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A adequação do suporte nutricional enteral na unidade de terapia intensiva não afeta o prognóstico em curto e longo prazos dos pacientes mecanicamente ventilados: um estudo piloto

RESUMO

Objetivo:

Correlacionar os desfechos clínicos, em curto (tempo em ventilação mecânica e tempo de unidade de terapia intensiva) e longo prazos (capacidade funcional), dos pacientes que atingiram adequação nutricional ≥ 70% do previsto nas primeiras 72 horas de internação na unidade de terapia intensiva.

Métodos:

Estudo piloto prospectivo observacional, realizado em unidade de terapia intensiva de 18 leitos. Foram incluídos cem pacientes mecanicamente ventilados, recebendo suporte nutricional enteral exclusivo e submetidos à terapia intensiva por mais de 72 horas. Foram excluídos pacientes que nunca receberam nutrição enteral, gestantes, com trauma raquimedular, doadores de órgãos e casos de recusa familiar. As variáveis estudadas foram adequação nutricional ≥ 70% do previsto nas primeiras 72 horas de internação, tempo de unidade de terapia intensiva, tempo em ventilação mecânica e, após 12 meses, via contato telefônico, a capacidade de realizar Atividades da Vida Diária por meio do instrumento Lawton-Atividades de Vida Diária.

Resultados:

O tempo médio em ventilação mecânica foi de 18 ± 9 dias, e de internação na unidade de terapia intensiva de 19 ± 8 dias. Somente 45% dos pacientes receberem mais de 70% do alvo nutricional em 72 horas. Não houve associação entre a adequação nutricional e os desfechos em curto prazo (tempo de permanência em ventilação mecânica, tempo de internação na unidade de terapia intensiva e mortalidade), nem com os desfechos clínicos em longo prazo (capacidade funcional e mortalidade).

Conclusão:

Pacientes criticamente enfermos que recebem aporte calórico ≥ 70%, nas primeiras 72 horas de internação não apresentaram melhores desfechos em curto prazo ou após 1 ano.

Descritores:
Estado terminal; Cuidados críticos; Apoio nutricional; Nutrição enteral; Necessidade energética; Atividades cotidianas; Respiração artificial; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To correlate short-term (duration of mechanical ventilation and length of intensive care unit stay) and long-term (functional capacity) clinical outcomes of patients who reached nutritional adequacy ≥ 70% of predicted in the first 72 hours of hospitalization in the intensive care unit.

Methods:

This was a prospective observational pilot study conducted in an 18-bed intensive care unit. A total of 100 mechanically ventilated patients receiving exclusive enteral nutritional support and receiving intensive care for more than 72 hours were included. Patients who never received enteral nutrition, those with spinal cord trauma, pregnant women, organ donors and cases of family refusal were excluded. The variables studied were nutritional adequacy ≥ 70% of predicted in the first 72 hours of hospitalization, length of intensive care unit stay, duration of mechanical ventilation and the ability to perform activities of daily living after 12 months, assessed via telephone contact using the Lawton Activities of Daily Living Scale.

Results:

The mean duration of mechanical ventilation was 18 ± 9 days, and the mean intensive care unit length of stay was 19 ± 8 days. Only 45% of the patients received more than 70% of the target nutrition in 72 hours. There was no association between nutritional adequacy and short-term (duration of mechanical ventilation, length of stay in the intensive care unit and mortality) or long-term (functional capacity and mortality) clinical outcomes.

Conclusion:

Critically ill patients receiving caloric intake ≥ 70% in the first 72 hours of hospitalization did not present better outcomes in the short term or after 1 year.

Keywords:
Critical illness; Critical care; Nutritional support; Enteral nutrition; Energy requirement; Activities of daily living; Respiration, artificial; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A discrepância entre a prescrição e a oferta de nutrientes na fase aguda de pacientes criticamente doentes é comum, o que torna o suporte nutricional frequentemente subótimo.(11 Singh N, Gupta D, Aggarwal AN, Agarwal R, Jindal SK. An assessment of nutritional support to critically ill patients and its correlation with outcomes in a respiratory intensive care unit. Respir Care. 2009;54(12):1688-96.,22 Couto CL, Moreira JS, Hoher JA. Terapia nutricional enteral em politraumatizados sob ventilação mecânica e oferta energética. Rev Nutr. 2012;25(6):695-705.) Estudos relacionam baixa oferta calórica a piores desfechos.(11 Singh N, Gupta D, Aggarwal AN, Agarwal R, Jindal SK. An assessment of nutritional support to critically ill patients and its correlation with outcomes in a respiratory intensive care unit. Respir Care. 2009;54(12):1688-96.

2 Couto CL, Moreira JS, Hoher JA. Terapia nutricional enteral em politraumatizados sob ventilação mecânica e oferta energética. Rev Nutr. 2012;25(6):695-705.

3 Tsai JR, Chang WT, Sheu CC, Wu YJ, Sheu YH, Liu PL, et al. Inadequate energy delivery during early critical illness correlates with increased risk of mortality in patients who survive at least seven days: a retrospective study. Clin Nutr. 2011;30(2):209-14.
-44 Alberda C, Gramlich L, Jones N, Jeejeebhoy K, Day AG, Dhaliwal R, et al. The relationship between nutritional intake and clinical outcomes in critically ill patients: results of an international multicenter observational study. Intensive Care Med. 2009;35(10):1728-37.) Os estudos mais recentes têm mostrado que a subalimentação permissiva, por até 1 semana, pode estar associada com melhores desfechos.(55 Arabi YM, Tamim HM, Dhar GS, Al Dawood A, Al-Sultan M, Sakkijha MH, et al. Permissive underfeeding and intensive insulin therapy in critically ill patients: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr. 2011;93(3):569-77.,66 Casaer MP, Wilmer A, Hermans G, Wouters PJ, Mesotten D, Van den Berghe G. Role of disease and macronutrient dose in the randomized controlled EPaNIC trial: a post hoc analysis. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(3):247-55.)

Investigadores afirmam que o aparente benefício da subalimentação pode ser um equívoco, pela falta de descrição dos desfechos em médio e longo prazos. Estudo observacional do impacto da subalimentação em longo prazo desafiou seu aparente benefício.(77 Wei X, Day AG, Ouellette-Kuntz H, Heyland DK. The association between nutritional adequacy and long-term outcomes in critically ill patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter cohort study. Crit Care Med. 2015;43(8):1569-79.) Apesar disso, outro trabalho clínico mostra que a subalimentação está associada à menor mortalidade em longo prazo(55 Arabi YM, Tamim HM, Dhar GS, Al Dawood A, Al-Sultan M, Sakkijha MH, et al. Permissive underfeeding and intensive insulin therapy in critically ill patients: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr. 2011;93(3):569-77.) e uma terceira pesquisa não mostrou diferença na mortalidade ou qualidade de vida.(88 Needham DM, Dinglas VD, Bienvenu OJ, Colantuoni E, Wozniak AW, Rice TW, Hopkins RO; NIH NHLBI ARDS Network. One year outcomes in patients with acute lung injury randomised to initial trophic or full enteral feeding: prospective follow-up of EDEN randomised trial. BMJ. 2013;346:f1532.) A falta de generalização, a inclusão de pacientes de "baixo risco nutricional" e as questões metodológicas desses estudos, entretanto, são fatores que tornam difíceis a interpretação e a aplicabilidade desses dados.(99 Weijs PJ, Wischmeyer PE. Optimizing energy and protein balance in the ICU. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2013;16(2):194-201.,1010 Heyland DK, Wischmeyer PE. Does artificial nutrition improve outcome of critical illness? An alternative viewpoint! Crit Care. 2013;17(4):324.) É importante avaliar como as intervenções na unidade de terapia intensiva (UTI) afetam o paciente crítico em longo prazo e, obviamente, incluem-se aí as recomendações de suporte nutricional.(1111 Krishnan JA, Parce PB, Martinez A, Diette GB, Brower RG. Caloric intake in medical ICU patients: consistency of care with guidelines and relationship to clinical outcomes. Chest. 2003;124(1):297-305.,1212 Arabi YM, Haddad SH, Tamim HM, Rishu AH, Sakkijha MH, Kahoul SH, et al. Near-target caloric intake in critically ill medical-surgical patients is associated with adverse outcomes. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2010;34(3):280-8.)

A qualidade de vida pode ser afetada pela fraqueza muscular do paciente crítico, pois compromete a capacidade funcional em médio em longo prazo dos pacientes.(1313 Kramer CL. Intensive Care unit-acquired weakness. Neurol Clin. 2017;35(4):723-36.) Estudos recentes demonstraram que a fraqueza muscular pode se associar a doses crescentes de nutrição na fase aguda da doença crítica.(1414 Casaer MP, Mesotten D, Hermans G, Wouters PJ, Schetz M, Meyfroidt G, et al. Early versus late parenteral nutrition in critically ill adults. N Engl J Med. 2011;365(6):506-17.,1515 Fivez T, Kerklaan D, Mesotten D, Verbruggen S, Wouters PJ, Vanhorebeek I, et al. Early versus late parenteral nutrition in critically ill children. N Engl J Med. 2016;374(12):1111-22.) A explicação mais plausível para o impacto negativo da alimentação precoce e completa seria a supressão da autofagia induzida pela alimentação.(1616 Van Dyck L, Casaer MP, Gunst J. Autophagy and its implications against early full nutrition support in critical illness. Nutr Clin Pract. 2018;33(3):339-47.)

O objetivo primário deste estudo piloto foi testar a hipótese de que a adequação nutricional ≥ 70% do previsto nas primeiras 72 horas de internação na UTI de pacientes mecanicamente ventilados se associa a desfechos clínicos em curto prazo (tempo de permanência em ventilação mecânica - VM e tempo de internação na UTI). Os objetivos secundários foram avaliar a mortalidade na UTI e a capacidade de realizar Atividades da Vida Diária após 12 meses da alta da UTI.

MÉTODOS

Estudo piloto observacional, prospectivo, realizado em uma UTI médico-cirúrgica de 18 leitos, no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, com número de registro no Comitê de Ética (CAAE 14709313.0.0000.5335). Foram incluídos pacientes submetidos à VM invasiva e ao suporte nutricional enteral exclusivo, com tempo de internação superior a 72 horas. Foram excluídos os pacientes que nunca tinham recebido nutrição enteral, gestantes, com trauma raquimedular e doadores de órgãos. Familiares de todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

Foram coletados dados relacionados ao suporte nutricional, como período de início da nutrição enteral, tempo para atingir 70% de adequação calórica e necessidades totais de calorias e proteínas.(55 Arabi YM, Tamim HM, Dhar GS, Al Dawood A, Al-Sultan M, Sakkijha MH, et al. Permissive underfeeding and intensive insulin therapy in critically ill patients: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr. 2011;93(3):569-77.) O cálculo das necessidades nutricionais foi realizado conforme protocolo do serviço, no qual se utilizam 20 - 30kcal por kg de peso por dia, considerando o peso atual, quando é possível obter essa informação com familiar ou aferir o peso durante internação prévia em outra unidade de internação, ou peso estimado utilizando a fórmula de Chumlea.(1717 Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):116-20.)

Em relação aos desfechos clínicos, foram coletados dados referentes a tempo em VM, tempo de permanência e mortalidade na UTI. Os pacientes foram acompanhados por 28 dias ou até a alta hospitalar (o que ocorresse antes). Após 12 meses, foi realizado contato telefônico com o familiar responsável, quando também foi aplicado o instrumento Lawton-AVD, com o intuito de avaliar a capacidade funcional dos indivíduos incluídos no estudo.(1818 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86.) Dados demográficos, motivo da admissão, Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) foram avaliados como escores de gravidade da doença.(1919 Knaus WA, Draper EA, Wagner DP, Zimmerman JE. APACHE II: a severity of disease classification system. Crit Care Med. 1985;13(10):818-29.,2020 Vincent JL, de Mendonca A, Cantraine F, Moreno R, Takala J, Suter PM, et al. Use of the SOFA score to assess the incidence of organ dysfunction/failure in intensive care units: results of a multicenter, prospective study. Working group on "sepsis-related problems" of the European Society of Intensive Care Medicine. Crit Care Med. 1998;26(11):1793-800.)

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão, ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o teste t de Student ou a análise de variância (ANOVA) one-way foi aplicado. Em caso de assimetria, os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram utilizados. Na comparação de proporções, o teste do qui quadrado, a correlação de Pearson ou o teste exato de Fisher foi aplicado. Para complementar essas análises, o teste dos resíduos ajustados foi utilizado. As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelos coeficientes de correlação de Pearson (r) ou Spearman (rs).

O tamanho amostral foi calculado baseado no estudo de Castro et al.(2121 Castro MG, Pompilio CE, Horie LM, Verotti CC, Waitzberg DL. Education program on medical nutrition and length of stay of critically ill patients. Clin Nutr. 2013;32(6):1061-6.) que mostrou redução de 9 dias no tempo de internação na UTI em relação às calorias prescritas nas primeiras 72 horas de internação. Para nosso estudo, foi estimado mínimo de 60 pacientes a serem incluídos, considerando distribuição normal para o tempo de UTI, com nível de significância de 5% e poder de 90%. Definiu-se mínimo de 60 pacientes a serem incluídos.

O nível de significância adotado foi de 5% (p ≤ 0,05) e as análises foram realizadas no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, New York, USA).

RESULTADOS

As características demográficas e clínicas estão descritas na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra

Foram incluídos cem pacientes durante o período de estudo. A maior parte deles (55%) não atingiu 70% de adequação nutricional. Morreram ainda no hospital 79 pacientes, e outros 4 morreram durante o acompanhamento de 12 meses. A perda de seguimento ocorreu com quatro pacientes, em virtude da impossibilidade de contatar os familiares via telefone. Portanto, 13 pacientes realizaram a avaliação após 12 meses de acompanhamento (Figura 1). Não houve associação entre a adequação nutricional nas primeiras 72 horas e os desfechos clínicos em curto ou longo prazos (Tabela 2).

Figura 1
Fluxograma de coleta de dados.

VM - ventilação mecânica; UTI - unidade de terapia intensiva; AVD - Atividades Básicas de Vida Diária.


Tabela 2
Associação da adequação nutricional com desfechos a curto e longo prazo

DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo piloto foi que a adequação nutricional (alvo calórico > 70%) nas primeiras 72 horas de internação na UTI não está associada à melhora dos desfechos em curto prazo (tempo de permanência em VM, tempo de internação na UTI e mortalidade). Além disso, a capacidade de realizar AVD após 1 ano da alta da UTI não parece ter sido influenciada pela adequação nutricional.

Estudos sugerem associação entre o balanço energético negativo com piores desfechos clínicos (tempos de VM, em UTI e de hospitalização) e a mortalidade em UTI, sugerindo que a ingestão calórica adequada poderia estar associada com melhores desfechos clínicos.(22 Couto CL, Moreira JS, Hoher JA. Terapia nutricional enteral em politraumatizados sob ventilação mecânica e oferta energética. Rev Nutr. 2012;25(6):695-705.,2222 Faisy C, Lerolle N, Dachraoui F, Savard JF, Abboud I, Tadie JM, et al. Impact of energy deficit calculated by a predictive method on outcome in medical patients requiring prolonged acute mechanical ventilation. Br J Nutr. 2009;101(7):1079-87.

23 Kan MN, Chang HH, Sheu WF, Cheng CH, Lee BJ, Huang YC. Estimation of energy requirements for mechanically ventilated, critically ill patients using nutritional status. Crit Care. 2003;7(5):R108-15.

24 Rubinson L, Diette GB, Song X, Brower RG, Krishnan JA. Low caloric intake is associated with nosocomial bloodstream infections in patients in the medical intensive care unit. Crit Care Med. 2004;32(2):350-7.
-2525 Villet S, Chiolero RL, Bollmann MD, Revelly JP, Cayeux R N MC, Delarue J, et al. Negative impact of hypocaloric feeding and energy balance on clinical outcome in ICU patients. Clin Nutr. 2005;24(4):502-9.) Esse tema tem sido motivo de extenso debate, e recentes metanálises, no entanto, não confirmam esta hipótese(2626 Tian F, Wang X, Gao X, Wan X, Wu C, Zhang L, et al. Effect of initial calorie intake via enteral nutrition in critical illness: a meta-analysis of randomised controlled trials. Crit Care. 2015;19:180.,2727 Parikh HG, Miller A, Chapman M, Moran JL, Peake SL. Calorie delivery and clinical outcomes in the critically ill: a systematic review and meta-analysis. Crit Care Resusc. 2016;18(1):17-24.) e nem mostram redução do tempo de internação na UTI, tempo de hospitalização, tempo em VM ou da taxa de mortalidade. Nossos resultados foram semelhantes aos encontrados no estudo EDEN(2828 National Heart, Lung, and Blood Institute Acute Respiratory Distress Syndrome (ARDS) Clinical Trials Network, Rice TW, Wheeler AP, Thompson BT, Steingrub J, Hite RD, Moss M, et al. Initial trophic vs full enteral feeding in patients with acute lung injury: the EDEN randomized trial. JAMA. 2012;307(8):795-803.) que não verificou diferença nos desfechos clínicos dos pacientes mecanicamente ventilados com redução da oferta calórica nos primeiros 6 dias de UTI. O tamanho amostral para esta pesquisa foi baseado no estudo de Castro et al.,(2121 Castro MG, Pompilio CE, Horie LM, Verotti CC, Waitzberg DL. Education program on medical nutrition and length of stay of critically ill patients. Clin Nutr. 2013;32(6):1061-6.) que apresentou redução de 9 dias no tempo de internação na UTI. Especulamos que o tamanho do efeito, naquele estudo, pode significar que existia diferença de gravidade não revelada pela avaliação utilizada, e que, por isso, a aceitação da nutrição foi mais eficaz, associando-se a um melhor prognóstico.

Poucos estudos avaliaram as consequências da adequação nutricional na fase aguda da doença crítica em desfechos a longo prazo.(1111 Krishnan JA, Parce PB, Martinez A, Diette GB, Brower RG. Caloric intake in medical ICU patients: consistency of care with guidelines and relationship to clinical outcomes. Chest. 2003;124(1):297-305.) Wei et al.(77 Wei X, Day AG, Ouellette-Kuntz H, Heyland DK. The association between nutritional adequacy and long-term outcomes in critically ill patients requiring prolonged mechanical ventilation: a multicenter cohort study. Crit Care Med. 2015;43(8):1569-79.) avaliaram a relação entre adequação nutricional e desfechos clínicos em curto e longo prazos, incluindo sobrevivência em 6 meses e qualidade de vida em pacientes críticos submetidos à VM prolongada. Os autores sugerem relação importante entre o suporte nutricional pleno na primeira semana de internação e a maior sobrevida aos 6 meses de seguimento. Nosso estudo parece não reproduzir esses achados, pois 6 dos 13 pacientes que concluíram avaliação da capacidade funcional em 12 meses e que não atingiram a meta calórica não se encontravam mais dependentes.

Nosso estudo apresenta diversas limitações, como sua natureza observacional, número pequeno de pacientes estudados por conveniência (nem todos os pacientes admitidos foram triados) para avaliar desfechos em longo prazo, ausência de dados coletados em relação à prescrição e à oferta de nutrientes, a não comparação da capacidade funcional do paciente antes e pós-internação na UTI, e a falta de avaliação do estado nutricional do paciente ou outros escores de risco nutricional. O questionário foi aplicado somente após 12 meses da alta da unidade, além das inevitáveis perdas de paciente, por alterações de telefone. Foi selecionada uma população muito grave, e todos os pacientes eram mecanicamente ventilados com APACHE II médio elevado e quase sete disfunções orgânicas em média. A alta mortalidade limita a interpretação dos desfechos de curto prazo, mas, principalmente, os de longo prazo, pelo pequeno número de pacientes analisados.

CONCLUSÃO

Os resultados desse estudo piloto não demonstraram que os pacientes criticamente doentes que recebem aporte calórico ≥ 70% nas primeiras 72 horas de internação apresentam melhores desfechos em curto prazo. Secundariamente, a capacidade funcional em longo prazo não parece ter sido positivamente influenciada pela adequação nutricional.

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Editado por

Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    27 Nov 2018
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