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Persistência da taxa de câmbio real: um estudo a partir do estimador local de Whittle

Resumo:

Diante do regime de câmbio flexível desde 1973, com a abertura comercial e a maior integração financeira entre os países, aumentou também a volatilidade da taxa cambial e a dificuldade de se encontrar evidências favoráveis à hipótese da paridade do poder de compra. O estudo investiga a possibilidade de queda na persistência da taxa de câmbio real em um contexto de aumento da integração financeira e comercial entre as economias. Com dados mensais para uma amostra de 20 países, a hipótese de mudança na persistência é testada com base na estimação do coeficiente fracionário d para dois períodos (1975-1994; 1995-2011). A utilização de um estimador robusto em relação à heteroscedasticidade condicional pode fornecer indícios mais confiáveis acerca da estacionariedade da taxa de câmbio real e consequentemente da paridade do poder de compra. Os resultados sugerem que não houve mudança significativa na persistência da taxa de câmbio real, que continua não estacionária.

Palavras-chave:
paridade do poder de compra; persistência; integração fracionária; taxa de câmbio real

Abstract:

Since 1973, the widespread adoption of floating exchange rates amongst regimes, coupled with the opening of trade and greater financial integration between countries on a global level, has increased the volatility of the exchange rate. Therefore, it is difficulty to support the hypothesis of purchasing power parity. In this context, this study investigates the possibility of a decrease in the persistence of real exchange rates before and after the intensification of trade and financial integration among economies. Based on monthly data for twenty countries, the hypothesis of change in persistence is tested using the estimation of the fractional coefficient d for two periods: 1975-1994 and 1995-2011. Employing a robust estimator relative to conditional heteroskedasticity, the study can provide more reliable evidence on the stationarity of the real exchange rate. The results suggest no significant change in the persistence of the real exchange rate which is still nonstationary.

Keywords:
purchasing power parity; persistence; fractional integration; real exchange rate

1. Introdução

A lei do preço único afirma que um produto vendido em diferentes países deve ter o mesmo preço de venda, nas diferentes moedas, após a conversão pela taxa de câmbio. O diferencial de preço observado após a conversão seria eliminado pela arbitragem promovida pelos agentes econômicos. Agregando-se os diferentes bens e serviços (valores), o corolário da lei do preço único é que a taxa de câmbio real deve convergir para uma constante no longo prazo, resultando na hipótese da paridade do poder de compra (PPP).1 1 Do inglês, Purchasing Power Parity. Na sua versão relativa, as variações na taxa de câmbio real devem acompanhar, na mesma direção, o diferencial de inflação entre os países. Na versão absoluta, a taxa de câmbio real seria constante no longo prazo, cujo valor central seria a unidade.

A importância dessa suposição teórica na macroeconomia é amplamente reconhecida teórica e empiricamente (Obstfeld; Rogoff, 1996OBSTFELD, M., ROGOFF, K. Foundations of International Macroeconomics, Cambridge: MIT, 1996., Cap. 4). Suas vastas aplicações são muito conhecidas: escolha da taxa de câmbio inicial para um país recentemente independente; para fazer previsões de médio e longo prazo para a taxa de câmbio real; realizar comparações internacionais de renda, uma vez que preços e salários são cotados em diferentes unidades de medida.

Tradicionalmente a hipótese da paridade do poder de compra vem sendo estudada utilizando-se grande variedade de testes de raiz unitária, variando sua especificação, janela temporal e base de dados. A rejeição dessa hipótese é interpretada como evidência favorável à PPP. Nessa perspectiva, com dados para a taxa de câmbio real em uma amostra de vinte países, Taylor (2002TAYLOR, A. "A Century of Purchasing-Power Parity", Review of Economics and Statistics, 84(1), pp. 139-150, 2002., p. 144) conclui: "These results offer a powerful support for the PPP hypothesis in the twentieth century. Hence [...] I conclude that PPP has held in long run over the twentieth century for my sample of countries". Divino et al. (2009DIVINO, J. A., TELES, V. K., ANDRADE, J. P. "On the purchasing power parity for Latin-American countries", Journal of Applied Economics, vol. 12(1), pp. 33-54, 2009.) e Kim e Lima (2010KIM, S.; LIMA, L. R. "Local persistence and PPP the hypothesis", Journal of International Money and Finance, vol. 29, pp. 555-569, 2010.) são outros exemplos de trabalhos recentes que utilizam essa interpretação como evidência empírica que validaria a hipótese da PPP.

Com relação a essa abordagem, não houve consenso quanto à validade da PPP para um grande número de países. Em uma substancial survey, mais recentemente Taylor e Taylor (2004TAYLOR, A., TAYLOR, M. "The Purchasing Power Parity Debate" Journal of Economic Perspectives, 18(4), pp. 135-158, 2004., p. 143) concluem: "The flurry of empirical studies employing these types of tests [...] among major industrialized countries that emerged [...] were unanimous in their failure to reject the unit root hypothesis for major real exchange rates - this was probably due to the low power of the tests".

O baixo poder dos testes persistiu na literatura, apesar de uma variedade de autores aumentarem o tamanho das amostras através de simulações ou pelo acréscimo de observações e também mais países na base de dados (Lothian; Taylor, 1997LOTHIAN, J., TAYLOR, M. "Real exchange rate behavior: the problem of power and sample size", Journal of International Money and Finance, vol. 16(6), pp. 945-54, 1997.; Sarno; Taylor, 2002SARNO, L., TAYLOR, M. "Purchasing Power Parity and the Real Exchange Rate", IMF Staff Papers, 49(1), pp. 65-105, 2002.). Com efeito, o acréscimo de dados para períodos históricos mais longos fez surgir a indagação de como interpretar os resultados, já que incluíam tão diferentes regimes cambiais ou períodos históricos tão distintos.

Estudos mais recentes reforçam a controvérsia. Engel (2000ENGEL, C. "Lon-run PPP may not hold after all", Journal of International Economics, vol. 57, pp. 243-273, 2000.) sugere que a enorme dispersão de preços entre os países deve ser compreendida a partir do comportamento não estacionário da taxa de câmbio, consistente com o efeito Balassa-Samuelson (Balassa, 1964BALASSA, B. "The Purchasing Power Parity Doctrine: A Reappraisal", Journal of Political Economy, 72, pp. 584-596, 1964.). Países desenvolvidos apresentam níveis de preços sensivelmente maiores do que os países em desenvolvimento por causa da estrutura produtiva e da alta participação dos serviços no produto.

No geral, os resultados apresentados por Engel (2000ENGEL, C. "Lon-run PPP may not hold after all", Journal of International Economics, vol. 57, pp. 243-273, 2000.) não corroboram a hipótese da paridade do poder de compra. Do mesmo modo, Rogoff (1996ROGOFF, K. "The Purchasing Power Parity Puzzle", Journal of Economic Literature, vol. 34(2), pp. 647-668, 1996.) constata uma substancial dispersão de preços entre os países, a partir da base de dados de Summers e Heston (1991SUMMERS, R.; HESTON, A. "Pen World Tables (mark 5): an expanded set of international comparisons, 1950-88", Quarterly Journal of Economics, vol. 106, pp. 327-368, 1991.).

Além do baixo poder dos testes de raiz unitária apontado anteriormente (Taylor; Taylor, 2004TAYLOR, A., TAYLOR, M. "The Purchasing Power Parity Debate" Journal of Economic Perspectives, 18(4), pp. 135-158, 2004.), outra limitação dessa abordagem é investigar apenas os casos extremos, em que o processo é considerado integrado de ordem d, denotado por , onde d pode assumir apenas os valores 0 ou 1.

Em razão dessas limitações, na mesma direção do trabalho de Okimoto e Shimotsu (2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010.), este estudo propõe a adoção de uma abordagem fracionária para buscar evidências sobre a hipótese da paridade do poder de compra para uma amostra de vinte países. Em relação ao trabalho de Okimoto e Shimotsu (2010)OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010., o trabalho pretende avançar nos seguintes aspectos: a) utilizar uma base de dados com maior número de observações e mais representativa da competitividade dos países; b) realizar as estimações para maior número de países; c) testar a mudança na persistência com métodos não paramétricos.

Nessa perspectiva, a abordagem fracionária constitui uma alternativa bastante flexível em relação aos casos extremos indicados acima, visto que o coeficiente fracionário d pode assumir qualquer valor real no intervalo . Com a estimação do coeficiente de memória longa, pode-se testar formalmente a hipótese nula de manutenção da persistência contra a hipótese alternativa de mudança ou a queda na persistência da taxa de câmbio real .

Há boas razões que podem ajudar e explicar por que a persistência da taxa de câmbio real pode ter caído, nas últimas quatro décadas, em vários países. Vários trabalhos documentam o aumento substancial da integração financeira entre as economias, que se expandiu gradualmente nos países industrializados durante os anos 1970 e 1980 sob o argumento da "repressão financeira", e de forma acelerada a partir dos anos 1990 até o presente (Lane; Milesi-Ferretti, 2006LANE, P., MILESI-FERRETTI, G. "The external wealth of nations mark II: revised and extended estimates of foreign assets and liabilities, 1970-2004", IMF Working Paper 06/692006.). Concomitantemente às mudanças institucionais apontadas, as décadas de 1980 e 1990 testemunharam também espetacular expansão da participação dos mercados asiáticos no mercado global de capitais.

Utilizando índices de preço das ações com fechamento diário para sete países, empregando vários testes para cointegração, Arshanapalli et al. (1995ARSHANAPALLI, B.; DOUKAS, J.; LANG, L. H. P. "Pre and post-October 1987 stock market linkages between U.S. and Asian markets", Pacific-Basin Financial Journal, vol. 3, pp. 57-73, 1995.) documentam o substancial aumento da interdependência entre o mercado de capitais dos Estados Unidos, do Japão, de Hong Kong, da Malásia, das Filipinas, de Singapura e da Tailândia após o crash de 1987. Os resultados encontrados por Eun e Shim (1989EUN, C. S.; SHIM, S. "International Transmission of Stock Market Movements", Journal of Financial and Quantitative Analysis, vol. 24(2), pp. 241-256, 1989.) vão à mesma direção; todavia, os autores encontram substancial evidência de influências multilaterais entre nove bolsas de valores em que o mercado norte-americano constitui o principal centro de irradiação para os demais mercados. 2 2 A esse respeito, ver especialmente Lau e McInish (1993).

Sensier e van Dijk (2004SENSIER, M.; van DIJK, D. "Testing for volatility changes in US macroeconomic time series", Review of Economics and Statistics, vol. 86(3), pp. 833-839, 2004.) constatam o declínio da volatilidade em várias séries econômicas (emprego, consumo, salários e preços) nos Estados Unidos, a partir de meados dos anos 1980, o que pode estar contribuindo para a estabilização das demais economias, através da maior interdependência entre as economias. Na mesma direção, Ahmed et al. (2004AHMED, S.; LEVIN, A.; WILSON, B. A. "Recent U.S. Macroeconomic Stability: Good Policies, Good Practices, or Good Luck?", Review of Economics and Statistics, vol. 86(3), pp. 824-832, 2004.) reportam uma queda substancial na volatilidade do produto dos EUA, no período 1984-2002, nas componentes da demanda agregada e nos preços ao consumidor quando comparado com período pré-1984.

Ainda sob esse enfoque, estudando o comportamento da inflação em várias economias, Kumar e Okimoto (2007KUMAR, M. S.; OKIMOTO, T. "Dynamics of Persistence in International Inflation Rates", Journal of Money, Credit and Banking, vol. 39(6), pp. 1457-1479, 2007.) encontram notável queda na persistência da inflação desde os anos 1980, nos Estados Unidos e nos países do G7, exceto na Itália.

Em que pese a contribuição dos fatores acima para a estabilização das economias em geral, a taxa de câmbio real pode ter preservado seu caráter não estacionário graças ao aumento substancial de sua volatilidade no período de câmbio flutuante (desde 1973), com impactos negativos sobre a produção e o comércio de várias economias (Rajan et al., 2002RAJAN, R. S., SEN, R.; SIREGAR, R. "Hong Kong, Singapore and the East Asian Crisis: How Important Were Trade Spillovers?", The World Economy, vol. 25(4), pp. 503-537, 2002. ). Sobre esse aspecto, Rogoff (1996ROGOFF, K. "The Purchasing Power Parity Puzzle", Journal of Economic Literature, vol. 34(2), pp. 647-668, 1996., p. 647) observa que, para o período de um mês, a volatilidade da taxa de câmbio real é da mesma ordem da volatilidade da taxa de câmbio nominal. Segundo o autor: "Price differential volatility is surprisingly large even when one confines attention to relatively homogenous classes of highly traded goods".

Eichengreen et al. (1996EICHENGREEN, B.; ROSE, A.; WYPLOSZ, C. "Contagious Currency Crises", NBER Working Paper 5681, National Bureau Economic Research, 1996.) documentam o efeito contágio de vários ataques especulativos sobre a taxa cambial em uma amostra de vinte países industriais no período 1959-1993. A maior integração financeira e comercial entre as economias pode ter contribuído para reforçar o caráter volátil da taxa cambial. Os autores concluem que as crises cambiais aumentam em 0,08 a probabilidade de ataques especulativos, com efeitos adversos sobre a competitividade e o comércio dos países, independentemente dos fundamentos macroeconômicos.

Tendo em conta os fatores que contribuem para a estabilização nas economias e sua possível repercussão sobre os demais países com os quais são feitas transações financeiras e comerciais, resta saber se essas influências estabilizadoras estão sendo transmitidas também para o nível de competitividade dos países em geral, compensando a volatilidade do câmbio nominal e favorecendo a hipótese da paridade do pode de compra. As mudanças institucionais implantadas em vários países na década de 1990, como a abertura econômica e maior integração financeira, poderiam ter tornado a taxa de câmbio real estacionária, com baixa persistência.

Em síntese, o objetivo do estudo é investigar a hipótese da paridade do poder de compra na perspectiva fracionária através do estimador local de Whittle, robusto à heteroscedasticidade condicional dos dados, para testar a hipótese de mudança na persistência da taxa de câmbio real efetiva antes e depois da abertura econômica e da liberalização financeira da década de 1990.

A hipótese central do estudo é de que o coeficiente de persistência será estatisticamente menor na maior parte dos países após a integração financeira e comercial na década de 1990 pela ação dos fatores estabilizadores, o que pode ter tornado a taxa de câmbio real estacionária, levando as economias em direção à paridade do poder de compra.

Em geral, os resultados encontrados não corroboram as conclusões de Okimoto e Shimotsu (2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010.). Para a maior parte dos países da amostra (65%), houve aumento na persistência da taxa de câmbio real. A hipótese de igualdade na persistência antes e depois das mudanças institucionais dos anos 1990 não pode ser rejeitada. Não há mudança estatisticamente significativa na persistência da taxa de câmbio real. No geral, os resultados alcançados são qualitativamente os mesmos obtidos recentemente por Marques e Pesavento (2015MARQUES, A. M.; PESAVENTO, F. "Searching for long-range dependence in real effective exchange rate: towards parity?", Estudos Econômicos, vol. 45(4), pp. 821-857, 2015. ). 3 3 Marques e Pesavento (2015), partindo da mesma hipótese e utilizando a mesma base de dados, generalizaram os resultados inicialmente obtidos neste trabalho utilizando: 1) duas variedades de testes adicionais para a persistência permitindo a mudança na trajetória das séries (para uma e duas mudanças estruturais, com a data da mudança estimada a partir dos dados); 2) utilizando um estimador semiparamétrico com redução de viés para o coeficiente fracionário (no domínio da frequência), introduzido recentemente por Andrews e Guggenberger (2003); 3) utilizando técnicas de janela móvel, permitindo a comparação direta com o trabalho de Okimoto e Shimotsu (2010).

O trabalho está organizado do seguinte modo. Após a Introdução, na seção dois, é apresentada a metodologia e descrita a base de dados; na seção três, é especificado o modelo econométrico utilizado nas estimações. Na seção quatro, são apresentados e discutidos os resultados encontrados. Na seção cinco, são feitos os comentários finais.

2. Metodologia e base de dados

2.1 Metodologia

A estratégia metodológica adotada neste trabalho seguiu dois estágios. Inicialmente, foi analisada a literatura sobre integração financeira e abertura econômica visando detectar um momento considerado razoável para separar a amostra em duas partes. Neste estudo, não houve nenhuma tentativa de identificar exatamente a data que indicaria uma mudança estrutural no índice de integração financeira entre as economias, nem se essa mudança seria abrupta ou suave. Seria necessário um trabalho complementar para responder a essa questão. Por isso, o teste de hipóteses feito neste estudo pode ser considerado conservador, uma vez que será estatisticamente significativo apenas se a mudança no coeficiente fracionário for mesmo substancial. A seguir, após o exame da literatura e a separação da amostra em duas partes com base no trabalho de Lane e Milesi-Ferretti (2003LANE, P., MILESI-FERRETTI, G., "International Financial Integration", IMF Staff Papers, Vol. 50 Special Issue , pp. 82-113 (Washington, D.C.: International Monetary Fund), 2003., 2006), procedeu-se à estimação do coeficiente fracionário d para cada período separadamente. O coeficiente fracionário d mede a persistência de uma série temporal no longo prazo.

A separação em dois grupos com períodos históricos tão distintos pode ter alterado a distribuição dos dados, bem como a média e a variância do processo. Por isso, deseja-se comparar duas populações sem pressupor que suas distribuições são normais e homoscedásticas. Para tanto, dois testes não paramétricos foram utilizados: o teste de McNemar e o teste de Wilcoxon. Ambos são robustos para pequenas amostras sem pressupor distribuição normal e homoscedasticidade dos dados.

Uma vez estimado o coeficiente fracionário para cada subperíodo histórico, a hipótese que se deseja testar é a de igualdade da persistência dos dois períodos () contra a hipótese alternativa de mudança na persistência da taxa de câmbio real , devido às razões expostas na Introdução.

2.2 Descrição da base de dados

A seleção da base de dados a ser utilizada no trabalho leva em conta a disponibilidade de séries mensais para o período pós-1973 no banco de dados do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2012INTERNATIONAL MONETARY FUND. International Financial Statistics. CD-ROM, 2012.). Busca-se uma medida de taxa de câmbio que possa refletir com maior precisão a competitividade entre os países.

No geral, grande parte dos trabalhos utiliza a taxa de câmbio real sem levar em conta o peso do comércio entre os países. Todavia, há evidência bem documentada de que o saldo comercial influencia fortemente o comportamento da taxa de câmbio real (Helmers, 1991HELMERS, F. "The real exchange rate", In: DORNBUSCH, R., HELMERS, F. (eds.). The Open Economy: tools for policymakers in developing countries, Oxford: Oxford University Press, pp. 10-33, 1991.; Joyce; Kamas, 2003JOYCE, J. P.; KAMAS, L. "Real and nominal determinants of real exchange rates in Latin America: short-run dynamics and long-run equilibrium", Journal of Development Studies, vol. 39(6), pp. 155-182, 2003.; Okimoto; Shimotsu, 2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010.). Por esse motivo, Cline e Williamson (2011CLINE, W. R., WILLIMANSON, J. "Estimates of Fundamental Equilibrium Exchange Rates", Policy Brief, Peterson Institute for International Economics, Number PB11-05, 2011., p. 2) concluem:

the relevant exchange rate concept is an effective rate, i.e., one which in foreign currencies are taken to account and weighted by their importance in the foreign trade of the country in question to form a single estimate of the exchange rate. The practice of measuring a currency's value in terms of the currency of single trading partner and calling this 'the exchange rate' is quite wrong for any country with reasonably diversified trade.

Portanto, a variável utilizada no estudo foi a taxa de câmbio real efetiva com base no índice de preços ao consumidor para cada país individual, extraída do CD-ROM do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2012INTERNATIONAL MONETARY FUND. International Financial Statistics. CD-ROM, 2012.). A base de dados utilizada apresenta certa heterogeneidade no período de coleta dos dados; por isso, a Tabela 1 abaixo apresenta a variável por país e também por período em que os dados estão disponíveis. A medida de integração financeira desenvolvida por Lane e Milesi-Ferretti (2003LANE, P., MILESI-FERRETTI, G., "International Financial Integration", IMF Staff Papers, Vol. 50 Special Issue , pp. 82-113 (Washington, D.C.: International Monetary Fund), 2003.) fornece fortes indícios de que a aceleração da integração financeira se deu em torno de 1990;4 4 Ver Lane e Milesi-Ferretti (2003, Figura 1, p. 25). por essa razão, a amostra foi dividida em dois períodos: 1975-1994 e 1995-2011. Santos-Paulino (2002SANTOS-PAULINO, A. U. "Trade liberalization and export performance in selected developing countries", Journal of Development Studies, vol. 39(1): 140-164, 2002., Tab. 1) sugere, em média, o mesmo ano para a abertura comercial de grande parte dos países da amostra.5 5 A trajetória de elevação da taxa de câmbio real, pela metodologia do Fundo Monetário Internacional, significa uma apreciação cambial e uma trajetória de queda, uma depreciação cambial (elevação na competitividade).

Tabela 1:
Amostra de países - vários períodos

3. Modelo econométrico e teste para mudanças nas condições

3.1 Estimador local de Whittle

Desde a contribuição de Robinson (1995ROBINSON, P. M. "Log-periodogram regression of time series with long range dependence", Annals of Statistics, vol. 23(3), pp. 1048-1072, 1995.), a estimação semiparamétrica do coeficiente fracionário d tem sido uma ativa área de pesquisa. No domínio da frequência, duas abordagens têm sido intensamente estudadas na literatura: a regressão do logaritmo do periodograma (GPH; Geweke; Porter-Hudak, 1983GEWEKE, J.; PORTER-HUDAK, S. "The estimation and application of long memory time series models", Journal of Time Series Analysis, vol. 4(4), pp. 221-238, 1983.) e o estimador local de Whittle (LW, Künsch, 1987KÜNSCH, H. "Statistical aspects of self-similar processes". In: Yu. A. Prohorov and V.V. Sazonov (eds.), Proceedings of the 1st World Congress of the Bernoulli Society Vol.1, Science Press, Utrecht, 67-74, 1987.).

O estimador GPH não envolve maiores complicações computacionais, uma vez que requer apenas regressão por mínimos quadrados; porém, ele é sensivelmente menos eficiente que LW, baseado no princípio da máxima verossimilhança.

Por esse motivo e pelas demais razões expostas logo abaixo, a opção feita neste trabalho foi pelo estimador local de Whittle para medir a persistência da taxa de câmbio real efetiva.

Seja a ordem de integração de um processo fracionário. O processo integrado de ordem d é definido por:

onde é a média, é o operador de defasagens e tem média zero e variância constante. Onde,

em que é função gama.

Diz-se que o processo tem memória longa se , memória curta se , é considerado antipersistente se e será um processo de memória longa (não estacionário), com variância infinita, porém reversível à média, se . Quando o coeficiente fracionário assume valores acima da unidade a série possui variância infinita e é considerada irreversível à média. Sejam e as densidades espectrais de e , respectivamente. Então, a equação (1) implica:

O estimador LW é devido a Whittle (1953WHITTLE, P. "Estimation and information in stationary time series", Arkiv för Matematik, vol. 2, pp. 423-434, 1953.), com modificações sugeridas por Fox e Taqqu (1986FOX, R.; TAQQU, M. S. "Large-sample properties of parameter estimates for strongly dependent stationary Gaussian time series", Annals of Statistics, vol. 14(2), pp. 517-532, 1986.), está baseado no periodograma e envolve a função:

onde é a função densidade espectral conhecida na frequência e denota o vetor de parâmetros desconhecidos.

Para um modelo ARFIMA (p, d, q), o vetor contém o coeficiente d e os coeficientes autorregressivos e de médias móveis. O estimador LW é o valor de que minimiza a função . Isto é, para fins computacionais, a estimação de d envolve a forma discreta6 6 Ver Dahlhaus (1989, p. 1753) e Beran (1994, p. 116 e ss.). de , isto é:

Dahlhaus (1989DAHLHAUS, R. "Efficient parameter estimation for self-similar processes", Annals of Statistics, vol. 17(4), pp. 1749-1766, 1989.) e Yajima (1985YAJIMA, Y. "On estimation of long memory time series models", Australian Journal of Statistics, vol. 27, pp. 303-320, 1985.) mostram que o estimador de máxima verossimilhança do coeficiente d é consistente, normalmente distribuído assintoticamente e eficiente no sentido de Fisher.

Adicionalmente, Shao e Wu (2007SHAO, X.; WU, W. B. "Local Whittle estimation of fractional integration for nonlinear processes", Econometric Theory, vol. 23, pp. 899-929, 2007.) mostram que o coeficiente fracionário obtido pelo estimador local de Whittle é robusto à heteroscedasticidade condicional. Isso constitui propriedade bastante desejável, já que heteroscedasticidade condicional é uma característica geral de séries de taxa de câmbio.

Nas simulações computacionais realizadas por Reisen et al. (2013REISEN, V.; ABRAHAM, B., LOPES, S. "Estimation of Parameters in ARFIMA Processes: A Simulation Study", Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://mat.ufrgs.br/~slopes/artigos/verfinal.pdf >. Acesso: 10 abr. 2013.
http://mat.ufrgs.br/~slopes/artigos/verf...
) e também por Hurvich e Ray (2003HURVICH, C. M.; RAY, B. K. "The local Whittle estimator of long-memory stochastic volatility", Journal of Financial Econometrics, vol. 1(3), pp. 445-470, 2003.), dentre todos os estimadores considerados, inclusive o GPH, o estimador de Whittle mostrou-se o mais eficiente e o menos viesado, fornecendo intervalos de confiança mais precisos para inferência.

A importância da escolha do estimador local de Whittle é justificada pelos seguintes motivos. Primeiro, nas simulações visando medir a eficiência e o viés do estimador, o estimador local de Whittle tem apresentado melhor desempenho em relação aos demais estimadores.7 7 Veja-se, por exemplo, Reisen et al. (2013) para uma descrição dos demais estimadores de memória longa.

Segundo, um processo integrado de ordem d, quando , pode acomodar o lento decaimento hiperbólico das autocorrelações e das funções impulso-resposta que são inconsistentes com processos de ordem ou . A dinâmica de longo prazo desse processo é governada unicamente pelo coeficiente fracionário d, que é sua medida de persistência a choques.

Terceiro, a estimativa do coeficiente fracionário d como medida de persistência não requer a formulação de um modelo específico para se obter a ordem de integração, d. Em outras palavras, não é feita nenhuma suposição sobre a exata estrutura do processo gerador dos dados no curto prazo (coeficientes autorregressivos e de médias móveis). Isso porque, com a abordagem fracionária, é possível isolar a memória de curto prazo da memória de longo prazo, medida pelo coeficiente fracionário.8 8 Em uma abordagem no domínio da frequência, a inclusão de componentes AR e MA pode sacrificar a estimação do coeficiente fracionário d. Isto é, o melhor ajuste para a memória de curto prazo pode significar o pior ajuste para a memória de longo prazo. Ver Sowell (1992, p. 279).

Como observam Kumar e Okimoto (2007KUMAR, M. S.; OKIMOTO, T. "Dynamics of Persistence in International Inflation Rates", Journal of Money, Credit and Banking, vol. 39(6), pp. 1457-1479, 2007., p. 1461): "A more fundamental attraction of using the value of d as a measure of persistence is that it does not require the formulation of a specific model to estimate order of integration". [...] However, one important drawback of this measure may appear to be the researcher's inability to measure short-run persistence (AR e MA)". Isso porque o coeficiente d é o principal determinante do lento decaimento hiperbólico das autocorrelações do processo de memória longa e da função impulso-resposta. Como a hipótese da paridade do poder de compra é formulada em uma perspectiva de longo prazo, a medida de persistência escolhida é consistente com hipótese teórica que está sendo examinada.

3.2 Estatísticas de McNemar e Wilcoxon

Para comparar mudança nas condições "antes" e "depois", em que os casos são utilizados como o próprio controle (amostras pareadas), Siegel e Castellan (1988SIEGEL, S.; CASTELLAN, N. J. Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences, New York: McGraw-Hill, 1988.) sugerem o emprego do teste de McNemar ou do teste de Wilcoxon. A fim de obter mais confiabilidade, ambosTHE R DEVELOPMENT CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria, 2013. foram utilizados no estudo. A virtude de ambos é que podem ser utilizados para pequenas e grandes amostras sem pressupor a normalidade e a variável não precisa ser necessariamente medida em escala contínua.

A estatística do teste de McNemar é calculada conforme a expressão,

onde A é o número de países em que houve queda na persistência, e D é o número de países em que houve aumento na persistência. A estatística de McNemar segue uma distribuição Qui-Quadrado com um grau de liberdade ().

O teste de Wilcoxon requer a atribuição de scores para cada diferença entre os coeficientes fracionários obtidos sob as duas diferentes condições (antes e depois da década de 1990). Essas diferenças são ranqueadas, e o somatório dos postos resulta em uma estatística T, cujo valor depende do tamanho da amostra pareada (N=20). Quando o tamanho da amostra é maior do que 15, mostra-se que a estatística T é normalmente distribuída com média,

E variância dada por,

Por isso, para uma amostra de vinte países, a estatística de Wilcoxon é normalmente distribuída com média zero e variância unitária dada por,

A hipótese nula de ambos os testes é de que não há diferença estatisticamente significativa entre as duas condições. A seção seguinte apresenta os resultados alcançados no trabalho.

4. Resultados e discussão

Nesta seção, são reportados os resultados para a amostra completa e também para a amostra particionada. No caso da amostra particionada, o primeiro período vai de janeiro de 1975 a dezembro de 1994, e o segundo período vai de janeiro de 1995 a dezembro de 2011. No total, têm-se 20 países, com dados mensais de janeiro de 1975 a novembro de 2011.

Para alguns países, havia dados disponíveis antes de 1975; todavia, esse ano foi escolhido como período inicial porque já reflete a adoção generalizada do regime de câmbio flexível pelos países da amostra. Ao final, são expostos os resultados dos testes de McNemar e Wilcoxon para a igualdade na persistência.

Os resultados da Tabela 2 foram obtidos pelo estimador local de Whittle, do seguinte modo. Como a série diferenciada de um processo é , a estimativa do coeficiente fracionário foi obtida inicialmente para a primeira diferença da taxa de câmbio real efetiva, acrescentando-se a unidade ao final para se obter o coeficiente fracionário d.

A seguir, foi calculado um intervalo de confiança de 0,95 de probabilidade utilizando-se a distribuição normal. Para fins de comparação, a tabela também informa o resultado do teste para a hipótese nula de raiz unitária do teste de Phillips e Perron (1988PHILLIPS, P.C.B.; PERRON, P. "Testing for a unit root in time series regression", Biometrika, 75(2), pp. 335-346, 1988.) para o modelo com constante (PPc) e para o modelo com constante e tendência (PPc,t).

O resultado mais notável é a concordância de ambos os testes quanto à predominância da estacionariedade da taxa de câmbio real no caso de Israel, em que o coeficiente fracionário se situa significativamente abaixo da unidade a 1% de probabilidade, e também a hipótese de raiz unitária é rejeitada com o mesmo nível de significância pelo teste de Phillips e Perron (1988PHILLIPS, P.C.B.; PERRON, P. "Testing for a unit root in time series regression", Biometrika, 75(2), pp. 335-346, 1988.) para o modelo com e sem tendência.

Nos demais casos (França, China e Noruega), os resultados para a hipótese de raiz unitária não são inequívocos, de modo que o mais seguro é concluir pela não rejeição da hipótese nula. Essa conclusão é razoável, especialmente quando se compara o coeficiente fracionário estimado por Okimoto e Shimotsu (2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010., p. 400) para cada um desses países (exceto China, que não era parte da amostra dos autores), cujo intervalo de confiança inclui a estimativa por ponto da Tabela 2 abaixo. Neste caso, o presente trabalho apenas corrobora os resultados encontrados por Okimoto e Shimotsu (2010)OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010..

A análise dos resultados expostos na Tabela 2 permite que sejam extraídas as seguintes conclusões. Primeiro, dos vinte países, apenas Israel apresenta um coeficiente fracionário abaixo da unidade tanto na estimativa por ponto quanto por intervalo, resultado que é confirmado pela rejeição, a 1% de probabilidade, da hipótese de raiz unitária no modelo com e sem tendência. Único caso em que a taxa de câmbio real pode ser considerada inequivocamente estacionária, com baixa persistência.

Ainda sobre os resultados do teste de Phillips e Perron (1988PHILLIPS, P.C.B.; PERRON, P. "Testing for a unit root in time series regression", Biometrika, 75(2), pp. 335-346, 1988.), em todos os demais casos a hipótese de raiz unitária não pode ser rejeitada a 1% de probabilidade, o que é coerente com a estimação do intervalo de confiança do coeficiente fracionário da segunda coluna da Tabela 2, e também com os resultados de Okimoto e Shimotsu (2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010., p. 400).

Não obstante os resultados indiquem o comportamento não estacionário da taxa de câmbio real para a mostra completa, no geral acima da unidade, as mudanças institucionais implantadas na década de 1990 podem ter alterado essa característica da série.

Tabela 2:
Estimativas para a amostra completa. Resultados. ARFIMA (0,d,0)

O particionamento da amostra foi feito de modo a separar, aproximadamente, o mesmo número de observações em cada estimação, antes e depois das reformas de liberalização comercial nos países em desenvolvimento, descritas em Santos-Paulino (2002) SANTOS-PAULINO, A. U. "Trade liberalization and export performance in selected developing countries", Journal of Development Studies, vol. 39(1): 140-164, 2002.e em Lane e Milesi-Ferretti (2003LANE, P., MILESI-FERRETTI, G., "International Financial Integration", IMF Staff Papers, Vol. 50 Special Issue , pp. 82-113 (Washington, D.C.: International Monetary Fund), 2003., 2006LANE, P., MILESI-FERRETTI, G. "The external wealth of nations mark II: revised and extended estimates of foreign assets and liabilities, 1970-2004", IMF Working Paper 06/692006.). Como o período inicial de cada país nem sempre coincide, o número de observação no primeiro período é em geral diferente do segundo.

É importante notar, porém, que a liberalização comercial e financeira foi intensificada depois dos anos 1990, como apontam os estudos de Lane e Milesi-Ferretti (2003LANE, P., MILESI-FERRETTI, G., "International Financial Integration", IMF Staff Papers, Vol. 50 Special Issue , pp. 82-113 (Washington, D.C.: International Monetary Fund), 2003., 2006LANE, P., MILESI-FERRETTI, G. "The external wealth of nations mark II: revised and extended estimates of foreign assets and liabilities, 1970-2004", IMF Working Paper 06/692006.) e Santos-Paulino (2002)SANTOS-PAULINO, A. U. "Trade liberalization and export performance in selected developing countries", Journal of Development Studies, vol. 39(1): 140-164, 2002.. Analisando-se a Tabela 3 abaixo, duas importantes conclusões podem ser extraídas. Não há evidência de estacionariedade para a taxa de câmbio real efetiva em nenhum dos países, uma vez que o coeficiente fracionário não se situa abaixo da unidade nem antes (exceção de Luxemburgo), nem depois (exceção da Suíça) das reformas de liberalização comercial e integração dos mercados financeiros.

Além disso, na maior parte das economias analisadas, ocorreu um aumento substancial na persistência da taxa de câmbio real, e não uma queda, como foi enfatizada por alguns autores anteriormente (ver, por exemplo, Okimoto; Shimotsu, 2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010.). De fato, em treze países (Áustria, Bélgica, Finlândia, Dinamarca, Suécia, Nova Zelândia, Luxemburgo, China, Brasil, Israel, México, Noruega e Hungria), houve substancial aumento no valor do coeficiente fracionário de 1995 em diante.

Em um segundo grupo de países, formado por França, Malásia, Espanha, Chile, Suíça, Estados Unidos e Inglaterra, ocorreu queda na persistência. Neste caso, exceto Suíça, todos os coeficientes continuam acima da unidade, indicando alta persistência, e não estacionariedade. Isto é, apesar da queda na persistência, ela não foi suficiente para tornar a competitividade estacionária nesses países. A última questão a ser analisada com base nos resultados apontados é saber se essa mudança na persistência da taxa de câmbio real pode ser generalizada para um grande número de países, como a tabela acima sugere ou se não houve mudança significativa na persistência mesmo com as mudanças institucionais implantadas na década de 1990.

Tabela 3:
Estimativas para a amostra particionada: 1975:01-1994:12; 1995:01-2011:11

Para testar se as mudanças nas condições institucionais dos países alteraram significativamente a persistência da taxa de câmbio real dos países em geral, foram utilizados os testes não paramétricos de Wilcoxon e de McNemar. A vantagem de ambos os testes, comparados à sua alternativa paramétrica, é de que eles que não exigem a suposição de normalidade, nem igualdade das variâncias, e o poder do teste é alto mesmo para pequenas amostras.

Os resultados dos testes apresentados na Tabela 4 abaixo permitem concluir que a hipótese nula de igualdade de persistência (manutenção da persistência), antes e depois das mudanças institucionais, não pode ser rejeitada a 0,05 de probabilidade. Em outras palavras, as mudanças institucionais introduzidas nas várias economias nos anos 1990 não tornaram a taxa de câmbio real menos persistente nem estacionária.

Os resultados para a os testes de McNemar e Wilcoxon estão sumariados na Tabela 4 abaixo:

Tabela 4:
Testes não paramétricos para a mudança na persistência. Resultados.

Conclui-se que, quando adequadamente medida a evolução da competitividade entre os países tendo-se em conta o peso do comércio entre as economias, com maior quantidade de países e séries mais longas, não há evidências de que a integração comercial e a liberalização financeira tenha reduzido a persistência da taxa de câmbio real, em direção à paridade.

Ao contrário, os resultados sugerem, no mínimo, que a não estacionariedade da taxa de câmbio real é uma característica ainda predominante na maior parte dos países, em que o efeito Balassa-Samuelson baseado nas diferentes estruturas de produção das economias, e a volatilidade da taxa de câmbio nominal merecem mais atenção por parte dos economistas.9 9 O efeito Balassa-Samuelson refere-se à ocorrência, por longos períodos de tempo, de índices gerais de preço mais elevados nos países industrializados em relação aos países em desenvolvimento, contribuindo para a manutenção dos diferenciais de preços entre os países e, portanto, para a rejeição da hipótese da paridade do poder de compra. Especificamente, pela composição setorial do produto nesses países, em que os serviços (não comercializáveis) em geral constituem a maior parcela, os salários podem ser maiores, já que os serviços em geral não concorrem internacionalmente, contribuindo para elevar o índice geral de preços que contempla todos os setores (serviços, agropecuária e indústria).

5. Conclusões

Tendo em conta os fatores que contribuem para a estabilização nas economias e sua possível repercussão sobre os demais países através da maior integração financeira e comercial, o objetivo do estudo era verificar se as influências estabilizadoras estão sendo transmitidas também para o nível de competitividade dos países, compensando a volatilidade da taxa de câmbio nominal, favorecendo, assim, a hipótese da paridade do pode de compra. As mudanças institucionais implantadas em vários países na década de 1990 poderiam ter tornado a taxa de câmbio real estacionária, com baixa persistência.

A metodologia consistiu em empregar uma abordagem fracionária, alternativa aos testes de raiz unitária, através do estimador local de Whittle, que é robusto à heteroscedasticidade condicional dos dados. A persistência da taxa de câmbio real foi estimada para dois períodos históricos: antes e depois da abertura econômica e liberalização financeira da década de 1990.

A hipótese central do estudo era de que o coeficiente de persistência seria estatisticamente menor na maior parte dos países após a integração financeira e comercial desde os anos 1990 pela ação dos fatores estabilizadores, que estariam compensando a volatilidade da taxa de câmbio nominal. Em geral, os resultados encontrados não corroboram as conclusões de Okimoto e Shimotsu (2010OKIMOTO, T.; SHIMOTSU, K. "Decline in the persistence in the real exchange rates, but not sufficient for purchasing power parity", Journal of the Japanese and International Economies, vol. 24, pp. 395-411, 2010.). Para a maior parte dos países da amostra (65%), houve aumento na persistência da taxa de câmbio real.

A hipótese de igualdade na persistência antes e depois das mudanças institucionais dos anos 1990 não pode ser rejeitada a 0,05 de probabilidade. Portanto, não há evidência de mudança estatisticamente significativa na persistência da taxa de câmbio real.

Uma das limitações do estudo é não analisar, em detalhes, os fatores que podem ter contribuído para o aumento ou a manutenção da persistência da taxa de câmbio real entre os países, no período analisado. Esta tarefa está além do alcance deste trabalho.

Agradecimentos

O autor agradece às valiosas sugestões do(s) parecerista(s) anônimo(s) da Revista e aos comentários dos professores Erik A. Figueiredo e Vinicius Aguiar de Souza em versão anterior do trabalho. O autor agradece o apoio financeiro do CNPq para a realização da pesquisa (processo 475415/2013-2) e a eficiente colaboração e assistência do Prof. Fábio Pesavento em vários estágios do trabalho. Eventuais erros remanescentes são de responsabilidade do autor.

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  • 1
    Do inglês, Purchasing Power Parity.
  • 2
    A esse respeito, ver especialmente Lau e McInish (1993)LAU, S. T.; McINISH, T. H. "Comovements of international equity returns: a comparison of the pre- and post-October 19, 1987, periods", Global Financial Journal, vol. 4(1), pp. 1-19, 1993..
  • 3
    Marques e Pesavento (2015)MARQUES, A. M.; PESAVENTO, F. "Searching for long-range dependence in real effective exchange rate: towards parity?", Estudos Econômicos, vol. 45(4), pp. 821-857, 2015. , partindo da mesma hipótese e utilizando a mesma base de dados, generalizaram os resultados inicialmente obtidos neste trabalho utilizando: 1) duas variedades de testes adicionais para a persistência permitindo a mudança na trajetória das séries (para uma e duas mudanças estruturais, com a data da mudança estimada a partir dos dados); 2) utilizando um estimador semiparamétrico com redução de viés para o coeficiente fracionário (no domínio da frequência), introduzido recentemente por Andrews e Guggenberger (2003)ANDREWS, D. W. K.; GUGGENBERGER, P. "A bias-reduced log-periodogram regression estimator for the long memory parameter", Econometrica, vol. 71(2): 675-712, 2003.; 3) utilizando técnicas de janela móvel, permitindo a comparação direta com o trabalho de Okimoto e Shimotsu (2010).
  • 4
    Ver Lane e Milesi-Ferretti (2003, Figura 1, p. 25)LANE, P., MILESI-FERRETTI, G., "International Financial Integration", IMF Staff Papers, Vol. 50 Special Issue , pp. 82-113 (Washington, D.C.: International Monetary Fund), 2003..
  • 5
    A trajetória de elevação da taxa de câmbio real, pela metodologia do Fundo Monetário Internacional, significa uma apreciação cambial e uma trajetória de queda, uma depreciação cambial (elevação na competitividade).
  • 6
    Ver Dahlhaus (1989, p. 1753) DAHLHAUS, R. "Efficient parameter estimation for self-similar processes", Annals of Statistics, vol. 17(4), pp. 1749-1766, 1989.e Beran (1994, p. 116 e ss.)BERAN, J. Statistics for long-memory processes, New York: Chapman and Hall, 1994..
  • 7
    Veja-se, por exemplo, Reisen et al. (2013)REISEN, V.; ABRAHAM, B., LOPES, S. "Estimation of Parameters in ARFIMA Processes: A Simulation Study", Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://mat.ufrgs.br/~slopes/artigos/verfinal.pdf >. Acesso: 10 abr. 2013.
    http://mat.ufrgs.br/~slopes/artigos/verf...
    para uma descrição dos demais estimadores de memória longa.
  • 8
    Em uma abordagem no domínio da frequência, a inclusão de componentes AR e MA pode sacrificar a estimação do coeficiente fracionário d. Isto é, o melhor ajuste para a memória de curto prazo pode significar o pior ajuste para a memória de longo prazo. Ver Sowell (1992, p. 279)SOWELL, F. "Modeling long-run behavior with the fractional ARIMA model", Journal of Monetary Economics, vol. 29, pp. 277-302, 1992..
  • 9
    O efeito Balassa-Samuelson refere-se à ocorrência, por longos períodos de tempo, de índices gerais de preço mais elevados nos países industrializados em relação aos países em desenvolvimento, contribuindo para a manutenção dos diferenciais de preços entre os países e, portanto, para a rejeição da hipótese da paridade do poder de compra. Especificamente, pela composição setorial do produto nesses países, em que os serviços (não comercializáveis) em geral constituem a maior parcela, os salários podem ser maiores, já que os serviços em geral não concorrem internacionalmente, contribuindo para elevar o índice geral de preços que contempla todos os setores (serviços, agropecuária e indústria).

Disponibilidade de dados

Citações de dados

INTERNATIONAL MONETARY FUND. International Financial Statistics. CD-ROM, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2013
  • Aceito
    11 Set 2014
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