EDITORIAL
Oportunidades de pesquisa em mudanças globais na área de química
A publicação recente do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, www.ipcc.ch ) teve um enorme impacto do ponto de vista científico e fortes repercussões na sociedade em geral. Constatou-se, de modo inequívoco, que as mudanças climáticas globais já estão causando alterações no funcionamento de vários ecossistemas. Em função dessas mudanças, uma luz de alerta se acendeu, e é virtualmente certo que são causadas pela ação do homem. Um extenso conjunto de observações científicas coletadas ao longo dos últimos 5 anos formaram a base deste novo relatório do IPCC.
A estruturação de avançados modelos climáticos com ciclo de carbono acoplado, também contribuiu para dar mais confiabilidade às projeções futuras do clima, que prevêem um planeta mais inóspito para seus habitantes ao longo deste século. Os governos e a sociedade em geral acordaram para o tema de forma clara e nítida.
Este novo panorama traz excelentes oportunidades de pesquisas. Apesar do relatório do IPCC apontar a consolidação da ciência das mudanças globais neste momento, muito ainda está por fazer tanto no componente de observações, quanto na modelagem ambiental e nas estratégias de mitigação de emissões e adaptação às mudanças climáticas.
O relatório indica que a temperatura média de nosso planeta já aumentou 0.7 graus centígrados nos últimos 100 anos, com algumas áreas sofrendo um aumento de 3 graus centígrados, como em algumas regiões do Ártico.
A área coberta por neve decresceu em 7% nos últimos 50 anos, alterando o albedo da superfície sobre áreas importantes de nosso planeta. A incidência de secas, inundações e eventos climáticos extremos aumentou nos últimos 30 anos.
Em particular o aumento da incidência de ondas de calor na Europa e furacões no Atlântico tropical configuram observações de que o clima está se alterando rapidamente.
O nível médio do mar subiu 17 centimetros, com alta variabilidade regional, em decorrência da expansão térmica e derretimento de geleiras e de parte da massa de água armazenada na Groenlândia.
A distribuição de ocorrência de chuvas está sendo alterada, com aumento nas áreas temperadas e redução nas áreas tropicais. Estas observações de alterações climáticas já em curso tem agora um significado estatístico mais robusto, que foi cuidadosamente analisado pelo IPCC dentro do intervalo de confiança de 95%.
O IPCC prevê um aumento de temperatura médio ao longo deste século da ordem de 3 graus centígrados, com uma faixa de possibilidades de 2.5 a 4 graus centígrados. Algumas áreas como a Amazônia podem sofrer aquecimento mais pronunciado, da ordem de 4 a 5 graus ao longo deste século, com redução da taxa de precipitação, o que promove uma maior incidência de queimadas, e traz um forte stress hidrico à parte sul e leste da Amazônia.
O aumento do nível do mar será significativo e coloca a necessidade de preparação de ações mitigatórias nas áreas costeiras mais vulneraveis do Brasil.
A química em suas várias áreas pode dar contribuições essenciais na questão de mudanças climáticas. A química atmosférica auxilia no entendimento das alterações na taxa de oxidação de metano e da meia vida atmosférica de ozônio, dois importantes gases do efeito estufa cujas concentrações e forçantes radiativas são controladas pela concentração de OH e outros precursores gasosos. O papel dos aerossóis no balanço radiativo atmosférico e nos processo de formação e desenvolvimento de nuvens é uma área onde ainda temos incertezas enormes.
A área de química aquática, tanto oceânica quanto de água doce, também pode dar contribuições essenciais na área de adaptação e estudos de processos críticos à preservação de ecossistemas aquáticos. A acidificação global dos oceanos pode alterar uma série de processos químicos importantes na manutenção da cadeia alimentar oceânica.
Na área industrial, processos mais eficientes de produção de biocombustíveis são estratégicos ao país. Em particular o desenvolvimento de processos eficientes na produção de biodiesel tem importantes aplicações químicas. A melhoria da eficiência energética em praticamente todos os processos industriais pode ser uma das importantes contribuições no uso mais racional dos recursos naturais. Os últimos acontecimentos na área das mudanças climáticas globais podem delinear um futuro onde a estrutura da sociedade utilize energia de modo mais eficiente, e haja um menor desperdício de recursos naturais pela sociedade.
Novos horizontes de pesquisas, estrategicamente importantes, estão se vislumbrando, e oportunidades de contribuições significativas em praticamente todas as áreas do conhecimento estão se abrindo, em particular para áreas multidisciplinares. O Brasil tem vantagens estratégicas enormes neste novo cenário, mas precisamos utilizar nossas vantagens com inteligência em prol de um país mais eficiente no uso de seus vastos recursos naturais.
Paulo Artaxo
(Instituto de Física - Universidade de São Paulo)
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Jun 2007 -
Data do Fascículo
Abr 2007
