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Incidência hospitalar de traumatismo craniencefálico no Brasil: uma análise dos últimos 10 anos

ABSTRACT

Objective:

To characterize the demographic, social, and economic burden of traumatic brain injury on the public health system in Brazil during the past decade.

Methods:

Data from the database of the Information Technology Department of the Unified Health System (DATASUS) from January 2008 to December 2019 were analyzed.

Results:

There was a mean of 131,014.83 hospital admissions per year due to traumatic brain injury in Brazil from 2008 - 2019. The incidence was 65.54 per 100.000 inhabitants during the same period. The high incidence of traumatic brain injury in older adults (>70 years old) accompanied by high mortality rates should be noted. In addition, there was a high incidence of traumatic brain injury in younger adults (20 to 29 years and 30 to 39 years). The data presented here demonstrates a 3.6 male-to-female ratio of traumatic brain injury incidence.

Conclusion:

Although we believe that the present data underestimate the incidence and mortality related to traumatic brain injury in Brazil, this study could assist in implementation of future health promotion strategies in the Brazilian population and worldwide aiming to reduce the incidence, mortality and costs of traumatic brain injury.

Abstract

Objetivo:

Caracterizar os aspectos demográficos e sociais e o ônus econômico do traumatismo craniencefálico no sistema público de saúde brasileiro na última década.

Métodos:

Analisaram-se os dados provenientes da base de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde referentes ao período entre janeiro de 2008 e dezembro de 2019.

Resultados:

Entre 2008 e 2019 ocorreram, em média, no Brasil, 131.014,83 internações por traumatismo craniencefálico ao ano, com incidência de 65,54 por 100 mil habitantes. Deve-se salientar a elevada incidência de traumatismo craniencefálico em adultos idosos (acima de 70 anos), acompanhada de altas taxas de mortalidade. Além disso, há também elevada incidência de traumatismo craniencefálico em adultos jovens (20 a 29 anos e 30 a 39 anos). Os dados aqui apresentados demonstram uma proporção de traumatismos craniencefálicos de 3,6 homens/mulheres.

Conclusão:

Embora se acredite que os dados apresentados subestimem a incidência e mortalidade associadas com o traumatismo craniencefálico no Brasil, este estudo pode ajudar na implantação de futuras estratégias de promoção da saúde para a população brasileira e mundial, com o objetivo de diminuir a incidência, a mortalidade e os custos do traumatismo craniencefálico.

INTRODUÇÃO

Atualmente reconhecido como um importante problema de saúde pública, o traumatismo craniencefálico (TCE) comumente resulta em comprometimento neurológico persistente.(11 Meaney DF, Morrison B, Dale Bass C. The mechanics of traumatic brain injury: a review of what we know and what we need to know for reducing its societal burden. J Biomech Eng. 2014;136(2):021008.,22 Rosenfeld JV, Maas AI, Bragge P, Morganti-Kossmann MC, Manley GT, Gruen RL. Early management of severe traumatic brain injury. Lancet. 2012;380(9847):1088-98.) Assim, ele é definido como o comprometimento da função cerebral decorrente de forças biomecânicas, isto é, rápida aceleração ou desaceleração do cérebro, impacto direto ou golpe de ar por explosões, assim como penetração do crânio.(22 Rosenfeld JV, Maas AI, Bragge P, Morganti-Kossmann MC, Manley GT, Gruen RL. Early management of severe traumatic brain injury. Lancet. 2012;380(9847):1088-98.,33 Blennow K, Hardy J, Zetterberg H. The neuropathology and neurobiology of traumatic brain injury. Neuron. 2012;76(5):886-99.) O dano associado pode progredir a partir do dano mecânico primário que desencadeia efeitos deletérios, inclusive neurodegeneração progressiva, a principal causa de incapacidade e morte associadas com TCE.(33 Blennow K, Hardy J, Zetterberg H. The neuropathology and neurobiology of traumatic brain injury. Neuron. 2012;76(5):886-99.) Embora a análise epidemiológica do TCE tenha sua relevância reconhecida, é muito importante que se assegure a existência de informação adequada para promoção de estratégias de prevenção (diminuição da ocorrência de TCE), assim como para reforçar a importância da pesquisa, em termos de prevenção secundária e terciária (tratamento e reabilitação após a lesão).(44 Thurman DJ, Kraus JF, Romer CJ. Standards for surveillance of neurotrauma. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 1995.)

O aumento na incidência do TCE é um fenômeno mundial, principalmente por acidentes de tráfego e pelo aumento da população idosa, considerando o risco de quedas.(33 Blennow K, Hardy J, Zetterberg H. The neuropathology and neurobiology of traumatic brain injury. Neuron. 2012;76(5):886-99.) No Brasil, até 2012, existia uma estimativa de 500 casos por 100 mil habitantes, resultando em um custo superior a US$ 250 milhões com 998.994 hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo um custo médio de US$ 239,91 por hospitalização.(55 Fukujima MM. O traumatismo cranioencefálico na vida do brasileiro. Rev Neurocienc. 2013;21(2):173-4.) Entretanto, esses dados sobre custos não incluem os relativos a tratamentos ambulatoriais e clínicas de reabilitação, medicamentos, tratamento domiciliar, cuidadores, transporte e custos indiretos, ou seja, dias não trabalhados pelo paciente ou por familiares.(55 Fukujima MM. O traumatismo cranioencefálico na vida do brasileiro. Rev Neurocienc. 2013;21(2):173-4.) Logo, o TCE e suas consequências são atualmente um importante problema de saúde no Brasil, demandando uma avaliação com dados mais amplos e atualizados para proporcionar novas abordagens e orientações para políticas de saúde pública.

Assim, o objetivo deste estudo foi caracterizar aspectos demográficos e sociais e o ônus econômico do TCE no Brasil na última década, utilizando dados fornecidos pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

MÉTODOS

Este é um estudo de base populacional, baseado em estatística descritiva para caracterizar as hospitalizações por TCE no Brasil entre 2008 e 2019. Não houve, então, necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que os dados foram obtidos de uma base de dados de domínio público, acessível on-line.

Realizou-se uma análise dos dados disponíveis entre janeiro de 2008 e dezembro de 2019. Todas as informações utilizadas para avaliar as hospitalizações por TCE no Brasil vieram do DATASUS, disponíveis on-line no sítio http://www2.datasus.gov.br. Essa base de dados é alimentada pela emissão de formulários de autorização de internação hospitalar (AIH) por instituições públicas e privadas que compõem o SUS. Com base na Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10), os termos “fraturas do crânio e dos ossos da face” e “traumatismo intracraniano” foram selecionados a partir da lista de tabulação para morbidade, que apresenta uma classificação para atender às necessidades da realidade brasileira do SUS.(66 World Health Organization (WHO). ICD-10: international statistical classification of diseases and related health problems: tenth revision. 2nd ed. Geneva, Switzerland: WHO; 2004.) Optou-se por excluir “traumatismos do olho e órbita”, por considerá-los menos específico para TCE.

Os dados fornecidos pelo DATASUS foram selecionados para obter o total de internações hospitalares e o custo total das admissões. Os custos relatados se referem a custos diretos, indicados pelo hospital e inseridos na base de dados (assim, não indicando custos indiretos), e o valor em dólares americanos foi calculado pela divisão por 4,5 (valor proporcional em reais do dólar americano em março de 2020). Esses dados foram ainda discriminados pela região, ano, sexo e faixa etária. A incidência (número de novos casos na população por ano) foi calculada com informações do número de residentes e distribuição etária da população para cada ano, obtida junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - https://www.ibge.gov.br/).(77 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estatísticas. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060. [citado 2020 Mai 10] Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?edicao=21830&t=resultados
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
) Assim, deve-se observar que os óbitos por TCE de pacientes não hospitalizados não foram contabilizados.

Finalmente, fornecemos os valores de r2 para tendências específicas observadas com utilização de regressão linear com nível de significância de p < 0,05 e dados previstos com uso de modeladores para séries temporais, usando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.0, para Windows. Os gráficos foram obtidos com utilização do programa Prism 7.0.

RESULTADOS

A análise dos dados disponíveis no DATASUS referentes ao período entre 2008 e 2019 revela que, no total, ocorreram 1.572.178,00 internações hospitalares. A média anual brasileira entre 2008 e 2019 foi de 131.014,83 internações associadas ao TCE (Tabela 1). Em números absolutos, a região com maior número de hospitalizações foi a Sudeste (648.447,00) seguida pelas Regiões Nordeste e Sul (respectivamente, 410.478,00 e 272.944,00). As Regiões Norte e Centro-Oeste mostraram menos ocorrências (126.327,00 e 113.982,00). A figura 1A mostra o total de internações hospitalares para cada ano. Durante o período, a incidência média de internações foi de 65,54 por 100 mil habitantes. A incidência média mais alta foi observada na Região Sul (79,43), seguida por Sudeste, Centro-Oeste e Norte (respectivamente 64,35, 63,41 e 62,37). A incidência foi mais baixa no Nordeste (61,75). A incidência anual para cada região é mostrada na figura 1B. As taxas médias de mortalidade associadas com TCE no Brasil entre 2008 e 2019 (Tabela 1) mostraram média anual de 10,27. Tanto Sudeste quanto Nordeste mostraram taxas maiores de mortalidade (11,16 e 11,02, respectivamente), seguidas por Centro-Oeste (10,05) e Norte (9,33), enquanto a taxa de mortalidade na Região Sul foi mais baixa (7,49). A figura 1C apresenta as taxas de mortalidade por ano entre as regiões.

Tabela 1
Internações, custos e dias no hospital

Figura 1
Internações hospitalares (A), incidência (B) e mortalidade (C) por traumatismo craniencefálico por região e ano. A linha representa o total de casos e é mostrada no eixo Y direito.

Os custos totais anuais médios das despesas hospitalares associadas com pacientes de TCE foram de cerca de US$43.238.319,90, com custo médio por admissão de US$327,68. Os dados relativos aos custos por TCE mostraram tendência a crescer no período entre 2008 e 2019 em todos os parâmetros avaliados (Tabela 2). Além disto, as previsões para o ano de 2020 são mostradas na tabela 2.

Tabela 2
Custos totais relacionados a traumatismo craniencefálico por ano

Em números absolutos, observaram-se mais internações hospitalares de adultos mais velhos (acima de 70 anos), seguidos por adultos mais jovens (20 a 29 anos e 30 a 39 anos) (Tabela 3). Além disso, adultos mais velhos também apresentaram taxas de mortalidade mais elevadas, que aumentaram com a idade (r2 = 0,93 (Tabela 3).

Tabela 3
Incidência total, número de internações hospitalares, número de óbitos e mortalidade associada com traumatismo craniencefálico por faixa etária

Entre 2008 e 2019, a incidência e a mortalidade no Brasil foram mais altas para homens do que para mulheres. A incidência média foi de 103,3 para homens e 28,83 para mulheres (Figura 2A), e a proporção de incidência masculino/feminino foi de 3,6. As taxas médias de mortalidade foram de 10,9 para o sexo masculino e 8,30 para pacientes do sexo feminino (Figura 2B).

Figura 2
Incidência anual total (A) e mortalidade (B) por sexo.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como alvo avaliar os dados epidemiológicos nacionais sobre TCE no Brasil durante a última década. A base de dados do DATASUS é oriunda de formulários para autorização de internação do SUS. Segundo dados recentes de um levantamento do Ministério da Saúde, a maior parte da população brasileira (estimada em 80%) depende do SUS para questões relacionadas à saúde.(88 Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CL. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saude Publica. 2017;51(Supl 1):3S.) Além disso, o SUS proporciona serviços a usuários de planos privados de saúde quando necessitam de cuidados de alta complexidade, como transplantes, hemodiálise e medicamentos de alto custo.(99 Gomes FF, Cherchiglia ML, Machado CD, Santos VC, Acurcio FA, Andrade EI. Acesso aos procedimentos de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde: uma questão de judicialização. Cad Saude Publica. 2014;30(1):31-43.) Assim, como o SUS proporciona a maior parte da assistência médica no país, essa base de dados é uma fonte confiável para fornecer estimativas relativas ao TCE no Brasil.

Apesar de numerosas campanhas e políticas públicas brasileiras que advertem sobre os riscos do abuso da velocidade e consumo de álcool associados com trânsito, atualmente uma em cada seis admissões ao pronto-socorro são devidas a TCEs - a maior parte deles associados com acidentes, já que o número de óbitos decorrentes de TCE só é superado pelos óbitos por câncer e doença cardiovascular.(1010 Batista SE, Baccani JG, Silva RA, Gualda KP, Vianna Júnior RJ. Análise comparativa entre os mecanismos de trauma, as lesões e o perfil de gravidade das vítimas, em Catanduva - SP. Rev Col Bras Cir. 2006;33(1):6-10.,1111 Maia BG, Paula FR, Cotta GD, Cota MA, Públio PG, Oliveira H, et al. Perfil clínico-epidemiológico das ocorrências de traumatismo cranioencefálico. Rev Neurocienc. 2013;21(1):43-52.) Outras causas de TCE incluem quedas, esportes de contato, violência, suicídio e queda de objetos atingindo o crânio.(1212 Granacher RP Jr. Commentary: Applications of functional neuroimaging to civil litigation of mild traumatic brain injury. J Am Acad Psychiatry Law. 2008;36(3):323-8.,1313 Majdan M, Mauritz W, Brazinova A, Rusnak M, Leitgeb J, Janciak I, et al. Severity and outcome of traumatic brain injuries (TBI) with different causes of injury. Brain Inj. 2011;25(9):797-805.)

Entre 2008 e 2019 ocorreram, no Brasil, em média, 131.014,83 internações hospitalares ao ano devidas a TCE. No mesmo período, a incidência foi de 65,54 por 100 mil habitantes. Considerando-se o último estudo que utilizou a mesma base de dados para avaliar dados entre 2008 e 2012, não houve alteração na incidência, embora se tenha observado aumento na média anual de internações, assim como nas taxas de mortalidade.(1414 de Almeida CE, de Sousa Filho JL, Dourado JC, Gontijo PA, Dellaretti MA, Costa BS. Traumatic brain injury epidemiology in Brazil. World Neurosurg. 2016;87:540-7.) Em comparação às estimativas globais de 200 casos por 100 mil habitantes, a incidência aqui relatada pode estar subestimada. Em comparação a uma robusta estimativa regional, o Brasil teria quase 10% dos casos conforme estimativas na América do Norte, Europa e regiões da África, onde se estimou para a região latino-americana uma incidência de 909.(1515 Dewan MC, Rattani A, Gupta S, Baticulon RE, Hung YC, Punchak M, et al. Estimating the global incidence of traumatic brain injury. J Neurosurg. 2018:1-18.)

Os dados atuais indicam que a Região Sul do Brasil apresenta a incidência mais alta, seguida por Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Surpreendentemente, a mortalidade na Região Sul é a mais baixa, em comparação com as demais regiões, já que tanto Sudeste quanto Nordeste revelaram taxas mais altas de mortalidade. Recentemente, estudo multicêntrico de TCE no estado de Santa Catarina relatou 9,5 casos por 100 mil habitantes ao ano e mortalidade de 5,43 por 100 mil habitantes ao ano; os autores especularam que a mortalidade poderia ter sido subestimada.(1616 Areas FZ, Schwarzbold ML, Diaz AP, Rodrigues IK, Sousa DS, Ferreira CL, et al. Predictors of hospital mortality and the related burden of disease in severe traumatic brain injury: a prospective multicentric study in Brazil. Front Neurol. 2019;10:432.) Diferenças em termos de urbanização, qualidade das estradas e acesso e qualidade dos serviços de saúde, particularmente em áreas rurais, poderiam explicar a discrepância entre as regiões.(1717 Blumenberg C, Martins RC, Calu Costa J, Ricardo LIC. Is Brazil going to achieve the road traffic deaths target? An analysis about the sustainable development goals. Inj Prev.. 2018;24(4):250-5.) Deve-se notar que a urgência de melhores estratégias de prevenção primária é também evidenciada pelo aumento dos custos anuais por TCE, que, desde 2010, vem mostrando aumento médio anual de 5%.

Deve ser salientada a alta incidência de TCE em adultos mais velhos (acima de 70 anos), acompanhada pelas altas taxas de mortalidade. Além disso, existe também elevada ocorrência de TCE em adultos jovens (20 a 29 anos e 30 a 39 anos), mostrando que, na população brasileira, o mesmo pico de casos de TCE ocorre nessas faixas etárias.(1818 Karibe H, Hayashi T, Narisawa A, Kameyama M, Nakagawa A, Tominaga T. Clinical characteristics and outcome in elderly patients with traumatic brain injury: for establishment of management strategy. Neurol Med Chir (Tokyo). 2017;57(8):418-25.,1919 Roozenbeek B, Maas AI, Menon DK. Changing patterns in the epidemiology of traumatic brain injury. Nat Rev Neurol. 2013;9(4):231-6.) Isso foi também observado em estudo prévio,(1414 de Almeida CE, de Sousa Filho JL, Dourado JC, Gontijo PA, Dellaretti MA, Costa BS. Traumatic brain injury epidemiology in Brazil. World Neurosurg. 2016;87:540-7.) reforçando que estes grupos etários têm alto risco para ocorrência de TCE. Segundo projeções populacionais do IBGE divulgadas em 2018, a população de idosos vem crescendo no Brasil e, em 2031, o número de idosos será maior do que o de jovens, com projeção de 43,3 milhões de jovens (zero a 14 anos) e 43,3 milhões de adultos acima dos 60 anos de idade.(77 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estatísticas. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060. [citado 2020 Mai 10] Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?edicao=21830&t=resultados
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
) Quedas causam mais de um terço dos casos de TCE na população geral e mais de 60% de todos os casos de TCE em pessoas com mais de 65 anos de idade, que têm as taxas mais altas de internação e mortalidade relacionadas ao TCE.(2020 Faul M, Xu L, Wald MM, Coronado VG. Traumatic brain injury in the United States: emergency department visits, hospitalizations and deaths2002-2006. Atlanta (GA): Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Injury Prevention and Control; 2010.) Assim, futuras estratégias de prevenção devem ter esses grupos etários como alvo específico.

Mais ainda, estudos epidemiológicos indicaram que homens, na faixa etária entre 20 e 29 anos e entre 40 e 49 anos de idade, são mais suscetíveis ao TCE em razão do maior risco comportamental, estando a causa principal associada com acidentes de trânsito.(2121 Faria JW, Nishioka SA, Arbex GL, Alarcão GG, Freitas WB. Occurrence of severe and moderate traumatic brain injury in patients attended in a Brazilian Teaching Hospital: epidemiology and dosage of alcoholemy. Arq Neuropsiquiatr. 2008;66(1):69-73.

22 Martins ET, Linhares MN, Sousa DS, Schroeder HK, Meinerz J, Rigo LA, et al. Mortality in severe traumatic brain injury: a multivariated analysis of 748 Brazilian patients from Florianopolis City. J Trauma. 2009;67(1):85-90.

23 Melo JR, Silva RA, Moreira Jr ED. Características dos pacientes com trauma cranioencefálico na cidade do Salvador, Bahia, Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3A):711-4.
-2424 Ladeira RM, Malta DC, Morais Neto OL, Montenegro MM, Soares Filho AM, Vasconcelos CH, et al. Acidentes de transporte terrestre: estudo Carga Global de Doenças, Brasil e unidades federadas, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 Suppl 1:157-70.) Os dados aqui apresentados demonstram proporção para incidência de TCE de 3,6 para os sexos masculino/feminino. Esse mesmo padrão foi também observado em diferentes estudos.(2424 Ladeira RM, Malta DC, Morais Neto OL, Montenegro MM, Soares Filho AM, Vasconcelos CH, et al. Acidentes de transporte terrestre: estudo Carga Global de Doenças, Brasil e unidades federadas, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 Suppl 1:157-70.,2525 Malta DC, Bernal RT, Mascarenhas MD, da Silva MM, Szwarcwald CL, de Morais Neto OL. Alcohol consumption and driving in Brazilian capitals and Federal District according to two national health surveys. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Suppl 2:214-23.)

É digno de nota que, embora exista abundante evidência pré-clínica que identifique novos potenciais alvos terapêuticos para tratamento da fisiopatologia do TCE para melhorar a sobrevivência, até aqui não há disponibilidade de qualquer intervenção farmacológica com eficácia comprovada.(2626 Schon EA, Przedborski S. Mitochondria: the next (neurode)generation. Neuron. 2011;70(6):1033-53.

27 Gajavelli S, Sinha VK, Mazzeo AT, Spurlock MS, Lee SW, Ahmed AI, et al. Evidence to support mitochondrial neuroprotection, in severe traumatic brain injury. J Bioenerg Biomembr. 2015;47(1-2):133-48.
-2828 Carteri RB, Kopczynski A, Rodolphi MS, Strogulski NR, Sartor M, Feldmann M, et al. Testosterone administration after traumatic brain injury reduces mitochondrial dysfunction and neurodegeneration. J Neurotrauma. 2019;36(14):2246-59.) Assim, o constante aumento das taxas de mortalidade ao longo dos anos é uma clara evidência de que ainda não se foi capaz de traduzir os achados pré-clínicos em melhora dos desfechos associados com o TCE, o que permanece como desafio atual.(2929 Stefani MA, Modkovski R, Hansel G, Zimmer ER, Kopczynski A, Muller AP, et al. Elevated glutamate and lactate predict brain death after severe head trauma. Ann Clin Transl Neurol. 2017;4(6):392-402.,3030 Gan ZS, Stein SC, Swanson R, Guan S, Garcia L, Mehta D, et al. Blood biomarkers for traumatic brain injury: a quantitative assessment of diagnostic and prognostic accuracy. Front Neurol. 2019;10:446.)

Devem ser comentadas algumas limitações deste estudo. A ferramenta de pesquisa na base de dados do DATASUS não fornece informações sobre causas de interação com TCE ou o grau de gravidade do TCE. No Brasil, os acidentes de trânsito são a principal causa de TCE.(2222 Martins ET, Linhares MN, Sousa DS, Schroeder HK, Meinerz J, Rigo LA, et al. Mortality in severe traumatic brain injury: a multivariated analysis of 748 Brazilian patients from Florianopolis City. J Trauma. 2009;67(1):85-90.,2323 Melo JR, Silva RA, Moreira Jr ED. Características dos pacientes com trauma cranioencefálico na cidade do Salvador, Bahia, Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3A):711-4.,3131 Fernandes RN, Silva M. Epidemiology of traumatic brain injury in Brazil. Arq Bras Neurocir. 2013;32(3):136-42.) Recentemente, a taxa de mortalidade relacionada com acidentes de trânsito diminuiu, quando se comparam os anos de 1990 e 2015, sendo que as taxas de mortalidade foram mais elevadas nos estados do Norte e Nordeste, em comparação com Sul e Sudeste.(2424 Ladeira RM, Malta DC, Morais Neto OL, Montenegro MM, Soares Filho AM, Vasconcelos CH, et al. Acidentes de transporte terrestre: estudo Carga Global de Doenças, Brasil e unidades federadas, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 Suppl 1:157-70.) Considerando que se identificou uma incidência mais elevada de TCE na Região Sul, juntamente de uma taxa de mortalidade mais baixa, isto pode indicar que a incidência aqui relatada pode estar subestimada, já que os dados são fornecidos por internação hospitalar, e não há relatos de óbitos sem admissão ao hospital.

Embora tenham sido realizadas várias campanhas e políticas públicas com advertência sobre os riscos do abuso de álcool e velocidade associados com trânsito tenham sido desenvolvidas, atualmente, uma em cada seis admissões ao pronto-socorro é relacionada com TCE, principalmente por acidentes de trânsito, já que o número de óbitos resultantes de TCE só é superado pelo câncer e por doença cardiovascular.(1010 Batista SE, Baccani JG, Silva RA, Gualda KP, Vianna Júnior RJ. Análise comparativa entre os mecanismos de trauma, as lesões e o perfil de gravidade das vítimas, em Catanduva - SP. Rev Col Bras Cir. 2006;33(1):6-10.,1111 Maia BG, Paula FR, Cotta GD, Cota MA, Públio PG, Oliveira H, et al. Perfil clínico-epidemiológico das ocorrências de traumatismo cranioencefálico. Rev Neurocienc. 2013;21(1):43-52.) Outras causas de TCE incluem quedas, esportes de contato, violência, suicídio ou queda de objetos atingindo o crânio; tais lesões podem ser sub-relatadas.(1212 Granacher RP Jr. Commentary: Applications of functional neuroimaging to civil litigation of mild traumatic brain injury. J Am Acad Psychiatry Law. 2008;36(3):323-8.,1313 Majdan M, Mauritz W, Brazinova A, Rusnak M, Leitgeb J, Janciak I, et al. Severity and outcome of traumatic brain injuries (TBI) with different causes of injury. Brain Inj. 2011;25(9):797-805.) Além disso, deve-se reforçar que o DATASUS fornece informações importantes, porém suas limitações não permitem uma melhor compreensão com relação aos custos do tratamento e reabilitação de pacientes com TCE, o que pode também subestimar as taxas de incidência e mortalidade por TCE. Contudo, os dados aqui discutidos enfatizam a importância de se promover prevenção desse importante problema de saúde pública e podem ser úteis para futuros programas de prevenção.

CONCLUSÃO

A vigilância epidemiológica é primordial para a compreensão completa do impacto do traumatismo craniencefálico, um reconhecido problema de saúde pública no Brasil. A alta incidência de traumatismo craniencefálico em adultos e na população idosa também deve ser salientada. Embora se acredite que os dados atuais subestimam a incidência e a mortalidade associadas ao traumatismo craniencefálico no Brasil, este estudo pode ajudar na implantação de futuras estratégias de promoção de saúde no Brasil e no mundo, visando reduzir a incidência, a mortalidade e os custos do traumatismo craniencefálico.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao Professor Luis Valmor Portela do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ao Professor Mateus Grellert da Universidade Federal de Santa Catarina pelas frutíferas discussões científicas.

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Editado por

Editor responsável: Viviane Cordeiro Veiga

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2020
  • Aceito
    03 Set 2020
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