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Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870

RESENHA

Ariovaldo de Oliveira Santos

Silver, Beverly J. Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005, 228 p.

A tese sobre a perda da centralidade do trabalho ocupou grande espaço nos meios acadêmicos, a partir de trabalhos de autores diferenciados como Ralf Dahrendorf, Daniel Bell, Alain Touraine, entre outros. Outra, no entanto, é a direção seguida pelo livro de Beverly J. Silver, Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870. Para a autora, constitui um equívoco falar que o proletariado está em declínio. Desse modo, destaca, há um padrão de "diminuição da classe trabalhadora industrial nos países de altos salários e crescimento simultâneo nos países de baixa renda [...] Como conseqüência, o proletariado da indústria de produção em massa continuou a crescer rapidamente, em tamanho e importância, em muitos países de baixos salários" (p. 109).

O ponto de partida encontrado em Silver pode-se afirmar que seja o mesmo presente no Manifesto do Partido Comunista, escrito há mais de 150 anos por Marx e Engels. Trata-se da hipótese, transformada em linha condutora de tese desenvolvida pela autora, de que o capital revoluciona não apenas as forças produtivas e todas as relações sociais, mas, ainda, de que, nesse movimento, ele cria o proletariado moderno e as condições objetivas para as lutas do conjunto da classe trabalhadora. Centrando inicialmente sua análise na dinâmica socioespacial da indústria automobilística, Silver reconhece que esse tipo de atividade "tendeu a recriar as contradições sociais semelhantes em todos os lugares onde cresceu, e resulta disso que movimentos trabalhistas fortes e eficientes surgiram em praticamente todos os lugares onde a produção em massa fordista se expandiu rapidamente." (p. 53).

Porém o interesse da autora não é no relato sobre o desenvolvimento da indústria automobilística, e sim a análise da dinâmica da luta de classes no setor. Dessa primeira abordagem emergem algumas constatações que permeiam o estudo: "a produção em massa nas indústrias automobilística tendeu a recriar contradições sociais semelhantes em todos os lugares onde cresceu, e resulta disso que movimentos trabalhistas fortes e eficientes surgiram em praticamente todos os lugares onde a produção em massa fordista se expandiu rapidamente". Assim, "para onde vai o capital, o conflito vai atrás" (p. 53).

A dinâmica da luta de classes no setor automobilístico ocupa grande parte da análise de livro Força do Trabalho, constituindo o foco do capítulo 2. Contudo, na medida em que a contradição em processo é do capital e não deste ou daquele setor, a análise proposta se expande no sentido de explicitar como "soluções espaciais recriaram classes trabalhadoras e conflitos de classe semelhantes em todos os lugares para onde se deslocou o capital". Conseqüentemente, "assim como a agitação operária muda de um lugar para outro, dentro de um dado setor industrial, os principais locais de formação e protesto da classe trabalhadora também mudam de um setor industrial para outro, juntamente com a ascensão e o declínio dos principais setores do desenvolvimento capitalista", como é o caso da indústria têxtil mundial (p. 82). Mas, independentemente do setor, há uma forte tendência dos ramos de atividades industriais se deslocarem de uma região a outra, na medida em que os conflitos com a classe trabalhadora eclodem. De tal modo que soluções "espaciais (o deslocamento geográfico da produção (...) e soluções tecnológicas/organizacionais (inovações de processo) articulam-se com a insatisfação dos trabalhadores de maneira historicamente específica" (p. 83).

Dentre os desdobramentos do setor produtivo, Silver destaca o desenvolvimento das atividades não propriamente industriais, como é o caso dos serviços. Mas, contrariamente à tendência de se reconhecer, na expansão dos serviços, a emergência de sociedades pós-industriais, a reflexão coloca em xeque as análises correntes de uma maior qualificação do trabalho no capitalismo contemporâneo. Para ela, "as evidências empíricas contradizem cada vez mais essa visão. Isso porque a prestação de serviços requer, como parte integrante de sua produção, o apoio de uma série de empregos tradicionais, manuais e de escritório, como secretárias, telefonistas, equipes de manutenção, faxineiros, garçons, lavadores de prato e funcionários de creches. Por isso, onde houve rápido crescimento da prestação de serviços, houve também polarização da força de trabalho entre profissionais bem remunerados e trabalhadores de baixa renda." (p. 111). Nesse processo, aponta a autora, haveria que se considerar, também, a proletarização crescente dos professores no capitalismo contemporâneo.

Após analisar, no capítulo 3 (Movimentos de trabalhadores e ciclos de produto), a dinâmica da luta de classes em setores de atividades como têxtil, serviços e educação, no capítulo 4 (Movimentos de trabalhadores e política mundial), Silver se dedica a pensar a dinâmica das lutas grevistas durante as duas primeiras grandes guerras mundiais, assim como os mecanismos de institucionalização que foram desenvolvidos pelo capital a partir dos anos 1940, com o sentido de domesticar as forças do trabalho. Emerge dessa análise a constatação de que a "transição de um padrão de militância trabalhista explosiva e ascendente para um padrão de militância relativamente suave e descendente está ligada ao estabelecimento de um novo regime hegemônico mundial no final da Segunda Guerra". Como conseqüência, os "movimentos de trabalhadores especialmente os situados nos países centrais foram sendo acomodados por meio de diversos pactos sociais interligados nos planos empresarial, nacional e internacional e também por meio das transformações estruturais que davam apoio a esses pactos. As manifestações trabalhistas permaneceram em patamares relativamente altos nos países-metrópoles, após a guerra, mas a desmercadorização parcial do trabalho ocasionada por esses pactos sociais pôs fim à militância intensa e politicamente revolucionária" (p. 131).

Entretanto, segundo a autora, a conversão progressiva das lutas sindicais a patamares institucionalizados de ação, através da formatação de um "sindicalismo responsável", versão que se expande no Brasil através da formulação do "sindicalismo propositivo", ou "sindicalismo de resultados", esteve distante de aportar uma solução definitiva aos problemas da acumulação capitalista, tarefa de resto impossível. Para Silver, o balanço global da dinâmica do capital e da luta de classes aponta para a incontrolabilidade sistêmica do próprio capital. Tendência que é ampliada e aprimorada na medida em que o campo alternativo de resposta aos problemas da acumulação se vê obrigado a incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação. Para Silver, as várias tentativas conduzidas pelo capital vêm demonstrando que "a solução tecnológica da produção enxuta-porém-cruel não oferece solução estável para a insatisfação dos trabalhadores". A análise da constituição e declínio das alternativas negociadas que envolvem capital e trabalho constitui, assim, um dos pontos centrais da análise desenvolvida no capítulo 4.

Por fim, para onde vai o mundo do trabalho? A questão resta relativamente aberta pela autora, ao afirmar, na frase final do capítulo 5 (A dinâmica contemporânea em perspectiva histórico-mundial), que "o grande desafio imposto aos trabalhadores do mundo, no começo do século XXI, é a luta, não apenas contra a exploração e a exclusão, mas por um regime que realmente subordine os lucros aos meios de vida de todos." (p. 172). Posição lógica, diante dos dilemas que se apresentam atualmente para as forças do trabalho, dos quais a chamada "crise do sindicalismo" é apenas uma das dimensões do problema. Em tom menos vago, observa a autora que, "no século XXI, é de se esperar que se formem novas classes trabalhadoras e movimentos trabalhistas no(s) setor(es) líder(es) do século XXI. Em outras palavras, na perspectiva adotada pelo estudo, "a crise dos movimentos de trabalhadores do final do século XX é temporária e provavelmente será superada com a consolidação das novas classes trabalhadoras `em formação'"(p. 166).

A ausência de respostas menos incisivas não retira, no entanto, o valor do minucioso e rico estudo desenvolvido por Beverly J. Silver, agora publicado em português. Trata-se de uma investigação que transcende os limites de um mero relato sobre os movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870, como poderia fazer sugerir o subtítulo do livro, e apresenta questões relevantes para os que querem melhor compreender o mundo do trabalho, suas lutas e perspectivas.

(Recebido para publicação em setembro de 2006)

(Aceito em abril de 2007)

Ariovaldo de Oliveira Santos Doutor em Sociologia e Ciências Sociais pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne - 1997). Atualmente é Professor Associado 2 da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Sindicalismo, Centrais Sindicais, crise do sindicalismo, globalização, estratégia sindical e Greves. E-mail: arioliveira2001@yahoocom.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 2007
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