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Para: Hipotermia terapêutica após parada cardíaca: preditores de prognóstico

Ao Editor,

A determinação do prognóstico neurológico de pacientes vítimas de parada cardiorrespiratória (PCR) é de extrema importância, pois possibilita ao médico informar os familiares sobre a perspectiva de seu ente querido, bem como alocar racionalmente os recursos disponíveis. Foi com grande interesse que lemos o estudo realizado por Leão et al., que avaliou fatores associados a pior desfecho neurológico após a PCR.(11 Leao RN, Avila P, Cavaco R, Germano N, Bento L. Therapeutic hypothermia after cardiac arrest: outcome predictors. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):322-32.)

O estudo conduzido por Leão et al. mostrou a capacidade de alterações hipôxico-isquêmicas na ressonância magnética de crânio de predizerem, em 72 horas, o prognóstico das vítimas de PCR submetidas à hipotermia terapêutica (odds ratio - OR 19,8; intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,7 - 229,6).(11 Leao RN, Avila P, Cavaco R, Germano N, Bento L. Therapeutic hypothermia after cardiac arrest: outcome predictors. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):322-32.) Tal resultado reforça as recomendações das diretrizes da American Heart Association em relação à ressonância magnética de crânio na avaliação do prognóstico neurológico após a PCR.(22 Callaway CW, Donnino MW, Fink EL, Geocadin RG, Golan E, Kern KB, et al. Part 8: Post-Cardiac Arrest Care: 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2015;132(18 Suppl 2):S465-82.)

O tempo entre o retorno da circulação espontânea até atingir a temperatura alvo também esteve associado com o prognóstico neurológico. Pacientes que atingiram alvo de temperatura mais rapidamente apresentaram pior resultado neurológico. Gostaríamos, no entanto, de ressaltar alguns aspectos importantes. Primeiramente, os autores não descrevem a temperatura inicial dos pacientes antes de serem submetidos à hipotermia terapêutica. Além disso, embora a hipotermia possa diminuir a perfusão coronariana, o fato de pacientes com dano neurológico mais grave serem menos reativos à baixa temperatura pode tornar este achado um marcador de pior prognóstico, e não necessariamente sua causa. Os autores, bem como o editorial,(33 Granja C, Nassar Junior AP. Neurological outcome after cardiac arrest: cold and dark issues [editorial]. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):305-6.) também comentam que tais resultados corroboram o achado do ensaio clínico randomizado conduzido por Kim et al. No entanto, é preciso enfatizar que esse estudo ocorreu apenas em PCR extra-hospitalar e que a indução de hipotermia pré-hospitalar aumentou o tempo da equipe no local, possivelmente atrasando intervenções, como o cateterismo cardíaco, e aumentando o número de PCR no transporte.(44 Kim F, Nichol G, Maynard C, Hallstrom A, Kudenchuk PJ, Rea T, et al. Effect of prehospital induction of mild hypothermia on survival and neurological status among adults with cardiac arrest: a randomized clinical trial. JAMA. 2014;311(1):45-52.)

É importante ressaltar também que a população do estudo é heterogênea (múltiplos ritmos iniciais de PCR, diversas causas, cenário intra e extra-hospitalar). Tais questões podem influenciar o desfecho dos pacientes.

Além disso, os autores não avaliaram se os pacientes com achados sugestivos de pior prognóstico tiveram algum tipo de limitação de tratamento ou retirada de suporte, tornando profecias autorrealizáveis.

Por fim, o editorial(33 Granja C, Nassar Junior AP. Neurological outcome after cardiac arrest: cold and dark issues [editorial]. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):305-6.) considera que os achados do estudo de Leão et al.(11 Leao RN, Avila P, Cavaco R, Germano N, Bento L. Therapeutic hypothermia after cardiac arrest: outcome predictors. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):322-32.) reforçam a manutenção da temperatura próxima aos 36ºC. Entretanto, não foi objetivo do estudo avaliar o impacto do controle de temperatura em vítimas de PCR, já que todos os pacientes foram submetidos à hipotermia (alvo 33ºC). A comparação com o estudo de Nielsen et al., que não mostrou diferença entre normotermia (36ºC) e hipotermia (33ºC), também requer algumas ressalvas. No Targeted Temperature Management (TTM) trial, cerca de 90% das PCR foram testemunhadas, e as pessoas presentes na cena iniciaram RCP em aproximadamente 70% dos casos. Essas características contribuem para um melhor desfecho neurológico e podem reduzir o impacto de um controle mais rigoroso da temperatura.(55 Nielsen N, Wetterslev J, Cronberg T, Erlinge D, Gasche Y, Hassager C, Horn J, Hovdenes J, Kjaergaard J, Kuiper M, Pellis T, Stammet P, Wanscher M, Wise MP, Åneman A, Al-Subaie N, Boesgaard S, Bro-Jeppesen J, Brunetti I, Bugge JF, Hingston CD, Juffermans NP, Koopmans M, Køber L, Langørgen J, Lilja G, Møller JE, Rundgren M, Rylander C, Smid O, Werer C, Winkel P, Friberg H; TTM Trial Investigators. Targeted temperature management at 33ºC versus 36ºC after cardiac arrest. N Engl J Med. 2013;369(23):2197-206.) Por essa razão, as diretrizes da American Heart Association deixaram uma ampla faixa de 32 a 36ºC para que o alvo de temperatura possa ser individualizado, conforme o paciente.(22 Callaway CW, Donnino MW, Fink EL, Geocadin RG, Golan E, Kern KB, et al. Part 8: Post-Cardiac Arrest Care: 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2015;132(18 Suppl 2):S465-82.)

Marina Verçoza Viana e Tiago Antonio Tonietto

Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil;

Hospital Nossa Senhora da Conceição - Porto Alegre (RS), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Leao RN, Avila P, Cavaco R, Germano N, Bento L. Therapeutic hypothermia after cardiac arrest: outcome predictors. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):322-32.
  • 2
    Callaway CW, Donnino MW, Fink EL, Geocadin RG, Golan E, Kern KB, et al. Part 8: Post-Cardiac Arrest Care: 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2015;132(18 Suppl 2):S465-82.
  • 3
    Granja C, Nassar Junior AP. Neurological outcome after cardiac arrest: cold and dark issues [editorial]. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):305-6.
  • 4
    Kim F, Nichol G, Maynard C, Hallstrom A, Kudenchuk PJ, Rea T, et al. Effect of prehospital induction of mild hypothermia on survival and neurological status among adults with cardiac arrest: a randomized clinical trial. JAMA. 2014;311(1):45-52.
  • 5
    Nielsen N, Wetterslev J, Cronberg T, Erlinge D, Gasche Y, Hassager C, Horn J, Hovdenes J, Kjaergaard J, Kuiper M, Pellis T, Stammet P, Wanscher M, Wise MP, Åneman A, Al-Subaie N, Boesgaard S, Bro-Jeppesen J, Brunetti I, Bugge JF, Hingston CD, Juffermans NP, Koopmans M, Køber L, Langørgen J, Lilja G, Møller JE, Rundgren M, Rylander C, Smid O, Werer C, Winkel P, Friberg H; TTM Trial Investigators. Targeted temperature management at 33ºC versus 36ºC after cardiac arrest. N Engl J Med. 2013;369(23):2197-206.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016
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