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Efetividade e segurança da técnica de higiene brônquica: hiperinsuflação manual com compressão torácica

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar os efeitos da manobra hiperinsuflação manual com compressão torácica em termos de depuração de secreções, mecânica pulmonar, hemodinâmica e oxigenação em pacientes sob ventilação mecânica invasiva. MÉTODOS: Foi realizado estudo controlado do tipo cruzado, com vinte pacientes com mais de 48 horas em ventilação mecânica invasiva. Após 4 horas da última aspiração os pacientes foram submetidos aos procedimentos, aspiração ou hiperinsuflação manual com compressão torácica e aspiração, um após o outro, respeitando intervalo de quatro horas, em ordem estabelecida conforme randomização. As variáveis foram coletadas nos momentos pré, durante e após 5, 15, 30 e 60 minutos do término dos procedimentos. A secreção aspirada foi coletada e mensurada. RESULTADOS: Não foram encontradas alterações significativas para o volume corrente, pressão platô e complacência após os dois procedimentos durante o estudo (p>0,05). As variáveis hemodinâmicas apresentaram comportamento distinto ao longo do tempo caracterizado por aumento das pressões e frequência durante a realização dos procedimentos, com retorno aos valores basais após 5 minutos das intervenções (p≤0,001). Não foi encontrada diferença no comportamento hemodinâmico entre os procedimentos (p>0,05). A saturação de oxigênio durante todos os momentos do estudo foi 99%, com exceção de dois momentos durante a realização da HMCT+ASP que foi 98% (p<0,05). Não houve diferença significante entre as técnicas em relação ao peso das secreções aspiradas. CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que a hiperinsuflação manual com compressão torácica, conforme aplicada neste estudo, embora tenha se mostrado segura hemodinamicamente, não apresentou benefícios em relação à técnica de aspiração isolada em termos de otimização da oxigenação, mecânica respiratória e depuração de secreções.

Sucção; Modalidades de fisioterapia; Terapia respiratória/métodos; Respiração artificial; Brônquios/secreção


OBJECTIVES: To evaluate the effects of the manual hyperinflation with thoracic compression (MHTC) maneuver on the clearance of secretions, pulmonary mechanics, hemodynamics and oxygenation in mechanically ventilated patients. METHODS: This was a controlled, crossover study that included twenty patients who were under invasive ventilation for more than 48 hours. Four hours after the last airway suctioning procedure, the patients underwent the study interventions, Suction alone or MHTC plus Suction, in sequence at four hour intervals. The sequence order for the procedures was established by randomization. Data were collected before, during and 5, 15, 30 and 60 minutes after each intervention. The suctioned secretions were collected and weighed. RESULTS: No significant differences between the procedures were found regarding tidal volume, plateau pressure and pulmonary compliance (p>0.05). The hemodynamic variables showed increased pressures and heart rate during the procedures and returned to baseline values five minutes after the end of the procedure (p≤0.001). No significant hemodynamic differences were seen between the interventions (p>0.05). For the duration of the study, oxygen saturation was 99% with only two exceptions during the MHTC + Suction procedure, where saturation was 98% (p<0.05). No significant differences were observed between the techniques regarding the weight of the suctioned secretion. CONCLUSION: The results suggest that MHTC, as performed in this study, adds no benefit with respect to oxygenation optimization, pulmonary mechanics and clearance of secretions. However, the MHTC maneuver did not result in hemodynamic changes when compared to the suctioning procedure alone.

Suction; Physical therapy modalities; Respiratory therapy/methods; Respiration, artificial; Bronchi/secretion


ARTIGO ORIGINAL

Efetividade e segurança da técnica de higiene brônquica: hiperinsuflação manual com compressão torácica

Camila Marques Dias; Tatiane Martins Siqueira; Tatiane Regina Faccio; Luciana Costa Gontijo; Juliana Almeida de Souza Borges Salge; Marcia Souza Volpe

Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM - Uberaba (MG), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Márcia Souza Volpe Departamento de Fisioterapia Aplicada - UFTM Av. Getúlio Guaritá, 159, 3° andar - sala 331 CEP: 38025-440 - Uberaba (MG), Brasil. Fone: (34) 3318-5925 E-mail: marciasvolpe@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar os efeitos da manobra hiperinsuflação manual com compressão torácica em termos de depuração de secreções, mecânica pulmonar, hemodinâmica e oxigenação em pacientes sob ventilação mecânica invasiva.

MÉTODOS: Foi realizado estudo controlado do tipo cruzado, com vinte pacientes com mais de 48 horas em ventilação mecânica invasiva. Após 4 horas da última aspiração os pacientes foram submetidos aos procedimentos, aspiração ou hiperinsuflação manual com compressão torácica e aspiração, um após o outro, respeitando intervalo de quatro horas, em ordem estabelecida conforme randomização. As variáveis foram coletadas nos momentos pré, durante e após 5, 15, 30 e 60 minutos do término dos procedimentos. A secreção aspirada foi coletada e mensurada.

RESULTADOS: Não foram encontradas alterações significativas para o volume corrente, pressão platô e complacência após os dois procedimentos durante o estudo (p>0,05). As variáveis hemodinâmicas apresentaram comportamento distinto ao longo do tempo caracterizado por aumento das pressões e frequência durante a realização dos procedimentos, com retorno aos valores basais após 5 minutos das intervenções (p≤0,001). Não foi encontrada diferença no comportamento hemodinâmico entre os procedimentos (p>0,05). A saturação de oxigênio durante todos os momentos do estudo foi 99%, com exceção de dois momentos durante a realização da HMCT+ASP que foi 98% (p<0,05). Não houve diferença significante entre as técnicas em relação ao peso das secreções aspiradas.

CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que a hiperinsuflação manual com compressão torácica, conforme aplicada neste estudo, embora tenha se mostrado segura hemodinamicamente, não apresentou benefícios em relação à técnica de aspiração isolada em termos de otimização da oxigenação, mecânica respiratória e depuração de secreções.

Descritores: Sucção; Modalidades de fisioterapia; Terapia respiratória/métodos; Respiração artificial; Brônquios/secreção

INTRODUÇÃO

Pacientes em ventilação mecânica invasiva (VMI) frequentemente evoluem com retenção de secreção pulmonar, porque ambos os mecanismos necessários para um processo de depuração normal das vias aéreas, transporte mucociliar e tosse, se encontram prejudicados.(1) O acúmulo de secreção pulmonar pode provocar aumento da resistência das vias aéreas, obstrução parcial ou total das mesmas com, consequente, hipoventilação alveolar e desenvolvimento de atelectasias, hipoxemia e aumento do trabalho respiratório. Além disso, a presença de estase de secreção e atelectasias constituem um meio favorável para o desenvolvimento de colonização bacteriana e infecção do parênquima pulmonar.(1,2) Dessa forma, fica evidente que a presença de secreção pulmonar constitui um fator complicador grave que pode prolongar o tempo de VMI e, consequentemente, afetar negativamente o prognóstico do paciente.

Neste contexto, a atuação da fisioterapia em pacientes em VMI pode ser considerada uma estratégia de prevenção e tratamento de infecções do trato respiratório inferior, uma vez que, tem como objetivo a remoção de secreções brônquicas e, consequentemente, manutenção da ventilação e trocas gasosas adequadas.(3) Dentre as técnicas fisioterapêuticas utilizadas para auxiliar na remoção de secreção têm-se a hiperinsuflação manual com compressão torácica (HMCT), também conhecida como bag squeezing, descrita pela primeira vez em 1968 por Clement e Hübsch.(4) Segundo a descrição original, a HMCT é constituída pela associação da hiperinsuflação manual (HM), realizada com o auxílio de um ressuscitador manual, à compressão torácica (CT) manual expiratória e finalizada com a remoção da secreção deslocada, por meio da técnica de aspiração traqueal. A HM, por sua vez, é constituída de três etapas: 1) insuflação lenta de alto volume corrente; 2) pausa inspiratória de dois a três segundos; e 3) liberação rápida do ressuscitador.(5) As etapas 1 e 2 têm como objetivo promover expansão pulmonar e distribuir o gás uniformemente, propiciando a ventilação de regiões previamente colapsadas, e a etapa 3 a geração de altos fluxos expiratórios, ocasionando o deslocamento da secreção da periferia para vias aéreas mais centrais. Portanto, o mecanismo de ação da HMCT consiste em promover a depuração de secreções brônquicas simulando o ato de tossir.(6) A associação da CT à HM procura otimizar a manobra aumentando o fluxo expiratório, uma vez que, quanto maior o pico de fluxo expiratório gerado, mais efetiva a manobra.

No entanto, existem evidências de que o aumento na depuração de secreções não depende simplesmente da geração de altos picos de fluxo expiratório, mas da relação ou diferença entre os picos de fluxo inspiratório e expiratório.(7-9) De acordo com Kim et al. é necessário que o valor do pico de fluxo expiratório seja acima de 10% do pico de fluxo inspiratório para que a secreção seja deslocada em direção á orofaringe.(7)

Durante a aplicação da HMCT, a geração de baixos fluxos inspiratórios é dependente do volume corrente administrado e do tempo de insuflação realizado pelo operador - para um mesmo volume, quanto maior o tempo de insuflação, menor o fluxo inspiratório.(10,11) Já o pico de fluxo expiratório é dependente da complacência do sistema respiratório do paciente, da liberação rápida do ressuscitador, da aplicação ótima da CT e também do volume corrente administrado.(10,11) O volume corrente entregue, por sua vez, depende do tamanho e tipo de reanimador utilizado, do tamanho das mãos do operador e se são utilizadas duas ou uma mão durante a HM.(10)

Por simular a tosse, a manobra parece ser especialmente indicada para pacientes em VMI com diminuição ou ausência de reflexo de tosse, tosse ineficaz e/ou hipersecreção pulmonar. Embora a avalição a beira leito da eficiência da tosse possa ser particularmente simples, mas não isenta de erros - por meio da mensuração do pico de fluxo da tosse(12) ou de forma subjetiva durante o procedimento de aspiração traqueal - a definição da condição de hipersecreção ainda não foi estabelecida. A dificuldade no estabelecimento preciso da indicação para aplicação da manobra dificulta a interpretação dos resultados de estudos que avaliam a HMCT, assim como de estudos com outras manobras de higiene brônquica ou com o procedimento de aspiração aplicado isoladamente.(13,14)

A literatura sobre os efeitos da HM não associada à CT é extensa.(3,5,14-16) De acordo com recomendações estabelecidas por uma força tarefa europeia recente, a HM, aplicada com o objetivo de aumentar a depuração de secreções em pacientes sob VMI, em uma escala de A à D apresenta nível de recomendação B, ou seja, existem estudos publicados sobre o tema controlados e randomizados, porém com corpo de dados limitado.(3) No entanto, em relação à HMCT não foi feita nenhuma recomendação, possivelmente, em função da escassez de estudos sobre a técnica na literatura.(3)

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da manobra de higiene brônquica HMCT em termos de depuração de secreções brônquicas, mecânica pulmonar, hemodinâmica e oxigenação em pacientes sob VMI.

MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo e aleatório, controlado do tipo cruzado, com amostra não probabilística intencional, na unidade de terapia intensiva adulta geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos familiares.

Foram incluídos pacientes com idade > 18 anos, em VMI por período > 48 horas, com pressão positiva expiratória final (PEEP) ≤ 10 cmH2O, fração inspirada de oxigênio (FiO2) ≤ 0,6, saturação periférica de oxigênio (SpO2) > 92%. Foram excluídos os pacientes com instabilidade hemodinâmica caracterizada por: pressão arterial média < 60 mmHg e presença de arritmias agudas; pneumotórax não drenado; presença de fístulas broncopleurais e/ou drenos de tórax borbulhantes; com broncoespasmo; fratura de arcos costais; suspeita ou presença de hipertensão intracraniana e queimados.

O protocolo do estudo foi constituído por duas etapas com um intervalo de quatro horas entre elas. No entanto, quatro horas antes da primeira etapa, estabeleceu-se um tempo zero no qual todos os pacientes foram submetidos à aspiração traqueal. Na primeira etapa (E1), de acordo com a randomização (realizada por sorteio com envelopes pardos em blocos de dez), o paciente foi submetido ao procedimento de aspiração (ASP) isoladamente ou à manobra HMCT+ASP. Durante a segunda etapa (E2) o paciente foi submetido à técnica que não foi realizada na E1 (Figura 1).


Descrição dos procedimentos

ASP: Durante a ASP aplicada isoladamente, imediatamente após a desconexão do ventilador instilava-se 2 ml de solução fisiológica a 0,9% (SF0,9%) no interior da prótese ventilatória e era realizada a técnica de aspiração traqueal. Em seguida, o paciente era reconectado ao ventilador e aguardado cinco ciclos ventilatórios. O mesmo procedimento foi repetido três vezes, totalizando a instilação de 6 ml de SF0,9%.

HMCT+ASP: A manobra HMCT+ASP foi realizada com o auxílio de um ressuscitador manual auto-inflável (OXIGEL®), volume interno de 1200 ml, enriquecido com fluxo de O2 a 15L/min. Durante a manobra era realizado uma insuflação lenta e profunda, seguida por pausa inspiratória de 2 a 3 segundos, e finalizada com a liberação rápida do reanimador associada à CT expiratória. A manobra era repetida 10 vezes, sendo 5 vezes a compressão realizada primeiro na base pulmonar direita e 5 na base esquerda. Em seguida, era instilado 2 ml de SF0,9% na prótese ventilatória e a técnica de ASP era realizada. Ao término da aspiração, o paciente era reconectado ao ventilador e eram aguardados cinco ciclos ventilatórios. O procedimento foi repetido três vezes, totalizando a instilação de 6 ml de SF0,9%. O pico de pressão inspiratório (PPI) gerado durante a realização da manobra foi monitorizado com um manovacuômetro conectado ao ressuscitador e limitado em ≤ 40 cmH2O. A HM e a CT foram aplicadas pelo mesmo pesquisador, sendo a hiperinsuflação aplicada com a mão direita e a compressão torácica com a esquerda.

Durante a aplicação de ambos os procedimentos participaram três pesquisadores: um realizava a ASP, outro a instilação do SF0,9% e a HMCT (apenas durante a técnica HMCT+ASP) e o terceiro a coleta dos dados.

Um minuto antes do início e durante os procedimentos, ASP e HMCT+ASP, a FiO2 foi aumentada e mantida em 1,0, os demais parâmetros e modo ventilatório não foram modificados durante o estudo, inclusive durante a coleta de dados. A técnica de aspiração traqueal em ambas as etapas foi realizada conforme preconizado pela American Association of Respiratory Care.(17)

Os pacientes permaneceram em decúbito dorsal 20 minutos antes, durante e após 60 minutos do término de cada procedimento. Durante os intervalos, tempo zero-E1 e entre E1-E2, não foram realizados procedimentos de aspiração traqueal, administração de medicamentos broncodilatadores e nenhum tipo de procedimento com necessidade de mobilização importante do paciente, como, por exemplo, higiene corporal.

As variáveis estudadas consistiram em dados hemodinâmicos (frequência cardíaca [FC], pressão arterial sistólica [PAS] e pressão arterial diastólica [PAD]), de oxigenação (SpO2), de mecânica respiratória (volume corrente [VC], pressão de platô [PPLAT] e complacência estática do sistema respiratório [Cst]) e o peso da secreção brônquica aspirada.

Os dados de mecânica foram registrados antes do início (dados basais) e após 5, 15, 30 e 60 minutos do término dos procedimentos. Caso o paciente apresentasse respiração espontânea, aguardava-se a ocorrência de ciclos controlados para o registro dos dados de mecânica. Em cada momento do estudo, foram coletados cinco valores para o VC e cinco para a PPLAT, sendo a média de cada variável considerada o valor observado (Figura 1).

Os dados de hemodinâmica e SpO2 foram registrados nos mesmos momentos descritos para os de mecânica e imediatamente após cada procedimento de aspiração durante as etapas E1 e E2. As pressões arteriais, FC e SpO2 foram obtidas no monitor do paciente e as variáveis respiratórias obtidas diretamente na tela do ventilador mecânico (Interplus®, marca Intermed®). A PPLAT foi obtida após 1 a 3 segundos de pausa inspiratória. A Cst foi calculada através da fórmula: VC dividido pela diferença da PPLAT menos a PEEP.

A secreção brônquica aspirada foi coletada diretamente da sonda de aspiração para um frasco coletor. Após a terceira ASP de cada etapa, a sonda foi lavada com 2 ml de SF0,9% para impedir que alguma secreção permanecesse na mesma. Imediatamente após a coleta, a secreção foi pesada em uma balança digital. O valor do peso da secreção foi obtido subtraindo-se o peso do frasco vazio.

A comparação entre as duas intervenções (HMCT+ASP e ASP isolada) no que se refere às variáveis de mecânica e hemodinâmica ao longo dos momentos do estudo foi realizada por meio do teste estatístico Análise de Variância (ANOVA) two-way para medidas repetidas, seguida da análise de contrastes para comparações múltiplas quando aplicável. Os dados de SpO2 foram submetidos ao teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. Para comparação do peso da secreção brônquica coletada durante a realização das técnicas, foi utilizado o Teste T de Student. O nível de significância adotado foi de 5%, ou seja, p < 0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo 20 pacientes, as suas principais características estão descritas na tabela 1. Durante as etapas do estudo nenhum paciente fazia uso de drogas vasoativas e a maioria (60%) fazia uso de sedação contínua, fentanila associada à midazolam. Quatro pacientes foram submetidos à VMI devido à doença pulmonar obstrutiva crônica, três por pneumonia, um por acidente vascular encefálico, quatro com traumatismo crânio encefálico, dois por intervenção cirúrgica, um por parada cardiorrespiratória, um por rebaixamento do nível de consciência, três por intoxicação exógena e um por artrite séptica.

Não foram encontradas alterações significativas para as variáveis VC, PPLAT e Cst após os dois procedimentos ao longo do estudo (p=0,995; p=0,063 e p=0,675, respectivamente). É possível observar na figura 2 que os valores médios de mecânica praticamente não sofreram alterações: o VC diminuiu no máximo em 11 ml; a PPLAT menos de 0,5 cmH2O e a Cst menos de 2 ml/cmH2O. Resultado que indica que a associação da HMCT ao procedimento de ASP não trouxe benefícios em termos de otimização da mecânica pulmonar.


O valor médio do PPI gerado durante a HMCT foi 27,8 ± 6,6 cmH2O, sendo os valores máximo e mínimo observados 40 e 14 cmH2O, respectivamente.

Em relação aos dados hemodinâmicos, os valores de PAS, PAD e FC apresentaram comportamento distinto ao longo do tempo caracterizado por aumento das pressões e frequência durante a realização dos procedimentos, ASP isoladamente e HMCT+ASP (p≤0,001). Após 5 minutos da intervenção, as variáveis retornaram aos valores basais. Não foi encontrada diferença no comportamento hemodinâmico ao longo do tempo entre os dois procedimentos (p=0,611, p=0,328 e p=0,220 para as variáveis PAS, PAD e FC, respectivamente) (Figura 3).


O valor médio de SpO2 durante todos os momentos do estudo foi 99% com exceção dos momentos após a segunda e terceira aspiração durante a técnica HMCT+ASP que foi 98% (p=0,028 e p=0,048, respectivamente). Durante e após as duas intervenções o menor valor de SpO2 registrado foi 88% e o maior valor 100%.

Em relação à depuração de secreções brônquicas, não houve diferença significante entre as técnicas (p=0,308). O peso úmido em média das secreções coletadas, após as técnicas ASP e HMCT+ASP, foram 6,60 ± 2,12 gramas e 5,95 ± 1,84 gramas, respectivamente.

DISCUSSÃO

Os principais resultados deste estudo podem ser resumidos em: 1) a manobra HMCT associada à aspiração traqueal provocou resposta hemodinâmica semelhante a decorrente do procedimento de aspiração quando realizado isoladamente; e 2) a HMCT conforme aplicada neste estudo não acrescentou nenhum benefício em termos de otimização da oxigenação, mecânica respiratória e depuração de secreções brônquicas.

Durante e após a aplicação das técnicas, HMCT +ASP e ASP isoladamente, observou-se resposta hemodinâmica similar caracterizada por aumento da FC, PAS e PAD e retorno aos valores basais após cinco minutos do término dos procedimentos. Como a resposta hemodinâmica observada durante e após ambas as intervenções apresentou padrão semelhante, pode-se afirmar que as alterações ocorridas foram decorrentes do procedimento de aspiração e que a manobra HMCT mostrou-se uma técnica segura hemodinamicamente.

Diminuição nos valores pressóricos durante a manobra de HM já foi retratado na literatura como sendo decorrente da associação da diminuição do retorno venoso, em função do aumento da pressão intratorácica, a não modificação nos valores de FC.(18) Como no presente trabalho o valor de PPI durante a HMCT foi em média de 27,8 cmH2O o impacto sobre o retorno venoso deve ter sido pouco relevante.

Alterações cardiovasculares distintas, hipotensão e hipertensão, bradicardia e taquicardia, decorrentes do procedimento de aspiração traqueal já foram extensamente descritas na literatura como complicações da técnica.(17,19) Segundo Segar et al. o aumento da PA parece ser consequência da estimulação de receptores simpáticos localizados nas grandes vias aéreas que resulta em aumento da atividade simpática, vasoconstrição periférica e, consequente, aumento pressórico.(20) No entanto, as alterações observadas neste estudo podem ter sido atribuídas a liberação adrenérgica e resposta vasoconstritora simpática decorrentes do estresse imposto pelo procedimento como sugerem Paratz e Lipman.(21) Porém, independente do mecanismo fisiológico responsável pelo aumento das pressões e frequência, a PAS em média não ultrapassou 140 mmHg, a PAD 85 mmHg e a FC 105 bpm, retratando que a técnica de aspiração foi realizada com segurança.

No presente estudo, as variáveis de mecânica respiratória e o peso das secreções aspiradas não alteraram de forma significativa após nenhum dos procedimentos o que sugere que a manobra HMCT, conforme aplicada e para a população estudada, não foi efetiva.

A maioria dos estudos sobre manobras de higiene brônquica no paciente em VMI verificou os efeitos da HM isolada, ou seja, não associada à CT e os resultados são divergentes. Choi et al. compararam a HM seguida de aspiração versus aspiração isolada em 15 pacientes com pneumonia associada à VMI e verificaram melhora da complacência e redução da resistência, que persistiu por pelo menos 30 min após a HM.(15) Hodgson et al. em um estudo multicêntrico envolvendo 18 pacientes encontraram melhora da complacência e aumento na depuração de secreção (peso úmido) após a adição da HM ao tratamento fisioterapêutico sem repercussão cardiovascular e na oxigenação.(6) Contudo, em outro estudo, a aplicação de HM associada ao decúbito lateral, com posterior aspiração traqueal, em pacientes com injúria pulmonar, não promoveu diferença significativa nos valores de complacência e oxigenação após 60 minutos.(22) Entre os poucos estudos que associaram a HM e a CT tem-se o trabalho de Rosa et al. que observaram diminuição da resistência do sistema respiratório, sem alteração na complacência dinâmica, em 12 pacientes em VMI após a aplicação das manobras quando comparada à aspiração isolada. Essa diminuição manteve-se duas horas após a sua aplicação, o que não ocorreu quando realizada a aspiração traqueal isolada.(23) No entanto, não está claro no artigo se a HM foi aplicada associada à CT, ou se as técnicas foram aplicadas uma após a outra. A falta de consenso na literatura possivelmente é consequência da aplicação de técnicas distintas, populações variadas e amostragem pequena o que dificulta a comparação entre os estudos.(6)

A não observação de melhora na complacência e de diferença na quantidade de secreção aspirada após a HMCT no presente estudo provavelmente aconteceram porque foram administrados VC abaixo do preconizado e porque a relação entre os fluxos expiratório e inspiratório gerados durante a execução da manobra foi sub-ótima. Alguns autores defendem que durante a HM deve ser administrado um VC 50% superior ao VC entregue pelo ventilador.(24) No entanto, mais recentemente, Maxwell e Ellis ao documentar o padrão ventilatório durante a HM observaram que o VC foi próximo de 100% superior ao entregue pelo ventilador, com PPI médio de 36 cmH2O.(11) Os autores defendem que o VC e o PPI durante a HM devem ser altos o suficiente para promover recrutamento alveolar adequado. Além disso, desde a década de 80 vem aumentando o número de evidências que mostram que o pico de fluxo expiratório deve ser cerca de 10% acima do pico de fluxo inspiratório para que a secreção seja deslocada da periferia para vias aéreas centrais.(7-9) Ou, ainda, foi observado que quanto maior a diferença entre os picos em termos absolutos (expiratório > inspiratório), acima de um determinado limiar, maior o deslocamento da secreção em direção à traqueia.(9) Embora não tenham sido monitorados o VC entregue e os fluxos gerados durante a manobra, o PPI alcançado durante a manobra em média foi de 27,8 cmH2O. Considerando a resistência imposta pela prótese ventilatória, a pressão efetiva que distendeu o parênquima pulmonar, gerando o VC, certamente foi inferior a este valor. Quanto menor o VC, menor a expansão torácica e recrutamento de unidades colapsadas, e menor o pico de fluxo expiratório gerado tornando a técnica ineficaz. A administração de baixos VC deve ter sido consequente a realização da HM apenas com uma mão, uma vez que, a outra realizava a compressão torácica. No entanto, a aplicação da HM com ambas as mãos associada à CT exige a atuação conjunta de três profissionais: um para aplicar a HM, outro a CT e o terceiro para realizar a aspiração; o que atualmente não parece ser viável na prática clínica. Outro fator a ser considerado foi o tipo de ressuscitador utilizado no estudo (auto-inflável) com um volume interno baixo (1200 ml) diferente de reanimadores infláveis com fluxo contínuo que são capazes de fornecer maiores VC.(10) No entanto, no Brasil diferente de outros países, como na Austrália, o uso de reanimadores infláveis com fluxo não é comum em unidades de terapia intensiva adulta apenas em anestesia.(6)

Apesar das considerações feitas, os nossos resultados estão em concordância com os observados no estudo de Rodrigues que avaliou os efeitos de três técnicas de higiene brônquica em pacientes no pós operatório de cirurgias cardiovasculares, sob VMI, em duas etapas distintas.(25) Na primeira etapa participaram pacientes classificados como sem secreção pulmonar e na segunda pacientes considerados hipersecretivos. O autor não encontrou diferenças significantes em termos de mecânica respiratória, remoção de secreção e comportamento hemodinâmico entre a manobra HMCT e a técnica de aspiração isolada em ambas as etapas.

Outro ponto importante a ser considerado que pode explicar a ausência de diferença em termos de depuração de secreção e mecânica respiratória entre as técnicas é que ambos os procedimentos foram aplicados em sequência, após um intervalo de tempo pré determinado de quatro horas. A padronização de um intervalo de tempo é importante porque a identificação do momento preciso para realização do atendimento, ou seja, na presença de secreção pulmonar, não é simples a beira leito - quer seja o atendimento a aplicação de manobras de higiene e/ou simplesmente o procedimento de aspiração isolado. Mesmo uma ausculta pulmonar com roncos e a presença de um padrão de curva de fluxo denteado na tela do ventilador não asseguram a presença de secreção traqueal.(13) Portanto, com o objetivo de evitar indicações equivocadas foi feita a padronização do intervalo de tempo. Outros estudos comparando diferentes tratamentos de higiene brônquica em pacientes sob VMI também estabeleceram um intervalo de duas,(25) quatro(15) ou de no mínimo de três horas entre os procedimentos.(6) Por outro lado, não é possível afirmar que em quatro horas os pacientes - mesmo que em VMI por mais de 48 horas - tenham produzido secreção suficiente para haver indicação de atendimento. Além disso, é importante ressaltar que durante a prática clínica a avaliação do paciente para constatar a necessidade de atendimento deve ser sempre soberana.(1)

Em relação à oxigenação, apesar de ter sido constatada diferença estatística significante, o menor valor médio de SpO2 observado durante a aplicação da HMCT+ASP foi 98% e durante a ASP isolada 99%. Portanto, mesmo que estatisticamente significante, do ponto de vista clínico a diferença encontrada não é relevante. Durante a aplicação dos dois procedimentos a FiO2 foi elevada um minuto antes e mantida em 1,0. Entretanto, durante a execução da HMCT, embora o reanimador tenha sido alimentado com 15l/min de oxigênio, não foi utilizado um reservatório e, portanto a FiO2 fornecida foi inferior a 1,0, o que possivelmente explica a menor SpO2.

São consideradas limitações do estudo a variedade das doenças de base dos pacientes, a impossibilidade de assegurar que todos os pacientes eram hipersecretivos ou que apresentavam retenção de secreção (apesar de toda a problemática em relação à definição desses conceitos), a não mensuração do VC administrado e de fluxos gerados durante a HMCT e a não avaliação da resistência do sistema respiratório (em função dos ventiladores mecânicos utilizados não possuírem monitorização do fluxo inspiratório). No entanto, apesar das limitações, o presente trabalho traz informações importantes sobre a manobra HMCT pouco estudada na literatura e frequentemente realizada durante o atendimento fisioterapêutico.(5,6,16)

Novos estudos com monitorização do VC, PPI e fluxos gerados durante a manobra HMCT são necessários para melhor compreensão dos efeitos da técnica.

CONCLUSÃO

A manobra HMCT, embora não tenha acarretado repercussão cardiovascular distinta do procedimento de aspiração isolado, mostrando-se segura hemodinamicamente, quando realizada por um único profissional - uma mão responsável pela HM e a outra pela CT - gerando moderados PPI parece não promover benefícios em termos de otimização da oxigenação, mecânica respiratória e depuração de secreções brônquicas.

Submetido em 17 de Novembro de 2010

Aceito em 9 de Maio de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM – Uberaba (MG), Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Márcia Souza Volpe
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Revisado
      09 Maio 2011
    • Recebido
      17 Nov 2010
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