Acessibilidade / Reportar erro

COMBATENDO O ENCARCERAMENTO EM MASSA,LUTANDO PELA VIDA 1 1 Agradecemos ao nosso coletivo de pesquisa pela discussão da primeira versão deste texto. Em especial, à Fabio, Pedro e Ananda, da Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, pela disponibilidade em participar dessa reunião. Seus comentários críticos e sugestões foram valiosos para a elaboração final deste texto. À Amparar e à Frente Estadual pelo Desencarceramento, em especial à Gabrielle, nossos agradecimentos por compartilharem conosco a memória e os saberes das lutas por uma vida sem cárcere.

FIGHTING MASS INCARCERATION, FIGHTING FOR LIFE

LUTTER CONTRE L’INCARCÉRATION DE MASSE, LUTTE POUR LA VIE

Resumos

Neste artigo, busca-se analisar o modo como o arbítrio e a violência policial, sobretudo o encarceramento e as práticas de extermínio, terminam por fomentar a emergência de um multifacetado campo político, que mobiliza coletivos, movimentos e ativistas variados. O objetivo central consiste na construção de um plano analítico que permita incorporar essas movimentações políticas no campo dos estudos prisionais, demonstrando como o encarceramento, juntamente com outros dispositivos punitivos, se constitui como ponto de articulação e transformação desses movimentos. Tomando como referência empírica experiências de articulação política em São Paulo, destaca-se a centralidade que a prisão adquire na pauta dessas articulações e o protagonismo que nelas adquirem as vítimas da violência estatal. Além de pesquisa documental, as análises baseiam-se no engajamento dos autores, implicados nessas movimentações. No centro dessas muitas articulações, nos defrontamos com a defesa da vida – a vida como valor e como campo de disputa.

Prisão; Encarceramento em massa; Extermínio; Ativismo; Política


In this article, we examine how incarceration and practices of extermination foster the emergence of a multifaceted political field that mobilizes collectives, social movements and activists. Our central objective consists in the construction of an analytical plan to incorporate these political movements in the field of prison studies, demonstrating how incarceration, together with other punitive devices, constitutes a point of articulation and transformation of these same movements. We take as empirical reference experiences of political articulation in São Paulo, highlighting the centrality that prison acquires in the agenda of these articulations and the protagonism that the victims of state violence acquire in them. In addition to documentary research, the analyzes are based on the authors’ engagement in these movements. At the heart of these many articulations, we are faced with the defense of life – life as value and as a field of conflict.

Prison; Mass imprisonment; Extermination; State; Activism; Politics


Dans cet article, nous analysons comment la violence policière, notamment les pratiques d’incarcération et d’extermination, favorise l’émergence d’un champ politique vaste et diversifié qui mobilise divers groupes, mouvements sociaux et activistes. Notre objectif central est la construction d’un plan analytique visant à incorporer ces mouvements politiques dans le domaine des études pénitentiaires, démontrant ainsi que l’emprisonnement, associé à d’autres dispositifs punitifs, constitue un point d’articulation et de transformation de ces mouvements. En prenant comme référence empirique les expériences d’articulation politique à São Paulo, nous soulignons la centralité que la prison acquiert, ainsi que le protagonisme des victimes de la violence de l’État. Les analyses sont basées sur des recherches documentaires et sur l’engagement des auteurs dans ces mouvements. Au cœur de ces nombreuses articulations, nous sommes confrontés à la défense de la vie – la vie en tant que valeur et champ de conflit.

prison; Extermination; Incarcération en masse; État; Activisme; Politique


Para Marielle Franco

INTRODUÇÃO

Prisões superlotadas em condições degradantes, violência e arbítrio policial, grupos de extermínio e milícias, chacinas e execuções sumárias por forças policiais. Tudo isso acompanha a história brasileira, com variações conforme regiões e conjunturas políticas. Mais do que reiterar fatos e circunstâncias, aliás documentados e analisados por uma vasta literatura especializada, nos interessa colocar em foco o modo como o arbítrio e a violência policial – a ponta do Estado que aciona os dispositivos do encarceramento e as práticas de extermínio – termina por suscitar um multifacetado campo político, de conflito e contestação, que mobiliza coletivos e ativistas variados: associações de moradores, grupos de familiares de jovens mortos, familiares de presos e egressos, coletivos e movimentos negros, grupos de defesa dos direitos humanos, coletivos de juristas e advogados mobilizados em apoio a indivíduos e coletividades afetadas, também pesquisadores, jornalistas e grupos envolvidos nas mídias alternativas.

Esta a hipótese com a qual estamos trabalhando: se as dinâmicas de produção e de circulação da riqueza engendram desigualdades e exclusões, as formas de controle e gestão da ordem, nos contextos situados em que operam, configuram-se como polos de tensão que se desdobram em modalidades de conflito e enfrentamentos – verdadeiros campos de gravitação da experiência urbana – que fazem entrar em ressonância vivências e histórias variadas em seus contextos de referência (Telles, 2015TELLES, V.S. Cidade: produção de espaços, formas de controle e conflitos. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, n.46, p.15-42, 2015 .). Um campo político que se constitui através da articulação de protestos e insubordinações das “vidas precárias”, para mobilizar o termo cunhado por Butler (2018)BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018 ., justamente nesses pontos em que corpos e vidas são afetados pela violência estatal e por “sistemas de crueldade” inscritos no necropoder discutido por Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017 .. 2 2 Essa questão esteve no centro do Projeto Temático FAPESP “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, desenvolvido entre 2014 e 2018, sob coordenação da Profa. Vera Telles

Ressonâncias, convergências e articulações que se manifestam em eventos e manifestações que se sucederam no decorrer dos anos em torno de massacres, prisões arbitrárias e diversas formas de violência policial. É questão tratada por vários estudos sobre movimentos e redes de coletivos que se articularam em torno desses “eventos críticos” 3 3 Termo cunhado por Das (1995) “eventos criticos” é noção mobilizada por vários autores, em particular Araújo (2007) para caracterizar as situações de violência letal, desencadeadoras de movimentos de protesto e articulação de familiares de pessoas mortas pela polícia. – em particular, no Rio de Janeiro (Araújo, 2007ARAÚJO, F. Do luto à luta: a experiência das mães de Acari. 2007 . 168p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 .; Vianna; Farias, 2011VIANNA, A; FARIAS, J. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. CadernosPagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011 .; Vianna, 2015VIANNA, A. Tempos, dores e corpos: considerações sobre a “espera” entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro. In: MACHADO, C., LEITE, M., BIRMAN, P., CARNEIRO, S. (orgs). Dispositivos urbanos e tramas dos viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: FGV, 2015 , p. 374-387.; Farias, 2015FARIAS, J. Fuzil, caneta e carimbo: notas sobre burocracia e tecnologias de governo. Confluências, Rio de Janeiro, v.17, n.3, p.75-91, 2015 .; Leite, 2017LEITE, M. State, market and administration of territories in the city of Rio de Janeiro.Vibrant, Brasília, v. 14, n. 3, 2017. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/vb/v14n3/1809-4341-vb-14-03-e143149.pdf.Acesso em: 15.07. 2019.
http://www.scielo.br/pdf/vb/v14n3/1809-4...
). A literatura é vasta. E é de se notar a produção de etnografias finas sobre as formas de sociabilidade política e os modos pelos quais a experiência da dor, do sofrimento, e do luto se transfiguram em repertórios de denúncia e ação política. Abordagens valiosas para entender a dinâmica interna dessas movimentações, bem como para desvendar o modo como a violência estatal afeta vidas, formas de vida e modos de subjetivação de indivíduos e grupos sociais em sua experiência com a prisão, com a polícia, com a morte e a ameaça de morte violenta em seus cotidianos. Inviável, nos limites deste artigo, fazer o comentário circunstanciado dessas pesquisas. Apenas como referência, vale dizer que a chacina e o desaparecimento dos corpos de onze jovens de Acari, região periférica do Rio de Janeiro, em 1990, pode ser tomado como marco inaugural de uma experiência política que, nos anos seguintes, se desdobrou em torno de episódios similares. Araújo (2007ARAÚJO, F. Do luto à luta: a experiência das mães de Acari. 2007 . 168p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 .) fez uma reconstrução detalhada de tais movimentações e acompanhou, passo a passo, as iniciativas, as articulações e o protagonismo das “Mães de Acari”, coletivo que então se formou e que no correr dos anos se multiplicou em outros grupos formados por mães de familiares de mortos em operações policiais.

Este é o nosso ponto de partida. O desafio consiste em construir um plano analítico que permita incorporar essa movimentação conflitiva no campo dos estudos prisionais – o encarceramento e os dispositivos punitivos também foram se constituindo como focos de articulação e vetores de transformação desses movimentos. Trata-se, então, de tomar esse campo político como prisma pelo qual situar a prisão como questão estratégica – ponto de condensação de um campo político que se configura em torno de diversas formas de contestação e resistência, e também de experimentações micropolíticas, acionadas por redes multifacetadas de coletivos atuantes dentro e fora dos muros.

Mais do que denúncias e protestos contra o encarceramento e a violência policial, são formas de conflito e resistência que põem em questão a violência inscrita na “fabricação da ordem” (Neocleuos, 2000). Estruturando-se no epicentro da gramática bélica que passou a reger a dinâmica política do país, este campo de conhecimento coloca como questão a defesa da vida – a vida como valor, a vida como campo de disputa.

Nas linhas que seguem, tomamos como referência empírica eventos recentes na cidade de São Paulo, experiências de articulação política em torno do combate à violência policial e ao encarceramento em massa. Sem a pretensão de dar conta de toda essa cartografia política que vem se desenhando no correr dos anos, procuramos indicar a sua relevância e delinear dois processos concomitantes: a progressiva centralidade que a prisão adquire na pauta dessas articulações; e o crescente protagonismo que nelas adquirem as vítimas diretas da violência estatal, em especial, mães e familiares de pessoas presas e/ou mortas pela polícia, mas também egressos do sistema carcerário e moradores de periferias e favelas.

Além da pesquisa documental nos acervos digitais disponíveis sobre cada uma dessas articulações em tela (sites, blogs, fóruns e páginas em redes sociais), este trabalho se apoia na experiência e memória de alguns de nós, que estiveram ou estão implicados nessas movimentações. Trata-se aqui, portanto, de uma experimentação no sentido da produção de um “conhecimento situado” (Haraway, 1995HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial.CadernosPagu, Campinas, v.5, p.7-41, 1995 .), o que significa assumir uma certa perspectiva, prisma pelo qual as questões são formuladas, bem como são definidos os parâmetros descritivos pelos quais são encenados movimentos e seus atores-sujeitos, suas circunstancias e desdobramentos. 4 4 Importante dizer: essa é uma perspectiva pela qual se pode ler e recuperar as pesquisas e textos produzidos por pesquisadores cariocas citados acima - variações de “conhecimento situado”, a rigor, por eles inauguradas, ao menos no campo político que aqui nos interessa discutir. Sob diferentes ângulos, é questão que foi e continua sendo trabalhada por pesquisadores que fizeram parte do Projeto Temático FAPESP já citado, seja na direção das reflexões sobre a entrada em campo como agentes da Pastoral Carcerária (Godoi et al., no prelo), seja em relação às parcerias estabelecidas entre pesquisadores e operadores do campo socioeducativo no que tange à construção do conhecimento (Malvasi et al., 2018).

A MAQUINARIA PUNITIVA

O Brasil é atualmente o terceiro país que mais encarcera no mundo, atrás dos Estados Unidos e da China (Walmsley, 2018WALMSLEY, R.World prison population list: twelfth edition. World Prison Brief, 2018. Disponível em: < http://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/wppl_12.pdf. Acesso em: 15.07. 2019.
http://www.prisonstudies.org/sites/defau...
). Conforme os últimos dados oficiais divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional, em dezembro de 2019 as prisões brasileiras abrigavam 755.274 pessoas (DEPEN, 2020DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 2020. Disponível em: < http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen . Acesso em: 22.09. 2020.
http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/s...
). Em 1990 eram 90.000, aumento de mais de 700% em um período relativamente curto. Distribuída por 442.349 vagas prisionais, 30,4% da população carcerária nacional – 229.823 pessoas presas – ainda não havia sido julgada. Presos e presas habitam celas superlotadas, úmidas e escuras, infestadas de ratos e de insetos; não dispõem de fornecimento contínuo de água; recursos para limpeza e higiene pessoal são escassos; a alimentação é insuficiente e de péssima qualidade; proliferam doenças e os serviços de assistência médica são praticamente inexistentes; serviços de assistência social, psicológica e judiciária são precários; o direito ao banho de sol não é devidamente respeitado; torturas e maus tratos são rotineiros.

A maioria das prisões decorre de flagrantes realizados pela Polícia Militar em rondas de policiamento ostensivo, através de abordagens humilhantes e violentas (ITTC, 2012ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Tecer Justiça: presas e presos provisórios da cidade de São Paulo, 2012. Disponível em: < http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2014 /03/Tecer-Justica.pdf.Acesso em: 15.07. 2019.
http://ittc.org.br/wp-content/uploads/20...
), que frequentemente desembocam em supostas situações de confronto armado, e que tendem a gerar mais mortos do que feridos, correspondendo a uma parcela significativa do total de homicídios registrados (HRW, 2009HRW - Human Rights Watch. Lethal Force: police violence and public security in Rio de Janeiro and São Paulo, 2009.Disponível em: < https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/brazil1209webwcover.pdf>.Acesso em: 15.07. 2019.
https://www.hrw.org/sites/default/files/...
). No mais das vezes, esses casos são arquivados com base nas alegações policiais de “legítima defesa” e “estrito cumprimento do dever legal”, sempre acompanhadas da incriminação sumária do morto. Não por acaso, o perfil dessas vítimas é o mesmo da população carcerária: jovens, negros e pobres (Araújo, 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 .; Vianna; Farias, 2011VIANNA, A; FARIAS, J. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. CadernosPagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011 .).

As agências do sistema de justiça criminal cumprem papel fundamental na manutenção dessa maquinaria de morte e encarceramento. Juízes e promotores referendam o uso exacerbado da força letal; também consentem no uso abusivo da prisão. Nas Audiências de Custódia, não se dispõem a checar denúncias, tampouco indícios de tortura. Em detrimento de outras medidas cautelares, tendem a confirmar a medida de prisão com base em avaliações abstratas acerca da gravidade do delito imputado – antecipando a culpa e a punição (IDDD, 2016IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Monitoramento das audiências de custódia em São Paulo, 2016. Disponível em: < http://www.iddd.org.br/wp-content/uploads/2016/05/relatorio-ac-sp.pdf Acesso em: 15.07. 2019.
http://www.iddd.org.br/wp-content/upload...
). No momento do julgamento, tendem a confirmar a culpa imputada pela polícia, optando pelas penas mais duras e longas. A mesma lógica punitiva se reafirma nos trâmites da execução penal com a reiteração da pena de prisão em regime fechado como resposta aos pedidos de progressão de pena e liberdade condicional. Tais circunstâncias, de um lado, são agravadas por uma radical precariedade das varas judiciais, sobrecarregadas de processos, mal equipadas e com poucos funcionários; e de outro, pela precariedade dos serviços públicos de assistência judiciária – responsáveis pela defesa da maioria absoluta dos acusados e sentenciados brasileiros (CNJ, 2012CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Mutirão carcerário. Raio-X do sistema penitenciário brasileiro, 2012. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf .Acesso em: 15.07. 2019.
http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-j...
).

Trata-se, portanto, de um vasto dispositivo que articula prisões e agências do sistema de justiça, além da polícia e demais forças da ordem. A ação policial que aprisiona, a justiça que gere a privação de liberdade e a prisão que confina os corpos: eis as peças de uma engrenagem punitiva cujos efeitos transbordam o perímetro das prisões e das vidas engaioladas. Nos termos de Alexander (2017)ALEXANDER, M. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017 ., trata-se de um “sistema de controle social racializado”, que repõe e amplifica desigualdades e discriminações, e afeta vidas, formas de vida e redes de relações das populações pobres, negras e moradoras de periferias.

No entanto, ao revés de uma prisão supostamente isolada e auto contida em seus muros, é esse cenário de privações, opressões e massacres que aciona coletivos e organizações que adentram a prisão para, entre outras coisas, fornecer aos reclusos informações sobre os processos judiciais, sobre os direitos que lhes são garantidos em lei, sobre medidas judiciais cabíveis, etc. Em São Paulo, tal trabalho é realizado por coletivos da Pastoral Carcerária e por organizações não governamentais como o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).

Por outro lado, mães, pais, companheiras, filhas e filhos, milhares de familiares e amigos de pessoas presas têm suas vidas atadas à prisão através dos múltiplos vasos comunicantes que a articulam a territorialidades múltiplas (Godoi, 2015GODOI, R. Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo. Vivência, Rio Grande do Norte, n. 43, p.131-142, 2015 .). Visitam semanalmente seus entes queridos, às vezes aprisionados a centenas de quilômetros de distância; enfrentam dificuldades burocráticas e econômicas para efetivar as visitas; são tratados com rispidez e submetidos ao procedimento degradante da revista corporal vexatória (Godoi, 2016GODOI, R. Intimacy and power: body searches and intimate visits in the prison system of São Paulo, Brazil. Champ pénal/Penal field, v. XIII, 2016. Disponível em: < https://journals.openedition.org/champpenal/9386 . Acesso em: 15 jul. 2019.
https://journals.openedition.org/champpe...
). A cada visita levam aos presos alimentos, roupas, medicamentos, artigos de higiene pessoal e limpeza, além de outros itens básicos de sobrevivência – sendo assim responsabilizados por parcela do abastecimento da prisão. São responsáveis por fornecer a seus familiares presos informações processuais. E fazem mover os processos judiciais de acusação e execução penal, acionando a Defensoria Pública, setores da administração penitenciária etc., na tentativa de fazer com que direitos garantidos em lei sejam efetivamente observados.

Atores, relações e expedientes como esses efetuam e atualizam, no Brasil, um processo de erosão das fronteiras entre bairros e prisões, semelhante ao que foi identificado e analisado por Cunha (2002)CUNHA, M. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa: Fim de Século, 2002 . em Portugal, por Bony (2015)BONY, L. La prison, une cité avec des barreaux? Continuum socio-spatial par-delà les murs. Annales de géographie, n. 702-703, p. 275-299, 2015 . na França, por Waltorp e Jensen (2019)WALTORP, K.; JENSEN, S. Awkward Entanglements: Kinship, Morality and Survival in Cape Town’s Prison – township Circuit. Ethnos, v. 84, n. 1, p. 41-55, 2019. Disponível: <https://www.tandfonline.com/doi/l/10.1080/00141844.2017.1321565?scroll=top&needAccess=true . Acesso em: 22.04. 2019.
https://www.tandfonline.com/doi/l/10.108...
na África do Sul, por Morelle (2015)MORELLE, M. La prison, la police et le quartier. Gouvernement urbain et illégalismes populaires à Yaoundé. Annales de géographie, n. 702-703, p. 300-322, 2015 . em Camarões, etc. 5 5 Nos permitimos remeter a dossiê sobre o tema, publicado na Revista Tempo Social sob o título “Punição, prisão e cidade: contextos transversais” (Cunha; Mallart; Telles, 2019). Na prisão, não só se mantém relações familiares e vicinais, como elas se mostram decisivas na própria conformação da duração e experiência da reclusão. Nos bairros, por sua vez, a prisão se faz presente e estruturante de diversas maneiras. Ativam-se redes de apoio e cuidado para suprir a ausência de mães, pais, filhos, esposas e maridos presos, para garantir a visitação em uma unidade distante, também para receber egressos da prisão, providenciando-lhes abrigo e alguma ocupação. Instala-se assim uma ampla circulação entre zonas periféricas e unidades prisionais, fazendo com que códigos morais e repertórios de ação sejam compartilhados. A prisão converte-se em uma incontornável referência urbana, marcando histórias individuais e coletivas, experiências e horizontes, de modo que nos territórios periféricos é praticamente impossível encontrar alguém que não conheça as agruras do cárcere, por experiência direta ou mediada – assim como alguém que não saiba das histórias de mortes suspeitas e pelas mãos da polícia. Vai-se desenhando territorialidades cujas tramas sociais são também afetadas pelos nexos entre ação policial e prisão, entre violência policial e mortes, entre prisão e letalidade - corpos encarcerados se transfiguram em corpos matáveis (Mallart; Godoi, 2017MALLART, F; GODOI, R. Vidas matáveis. In: MALLART, F.; GODOI, R. (Orgs.). BR 111: a rota das prisões brasileiras. São Paulo: Veneta, 2017 , p.21-33.).

É isso propriamente o que define o encarceramento em massa – dimensões societárias que não se deixam ver sob as medidas desencarnadas dos números e estatísticas, e que só podem ser apreendidas sob o ângulo dos que vivenciam a experiência desses dispositivos de controle que recaem sobre suas vidas e afetam as suas destinações. Como diz Garland (2001)GARLAND, D. Mass imprisonment: social causes and consequences. London:SagePublications, 2001 ., longe de ser apenas um fato pertinente à gestão penal do crime, o encarceramento em massa passou a ser uma das instituições sociais que estruturam a experiência de amplos grupos sociais. Alexander, por sua vez, vai além, detalhando e esmiuçando, no contexto americano, os modos operatórios do encarceramento, uma engrenagem feita de leis, políticas, costumes e práticas que se compõem em uma vasta trama institucional e operam como formas racializadas de “gestão e controle dos despossuídos” (Alexander, 2017).

Mas se a prisão, como dissemos, se configura como referência urbana incontornável, se o encarceramento se inscreve nas ordens de vida e afeta a rede de relações das populações periféricas, isso também significa que essa é uma experiência compartilhada e trabalhada coletivamente por entre as tramas da vida urbana. Este o solo no qual vão sendo também tramadas iniciativas de articulação e resistência. Pois as histórias de prisões arbitrárias, de execuções e chacinas circulam e compõem um repertório comum de referências. Em torno de episódios violentos, grupos de mães, familiares e amigos de vítimas da letalidade policial se articulam, demandando investigações independentes, responsabilização dos autores e reconhecimento da dignidade das vítimas (Araújo, 2007ARAÚJO, F. Do luto à luta: a experiência das mães de Acari. 2007 . 168p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 .).

Como indicado na introdução deste texto, esse processo se desenvolveu no Rio de Janeiro desde o início da década de 1990. Em São Paulo, em 1998, um grupo de mães que então acompanhava os seus filhos em prisões e unidades de internação de jovens formaram a Amparar – Associação de familiares e amigos de presos/as. Em 2006, o movimento Mães de Maio começou a se articular depois que centenas de pessoas foram assassinadas pela polícia e por grupos de extermínio, em maio daquele ano, em retaliação às rebeliões e atentados promovidos pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC (IHRC, Justiça Global, 2011; CAAF/UNIFESP, 2019CAAF/Unifesp.Violência de Estado no Brasil: uma análise dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da antropologia forense e da justiça de transição. São Paulo: Unifesp, 2019.).

Quem quer que acompanhe o périplo dessas mulheres deve seguir os muitos dispositivos por elas acionados em suas demandas por justiça e reparação. Pois, elas terminam por transitar em diversas escalas e esferas de atuação, acionando advogados e Defensores Públicos, acompanhando processos e circulando entre os meandros confusos do sistema judicial. É notável a competência que ganham ao lidar com as artimanhas dos meandros do poder (Vianna, 2015VIANNA, A. Tempos, dores e corpos: considerações sobre a “espera” entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro. In: MACHADO, C., LEITE, M., BIRMAN, P., CARNEIRO, S. (orgs). Dispositivos urbanos e tramas dos viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: FGV, 2015 , p. 374-387.).

Ao transitar nesse terreno nebuloso – e muitas vezes, ameaçador – feito das relações entre prisão, polícia e sistema judiciário, essas mulheres também terminam por mobilizar importantes redes de apoio que, por sua vez, dão ressonância e envergadura pública às suas histórias e demandas. Defensores públicos e advogados ativistas, ao mesmo tempo em que as acompanham nos labirintos dos processos judiciais, tematizam publicamente a lógica punitiva e discriminadora inscrita nos modos de funcionamento dos operadores da lei e da justiça; coletivos de mídia alternativa documentam e dão publicidade aos eventos que pontuam essas trajetórias; grupos de direitos humanos e movimentos sociais trabalham as ressonâncias dessas histórias e outras situações de violência estatal; movimentos negros e seus coletivos operam como caixas de ressonância, fazendo ecoar a denúncia do racismo, projetando o “genocídio da população preta, pobre e periférica”, como bandeira mobilizadora. Também pesquisadores que exercitam formas várias de pesquisa engajada e, no mesmo passo, fazem circular histórias e situações no universo acadêmico, pautando debates e formulando agendas de pesquisa. Ainda há mais: no plano miúdo da micropolítica, pequenos grupos e coletivos que atuam nas prisões (oficinas de leitura, cursos, programas sociais variados) e nos bairros periféricos se agitam e fazem rizoma, se compõem e se tornam operadores de uma capilarização dessas movimentações na tessitura relacional dos lugares.

Como se vê, a engrenagem punitiva que captura corpos, vivos e mortos, é atravessada por linhas de fuga que transbordam os recintos estritos nos quais essas instituições operam. São essas dimensões societárias e políticas do encarceramento em massa, em seus nexos com a violência policial e a lógica punitiva inscrita nos dispositivos de gestão da ordem, que nos interessa colocar em primeiro plano. Este o solo no qual se inscreve o campo político que nos interessa discutir. Campo político que se ancora nos vasos comunicantes que articulam a prisão e territorialidades urbanas e que se desdobra das tramas relacionais atravessadas pela experiência que homens e mulheres fazem com as forças da ordem e os representantes da lei.

Essas dimensões societárias e políticas não têm sido contempladas pelo debate sobre prisões no Brasil, em boa medida regido por um cárcere-centrismo, pautado, no mais das vezes, pelos sempre repostos (e nunca resolvidos) problemas de segurança pública. O problema se duplica com a ênfase, predominante nos últimos anos, sobre a presença de “organizações criminosas” no interior das prisões. O fato é que, nos últimos tempos, o debate público sobre as prisões foi, em boa medida, colonizado pelo assim chamado Crime Organizado e Tráfico de Drogas – termos colocados aqui em maiúsculas, tais como entidades substantivadas, um tanto quanto fantasmáticas, que se apresentam como chave explicativa para as mazelas que vigoram nas prisões, e fora delas, e operam como recurso discursivo para justificar o endurecimento penal.

Logo, a perspectiva pela qual propomos situar a prisão como questão política estratégica não é isenta de pressupostos. No plano teórico-conceitual, buscamos desdobrar questões tratadas por uma linhagem de pesquisas que, ao revés do suposto das prisões como instituição total, isolada em seus muros, redefinem a própria prisão como objeto de estudo, fazendo ver os vasos comunicantes que articulam prisões e territorialidades urbanas (Godoi, 2015GODOI, R. Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo. Vivência, Rio Grande do Norte, n. 43, p.131-142, 2015 .); os fluxos de bens e pessoas, códigos normativos e repertórios que atravessam os muros (Barbosa, 2013BARBOSA, A. R. “Grade de ferro? Corrente de ouro!”: circulação e relações no meio prisional. Tempo Social, São Paulo, v.25, n.1, p.107-129, 2013 .; Mallart; Rui, 2017MALLART, F.; RUI, T. Cadeia ping-pong: entre o dentro e o fora das muralhas. Ponto Urbe, São Paulo, n. 21, 2017 . Disponível em: <http://journals.openedition.org/pontourbe/3620. Acesso em: 16.05.2019.
http://journals.openedition.org/pontourb...
); as redes sociotécnicas que presos/as e seus familiares acionam para viabilizar formas inauditas de comunicação e de apoio, recursos de cuidados dos quais depende a sobrevivência de presos e presas e, do outro lado das muralhas, de seus familiares (Bumachar, 2016BUMACHAR, B. Para se fazer (no) presente: o exercício da maternidade e a construção da pessoa entre estrangeiras presas em São Paulo. DiasporeQuadernidiRicerca, Veneza, n. 6, p. 15-38, 2016 .).

Trata-se de um deslocamento de fundo em relação aos modos convencionais de se lidar com a questão carcerária. Trata-se, sobretudo, da construção de um plano de referência que permite deslocar a questão do campo da segurança pública no qual o debate sobre as prisões se encontra cativo. Não é o caso de lidar aqui com uma discussão teórica, que não é nova, mas que sempre se repõe em novos termos (Foucault, 1997FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1997 .). Por ora, vale dizer que esse deslocamento do plano de referências constrói outras cartografias cognitivas, abrindo-se a outra ordem de questões que, à distância do cárcere-centrismo, podem ser vistas como perspectiva crítica – crítica refletida e situada, não retórica e abstrata, ao primado da segurança que, como nos sugere Neocleous (2008)NEOCLEOUS, M. Critique of security. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2008 ., coloniza o debate público e as agendas de pesquisa, despolitizando as questões em jogo e aprisionando a imaginação política. Do ponto de vista das questões que nos interessam, esse deslocamento para situar a questão prisional permite dar densidade analítica ao campo político que se desdobra dessas tramas ampliadas pelas quais a questão carcerária se define. Um campo político que traz à tona as relações de poder inscritas na “fabricação da ordem” e a “guerra social” que mal se esconde nos modos operatórios dos dispositivos de controle e punição (Neocleous, 2000NEOCLEOUS, M. The fabrication of social order: a critical theory of police power. London: Pluto Press, 2000 ., 2016NEOCLEOUS, M. La lógica de lapacificación: guerra-policía-acumulación.Athenea Digital, Barcelona, n. 16 v.1,p.9-22, 2016 .).

Nosso esforço é contribuir para melhor conhecer essa dimensão do problema carcerário brasileiro, tecido por inúmeras iniciativas e experiências, individuais e coletivas, ao redor e através das prisões. A relevância de coletivos e articulações que aqui serão apresentados e a importância do campo político e da frente de conflito que eles delineiam, só poderão ser bem dimensionadas com referência a esse vasto dispositivo carcerário.

MOBILIZAÇÕES

Tribunal Popular

2008: ocasião para celebrar os vinte anos da Nova Constituição, por muitos chamada de “Constituição Cidadã”, em virtude de proclamar um amplo leque de direitos e espaços de participação democrática que prometiam enterrar o pesado legado dos 21 anos de nossa ditadura militar. Porém, já no segundo mandato do Presidente Lula, essas promessas pareciam se evanescer por trás de eventos recorrentes de violência e arbítrio policial. Naquele ano, o que poderia ser tomado como data de celebração da consolidação do regime democrático no país, comparece como momento crucial para colocar em foco a violência inscrita no próprio modo como as instituições e forças da lei operam. Este era também o ano das comemorações do sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Momento oportuno e emblemático para colocar “o Estado brasileiro no banco dos réus” e julgar as reiteradas violações dos direitos humanos que afetam as populações pobres, sobretudo negras, no campo e nas cidades, moradoras de periferias e favelas. Foi nesses termos que várias entidades se articularam para promover um “evento-ação política” (Araújo, 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 ., p. 169), sob a forma de um “Tribunal Popular”, realizado entre os dias 4 e 6 de dezembro de 2008, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. No texto convocatório, os termos são contundentes:

Desde o final dos anos oitenta, com a promulgação da Constituição Federal em 1988 e com a realização de eleições diretas para todas as esferas de governo do país, o Brasil vem sendo considerado um Estado Democrático de Direito (...) Muito ao contrário, no caso brasileiro, o que vemos é o Estado, por meio de agentes dos seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e ao nível da União e dos Estados da Federação, violar sistematicamente os direitos humanos das populações pobres do campo, das favelas e periferias urbanas (com ainda mais violência contra jovens negros, quilombolas, indígenas e seus descendentes) (Tribunal Popular, 2008TRIBUNAL POPULAR. 1ª Convocatória: Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus”. 12 set. 2008. Disponível em: < http://tribunalpopular2008.blogspot.com/2008/09/primeira-convocatria-tribunal-popular-o.html . Acesso em: 19.10 2020.
http://tribunalpopular2008.blogspot.com/...
, on-line).

Reproduzindo o formato de um Tribunal de Júri, o evento tinha uma notável dimensão performática. Ativistas, juristas, intelectuais, representantes de movimentos e coletivos se distribuíram para ocupar, cada qual, os lugares de juiz, de promotor e de testemunhas de acusação. Em cada uma das quatro sessões de “instrução” eram submetidas ao julgamento algumas das principais situações de violação de direitos identificadas.

Primeira sessão: “violência estatal sob pretexto de segurança pública em comunidades urbanas pobres”. Testemunhas eram chamadas a se pronunciar e denunciar a violência policial em periferias e favelas, com destaque especial para operações de ocupação militarizada no Complexo do Alemão, em 2007, no contexto da preparação do Rio de Janeiro para os Jogos Pan-americanos, resultando na morte de 19 pessoas. Segunda sessão: “violência estatal no sistema prisional . Em pauta, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos no ambiente prisional, também o racismo, a seletividade penal e o encarceramento em massa. Terceira sessão: “violência estatal contra a juventude pobre, em sua maioria negra . Nesse caso, foram colocados em julgamento chacinas e execuções de maio de 2006, mas também outros episódios violentos promovidos por forças policiais e grupos de extermínio. Quarta sessão: “violência estatal contra movimentos sociais e a criminalização da luta sindical, pela terra e pelo meio ambiente . Em foco, episódios de repressão a movimentos grevistas, também a conflitos envolvendo o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

No julgamento final do evento, a acusação ficou a cargo de Plínio de Arruda Sampaio, ex-deputado constituinte, liderança reconhecida pelo histórico de militância pela reforma agrária e pelo fim da ditadura. Na composição dos jurados, a presença de representantes de coletivos formados nos anos 1980, no bojo das lutas pela democratização do país – o Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e o Fórum Permanente de Ex-presos e Perseguidos Políticos, de São Paulo. Na bancada dos jurados, também estavam presentes artistas, escritores e intelectuais que, naqueles anos, eram amplamente reconhecidos pelos seus posicionamentos críticos e engajados no cenário político brasileiro.

A realização do Tribunal Popular se constituiu como experiência que articulava uma ampla e multifacetada rede de coletivos, mobilizando artistas, professores, juristas e pesquisadores; grupos e indivíduos afetados pelas políticas penais e penitenciárias, egressos das prisões, familiares e amigos de pessoas presas e mortas pela polícia. Sessenta coletivos entre movimentos sociais, associações de natureza diversa, sindicatos e organizações não governamentais. Uma composição variada que permitia o encontro e a articulação de experiências e coletivos de gerações e matrizes históricas distintas: aqueles formados nos anos 1980 nos movimentos de resistência à ditadura militar e nas mobilizações pela democratização do país; e outros, mais recentes, constituídos a partir dos anos 1990, compostos ou por mães e familiares de vítimas da violência policial – como a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência do Rio de Janeiro, a Amparar e as Mães de Maio, de São Paulo – ou por ativistas mais jovens, vindos das favelas e periferias, que traziam em suas experiências as marcas não mais da violência política do Regime Militar, mas da violência estatal que, sob uma lógica notavelmente racializada, afetava suas vidas e formas de vida.

O caráter altamente performático (Butler, 2018BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018 .) do evento não foi sem consequências nos modos de elaboração da experiência pelos seus participantes, e seus desdobramentos nos anos seguintes. Como ressalta Araújo (2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 ., p.172), a participação ativa desses vários coletivos e dos atores que assumiram o papel de “testemunhas de acusação” permitiu gerar uma farta documentação sobre o modus operandi das forças da ordem em contextos periféricos. Nesses quatro dias, além de “socializar e politizar a dor” (Araújo, 2014ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 ., p.178), os diversos atores puderam trocar experiências, negociar pautas, debater táticas e elaborar propostas. Nesse trabalho de elaboração de experiências partilhadas, o tema do encarceramento em massa – e seus nexos com a violência e o arbítrio policial – entra definitivamente em pauta, tendo desdobramentos nos anos seguintes.

Entre 7 e 9 de dezembro de 2010, o Tribunal Popular realizou, na mesma Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado Penal”, também um evento-ação política, de menores dimensões, mas pioneiro ao colocar o encarceramento em massa no centro do debate. Depois, uma parcela da rede que deu origem ao Tribunal Popular se desdobrou na “Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio”. O ato-debate inaugural, em 2015, deu-se no cemitério São Luiz, situado em uma região periférica de São Paulo. Escolha refletida, e politicamente estratégica, porque é lá que são enterrados os muitos moradores da região mortos em supostos confrontos com a polícia (cf. Manso, 2004MANSO, B.P. O cemitério dos jovens. Vida e morte no São Luís, o paliteiro de cruzes sobre corpos baleados de gente com menos de 30. Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Aliás, p. J8, 7/11/2004.). Para os habitantes dessa periferia que se estende a perder de vista, o cemitério São Luiz é referência incontornável. Em torno de seus vários túmulos, circulam as histórias das vítimas da violência policial, sobretudo jovens e negros, histórias que alimentam rumores e memórias dos eventos trágicos na vida de vizinhos e familiares. Na sequência dos anos, essa rede passou a realizar debates e seminários sobre chacinas e execuções sumárias em favelas e bairros periféricos, também em escolas e universidades.

Outra parcela da rede criou o então chamado “Cordão da Mentira” que, a cada 1º de abril, passou a promover atos-manifestação, marcando o aniversário do golpe civil-militar. Sob o formato de “bloco carnavalesco”, com intervenções teatrais, musicais e poéticas, o Cordão seguia um trajeto que passava pelas ruas e lugares em que se situavam instituições policiais em cujos porões aconteciam as torturas e sevícias dos presos políticos. O cordão aconteceu anualmente entre 2012 e 2016. Nesses anos, os eventos tinham o sentido político e programático de não apenas reativar a memória-denúncia de um momento crucial da história recente, mas sobretudo abrir um espaço de ressonância entre as várias situações de violência estatal – entre presos e mortos de antes, e presos e mortos de agora.

Rede 02 de Outubro

2 de outubro de 1992: uma pequena desavença entre presidiários do pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru se transforma em uma rebelião desprovida de viés reivindicativo ou de fuga. Apesar disso, o Governo estadual da época determinou a invasão da Casa de Detenção por centenas de policiais militares que exterminaram a sangue frio 111 pessoas desarmadas e desesperadas. Foi a maior chacina da história do sistema penitenciário brasileiro.

Passadas quase duas décadas (...) ainda hoje, divisamos jovens, em regra pobres e negros, sendo perseguidos pelo aparato repressor estatal. Quando conseguem driblar a morte, caem na vala imunda, e cada vez mais superlotada do sistema carcerário” (Rede 02 de Outubro, 2011, on-line).

Este trecho da carta-manifesto, em 2011, lançava oficialmente a Rede 02 de Outubro, uma rede formada por um conjunto variado de coletivos e ativistas, articulando artistas, pesquisadores, familiares e amigos de pessoas presas e mortas pela polícia. Suas iniciativas eram em grande medida capitaneadas por membros da Pastoral Carcerária, do movimento Mães de Maio e da Rede Extremo Sul, movimento de moradia atuante nas distantes periferias da zona sul da cidade. Uma tríade, poderíamos dizer, que corresponde aos vetores estruturantes do problema carcerário-punitivo, entre a tragédia humana encenada no interior das unidades prisionais, as práticas recorrentes de extermínio e chacinas e as populações pobres das periferias urbanas, sobretudo jovens e negros.

Ao propor reativar a memória do Massacre do Carandiru, a Rede 02 de Outubro abria um campo múltiplo de embates estratégicos. Havia algo como o trabalho de escavação de uma história das violências inscritas nos modos de gestão da ordem. A memória do massacre se contrapunha aos esforços sistemáticos das autoridades policiais, políticas e judiciais em apagar as evidências de um crime do Estado. A polícia não só ainda hoje sustenta a versão oficial de um caso isolado de uma rebelião que só poderia ser contida pela intervenção violenta das forças da ordem, como promove e condecora policiais que participaram do massacre. No plano jurídico, foram inúmeros os artifícios postos em ação para evitar a responsabilização das autoridades políticas e policiais envolvidas, por meio de julgamentos sempre adiados, suspensos ou, quando realizados, anulados sumariamente sob argumentos de ordem técnica-processual (cf. Machado; Machado, 2015MACHADO, Maira; MACHADO, Marta. (orgs.).Carandiru não é coisa do passado: um balanço sobre os processos, as instituições e as narrativas 23 anos após o massacre. São Paulo: FGV, 2015 .). No âmbito administrativo, ainda em 2002, depois de uma rebelião de grandes proporções ocorrida no ano anterior, a Casa de Detenção do Carandiru foi finalmente desativada e demolida. É como se, com essa demolição, fosse possível apagar a memória não apenas do massacre de 1992, mas da violência inscrita na história do que foi por muito tempo a maior prisão da América Latina. Em seu lugar, foi construído em 2003 o Parque da Juventude, uma muito higienizada e pacificada área de lazer, aberta à visitação de todos.

Tomado como evento-síntese da violência policial e penitenciária, o Massacre do Carandiru comparecia nas atividades programadas pela Rede 02 de Outubro como emblema de uma política de extermínio e encarceramento. Sua palavra de ordem: “pelo fim dos massacres”. A articulação da rede remonta a um evento político e artístico promovido justamente no Parque da Juventude, em 02 de outubro de 2010, pelo Grupo Trecho, coletivo que desenvolvia projetos culturais em uma penitenciária feminina da capital. Um pequeno grupo formado por artistas, ativistas e pesquisadores ali reunidos começaram a se articular em rede em função dos vinte anos do Massacre do Carandiru, que em breve se completariam. A articulação ganhou corpo e no ano seguinte, em 02 de outubro de 2011, promoveu um ato maior no próprio Parque da Juventude. Em 2012, no aniversário de 20 anos do massacre, a Rede promoveu uma grande manifestação na Praça da Sé, seguindo um itinerário que passava em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo e à Secretaria Estadual de Segurança Pública.

O ano de 2012 foi marcado por uma série de chacinas e inúmeros episódios de letalidade policial. Havia uma tensão crescente no ar, registros frequentes de ônibus incendiados nas periferias e trancamento de rodovias em protesto às mortes. Em 2013, nas chamadas “Jornadas de Junho”, o debate sobre a desmilitarização das polícias ganha centralidade entre os movimentos e articula um amplo conjunto de coletivos e organizações, em razão da violenta repressão às manifestações e aos protestos. No mesmo contexto, a campanha “Onde está o Amarildo?”, a partir do desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza na Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, em julho daquele ano, alcançou repercussão internacional e tornou-se símbolo das lutas contra o arbítrio e a violência policial. É neste cenário que a Rede diversifica as suas formas de atuação, passando a funcionar como um coletivo, com identidade própria. Assina manifestos, articula-se a outros movimentos e se faz presente em atos, manifestações e debates sobre a violência estatal.

Em julho de 2015, um conjunto de coletivos e movimentos sociais se organiza para receber em São Paulo a “Caravana” com familiares dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa, México, que vinha circulando por outras cidades da América Latina, estabelecendo laços e conexões entre os episódios de lá e daqui. Esta articulação prossegue ao longo de meses e se desdobra em uma rede mais ampla, que inclui a Rede 02 de Outubro, para organizar a “semana de lutas contra a violência do estado”, na mesma semana de aniversário do massacre, com ações diretas, debates, saraus e manifestações na programação. Em 2016, a Rede 02 de Outubro se desfez como coletivo. Alguns de seus participantes formaram o Coletivo Herzer, que promove debates e intervenções em bairros periféricos, manicômios judiciários e unidades de internação para adolescentes.

O período de atuação da Rede 02 de Outubro foi marcado por muita turbulência política e protestos de rua, de tal modo que, após o seu encerramento, suas dinâmicas e pautas seguiram articulando redes mais informais e circunstanciais, bem como se combinando com outras mobilizações. Em 02 de outubro de 2016, por exemplo, foram organizados um ato e uma coletiva de imprensa em que a novidade estava na articulação entre as Mães de Maio e as mães de estudantes secundaristas perseguidos pela polícia, organizadas no Comitê de Mães e Pais em Luta. No final de 2015, desdobrando o ciclo de protestos urbanos que eclodiram em junho de 2013, estudantes de escolas públicas de São Paulo se mobilizaram contra uma proposta de reforma educacional apresentada pelo governo do estado. Centenas de escolas foram ocupadas, grande parte delas nas regiões empobrecidas das periferias. A repressão foi violenta e muitos desses jovens sofreram perseguições policiais e judiciais. O encontro de alguns desses estudantes e suas mães com mães de pessoas presas e mortas pela polícia configurou-se como momento especialmente importante, no qual a violência do Estado pôde ser tratada de forma transversal, denominador comum e ponto de gravitação de experiências e movimentos diversos.

O mesmo ocorreu em 2017. Ao invés de atos de rua, dessa vez foi organizado um encontro sobre a violência do Estado, realizado na favela do Moinho, na região central da cidade, sempre ameaçada de remoção e, na ocasião, traumatizada por uma intervenção violenta das forças policiais, que acabavam de causar a morte de um jovem morador. Mães de jovens mortos em diversos pontos da Região Metropolitana de São Paulo e da Baixada Santista compartilharam experiências. Egressos do sistema carcerário que atuam politicamente em presídios de São Paulo se conheceram e estabeleceram contatos neste mesmo encontro. Também estavam presentes estudantes secundaristas e membros do Movimento Passe Livre, coletivo que iniciou as manifestações massivas de 2013, muitos deles também sob vigilância da polícia, ameaçados e submetidos a processos criminais.

Nessas movimentações e articulações, a mobilização em torno da questão carcerária se expande e se diversifica, promovendo atividades em periferias e favelas, buscando uma maior capilarização nos territórios urbanos. Essa rede ampliada parecia operar como laboratório político para a mobilização anticarcerária, dentro do qual algumas teses abolicionistas foram ganhando força. Com efeito, uma perspectiva abolicionista esteve presente desde os momentos iniciais da Rede 02 de Outubro. Por ocasião do início do julgamento de policiais envolvidos no Massacre do Carandiru (no primeiro semestre de 2013), o movimento denuncia a lógica de extermínio que sempre informou a atuação da polícia. Mais do que condenações, o movimento pedia o “fim dos massacres”. No correr dos anos, familiares dos mortos pela polícia e, cada vez mais, jovens negros e moradores das periferias urbanas, se apropriam da pauta anticarcerária e, juntamente com os diferentes atores que compõem essa rede ampliada – pesquisadores, juristas, artistas, etc. –, elaboram coletivamente um discurso que articula encarceramento em massa e racismo, prisão, massacres e morte. Desdobra-se assim um processo coletivo de elaboração em que a reivindicação por justiça não se confunde com demanda punitiva, que pensa formas de responsabilização pelas vias de uma transformação radical das instituições e relações sociais, e não tanto pela individualização das culpas e das penas.

Agenda pelo Desencarceramento

As atividades da Rede 02 de Outubro se desenvolveram em meio às turbulências políticas desencadeadas pelo ciclo de protestos deflagrados em junho de 2013. Na tentativa de administrar a crise política que abalava o governo, a Presidente Dilma Roussef se propôs a receber representantes de movimentos sociais para um possível diálogo. Em novembro, o Movimento Mães de Maio conseguiu uma audiência, junto com a Pastoral Carcerária, outro pilar da Rede 02 de Outubro. Este foi o ponto de partida da Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Os dois coletivos apresentaram à presidente uma proposta composta por dez tópicos, com o objetivo expresso de reduzir a população prisional:

1. Suspensão de qualquer verba voltada para a construção de novas unidades prisionais ou de internação; 2. Exigência de redução massiva da população prisional e das violências produzidas pela prisão; 3. Alterações legislativas para a máxima limitação da aplicação de prisões preventivas; 4. Contra a criminalização do uso e do comércio de drogas; 5. Redução máxima do sistema penal e retomada da autonomia comunitária para a resolução não-violenta de conflitos; 6. Ampliação das Garantias da Lei de Execução Penal; 7. Ainda no âmbito da LEP: abertura do cárcere e criação de mecanismos de controle popular; 8. Proibição da privatização do sistema prisional; 9. Prevenção e combate à tortura; 10. Desmilitarização das polícias e da sociedade” (Agenda Nacional pelo Desencarceramento, 2017AGENDA NACIONAL PELO DESENCARCERAMENTO, 2017 . Disponível em https://desencarceramento.org.br . Acesso em 19/10/2020.
https://desencarceramento.org.br...
, on-line).

Publicada pela primeira vez em 2013, traduzida para inglês e alemão em 2014, a proposta foi relançada em 2017, já como agenda nacional. O documento de 2013 recebeu a adesão de 13 signatários. Em 2017, já eram 43 entre grupos de direitos humanos, associação de amigos e familiares de pessoas mortas e presas, associação de travestis e transexuais, coletivos das periferias urbanas, centros de juventude, igrejas e pastorais, assessorias jurídicas e centros de pesquisa.

As adesões se multiplicaram e, no mesmo passo, estruturou-se uma rede nacional de coletivos atuantes, sustentando a agenda e promovendo os Encontros Nacionais pelo Desencarceramento: o primeiro foi realizado em 2016, em São Paulo; o segundo, em 2017, em Olinda; o terceiro em 2018, no Rio de Janeiro. Com um protagonismo notável de familiares e amigos de pessoas presas e mortas pela polícia, esses encontros se constituíram em momentos importantes para a troca de experiências, a formulação de propostas e novas articulações. No bojo desse processo foram criadas Frentes Estaduais pelo Desencarceramento: a primeira, em janeiro de 2017, no Rio de Janeiro, depois em outros cinco estados – a de São Paulo foi criada em outubro de 2018 e, no momento em que essas linhas estão sendo escritas, outras estão em formação. As pautas dos debates também se diversificaram, dando eco às questões postas nos diferentes contextos de atuação desses coletivos – por exemplo, a intervenção militar no estado do Rio de Janeiro em 2017, ou os planos de privatização penitenciária apresentados pelo governo estadual de São Paulo, em 2019.

No caso da Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, que pudemos acompanhar mais de perto, o seu surgimento remonta a janeiro de 2017, sob impacto dos massacres em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. Uma rede de movimentos sociais, então já em formação, começou a articular a frente estadual, entendendo que era preciso se aproximar de familiares de presos e egressos para fazer frente às condições cada vez mais precárias e aos recorrentes massacres no interior dos presídios. Ainda: perante os crescentes obstáculos com que a Pastoral Carcerária e outras organizações de direitos humanos vinham se deparando para a entrada e o acesso às prisões paulistas 6 6 Desde 26 de abril de 2018, quando três defensores públicos foram feitos reféns durante uma rebelião na Penitenciária de Lucélia, no interior do estado, o acesso aos cárceres paulistas por agentes pastorais e outros atores sociais foi sendo cada vez mais restringido, sempre sob o argumento da segurança. , mulheres que visitam filhos e companheiros foram se constituindo como canal possível, e estratégico, para o diálogo com o cárcere.

O marco inicial das atividades da Frente pelo Desencarceramento de São Paulo foi uma série de vigílias junto com familiares em frente aos presídios, como os Centros de Detenção Provisória de Pinheiros, alvos de denúncias de superlotação, falta de itens básicos de higiene e de atendimento médico, após uma rebelião em julho de 2017. Na ocasião, durante quase três dias, as mulheres obstruíram as vias ao redor da prisão, exigindo informações sobre seus familiares. Movimentos sociais, advogados, ativistas e organizações que comporiam a Frente atuaram junto aos familiares, em conversas, panfletagem e formas de apoio à manifestação, que teve as suas demandas atendidas.

Em 2018, movimentos e organizações que comporiam a Frente, organizaram a campanha “Chega de Massacres”, cujo lançamento público foi promovido em outubro em uma roda de conversa sobre o cárcere. O local escolhido foi a Ocupação Alcântara do Povo da Rua, espaço existente nos baixos de um viaduto na Zona Leste, que anteriormente abrigava um equipamento de assistência social voltado à população de rua e que, ao ser desativado, foi ocupado pelos próprios atendidos, sendo autogerido como local de moradia e organização política. Entre os moradores da ocupação, é grande o número de egressos do sistema penitenciário. Escolha refletida: buscava-se localizar a Frente numa rede mais ampla de movimentos “desde baixo”, de maneira a explicitar a opção por uma “desinstitucionalização”, em que familiares de pessoas presas e egressos têm papel preponderante na tomada de decisões e nos demais processos de luta.

Nesse mesmo contexto, é notável a mobilização de dezenas de mulheres – familiares de pessoas presas – vinculadas à Amparar, que também passariam a compor a Frente pelo Desencarceramento em São Paulo. Elas se organizam em encontros quinzenais (também em redes virtuais) para encaminhar denúncias de violações de direitos. Nossos interlocutores ressaltam que é na tessitura das relações cotidianas com essas mulheres, nos corredores dos fóruns e na espera pela saída dos ônibus de visitas, que se dá o processo de elaboração e transformação de estratégias políticas. Os efeitos imediatos são percebidos, por exemplo, na mudança de entendimento sobre as drogas, ou as categorias moralizantes que se referem aos “outros” presos, e a própria categoria “crime”, que vão sendo desativadas e caem em desuso nos seus enunciados, incorporando o entendimento do sistema carcerário como uma das facetas da violência de Estado.

As atividades desenvolvidas pela Frente são várias: panfletagens e conversas com as mães e os familiares nos pontos dos ônibus que saem em direção aos presídios do interior; conversas com mulheres presas nas saídas temporárias dos presídios femininos em datas comemorativas; aulas públicas em praças; debates e rodas de conversa em centros de convivência de bairros periféricos; e protestos como o que ocorreu, em junho de 2019, em frente à sede da Umanizzare, empresa que gere as prisões privatizadas do Amazonas, onde centenas de presos morreram assassinados nos últimos anos. Ademais, a Frente tem participado como “bloco” em manifestações de rua com outras pautas, como o 8 de março e a Marcha da Maconha, sempre estabelecendo relações entre as lutas, com ênfase no aumento do encarceramento de mulheres e na “guerra às drogas” como dispositivo de encarceramento, e seus nexos com o racismo e a militarização das políticas de segurança.

Nas ações promovidas, a maior participação – em número e importância – de egressos, familiares de pessoas presas e mortas pela polícia, também de pessoas negras, pobres e moradoras de periferias constitui uma diferença significativa em relação ao lugar ocupado por esses mesmos atores nas articulações anteriores: não mais como “testemunhas”, mas como sujeitos ativos à frente das movimentações. Central na elaboração e ação política desse movimento é o ato sempre reiterado de enunciar a sobrevivência ao cárcere, e as vidas no cárcere como vidas dignas de luta e luto. Ou seja, o direito à vida. Longe de ser uma enunciação retórica, é questão política estratégica frente ao necropoder exercido dentro e fora das prisões.

A Agenda Nacional e as frentes estaduais pelo desencarceramento desenvolveram-se e ganharam corpo no contexto da guinada à direita, conservadora e punitivista na constelação política brasileira dos últimos anos. Por isso mesmo, podem ser entendidas como espaços privilegiados para a articulação de estratégias de oposição e resistência. No epicentro da “guerra social”, nos termos propostos por Neocleous (2016)NEOCLEOUS, M. La lógica de lapacificación: guerra-policía-acumulación.Athenea Digital, Barcelona, n. 16 v.1,p.9-22, 2016 ., e também Foucault (1999FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999 ., 2016FOUCAULT, M. La societé punitive. Paris: Gallimard/Seul, 2016 .), esse campo de articulação se processa em um terreno no qual estão cifrados não apenas os legados autoritários de uma história de longa data, mas a linha de atualidade na qual ressoam as tendências em curso no mundo contemporâneo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cerca de uma década se interpõe entre o Tribunal Popular e o lançamento da Frente pelo Desencarceramento de São Paulo. Nesse período, através de redes políticas como essas aqui apresentadas, a questão carcerária foi se impondo e sendo coletivamente elaborada, de forma articulada com a letalidade policial. É um campo de experimentação política que trabalha as miríades de ações de resistência, de contornamento e de oposição contra a violência estatal que vinham se desenvolvendo nos últimos anos, já presentes por ocasião do Tribunal Popular, com desdobramentos e inflexões importantes nos anos seguintes. Podemos dizer que são experiências que elaboram em um sentido político a experiência de dor e sofrimento, entremeada nas vidas cotidianas de homens e mulheres afetados pela violência estatal – a “guerra urbana” como forma de governo dos pobres (Birman, 2019BIRMAN, P. Narrativas seculares e religiosas sobre a violência: as fronteiras do humano no governo dos pobres. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 111-134, 2019 .). Pois, são essas experiências que se entrecruzam e se condensam em um campo político que as projetam no epicentro da gramática bélica que passou a colonizar a dinâmica política do país.

Sim, sabemos, há nisso tudo um pesado legado de uma matriz histórica. Também sabemos que, atualmente, há algo como um efeito de acumulação, capilarização e endurecimento dos dispositivos securitários-punitivos que regem a gestão da ordem. Mas nem por isso podemos dizer que se trata apenas e tão somente da reposição de uma matriz histórica. O atual governo parece ser o operador político que atualiza essa matriz, colocando-a na linha de atualidade que atravessa o cenário contemporâneo por todos os lados. 7 7 Nestas linhas finais, retomamos argumentos desenvolvidos mais amplamente em Telles (2019). Versão local das “políticas de inimizade”, como diz Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017 ., definidoras dos colonialismos históricos, que se reatualizam nos países do Sul e que hoje também se instalam no coração dos países do Norte, fazendo erodir as regulações democráticas da convivência política. Sob a égide das obsessões securitárias e da lógica bélica de gestão das populações indesejáveis, vai se difundindo e generalizando a fantasia da separação e do extermínio, projetando “um mundo que se desembaraça” dos deserdados e náufragos das tormentas mundiais – populações expostas ao poder de matar, à “necropolítica” e às topografias diversas de crueldade que se constelam nos “mundos-de-morte”, os quais se multiplicam nos campos de refugiados, prisões, zonas ocupadas e outras tantas formas de confinamento e exclusão.

Com essas noções, políticas da inimizade e necropolítica, Mbembe introduz uma cunha importante – e decisiva para as nossas questões – no debate hoje corrente sobre a “crise da democracia” ou, para pensar com Brown (2015)BROWN, W. Undoing the Demos: Neoliberalismo’s Stealth Revolution. New York: Zone Books, 2015 ., os processos de desdemocratização em curso nas últimas décadas. Pois são as “experiências contemporâneas de destruição humana” que estão postas nesse cenário em que vão se proliferando os deserdados e despossuídos de vários matizes (Mbembe, 2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017 ., p.66). Mas isso significa reconhecer, sugere o autor, que as questões da vida e da morte estão inscritas no nomos do espaço político em que estamos mergulhados.

A discussão é vasta. Se estamos aqui arriscando jogar, um tanto apressadamente, questões bem mais complicadas do que está aqui sendo dito, é porque isso nos ajuda a situar as questões postas no cenário brasileiro. Do ponto de vista da discussão desenvolvida neste artigo, isso nos ajuda a traçar uma perspectiva pela qual situar a força política dos “corpos em aliança” (Butler, 2018BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018 .), atravessados por uma condição comum de precariedade e pela violência estatal que se abate sobre suas vidas. Na dimensão performática de suas formas de aparecimento, de articulação, de protesto e reivindicação, como diz a autora, está se colocando no primeiro plano da política a defesa da vida – vidas passíveis de serem vividas. E essa é uma maneira de entender o sentido político de toda essa movimentação que buscamos aqui trazer à discussão.

REFERÊNCIAS

  • AGENDA NACIONAL PELO DESENCARCERAMENTO, 2017 . Disponível em https://desencarceramento.org.br . Acesso em 19/10/2020.
    » https://desencarceramento.org.br
  • ALEXANDER, M. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017 .
  • ARAÚJO, F. Do luto à luta: a experiência das mães de Acari. 2007 . 168p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • ARAÚJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014 .
  • BARBOSA, A. R. “Grade de ferro? Corrente de ouro!”: circulação e relações no meio prisional. Tempo Social, São Paulo, v.25, n.1, p.107-129, 2013 .
  • BIRMAN, P. Narrativas seculares e religiosas sobre a violência: as fronteiras do humano no governo dos pobres. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 111-134, 2019 .
  • BONY, L. La prison, une cité avec des barreaux? Continuum socio-spatial par-delà les murs. Annales de géographie, n. 702-703, p. 275-299, 2015 .
  • BROWN, W. Undoing the Demos: Neoliberalismo’s Stealth Revolution. New York: Zone Books, 2015 .
  • BUMACHAR, B. Para se fazer (no) presente: o exercício da maternidade e a construção da pessoa entre estrangeiras presas em São Paulo. DiasporeQuadernidiRicerca, Veneza, n. 6, p. 15-38, 2016 .
  • BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018 .
  • CAAF/Unifesp.Violência de Estado no Brasil: uma análise dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da antropologia forense e da justiça de transição. São Paulo: Unifesp, 2019.
  • CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Mutirão carcerário. Raio-X do sistema penitenciário brasileiro, 2012. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf .Acesso em: 15.07. 2019.
    » http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf
  • CUNHA, M. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa: Fim de Século, 2002 .
  • CUNHA, M.; MALLART, F.; TELLES, V.S; (orgs). Dossiê Punição, prisão e cidade: contextos transversais. Tempo Social, Revista do Departamento de Sociologia da USP, v. 31, n. 3, 2019
  • DAS, V. Critical Events. An Anthropological Perspective on Contemporary India. New Delhi: Oxford University Press, 1995 .
  • DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 2020. Disponível em: < http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen . Acesso em: 22.09. 2020.
    » http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen
  • FARIAS, J. Fuzil, caneta e carimbo: notas sobre burocracia e tecnologias de governo. Confluências, Rio de Janeiro, v.17, n.3, p.75-91, 2015 .
  • FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999 .
  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1997 .
  • FOUCAULT, M. La societé punitive. Paris: Gallimard/Seul, 2016 .
  • GARLAND, D. Mass imprisonment: social causes and consequences. London:SagePublications, 2001 .
  • GODOI, R. Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo. Vivência, Rio Grande do Norte, n. 43, p.131-142, 2015 .
  • GODOI, R. Intimacy and power: body searches and intimate visits in the prison system of São Paulo, Brazil. Champ pénal/Penal field, v. XIII, 2016. Disponível em: < https://journals.openedition.org/champpenal/9386 . Acesso em: 15 jul. 2019.
    » https://journals.openedition.org/champpenal/9386
  • GODOI, R.; CAMPOS, M.; MALLART, F.; CAMPELLO, R. Epistemopolíticas do dispositivo carcerário paulista: reflexões sociopolíticas em tempos de encarceramento em massa. Revista de Estudos Empíricos em Direito, São Paulo, (no prelo).
  • HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial.CadernosPagu, Campinas, v.5, p.7-41, 1995 .
  • HRW - Human Rights Watch. Lethal Force: police violence and public security in Rio de Janeiro and São Paulo, 2009.Disponível em: < https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/brazil1209webwcover.pdf>.Acesso em: 15.07. 2019.
    » https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/brazil1209webwcover.pdf
  • IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Monitoramento das audiências de custódia em São Paulo, 2016. Disponível em: < http://www.iddd.org.br/wp-content/uploads/2016/05/relatorio-ac-sp.pdf Acesso em: 15.07. 2019.
    » http://www.iddd.org.br/wp-content/uploads/2016/05/relatorio-ac-sp.pdf
  • IHRC - InternationalHumanRightsClinic; Justiça Global. São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em maio de 2006. São Paulo: Human Rights Program at Harward School/Justiça Global Brasil, 2011.
  • ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Tecer Justiça: presas e presos provisórios da cidade de São Paulo, 2012. Disponível em: < http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2014 /03/Tecer-Justica.pdfAcesso em: 15.07. 2019.
    » http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2014 /03/Tecer-Justica.pdf
  • LEITE, M. State, market and administration of territories in the city of Rio de Janeiro.Vibrant, Brasília, v. 14, n. 3, 2017. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/vb/v14n3/1809-4341-vb-14-03-e143149.pdfAcesso em: 15.07. 2019.
    » http://www.scielo.br/pdf/vb/v14n3/1809-4341-vb-14-03-e143149.pdf
  • MACHADO, Maira; MACHADO, Marta. (orgs.).Carandiru não é coisa do passado: um balanço sobre os processos, as instituições e as narrativas 23 anos após o massacre. São Paulo: FGV, 2015 .
  • MALLART, F.; RUI, T. Cadeia ping-pong: entre o dentro e o fora das muralhas. Ponto Urbe, São Paulo, n. 21, 2017 . Disponível em: <http://journals.openedition.org/pontourbe/3620 Acesso em: 16.05.2019.
    » http://journals.openedition.org/pontourbe/3620
  • MALLART, F; GODOI, R. Vidas matáveis. In: MALLART, F.; GODOI, R. (Orgs.). BR 111: a rota das prisões brasileiras. São Paulo: Veneta, 2017 , p.21-33.
  • MALVASI, P.; SALLA, F.; MALLART, F; MELO, R. Saberes da encruzilhada, pesquisa, militância e política no sistema socioeducativo. Etnográfica, Lisboa, v. 22, n. 1, p.75-96, 2018 .
  • MANSO, B.P. O cemitério dos jovens. Vida e morte no São Luís, o paliteiro de cruzes sobre corpos baleados de gente com menos de 30. Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Aliás, p. J8, 7/11/2004.
  • MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017 .
  • MORELLE, M. La prison, la police et le quartier. Gouvernement urbain et illégalismes populaires à Yaoundé. Annales de géographie, n. 702-703, p. 300-322, 2015 .
  • NEOCLEOUS, M. The fabrication of social order: a critical theory of police power. London: Pluto Press, 2000 .
  • NEOCLEOUS, M. Critique of security. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2008 .
  • NEOCLEOUS, M. La lógica de lapacificación: guerra-policía-acumulación.Athenea Digital, Barcelona, n. 16 v.1,p.9-22, 2016 .
  • REDE 2 DE OUTUBRO. Pelo fim dos massacres. 25 nov. 2011. Disponível em: < http://rede2deoutubro.blogspot.com/2011/11/rede-02-de-outubro-pelo-fim-dos.html . Acesso em: 19 out. 2020.
    » http://rede2deoutubro.blogspot.com/2011/11/rede-02-de-outubro-pelo-fim-dos.html
  • TELLES, V.S. Cidade: produção de espaços, formas de controle e conflitos. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, n.46, p.15-42, 2015 .
  • TELLES, V.S. A violência como forma de governo. Le Monde Diplomatique Brasil, v. 139, 30 jan. 2019. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-violencia-como-forma-de-governo/ . Acesso em: 30.07. 2019.
    » https://diplomatique.org.br/a-violencia-como-forma-de-governo/
  • TRIBUNAL POPULAR. 1ª Convocatória: Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus”. 12 set. 2008. Disponível em: < http://tribunalpopular2008.blogspot.com/2008/09/primeira-convocatria-tribunal-popular-o.html . Acesso em: 19.10 2020.
    » http://tribunalpopular2008.blogspot.com/2008/09/primeira-convocatria-tribunal-popular-o.html
  • VIANNA, A. Tempos, dores e corpos: considerações sobre a “espera” entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro. In: MACHADO, C., LEITE, M., BIRMAN, P., CARNEIRO, S. (orgs). Dispositivos urbanos e tramas dos viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: FGV, 2015 , p. 374-387.
  • VIANNA, A; FARIAS, J. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. CadernosPagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011 .
  • WALMSLEY, R.World prison population list: twelfth edition. World Prison Brief, 2018. Disponível em: < http://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/wppl_12.pdf Acesso em: 15.07. 2019.
    » http://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/wppl_12.pdf
  • WALTORP, K.; JENSEN, S. Awkward Entanglements: Kinship, Morality and Survival in Cape Town’s Prison – township Circuit. Ethnos, v. 84, n. 1, p. 41-55, 2019. Disponível: <https://www.tandfonline.com/doi/l/10.1080/00141844.2017.1321565?scroll=top&needAccess=true . Acesso em: 22.04. 2019.
    » https://www.tandfonline.com/doi/l/10.1080/00141844.2017.1321565?scroll=top&needAccess=true
  • 2
    Essa questão esteve no centro do Projeto Temático FAPESP “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, desenvolvido entre 2014 e 2018, sob coordenação da Profa. Vera Telles
  • 3
    Termo cunhado por Das (1995)DAS, V. Critical Events. An Anthropological Perspective on Contemporary India. New Delhi: Oxford University Press, 1995 . “eventos criticos” é noção mobilizada por vários autores, em particular Araújo (2007)ARAÚJO, F. Do luto à luta: a experiência das mães de Acari. 2007 . 168p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. para caracterizar as situações de violência letal, desencadeadoras de movimentos de protesto e articulação de familiares de pessoas mortas pela polícia.
  • 4
    Importante dizer: essa é uma perspectiva pela qual se pode ler e recuperar as pesquisas e textos produzidos por pesquisadores cariocas citados acima - variações de “conhecimento situado”, a rigor, por eles inauguradas, ao menos no campo político que aqui nos interessa discutir. Sob diferentes ângulos, é questão que foi e continua sendo trabalhada por pesquisadores que fizeram parte do Projeto Temático FAPESP já citado, seja na direção das reflexões sobre a entrada em campo como agentes da Pastoral Carcerária (Godoi et al., no prelo), seja em relação às parcerias estabelecidas entre pesquisadores e operadores do campo socioeducativo no que tange à construção do conhecimento (Malvasi et al., 2018MALVASI, P.; SALLA, F.; MALLART, F; MELO, R. Saberes da encruzilhada, pesquisa, militância e política no sistema socioeducativo. Etnográfica, Lisboa, v. 22, n. 1, p.75-96, 2018 .).
  • 5
    Nos permitimos remeter a dossiê sobre o tema, publicado na Revista Tempo Social sob o título “Punição, prisão e cidade: contextos transversais” (Cunha; Mallart; Telles, 2019TELLES, V.S. A violência como forma de governo. Le Monde Diplomatique Brasil, v. 139, 30 jan. 2019. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-violencia-como-forma-de-governo/ . Acesso em: 30.07. 2019.
    https://diplomatique.org.br/a-violencia-...
    ).
  • 6
    Desde 26 de abril de 2018, quando três defensores públicos foram feitos reféns durante uma rebelião na Penitenciária de Lucélia, no interior do estado, o acesso aos cárceres paulistas por agentes pastorais e outros atores sociais foi sendo cada vez mais restringido, sempre sob o argumento da segurança.
  • 7
    Nestas linhas finais, retomamos argumentos desenvolvidos mais amplamente em Telles (2019)TELLES, V.S. A violência como forma de governo. Le Monde Diplomatique Brasil, v. 139, 30 jan. 2019. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-violencia-como-forma-de-governo/ . Acesso em: 30.07. 2019.
    https://diplomatique.org.br/a-violencia-...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2019
  • Aceito
    13 Set 2020
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos Estrada de São Lázaro, 197 - Federação, 40.210-730 Salvador, Bahia Brasil, Tel.: (55 71) 3283-5857, Fax: (55 71) 3283-5851 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revcrh@ufba.br