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Resposta para: Heliox no tratamento do mal asmático: relato de casos

A carta ao Editor do Dr. Chantar et al. levanta três questões pertinentes sobre vários aspectos da ventilação mecânica invasiva no mal asmático.

Quanto ao primeiro ponto, concordamos com o comentário. O potencial benefício do hélio resulta de sua menor densidade, com as implicações que isso traz na mecânica de fluídos.

A segunda questão tem várias perguntas. Relativamente à fiabilidade da medição dos volumes no ventilador Maquet Servo-i com Heliox, confessamos que não realizamos testes de bancada. No entanto, o equipamento possui certificação europeia (CE) e da Food and Drug Administration (FDA). Para os aerossóis, usamos um sistema pneumático que, com gás a 8L/m (ar/O2), gera partículas < 5µm. Por último, usamos um sistema de umificação permutador de calor/umidade.

A última questão é a mais importante e refere-se à parametrização do ventilador na asma grave.(11 Tuxen DV, Lane S. The effects of ventilatory pattern on hyperinflation, airway pressures, and circulation in mechanical ventilation of patients with severe air-flow obstruction. Am Rev Respir Dis. 1987;136(4):872-9.

2 Marini JJ. Should PEEP be used in airflow obstruction? Am Rev Respir Dis. 1989;140(1):1-3.
-33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) O primeiro comentário é sobre a relação I:E. Talvez tenha havido má interpretação dos dados apresentados. No Maquet Servo-i, a definição do débito inspiratório recomendado, 60 - 70L/m, é feito pela programação de volume corrente (Vt), frequência respiratória e relação I:E; a programação foi sempre feita de forma a encurtar o tempo inspiratório e aumentar o tempo expiratório. A frequência respiratória foi propositadamente baixa, de acordo com as recomendações,(11 Tuxen DV, Lane S. The effects of ventilatory pattern on hyperinflation, airway pressures, and circulation in mechanical ventilation of patients with severe air-flow obstruction. Am Rev Respir Dis. 1987;136(4):872-9.

2 Marini JJ. Should PEEP be used in airflow obstruction? Am Rev Respir Dis. 1989;140(1):1-3.
-33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) pois é a única forma para aumentar o Te, mesmo que seja à custa de hipoventilação.(33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) Está bem demonstrado que a frequência respiratória tem marcada influência no débito tele-expiratório e na hiperinsuflação pulmonar dinâmica.(44 Leatherman JW, McArthur C, Shapiro RS. Effect of prolongation of expiratory time on dynamic hyperinflation in mechanically ventilated patients with severe asthma. Crit Care Med. 2004;32(7):1542-5.) O Vt recomendado é de 7 - 9mL/kg;(11 Tuxen DV, Lane S. The effects of ventilatory pattern on hyperinflation, airway pressures, and circulation in mechanical ventilation of patients with severe air-flow obstruction. Am Rev Respir Dis. 1987;136(4):872-9.,33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) nos nossos pacientes (#1: 60kg; #2: 70kg), usamos inicialmente 6mL/kg e depois, com a melhoria clínica, foi possível subir os Vt.

A questão da pressão positiva expiratória final (PEEP) merece uma abordagem específica. A PEEP zero não é "antifisiológica", uma vez que não há PEEP fisiológica. Nos saudáveis, a pressão alveolar tele-expiratória é igual à pressão atmosférica. Só os doentes com doença obstrutiva, asma agudizada ou doença pulmonar obstrutiva crônica é que têm hiperinsuflação pulmonar dinâmica e pressão alveolar tele-expiratória positiva.(55 Rossi A, Polese G, Brandi G, Conti G. Intrinsic positive end-expiratory pressure (PEEPi). Intensive Care Med. 1995;21(6):522-36. Review.) Em ventilação mecânica invasiva a PEEP extrínseca (PEEPe) tem três indicações:(33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) diminuir o trabalho respiratório nos doentes com PEEP intrínseca (PEEPi) em respiração assistida; insuficiência respiratória hipoxêmica por edema pulmonar/atelectasia; e prevenir a pneumonia associada ao ventilador.

Por último, referir a zero end-expiratory pressure (ZEEP). O efeito da PEEPe sobre a hiperinsuflação pulmonar dinâmica e PEEPi depende de seu mecanismo fisiopatológico.(22 Marini JJ. Should PEEP be used in airflow obstruction? Am Rev Respir Dis. 1989;140(1):1-3.,33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) Nos doentes sem limitação expiratória do débito, como é o caso da asma, a PEEPe é inteiramente transmitida às vias aéreas distais, levando ao aumento da pressão alveolar.(22 Marini JJ. Should PEEP be used in airflow obstruction? Am Rev Respir Dis. 1989;140(1):1-3.,33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) Por isso, a aplicação de PEEPe em doentes com asma grave é prejudicial, não sendo recomendada.(11 Tuxen DV, Lane S. The effects of ventilatory pattern on hyperinflation, airway pressures, and circulation in mechanical ventilation of patients with severe air-flow obstruction. Am Rev Respir Dis. 1987;136(4):872-9.,33 Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.) Por último, a questão do shunt. Este problema tem dois aspectos. Os doentes com asma grave podem desenvolver atelectasias causadas por rolhões de secreções; neste caso, sua resolução não passa pela aplicação de PEEPe, mas pela broncoscopia. O mecanismo da hipoxemia é por alterações da relação ventilação perfusão, e não por shunt. Outro mecanismo é a hiperinsuflação grave com compressão dos capilares pulmonares e grande aumento do espaço morto. Nos nossos doentes, a aplicação de ZEEP foi feita apenas durante a ventilação controlada, de modo que a questão do trabalho respiratório não se coloca.

Inês Carvalho e Sara Querido

Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental - Lisboa, Portugal.

Joana Silvestre e Pedro Póvoa

Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental - Lisboa, Portugal e Centro de Estudos de Doenças Crônicas, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa - Lisboa, Portugal.

REFERENCIAS

  • 1
    Tuxen DV, Lane S. The effects of ventilatory pattern on hyperinflation, airway pressures, and circulation in mechanical ventilation of patients with severe air-flow obstruction. Am Rev Respir Dis. 1987;136(4):872-9.
  • 2
    Marini JJ. Should PEEP be used in airflow obstruction? Am Rev Respir Dis. 1989;140(1):1-3.
  • 3
    Tobin MJ. Principles and practice of mechanical ventilation. 3rd ed. New York: McGraw Hill; 2013.
  • 4
    Leatherman JW, McArthur C, Shapiro RS. Effect of prolongation of expiratory time on dynamic hyperinflation in mechanically ventilated patients with severe asthma. Crit Care Med. 2004;32(7):1542-5.
  • 5
    Rossi A, Polese G, Brandi G, Conti G. Intrinsic positive end-expiratory pressure (PEEPi). Intensive Care Med. 1995;21(6):522-36. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
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