guerra dos Seis Dias, com o pai dos meus filhos (ainda não nascidos). Ele escrevia sobre judeus (Lafer, 1963LAFER, C. O judeu em Gil Vicente. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1963.) quando começamos a namorar anos antes; trouxe essa minha pertinência à baila, mas praticamente nada sobre Israel. Com ele li e vi O Dibuk, a peça de An-Ski (1988);1 1 A peça foi encenada no Teatro de Arte Israelita, Taib, em 1963, com direção de Graça Mello. bem mais tarde, muitas versões no cinema. Nossa passagem por Israel foi curta, a caminho da Índia, depois de Istambul e Irã. Adorei Jerusalém, os quatro bairros separando judeus, árabes, católicos e armênios ortodoxos, a muralha circundando o conjunto, no alto da qual caminhávamos. Com lua cheia, guiados por um amigo ali habitante há décadas, as ruelas e a arquitetura mourisca eram mágicas. Parávamos em cantinhos simples para tomar com ele bebidas alcoólicas exóticas e petiscos desconhecidos. Não me ocorria perguntar como tinham sido os seus anos pioneiros, de onde viera, se vivera em kibutz. De dia, fui cativada pela Via Sacra que só então começava a ser percorrida por não árabes, e pelo Jardim das Oliveiras sem as atuais construções que maculam o cenário. Meu jovem marido se emocionava com o Muro das Lamentações e a forte presença dos ancestrais - e nem era religioso. Mas eu, com minha imperdoável intolerância juvenil a qualquer religião e rituais, recusava a obrigação de herdar a tradição a meus olhos estranha, não entendi nada, ao contrário do que me aconteceu em 2000. Não sei se nessa primeira ocasião fomos à Mesquita de Omar e ao Domo da Rocha - nem sei se eram acessíveis. Em 2000 fui, e me emocionei tanto entrando na mesquita como em frente ao Muro, vendo a Rocha e evocando Abraão, a Bíblia, o Talmud e o Korão. Na mesma viagem, sozinha, flanei pelo bairro árabe, com um lenço negro cobrindo a cabeça, entrei em livrarias e bares, conversei, senti-me à vontade, embora amigos de Jerusalém me desaconselhassem o passeio “ao outro lado”, como perigoso. Com certeza eu devia parecer tanto judia como palestina.

Eu me afligia muito, em 2000, com a questão do Oriente Médio, mesmo sem seguir com proficiência o que se passava. Nos meus Diários da floresta (Mindlin, 2006MINDLIN, B. Diários da floresta. São Paulo: Terceiro Nome, 2006.), publicados só em 2006, mas escritos entre 1978 e 1983, um parágrafo o revela, quando comento a situação dos colonos expulsos das terras dos Paiter Suruí, contradição entre os inalienáveis direitos indígenas e os de destituídos, massa brasileira na pobreza. “Com um mal-estar apenas um pouco menos dolorido do que deve ser o de um israelense esclarecido de oposição ao pisar o chão das casas arrasadas de palestinos recém expulsos pela guerra, vim ao acampamento da Linha 11” (Na denominada área Linha 11 invadida, os indígenas haviam recuperado suas terras seculares). Em 1997, em Salzburg, participando de um congresso denominado “Raça e etnia: modelos de diversidade”, presenciei um debate entre um israelense e um palestino. Polidos e afáveis por uma hora, de repente inflamaram-se sobre a antiguidade de cada um dos povos, qual estaria há dois mil ou três mil anos na região, quase chegaram a se atracar e o israelense saiu correndo, dizendo que era o horário da passagem aérea de volta. Em um debate semelhante na mesma ocasião, houve gentileza seguida por fúria na mesa compartilhada por representantes de origem croata, sérvia, eslovena, albanesa, macedônia... Falas incompatíveis diante da dor e sofrimento com o atroz conflito na Europa Central nos anos 1990, a desintegração da Iugoslávia, feridas abertas: a Guerra de Kosovo deu-se depois de 1997. Um dos curadores do congresso, conferencista e não debatedor, era o renomado diretor da Biblioteca Nacional e da Universidade da Bósnia e Herzegovina em Sarajevo, Enes Kujundzic. Biblioteca destruída e queimada em 1992, a memória de gerações, línguas, história em cinzas, como aparece no filme de Jean-Luc Godard, Notre musique (2004), e como ele evocou em tons de luto eterno.

Foi essa a noção que eu tinha ao aportar em Beer Sheva, pouco sabendo sobre a formação de Israel, milenar ou recente. E sobre os beduínos, nada, a não ser a imagem romântica de relatos europeus, como a de um Richard Burton. De repente os beduínos surgiam como semelhantes aos povos indígenas cuja causa eu fizera minha. Eram diferenciados da maioria árabe, apesar de terem a mesma língua, por seu modo de vida no deserto, nômade, tribal, com grandes divisões e alianças internas, sociedade na qual parentesco e casamentos eram um pilar, assim como interesses do grupo. Mas identificavam-se e eram parte dos palestinos, na expulsão em 1948 com a criação do Estado de Israel. Sujeitos, na nação israelense, à opressão autoritária e ao esbulho do seu hábitat e tradição seculares, marginalizados, desprezados. Um povo contra o Estado. Semelhantes, em sua luta, dignidade, grandeza, aos povos com quem convivi - mas, o que não é nosso caso, atingidos pelo confronto entre duas nações e sua disputa pela terra e reconhecimento internacional.

O primeiro ensinamento sobre os beduínos: organizador-anfitrião principal do Encontro, Ismael Abu-Saad

É a Ismael Abu-Saad, seu convite, seus artigos, sua presença marcante e acolhedora, bem como às apresentações dos participantes que devo a visão sobre os beduínos do Negev, centro do evento, que não versou sobre os beduínos da Galileia ou os de outros países. Abu-Saad, renomado professor na área de Educação, dirige o Centro de Estudos Beduínos e Desenvolvimento na Universidade Ben-Gurion em Beer Sheva, no Negev. É tão complexa a realidade israelense, bem como a história beduína, que não sendo uma pesquisadora, não quero ir além da pincelada sobre o choque que me causou o curto período de exposição ao tema e a visita a alguns beduínos do deserto.

O resumo das informações doloridas que retive apoia-se no que ouvi e na bibliografia a que tive acesso, em especial Abu-Saad (2000).

Os beduínos são um povo antigo no Negev: habitam o deserto desde o século V, criadores-pastores de carneiros e camelos, também com atividades de plantio. Seu direito à terra é inegável. A arqueologia há de registrar, talvez, ainda maior antiguidade. Antes de 1948, os beduínos eram praticamente a única população do Negev, com alguns assentamentos judaicos vizinhos e famílias árabes habitando a cidade Beer Sheva, na atualidade uma das mais populosas do país.

O Negev é das áreas mais extensas de Israel, compreendendo dois terços da terra de Israel, se considerarmos seus limites anteriores a 1967. Com a fundação do Estado de Israel em 1948, o número de beduínos árabes no Negev, estimados então em 100 mil, caiu para 11 mil. Expulsos pelas tropas israelenses, fugiram para Gaza, Egito, Cisjordânia e Jordânia. Foram proibidos de voltar para suas terras. Das 93 tribos do Negev, muitas das quais fragmentadas, só 19 receberam reconhecimento oficial do Estado de Israel. Israel tomou o controle da maior parte das terras do Negev, o que impediu os beduínos de se movimentarem livremente para criar seus rebanhos e cultivar a terra. Doze (12) das dezenove (19) tribos do Negev foram removidas de suas terras, com a população confinada a uma área designada Área Restrita, Siyag (“Área Cercada”) no nordeste do Negev, representando apenas 10% do seu território anterior a 1948.

À época do encontro ou um pouco antes, os beduínos do Negev eram cerca de 120 mil pessoas, com uma alta taxa de natalidade, de 55/1000, enquanto a dos judeus do Negev era de 19/1000. A população voltara a ser a mesma de 1948. Sua sobrevivência material e cultural, porém, estava sujeita a uma devastação sem volta, apesar de sua forte resistência. Desse total de 120 mil, 60 mil haviam sido deslocados pelo governo de Israel para sete cidades planejadas, (Tel-Sheva, Rahat, Arara, Kseifa, Segev Shalom, Hura e Laqyia) em um plano governamental de sedentarização dos nômades beduínos do deserto, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. A população variava nessas cidades de mil a 20 mil. Outros 60 mil continuavam vivendo no deserto, em tendas, barracos, vilas, habitações ou pequenos núcleos considerados ilegais pelo governo. Resistiam a transferir-se às cidades, pois perderiam a terra, não poderiam manter sua forma tradicional de vida de pastoreio e agricultura. No entanto, se continuassem no deserto, estariam proibidos de construir habitações permanentes, que eram destruídas pelo Estado. Sobreviviam apenas em tendas nômades, condenadas quaisquer construções definitivas, de tijolo ou material permanente.

As condições de infraestrutura nas cidades planejadas eram e são muito ruins, com altíssimo desemprego, problemas sociais decorrentes da falta de oportunidades econômicas, às vezes sem correio, sem telefone, com má qualidade educacional e de atendimento à saúde. Muitas famílias recusaram-se a usar as novas casas e continuaram a dormir em tendas do lado de fora. As cidades misturam tribos, o que fere os padrões culturais - apenas em algumas há um planejamento dos bairros para delimitar os espaços tradicionais. As “cidades” beduínas, assim, são uma espécie de apartheid. Constituem uma política pública de abrir o deserto a projetos e colonização judaica. O Estado adota como norma a sedentarização. Chama de nomadismo a ocupação do deserto, terra beduína secular, não reconhece a legitimidade da propriedade coletiva desse povo à vasta área, que passa ao poder do Estado de Israel. Como exemplo, havia na ocasião um aeroporto a ser construído na região. Na prática, o que é dos beduínos passa a propriedades e assentamentos de judeus israelenses, jamais de beduínos ou árabes israelenses. Embora beduínos sejam em parte cidadãos israelenses, são de segunda classe, excluídos de muitos direitos.

Dada essa política de confinamento e sedentarização, as cidades planejadas são uma forma de township, bolsão de pobreza, facilitando a tomada das terras beduínas no deserto e transformando-os em mão de obra barata e disponível. A vida no deserto torna-se dificílima. Todas as construções, não autorizadas e consideradas ilegais, podem ser demolidas pelo governo, sujeitas a multas e até a prisão de seus proprietários. O controle era feito por uma força militar prepotente, a Green Patrol, Patrulha Verde, criada em 1976, uma patrulha especial com homens armados, destinada a expulsar os que vivem ilegalmente segundo os critérios da lei de Israel. Chamava-se Verde porque era subordinada às autoridades das reservas naturais; supostamente encarregadas de proteger áreas ambientais. Descritos por Penny Maddrell (1992MADDRELL, P. The Beduin of the Negev. The Minority Rights Group Report, London, n.81, 1992.) com características de brutalidade, arrogância, arbítrio e abuso de poder impensáveis. Ao arrasar as casas com todos os pertences das pessoas, temidos e odiados. Aos olhos dos donos legítimos, a obra de suas próprias mãos é aniquilada. O majestoso povo nômade, apesar de formalmente incluído na cidadania israelense, passa a habitar na escala inferior do país.

No entanto, ainda hoje numerosas famílias voltam e reconstroem suas casas, demolidas e reerguidas em lugares diferentes, e o fazem muitas vezes com tenacidade digna dos guarani kaiowá brasileiros. Os beduínos continuam a voltar ao deserto e recomeçar. Como um Quarup xinguano de morte e renascimento.

Durante a conferência fomos à Cinemateca de Jerusalém, para ver um documentário sobre os beduínos, dirigido por Ron Kelley. Os depoimentos e as cenas filmados arrancaram-nos revolta e lágrimas. Revelação inaudita para mim. Seguiram-se debates entre ministro da Defesa, parlamentares (entre os quais o único deputado beduíno), antropólogos. As denúncias dos retirantes eram pungentes; como de indignar os da população vizinha de colonos judeus, separados dos beduínos por cercas de arame farpado, prova de racismo e total desconhecimento de quem é o povo do deserto. Nada poderia ser mais expressivo do sofrimento e injustiça da remoção dos beduínos, de suas dramáticas condições de vida tentando ainda manter a posse da terra e os rebanhos, afrontando a violação diária dos direitos humanos. Vilas “ilegais” sem água ou esgoto, menos ainda eletricidade e outros serviços. Aos beduínos, que tinham sistemas tradicionais avançados de preservar as águas e distribuir os poços entre as tribos e agrupamentos, restava buscar água em veículos motorizados, com quantidade racionada - não podendo ser usada para irrigação, por exemplo. Em contraste com a vizinhança, os belíssimos campos verdejantes de kibutzim e moshavim, por vezes também de tamanho diminuto, como os das vilas beduínas. Se o governo seguisse um princípio universal, e não o de um estado judaizante, poderia prover de alta tecnologia os pequenos núcleos beduínos do deserto, nos moldes da política em apoio a explorações agrícolas de cidadãos judeus. Igualar os cidadãos árabes, palestinos, beduínos aos cidadãos judeus seria uma forma de mudar a imagem do Estado de Israel - que é porém definido como judeu, embora reconhecendo uma forma de cidadania aos beduínos que cedem à política de integracionismo forçado, que lhes retira a autonomia e uma vida plena segundo seus valores e a terra.

Percorremos de carro a região e observamos os esgotos a céu aberto, o transporte da água escassa longe das habitações, próximos de casas e cultivos belos dos não beduínos, inclusive de árabes abastados. Abu-Saad nos fez visitar amplas casas ainda inabitadas de colonos judeus, semelhantes às confortáveis americanas. Quando estive em Tucuruí, visitando a barragem faraônica, lembrei-me delas, ao ver o contraste entre o bairro sofisticado dos funcionários qualificados da usina e o núcleo urbano caótico reservado aos trabalhadores e à população.

Uma das nossas visitas foi a um pequeno núcleo de tendas no deserto. Éramos poucas mulheres entre os conferencistas convidados, e houve uma exceção das regras de separação de gênero: fomos recebidas pelos sheiks e homens da família em sua tenda, enquanto a das beduínas ficava a uma pequena distância. Elas não entraram conosco. Tivemos o prazer de sentar-nos em tapetes no chão de areia, sorvendo chás e guloseimas, ouvindo falas em árabe. Mil e uma noites misturadas aos pátios da floresta ou às Casas dos Homens indígenas proibidas às mulheres, acendendo a curiosidade de conhecer a fundo o cotidiano vivo dessas habitações nômades de gente tão coberta de roupas, criando e cultivando o deserto no terceiro milênio.

Hospitalidade do encontro

O acolhimento de nossos anfitriões foi dos mais calorosos e delicados que já recebi. Fomos levados logo à Universidade Ben-Gurion de Beer Sheva, para ver uma bela exposição de artistas árabes, beduínos, judeus, palestinos. A visão dos organizadores era clara: lutar pela paz entre esses povos irmãos, todos com direitos humanos e à terra iguais, a jamais desrespeitar. Aprofundar o conhecimento e proximidade entre os que se consideram inimigos.

À noite, já com a claridade dos dias de primavera, um jantar ao ar livre com numerosos convidados. Pratos e vinhos deliciosos, fazendo jus à culinária árabe-judaica. Sentados em pequenas mesinhas - seria a forma ideal para os tempos de covid, que nem sequer era imaginada - fomos nos conhecendo, curiosos sobre os percursos dos participantes.

Houve saudações pelos representantes da Universidade Ben-Gurion do Negev, por Ismael Abu-Saad pelo Centro de Estudos Beduínos, e por diretores do Departamento de Educação da Universidade da California Los Angeles. Duane Champagne, diretor do Centro de Estudos dos Povos Indígenas Americanos da UCLA - Universidade da California, Los Angeles, fez a fala considerada chave (“keynote”). Estavam lançados os dados do imo temático: Povos, Indígenas, Educação. Seguiram-se sessões com palestras dos participantes - terra, globalismo, educação, autonomia e autogoverno, mulheres, desenvolvimento urbano e rural.

Um projeto central de Ismael Abu-Saad era a formação de mulheres beduínas como agentes de saúde e educadoras. O lema de Ismael era a educação como instrumento para promover igualdade e autonomia. Eram mulheres com pouca conexão com a vida urbana israelense, para as quais se abria um conhecimento novo. Esperança em meio ao drama beduíno em país colonialista. Percebi que meu lugar no encontro não era descabido. Eu havia começado, oito anos antes, um projeto de formação de professores e agentes de saúde indígenas em Rondônia, afirmando valores tradicionais e cidadania simultâneos - foi uma das duas breves conferências que fiz, outra sobre conquistas do reconhecimento oficial de terras indígenas milenares.

Tive oportunidade de encontrar as beduínas do projeto, na recepção em uma morada imensa, talvez de algum árabe de posses - essa a minha impressão. Elas não falavam inglês, talvez nem hebraico, o que não serviria para mim. Acostumada como sou a relações afetivas em línguas desconhecidas, tive a sensação de um contato muito bom, com alguma ajuda de tradutores. Eram encantadoras, passando por uma mudança no papel feminino tradicional. Penso que Abu-Saad crescera em ambiente beduíno sem tanta interferência de fora, mas seu destino o levara a uma amplitude de outros universos, capaz de fazer a ponte com a defesa de seu povo. Era professor da Universidade da Califórnia, casado com uma americana que se inserira nos valores beduínos.

Estivemos em casa deles - um lugar aprazível, com quintal onde uma ou mais cabras ruminavam grama e plantas. Tivemos o prazer de sentar-nos no chão, em tapetes, comendo todos em prato no centro da roda, com as mãos, como gosto. Vida de deserto. Abu-Saad reclamava da mesquita em frente, com alto-falante para as rezas obrigatórias cinco vezes por dia. Esse bairro da moradia, pouco depois do encontro, foi decretado de segurança nacional, o que tornou a vida muito mais difícil, como ele nos escreveu depois da Segunda Intifada em 2000. Li agora na internet um artigo de Abu-Saad (2000, novembro) no Jerusalem Post. Ele, um dos defensores da paz e do diálogo entre as duas nações, estava desesperançado. Residindo em Laquiya (um dos assentamentos urbanos para beduínos), ao solicitar reparação de energia cortada durante uma noite inteira, foi informado que não houvera atendimento porque o lugar era considerado zona de alto risco para o Estado, “território inimigo”. Mesmo não tendo partido de Laquiya nenhuma violência na Segunda Intifada.

Adiante, trechos desse artigo fazem imaginar como os beduínos que permanecem no deserto, ainda com menos acesso a proteção, têm que lidar com truculência e desprezo. Vinte anos depois, Ismael Abu-Saad continua dirigindo o Centro Beduíno e tendo papel fundamental na oposição a qualquer violência. Haja tenacidade! Eis a livre tradução que fiz do inglês:

Nesta noite escura eu me sentia afogado em uma sensação profunda de exaustão e frustração, que não me abandona. Estou cansado da atitude presunçosa da comunidade judaica em Israel, de sua ignorância sobre a situação dos cidadãos árabes de Israel.

Estou cansado da prontidão da maioria em nos acusar de sermos “cidadãos desleais”, enquanto ao mesmo tempo ministros governamentais, a força policial e mesmo o IEC (empresa de eletricidade estatal) não param de nos dizer que isso é tudo que sempre seremos aos seus olhos.

Estou cansado de ser tratado como “culpado até provar que sou inocente”, um objeto suspeito, uma bomba relógio, um dispositivo terrorista prestes a emergir. Estou cansado da luta diária com burocratas surdos até para obter os serviços públicos aos quais tenho direito com cidadão do estado.

Estou cansado de responder às perguntas das crianças que querem saber por que somos tratados deste jeito, por que os policiais ficam plantados na entrada de nossa cidade.

Fico pensando qual será o destino dos jovens crescendo nesta comunidade. E o que será dos múltiplos esforços dedicados à educação através do Centro de Estudos e Desenvolvimento Beduínos da Universidade Ben-Gurion do Negev.2 2 Ismael Abu-Saad, Why Arab Israelis have lost hope, The Jerusalem Post News, 6 novembro de 2000. Eis o trecho original que traduzi: “On that dark night, I was engulfed by a deep sense of exhaustion and frustration, which has lingered on. I am tired of the self-righteous attitude of the Jewish community in Israel, and its ignorance about the situation of Israel’s Arab citizens. I’m tired of the quickness of the majority to accuse us of being ‘disloyal citizens’; while at the same time, government ministers, the police force, and even the IEC are continually telling us that that is all we will ever be in their eyes. I am tired of being treated as “guilty until proven innocent,” a suspicious object, a time-bomb, a closet terrorist waiting to emerge. I am tired of the daily struggle with unresponsive clerks just to get the basic public services to which I am entitled as a citizen of the state. I am tired of trying to answer the questions of the children who want to know why we are being treated like this, and why the policemen are sitting at the entrance to our town. I wonder what the fate of the youth growing up in this community will be. And I wonder what will come out of the many efforts we have invested in education through the Center for Bedouin Studies and Development at Ben-Gurion University of the Negev.”

Participantes

Entre os apoiadores do Congresso estavam Robert e Joan Arnow, um casal simpaticíssimo, judeus americanos provavelmente abastados, empenhados na convivência, com justiça, entre palestinos e israelenses. Conversamos bastante, sem que eu mencionasse ser judia - ninguém me perguntou. Como eu tinha a sensação de que não seria aceita pelos beduínos ou palestinos presentes se não fosse vista apenas como brasileira e aliada dos povos indígenas, evitava o assunto. Deveria haver outros na mesma situação, não israelenses. Talvez Stefano Varese (2020VARESE, S. The art of memory, na ethnographer´s journey. Trad. Margaret Randall. S. l.: Editorial A Contracorriente, 2020 (kindle).), ótimo antropólogo (que li muito nos cursos de Carmen Junqueira). (Depois de digitar essa dúvida, descobri sua autobiografia publicada em 2019, na qual indica que sua família genovesa seria judaica, como seu sobrenome é, mas que nunca soubera, pois para sobreviver ao fascismo em 1939, ano de seu nascimento, todos se apresentavam como católicos e iam a missas. Curiosa a intuição minha, sem nenhum indício concreto, desse seu mal-estar com a iminência de ser visto, da mesma forma que eu, como inimigo pelos beduínos. Não surgiu a conversa.)

Que bom diálogo eu teria hoje com o casal Arnow e sua causa! O livro The future of Indigenous Peoples, dos organizadores Abu-Saad e Duane Champagne, com as conferências do encontro, a eles é dedicado com delicadeza: “For Robert and Joan Arnow, for the seeds of hope they have planted for indigenous peoples”. Daria, em meio a tanta guerra, para ser uma judia brasileira amiga de povos ancestrais? Eles tinham a coragem que naquele instante me faltou para afirmar que sim, e que ninguém escolhe como nasce, mas tem liberdade de traçar um caminho.

Somos 13 autores no livro. O marco beduíno é Abu-Saad. Indígenas, Gord Bruyere - Anishinaabe do Canada, Duane Champagne - Chippewa de North Dakota e professor do Departamento de Direito e Política nas Nações Nativas (Native Nations) da UCLA, Rebecca Tsosie - Yaqui, professora no Departamento de Direito Indígena (Native Law em inglês) na Universidade de Arizona. Ela eu encontrara em outros congressos e continuamos a nossa troca. Com Duane conversei muito, pena não termos mantido contato. Oren Yiftachel, professor de geografia da Universidade Ben-Gurion, Alean Al-Krenawi, autoridade em sociologia e saúde mental, Hubert Law-Yone, Harvey Lithwick e Ismael Abu-Saad nos dão um quadro dramático e vasto dos Beduínos do Negev, sob vários ângulos. Fecha o livro a bela Declaração da Conferência assinada por Ismael Abu-Saad e Duane Champagne. Soube que Stefano Varese, além do artigo incluído no livro sobre povos latino-americanos, contribuiu para o texto, dada a sua experiência ao participar das Declarações de Barbados (1971) bem como da de San José-Costa Rica (1981). Ao reler agora ambas, a de Barbados parece-me muito mais firme, abrangente, apesar das primeiras linhas onde surge “fricção interétnica”, como se povos e países apenas se esfregassem, e as nações não exterminassem os primeiros, muito mais numerosos e legítimos. Felizmente este besteirol não compromete o restante. Essa Declaração é parte do meu aprendizado, quando noto que fui amiga ou conheci vários dos signatários: Darcy Ribeiro, Miguel Chase-Sardi, Georg Grünberg, Stefano Varese. Li muito Guillermo Bonfil Batalla e conheci seu irmão arquiteto na Bahia, enunciando a variedade de tamales mexicanos, entre outras lições de conversa.

No conjunto de participantes, muitos professores da Universidade Ben-Gurion, vários com nomes árabes. Entre conferencistas não publicados, Amal Al-San´a, dedicada a projetos sociais em defesa de beduínos em Beer Sheva e Hassan Jabareen, advogado, jurista e diretor do Centro de Direitos pelas Minorias Árabes em Israel. Ouvi a fala de Wendy Brady, aborígine australiana, com quem estive uns dias ao final da viagem. Estivemos juntas em um kibutz, cujo nome, registrado em meu caderno perdido, me escapa. Nesse kibutz vivia uma sobrevivente do holocausto. Nos primeiros minutos me olhou e exclamou: “Esta moça é judia!” deixando a australiana estupefata e confundida, assim como eu, com minha cara de Anne Frank e Yael Dayan. Minha amiga aborígine jamais respondeu a algumas mensagens que enviei.

Um artigo de Gord Bruyere, Anishinaabe do Canadá, pois sua mãe é desse povo, tocou novas cordas plangentes sobre o massacre de indígenas e a importância de abrir um outro futuro para os descendentes dos que foram arrancados de suas famílias desde bem crianças, impedidos de um modo de ser comunitário e livre, proibidos de falar sua língua, tiranizados. A política canadense de “civilizar” - melhor seria dizer oprimir e escravizar indígenas - foi das mais trágicas. Felizmente hoje revertida pelo movimento indígena, mas ainda deixando cicatrizes dolorosas. Bruyere não escreve sobre os beduínos no artigo, e sim sobre os povos canadenses, seu sofrimento e renascer. Saber dos beduínos, dos povos canadenses, nos demos conta, é abrir as comportas para a defesa dos povos de toda a terra, sujeitados a nações e estados centralizadores. Em um encontro em Marseille, em 2012,3 3 Voix Indigènes, CoLibris, 5eme Rencontres Litéraires, 9-16 de maio de 2012, Marselha, França estreitei reflexões com o escritor canadense de mãe indígena Joseph Boyden e li todos os seus livros. Boyden chega a vender 2 ou 3 milhões de exemplares de vários títulos. Ficou espantado porque eu, vindo do Brasil, sabia o que acontecera com os indígenas canadenses. Carmen Junqueira e eu, mais o diretor de nossa ONG IAMÁ, havíamos levado a Rondônia Les Cree, representante desse povo. Sua história era a de ser levado a um internato (não o mesmo de seu irmão, objeto de ainda maior discriminação por ser mais escuro). Para, infeliz, sem família, perder-se, viciar-se em heroína, da qual pelo menos se livrou ao ser preso. Com a dupla liberdade da droga e das grades, recuperou com galhardia a identidade indígena.

Clinton Bailey, grande estudioso dos beduínos, com quem conviveu de 1967 a 1988, é um dos mais expressivos participantes do Congresso, embora não conste da publicação final. Americano, nasceu em Buffalo; radicou-se em Israel em 1958. A internet anuncia em 2021 que todo seu acervo beduíno, poemas, cantos, livros, gravações será posto online pela Biblioteca de Israel.

É a Clinton Bailey que devo, em 2021, escorregar às profundezas de outra viagem aos beduínos, dessa vez com seu Bedouin Poetry, from Sinai and the Negev (1991/2002), fascinante registro, análise e explicação da poesia beduína, com notas esclarecedoras sobre costumes e significados culturais. Tenta uma tradução poética rimada para o inglês, compensada em sua imperfeição inevitável ao fazer a transliteração e a escrita em língua e caracteres árabes, trabalhosa incumbência. O que permite aquilatar de algum modo as formas de rima e construção poética, mesmo para quem, como eu, nada sabe de árabe.

O resultado é um extraordinário livro de poesia com o poder de recriar um mundo. Dos 700 poemas orais que gravou em árabe, Clinton selecionou 113 para sua antologia. Muitos têm autores nomeados, alguns viveram no final do século XVIII, outros no XIX, a maioria na atualidade. Bailey conheceu cerca da metade dos poetas. Uma tradição oral, de criadores iletrados, uma literatura e expressão elaboradas, sofisticadas, na qual se reconhece uma antiguidade cultural secular e mesmo milenar, parente da mais respeitada e arcaica literatura escrita do deserto.

Sobre a herança ancestral presente nos poemas que ouviu, há lindos exemplos no último capítulo. A beleza das mulheres, cantada na poesia do Sinai e do Negev, tem imagens semelhantes às do poeta pré-islâmico Mukhabbal do século VII (Bailey, 2002, p.410), como a alvura da pele, seios semelhantes aos ovos de pássaros grandes, avestruz e o pesado “bustard”, ou a saliva que imaginam beber. Bailey evoca poetas do deserto na Bíblia, como o Cântico dos Cânticos. Uma profusão de temas. As imagens para as camelos-fêmeas se sucedem: as estéreis e selvagens, sem leite, fortes, lembrando-nos donzelas guerreiras; outros poetas elogiam as esbeltas, sua ossatura, a conformação das costas, as pernas entrelaçadas, a beleza dos beiços partidos... Já as havia assim na poesia pré-islâmica de Mu´állaqa de Tarafa (Bailey, 2002, p.411). Cantigas de amor arraigadas nas companhias animais tão desejadas e constantes como as humanas. Além das metáforas líricas e eróticas, há um capítulo das cenas de guerra, de luta, de insurgência contra o poder dos chefes; as mesmas evocações ressurgem séculos depois de poetas pré-islâmicos.

A memória esculpida nos poemas como se fossem rochas, a sua declamação se espalha na geografia e em gerações, e em época recente, as palavras ganham também a escrita. É o caso de um famoso poeta beduíno, preso no Egito nos anos 1960, que pede aos companheiros de prisão para escreverem e mandarem para fora as suas palavras orais, por sua vez lidas ao destinatário que também não sabe ler e as aprende de cor.

Um vasto panorama da vida beduína árdua no deserto salta da poesia. A hospitalidade: anfitriões famintos abrem mão de alimentos cobiçados para oferecer aos visitantes, dever sagrado. Os códigos de honra, alianças e conflitos entre facções, a sobrevivência econômica, a luta pelo espaço territorial, pela água e terrenos mais férteis, camelos e cavalos com proeminência sentimental, as tendas masculinas e as femininas, ou a separação dos sexos por cortinas bordadas em uma só tenda. Coragem e denodo as principais virtudes. Contrabando de haxixe ou outro produto, atividade essencial de ganho, compensando períodos de seca e rebanhos roubados por inimigos. Poemas sobre casamentos, interdições e transgressões, o humor, a esperteza, poesia para divertir.

A opressão do Estado de Israel e dos colonizadores até o fim do milênio são objeto de versos em reivindicações, lamento, incitação à resistência. Os poemas não são compostos para registrar a história: são expressão do desespero, da indignação, da coragem. Enfrentam até mesmo a morte para preservar a independência e liberdade que gozam no deserto, a despeito das rivalidades e ataques violentos internos. São vozes que contêm a história.

Bailey, ao comentar os poemas, faz um precioso resumo da história da região, de 1882 a 1992. Todas as potências colonizadoras - Inglaterra, Império Otomano, Egito, Israel a partir de 1948, agiram como se não houvesse habitantes e donos do deserto. Em 1882, a Inglaterra invadiu e ocupou o Egito, inclusive o Sinai. O Negev era dominado pelo Império Otomano. Na primeira guerra mundial a Inglaterra derrotou a Turquia, passou a imperar no Negev. Há o movimento sionista e a compra de terras por altos preços pela Agência Judaica, com cooptação de habitantes vendedores. Um belo poema protesta contra a venda, em 1943, por um chefe beduíno, outros são panegírico aos que não aceitam se desfazer da terra dos antepassados. Os poemas seguem para o presente, ao longo de décadas vemos as reações beduínas à política, aos acordos e desacordos, às guerras entre Egito, Israel, países árabes, com traições. Análises e descrição por artistas mestres da língua, discursando, declamando, chamados pelos ofendidos para figurarem como porta-vozes da justiça. Guerra pela arte. O livro é de 1991; Bailey vê massacrada a tradição que teve o privilégio de conhecer e documentar.

Quais serão os poemas atuais, a batalha pelo deserto não cessa, terá outras feições, há poderosos inimigos gigantes, nações, o capitalismo impiedoso. Adeus à liberdade e ao espaço do deserto, sem autoridades nacionais, transportados pelos amados cavalos e camelos, ar sem poluição que não a da areia e da temperatura, tendas nômades buscando água e clima fértil. Os beduínos restantes, os que tiveram a coragem de não emigrar em fuga, são na maioria forçados a residir em espaços exíguos, empilhados em prédios, buscando empregadores para sobreviver, sujeitos às leis de um estado em guerra permanente. Como recuperar um modo de vida? Muitos estudam, fazem política, unem-se aos palestinos, criam, passam a arte libertária.

Vou atrás, nos poemas do livro, do que se passa com as mulheres tão submetidas ao poder masculino. Explodem casos de amor proibidos, mesmo sob o perigo de morte do amante. Aparecem escravos, por vezes aliados em vinganças de chefes. A fortuna de personagens não é explicada, como a de uma mulher poeta, urbana e não do deserto, muito rica, dona de palácios, escravos, joias e roupas belíssimas. Ela se encanta com um chefe beduíno e o seduz. Apaixonados, casam-se, mas com a condição, imposta por ele, de que nunca mais ela faça ou declame poemas, sob pena de se divorciarem, o que ela aceita. São muito felizes, mas as outras mulheres dele, irritadas pelo prestígio da preferida nas conversas com os homens, armam uma cilada, e durante uma viagem, compras caríssimas feitas na cidade, que levava para presentear, são roubadas por um grande inimigo do marido. Para recuperar os bens, ela ilude o prestigioso chefe dos ladrões com um poema erótico de promessa que não cumpre. Impressionado, o inimigo devolve tudo o que tomara e a fiel esposa volta triunfante para o marido. Esse, porém, ao saber do poema pelas intrigantes, divorcia-se - ao que está obrigado pelo código de honra implacável de obedecer a um juramento, apesar de amá-la. Furiosa, ela se casa com o inimigo a quem não se entregara antes, mas esse percebe que ela ainda ama o anterior; propõe que volte ao amado, e assim elimine a inimizade entre os dois grupos. Um recasamento só é possível se a mulher divorciada se tiver casado com outro e se divorciado outra vez! Aí está todo um longo romance, mistura de prosa e verso, um dos grandes valores do livro.

Ah, se Mamede Mustafa Jarouche, magnífico tradutor das 1001 Noites, se dispusesse a trazer esse livro do árabe para o português! Temos o pioneiro Os Poemas suspensos, livro sempre na minha cabeceira, traduzido diretamente do árabe por Alberto Mussa (2006MUSSA, A. Poemas suspensos, Rio de Janeiro: Record, 2006.), a partir de pesquisa criteriosa e ampla: uma antologia de poesia pré-islâmica.

A Poesia Beduína coletada e analisada por Bailey é um belíssimo exemplo da oralidade de povos ancestrais, em tempos modernos acessível em escrita e áudios, com a complexa passagem da voz às letras. É o que nos ensinam os cerca de 305 povos indígenas brasileiros, com um número estimado de 250 línguas. Reconhecidos em sua expressão oral e agora com escritores de renome. Línguas e saber a preservar e estender com liberdade e domínio de arte e tecnologia universais.

Deve haver (não sou conhecedora dessa esfera nem de árabe) ou surgirão poetas e escritores beduínos escrevendo poesia e ficção enraizadas em suas fontes antigas da palavra falada, nova literatura.

Palmilhando as terras magas

No ano 2000, depois do congresso, pude percorrer os sítios clássicos de Israel, sozinha, em transporte público. Inglês e meus rudimentos de russo me punham à vontade para puxar conversa. Era estranho passarem na minha frente, ao entrar no ônibus, as moças do exército, de metralhadora, bolsa da moda e unhas pintadas. Não era possível ir à Cisjordânia. Jerusalém e os muros foram um feitiço diário, nos quatro bairros da cidade antiga. Voltar no tempo com o fantástico Museu de Jerusalém e com os Manuscritos do Mar Morto. Não tive coragem de revisitar o memorial do holocausto Yad Vachem, parei na entrada, sofrera muito em 1967. Sfat-Safed maravilhou-me, com sua antiga sinagoga quase de brinquedo, tão mínima. Lá fui comer nos pequenos restaurantes, quase bares, frequentados por homens ortodoxos. Pratos deliciosos, poucas mesas, entabulei um papo longo com ortodoxos americanos, aos quais não poupei meu discurso feminista e antirracista. Ouviram simpáticos, como se eu os persuadisse com a fala libertária. Vi o cemitério, palco de namoros, pois rapazes e moças lá encontravam abrigo para os beijos proibidos. Nas ruas, mulheres de touca escondendo as cabeças raspadas, as roupas quase quaker. À noite, um silêncio completo, sem galos ou cachorros. A mourisca Akko-Acre apaixonou-me, caminhei horas no centro antigo, atingida pelo chão há milênios habitado. Outra vez em botecos simples o almoço de iguarias únicas, feijão inesperado de temperos, conversas. Falei com grupos de crianças israelenses, perguntando o que sabiam de árabe e dos palestinos - nada, em inglês perfeito. Nas praias desertas e no mar gelado onde não ousei nadar, baixou como orixá a paz tão necessitada no turbilhão emocional. Jaffa, Belém, Mar Morto, Jericó, Massada... faltou ir às colinas de Golã e a Petra, na Jordânia, uma pena não conseguir organizar, foram poucas semanas. Paisagens surgiam nas quais deuses e mesmo a Bíblia quase aconteciam de fato, reviravolta nos sentimentos. Em Haifa fui recebida por Aliza Shenhar (Bar-Itzhak; Shenhar, 1993), então embaixadora de Israel na Rússia. De um hotel de freiras no alto da cidade, contemplava o mar onde Perseu salvou Andrômeda do dragão. Uma jovem arqueóloga me acompanhou na visita ao museu, assinalando as descobertas do mês anterior - cerâmicas e arte de 2 mil anos. Levada pela hospitalidade do ex-embaixador de Israel no Brasil e sua mulher brasileira, jantei em Jaffa - cidadezinha à beira mar, antes de 1948 morada dos palestinos, nela esculpida a dor da perda em contraste com sua beleza.

Vi, portanto, vários judeus para quem minha identidade era conhecida. Mas nada falei a uma jornalista judia americana que me cobriu de gentilezas e passeios no encontro. Fiquei feliz de Miriam Tivon, grande tradutora do português para o hebraico, nada evocar. Sua história impressionava: aos quatro anos chegara em Israel com os pais poloneses, fugindo ao holocausto. Pobreza nos primeiros anos, a mãe costurava para sobreviver. Miriam esqueceu o polonês, a língua materna, e a vida levou-a a ser tradutora, através de Portugal e Brasil.

Descobrindo o que escreveu Ismael Abu-Saad desde o encontro

Seus estudos, escritos, ativismo e reflexão continuam intensos, e pelo que vejo na internet, sempre no Departamento de Educação da Universidade Ben-Gurion, como o mais recente seu que consigo, citado na bibliografia (Abu-Saad, 2019). Lúcido e bem escrito, o tema agora é a minoria palestina de Israel, que constitui 20% dos cidadãos do país. Em 1948, eram a maioria na região, mas 80% dos palestinos fugiram ou foram expulsos com a fundação do Estado de Israel. O termo beduíno não aparece nesse texto, a não ser na bibliografia - são aqui vistos como parte dos palestinos, sua situação específica de perda de terras e modo de ser não é objeto. Sim o sistema educacional de Israel, que fraciona o ensino público em sistema judeu (laico ou religioso), e sistema árabe. O título do artigo já indica muito, difícil de traduzir - pois em inglês, como é usado na última página, é possível “colonial settler-state”, enquanto em português o segundo “colono” correspondente a settler teria que aparecer como invasor, intruso, ou seja, Estado colonial-intruso. Toda colonização é invasora. Língua, valores, história palestina desaparecem do ensino e da universidade, como se não existissem. Em vez de ponte entre judeus e árabes colegas, uma forma de segregação. Árabes não recebem a mesma qualidade, nem têm o mesmo acesso ao ensino. Este é pautado pela insistência na identidade e valores judaicos do Estado. Houve projetos de universidade árabe, que não foram admitidos pelo governo. Abu-Saad explica a proeminência de entidades financiadoras judaicas não estatais, algumas internacionais, voltadas para forjar o caráter judaico do país. Suponho, pelo pouco que ouvi, que estudantes em Israel têm parco conhecimento da vida e da língua árabes. Árabe deveria ser mais uma língua oficial, bem como a história palestina. A desvantagem de jovens palestinos quanto a oportunidades de trabalho, estudo, carreira é flagrante. Abu-Saad ressalva, porém, que a juventude palestina encontra outras formas de afirmar sua identidade, história, valores, através da internet, da arte, de muito intercâmbio e resistência. Quem arrisca é o Estado de Israel, que poderia ter uma política inclusiva e fomentar alianças, no mínimo entre os judeus e cidadãos israelenses-palestinos. A política de assentamentos judaicos não acessíveis aos palestinos é inaceitável e autodestruidora. Uma outra política educacional de compartilhamento poderia ser uma poderosa virada neste quadro complexo e perigoso.

Se palestinos estão submetidos a exclusão social, cultural, econômica, a dos beduínos é ainda mais deplorável, dado o esbulho estatal-colonial de suas terras. Seu modo de vida no deserto tornou-se tão improvável no estado judaico quanto entre os palestinos modernos ou nos países árabes vizinhos.

Não incluí neste breve ensaio uma série de notícias atuais encontradas na internet sobre o drama e a resistência dos beduínos, o que ficaria para pesquisa mais extensa, ouvindo outros protagonistas.

Projetos de paz e oposição ao colonialismo-settler-invasor, tanto sobre terras como na educação e na arte

Admiráveis, em meio a tamanha intolerância e confronto, são projetos construtivos pela convivência justa que ainda existem no país. Seria importante conhecermos mais. O projeto de Abu-Saad de formação de mulheres beduínas como agentes de saúde é um belo exemplo. Tornou-se famosa a Orquestra Divan, criada há décadas graças aos esforços conjuntos de Daniel Barenboim e Edward Said, com músicos internacionais e concertos em Israel, Palestina, em toda parte. Além dos filmes de denúncia e tragédia, tristes de ver, há muitos em que israelenses e palestinos lutam juntos, ou há uma visão de aliança, como Budrus (2001), de Julia Basha, Lemon Tree, de Eran Riklis (2008), os numerosos filmes de Amos Gitai, a comédia crítica Tel-Aviv em chamas de Sameh Zoabi (2018). Mayor (2020), documentário de David Osit and Steve James, que ainda não vi, sobre a cidade de Ramallah e seu prefeito, O que resta do tempo (2009), memórias de Elia Suleiman e muitos outros. Pensadores e escritores como Amos Oz, Daniel Grossman, Edward Said, Mahmud Darwich, Ari Sharit, pletora de libertários. Uma entrevista de Isaac Deutscher em 1967 foi incluída em livro de Tariq Ali (2002ALI, T. Confronto de fundamentalismos, cruzadas, jihads e modernidade. Rio de Janeiro: Record, 2002.). Houve debates em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema, com os diretores de Promessas de um Novo Mundo, Justine Shapiro, B.V, Goldberg e Carlos Bolado (2001), e com a diretora de Hotel Everest (2017), Claudia Sobral, todos com seu desespero e esperança, minoritários como são, promovendo o conhecimento recíproco, reuniões e diálogo entre oponentes. O documentário de Claudia centra-se no palestino Ibrahim Issa e no israelense Eden Fuchs, e em trabalhos da organização humanitária CEF - Center for Emerging Futures. Impressionaram-me as viagens em que levou, com apoio da instituição, mulheres palestinas a Israel, atravessando a fronteira política e de poder. Cheguei a cumprimentá-la na exibição em 2017.4 4 Claudia Sobral foi entrevistada pela Folha de S.Paulo, Ilustrada, 31.7.2017, “Israelenses e palestinos se encontram no documentário “Hotel Everest”.

Brasil

Analisar os beduínos nos faz pensar em como o Brasil tornou-se semelhante às inúmeras hecatombes mundo afora. Palco, sobretudo desde 2016, ápice em 2021, de extermínio de povos, culturas, direitos sociais. Depois de interregno posterior à ditadura militar 1964-1985, quando houve conquistas apreciáveis - Constituição de 1988, ratificação em 2004 da Convenção 169 de Genebra de 1989 de direitos indígenas, protagonismo de negros e afrodescendentes, homologação de terras indígenas como yanomami, kayapó e centenas de outras, educação diferenciada, redução da pobreza, dignidade, imigrantes, vozes de destituídos, debates sobre racismo, luta quilombola. Sempre houve, é preciso reconhecer, um capitalismo de ascensão destruidora do ambiente e da vida, agora no ápice. Há muitas análises atuais, livros e artigos, que seriam enciclopédia e hão de aparecer. Belo Monte vem da ditadura e concretizou-se bem antes da monstruosidade que nos atinge e envergonha em 2021. A Vale, a tragédia de Mariana (depois a de Brumadinho) é de 2015 e a mineração já é elegia na obra de Carlos Drummond de Andrade há 50 anos. Gado, soja, o desmatamento, usinas, energia nuclear apontando, o poder financeiro, a concentração empresarial. Um capitalismo impiedoso, incompreensível em sua lógica necrófila e suicida. Havia, no entanto, contrapesos; movimentos sociais obtinham algum freio. Em 2021, ambiente, cultura, patrimônio coletivo, direitos sociais soçobram na loucura governamental.

O centro destas páginas, porém, não são as trevas a vencer. Sim o quanto o contato com os beduínos, por rápido que tenha sido, fortalece a minha visão de mundo, unindo-os aos povos indígenas e a uma pertinência múltipla que é cada vez mais um caminho a percorrer.

Se houvesse outro encontro para debater o futuro dos povos indígenas - e o nosso - teríamos muito mais a apresentar.

Referências

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  • _______. Why Arab Israelis have lost hope. The Jerusalem Post News, 6 nov. 2000.
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  • ALI, T. Confronto de fundamentalismos, cruzadas, jihads e modernidade. Rio de Janeiro: Record, 2002.
  • BAILEY, C. Bedouin Poetry, from Sinai and the Negev, Oxford: Clarendon Press, 1991 (London: Saqi Books, 2002).
  • BAR-ITZHAK, H.; SHENHAR, A. Jewish Moroccan Folk Narratives from Israel. Detroit Michigan: Wayne State University Press, 1993.
  • CHAMPAGNE, D.; ABU-SAAD, I. (Ed.) The future of Indigenous Peoples, Strategies for survival and development. Los Angeles: University of California, UCLA American Indian Studies Center, 2003.
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  • LUIZ EÇA, em Brasil 247, Editora digital, publicado em 2.12.2013.
  • MADDRELL, P. The Beduin of the Negev. The Minority Rights Group Report, London, n.81, 1992.
  • MINDLIN, B. Diários da floresta. São Paulo: Terceiro Nome, 2006.
  • MUSSA, A. Poemas suspensos, Rio de Janeiro: Record, 2006.
  • OZ, A. De amor e trevas. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
  • REVISTA PESQUISA FAPESP. Em defesa dos Beduínos. Edição 140, out 2007, p.22.
  • SCH. An-Ski. O Dibuk. 3.ed. Trad. Jacó Ginsburg. São Paulo: Perspectiva, 1988.
  • VARESE, S. The art of memory, na ethnographer´s journey. Trad. Margaret Randall. S. l.: Editorial A Contracorriente, 2020 (kindle).

Notas

  • 1
    A peça foi encenada no Teatro de Arte Israelita, Taib, em 1963, com direção de Graça Mello.
  • 2
    Ismael Abu-Saad, Why Arab Israelis have lost hope, The Jerusalem Post News, 6 novembro de 2000. Eis o trecho original que traduzi: “On that dark night, I was engulfed by a deep sense of exhaustion and frustration, which has lingered on. I am tired of the self-righteous attitude of the Jewish community in Israel, and its ignorance about the situation of Israel’s Arab citizens.
    I’m tired of the quickness of the majority to accuse us of being ‘disloyal citizens’; while at the same time, government ministers, the police force, and even the IEC are continually telling us that that is all we will ever be in their eyes.
    I am tired of being treated as “guilty until proven innocent,” a suspicious object, a time-bomb, a closet terrorist waiting to emerge. I am tired of the daily struggle with unresponsive clerks just to get the basic public services to which I am entitled as a citizen of the state.
    I am tired of trying to answer the questions of the children who want to know why we are being treated like this, and why the policemen are sitting at the entrance to our town.
    I wonder what the fate of the youth growing up in this community will be. And I wonder what will come out of the many efforts we have invested in education through the Center for Bedouin Studies and Development at Ben-Gurion University of the Negev.”
  • 3
    Voix Indigènes, CoLibris, 5eme Rencontres Litéraires, 9-16 de maio de 2012, Marselha, França
  • 4
    Claudia Sobral foi entrevistada pela Folha de S.Paulo, Ilustrada, 31.7.2017, “Israelenses e palestinos se encontram no documentário “Hotel Everest”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2022
  • Aceito
    17 Maio 2022
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