Resumos
Atualmente o modelo clássico de formação docente tem sido revisto, discutindo-se a necessidade de um processo que permita maior participação do professor, como profissional e como pessoa. Nesse sentido o uso de técnicas projetivas pode se constituir em um procedimento útil a ser empregado nas propostas de formação. Elas foram utilizadas em um curso de formação contínua sobre Educação Ambiental, destinado a professores das séries iniciais do ensino fundamental. Neste trabalho apresento essa experiência, discutindo possibilidades que esse procedimento pode oferecer em termos da formação docente, a partir da análise de relatos feitos pelos professores participantes do curso.
formação docente; educação ambiental; técnicas projetivas; clarificação de valores
The traditional model of teacher education has been reviewed, for analyzing the need of a greater participation of the teacher in this process, as professional and also as an individual. Under this view, the use of projective techniques may constitute a useful procedure to be used on the teacher education programs. They were used in an in-service Environmental Education program directed to elementary school teachers. In this paper, this experience is presented and the possibilities that this procedure may offers in terms of teacher education are discussed from analysis of reports held by the teachers attending the program.
teacher education; environmental education; projective techniques; values clarification
RELATO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
Formação docente em educação ambiental utilizando técnicas projetivas
A teacher training for environmental education using projective techniques
Dalva Maria Bianchini Bonotto
Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista de Rio Claro
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dalva Maria Bianchini Bonotto Av. 24a nº 1515, Bela Vista Rio Claro - SP. CEP: 13506-900 E-mail: dalvambb@rc.unesp.br
RESUMO
Atualmente o modelo clássico de formação docente tem sido revisto, discutindo-se a necessidade de um processo que permita maior participação do professor, como profissional e como pessoa. Nesse sentido o uso de técnicas projetivas pode se constituir em um procedimento útil a ser empregado nas propostas de formação. Elas foram utilizadas em um curso de formação contínua sobre Educação Ambiental, destinado a professores das séries iniciais do ensino fundamental. Neste trabalho apresento essa experiência, discutindo possibilidades que esse procedimento pode oferecer em termos da formação docente, a partir da análise de relatos feitos pelos professores participantes do curso.
Palavras-chave: formação docente; educação ambiental; técnicas projetivas; clarificação de valores.
ABSTRACT
The traditional model of teacher education has been reviewed, for analyzing the need of a greater participation of the teacher in this process, as professional and also as an individual. Under this view, the use of projective techniques may constitute a useful procedure to be used on the teacher education programs. They were used in an in-service Environmental Education program directed to elementary school teachers. In this paper, this experience is presented and the possibilities that this procedure may offers in terms of teacher education are discussed from analysis of reports held by the teachers attending the program.
Key words: teacher education; environmental education; projective techniques; values clarification.
Introdução: Os problemas ambientais, de extensão e gravidade crescentes, levaram a humanidade a repensar suas ações e seu modo de vida, calcados em uma relação com a natureza depredatória e insustentável. Considerando a contribuição que o campo educativo pode dar para a alteração dessa situação, nas últimas décadas espalharam-se pelo país e pelo mundo discussões e propostas a respeito da Educação Ambiental. As premissas básicas para esse trabalho destacam a necessidade de que ele não se reduza à dimensão de conhecimentos, mas envolva também a dos valores e da participação política (Carvalho, 2000).
Através de uma ação educativa abrangente, busca-se articular tanto conhecimentos de natureza interdisciplinar como concepções e valores a serem identificados e revistos, subsidiando propostas que levem à construção de uma sociedade ambientalmente responsável. Tenta-se dar conta do desafio instaurado, considerando que a questão ambiental assinala a necessidade de mudança de visão de mundo e do viver no mundo.
Ao buscar concretizar essas propostas, alguns problemas se apresentam. No caso do Brasil, soma-se ao fato da Educação Ambiental ser um tema relativamente recente, em termos de sua inclusão nos programas de formação docente, as dificuldades de o professor lidar com uma proposta de educação abrangente como a que sugere esse trabalho.
Em verdade, qualquer proposta inovadora de ensino faz refletir sobre um dos elementos essenciais para sua efetiva implementação: o professor. E ao se pensar nele, é necessário ver também a sua formação, concordando com o que diz Nóvoa (1992).
A preocupação com a formação de professores tem estado presente em todos os esforços de renovação pedagógica promovidos ao longo dos tempos (Candau, 1996). Entretanto, as idéias de como ela deve ocorrer não constituem hoje um consenso, variando em torno de dois modelos básicos (Marcelo Garcia, 1992; Goméz, 1992).
Em um deles, considerado como clássico ou da racionalidade técnica, o professor é tido como um técnico que aplica, nas situações de sala de aula, teorias e regras advindas do conhecimento científico, produzido por especialistas. Conforme explicita Gómez (1992), esse modelo corresponde a uma concepção epistemológica herdada do positivismo, "que prevaleceu ao longo de todo o século XX, servindo de referência para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos docentes em particular" (p.96). Nas críticas aos limites desse modelo, tem-se ressaltado o quanto ele desconsidera a realidade social marcada pela complexidade, instabilidade e conflito de valores (Gómez, 1992).
O outro modelo, baseado nas críticas acima, coloca a atividade do professor como reflexiva, flexível e aberta às interações que se dão na prática, sendo sua formação vista como intimamente associada à reflexão sobre ela, nessa perspectiva tida como um processo amplo de desenvolvimento profissional, em que é preciso levar em conta pensamentos, juízos e tomadas de decisão na atuação do professor perante situações complexas de sua prática, construindo saberes através de um fazer, que para Perrenoud (1997)
não se limita ao emprego de saberes científicos e de métodos racionais. Se também se ensina com as entranhas, intuições, emoções, experiências, crenças, desejos e medos, então tudo isto é matéria a ter em conta no esforço de formação (p.180).
Um programa de formação de professores deve, pois, favorecer-lhes o processo de construção e reconstrução de saberes e práticas em busca de seu desenvolvimento profissional, o que é complexo; não existe uma teoria geral de aprendizagem da docência (Mizukami, 2000) que possa orientar de maneira geral a formação de professores; assim, ela tem se estruturado como linha de investigação, que procura elucidar os diferentes aspectos envolvidos. E, são muitos os pesquisadores que vêm realizando programas de formação docente voltados a essa perspectiva de desenvolvimento profissional (Mizukami M. G. N. & cols., 1998; André, M. E., 1998; Garrido, E.; Pimenta, S. G., & Moura, M. O., 2000).
Esse panorama conduziu à pesquisa acoplada a uma intervenção, baseada em um curso de formação contínua sobre Educação Ambiental, em que se procurou investigar o processo de aprendizagem docente dessa temática1 1 Foge ao escopo deste trabalho se deter nos resultados e análise geral do processo de aprendizagem docente, no que se refere aos saberes e práticas incorporadas pelos professores, que inclui a de planos e atividades de ensino desenvolvidos por eles. , ligado à questão do uso de técnicas projetivas como procedimento para a promoção da participação e reflexão dos professores.
A análise centra-se principalmente nos relatos dos docentes sobre os exercícios realizados durante o curso, captados por diferentes instrumentos de coleta dados: diários (redigidos por eles após cada encontro); respostas ao questionário de avaliação final do curso, falas nos encontros e em reuniões posteriores; também em observações, registradas em caderno de campo. Desse material foram identificados os aspectos significativos da experiência, em termos da freqüência com que apareceram; apresenta-se a análise e discutem-se as possibilidades que os exercícios empregados podem oferecer à formação docente voltada à Educação Ambiental.
O Curso : O curso envolveu um total de sessenta horas de atividades, organizadas em dois módulos de trinta horas. Um deles foi presencial, e dividido em dez encontros, que tiveram três horas de duração cada e ocorreram ao longo do ano. O outro, consitui-se de atividades que cada participante deveria realizar fora dessas reuniões: leitura dos textos e redação de reflexões pessoais (diário), após cada encontro, além de um plano de ensino a ser elaborado e desenvolvido em suas escolas.
O grupo de participantes constituiu-se de oito professoras, provindas de quatro escolas da rede municipal de ensino da cidade de Rio Claro, SP. A faixa etária do grupo situou-se entre 26 a 30 anos e o tempo de exercício no magistério entre seis a dez anos. Com exceção de uma, as demais professoras possuíam nível superior completo ou incompleto: sete fizeram Pedagogia e uma ainda cursava, uma fêz Ciências Biológicas e outra estava no último ano de Geografia2 2 No decorrer deste trabalho, para preservação da identidade, as professoras serão identificadas em seus relatos através de uma letra do alfabeto .
O curso iniciou em meados de março de 2001; na primeira fase foram oito encontros quinzenais no primeiro semestre e dois no seguinte (agosto e outubro). No mês de julho cada professora ficou incumbida de elaborar um plano de ensino, a ser apresentado no primeiro encontro do segundo semestre, possibilitando uma análise geral e a troca de sugestões. Depois elas tiveram dois meses para desenvolvimento das atividades, ocorrendo então o último encontro do curso, para avaliação do que haviam realizado.
Foram propiciadas, ao longo desses encontros, situações que permitissem às professoras "conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua própria prática docente, assim como os substratos éticos e de valor a ela subjacentes" (Marcelo Garcia, 1999, p.153). A explicitação desses substratos envolvia tanto questões relativas à docência como à Educação Ambiental, com o objetivo de revisão tanto da temática quanto de suas práticas pedagógicas, e delas mesmas, como pessoas, o que implicou em estratégias que "pretendem ser como espelhos que permitam que os professores possam se ver refletidos, e que através desse reflexo ele adquira maior autoconsciência pessoal e profissional (p.153/4)".
Estes substratos foram captados nas falas, registros nos diários, e também através de atividades planejadas para o curso, que propiciassem sua manifestação. Assim, os exercícios expressivos propostos para a Educação em Valores (Puig, 1998), que correspondem aos métodos projetivos utilizados na Metodologia Construtivista de Dinâmica de Grupo (Tatagiba & Filártiga, 2001), esses métodos, advindos da área da Psicologia com finalidade terapêutica, podem, pois, ser adaptados e utilizados na Educação para fins pedagógicos. Nesses exercícios os participantes se colocam frente a uma situação de forma livre, espontânea, de acordo com a percepção que têm dele, possibilitando-lhes
"expressarem sentimentos, emoções, personalidade, momentos de vida, pensamentos, idéias e valores (...) O desenho livre, o relato livre, o jogo dramático improvisado, entre outras atividades, "expressam" a personalidade daquele que os pratica (...) Quando o grupo é convidado a refletir e analisar sua produção toma consciência do que foi construído" (Tatagiba & Filártiga, 2001, p.35).
O substrato teórico sobre a temática ambiental discutido com as professoras foi oferecido também na forma de textos para leitura posterior a cada encontro, relacionados às atividades experienciadas e discutidas, visando dar aos encontros um caráter teórico-vivencial: a partir daí abria-se espaço para as lembranças do vivido, com oportunidade para apresentação das experiências profissionais, juntando-se a isso reflexões e considerações.
A maior parte dessas atividades foi organizada para ocorrer no primeiro semestre, de maneira a permitir que as professoras tivessem um embasamento amplo antes de partirem para a elaboração e desenvolvimento de seus planos de ensino.
Assim, a organização dos encontros do "Ciclo Vivencial de Aprendizagem", conforme proposto por Braga (1998, p.11), contemplou as etapas:
1- Experiência vivenciada - atividades variadas que dão início a um processo do grupo, podendo ser lúdicas, encenações, danças.
2- Relato - compartilhamento de reações e sentimentos, verificando como foi percebida a experiência pelos participantes.
3- Procedimento - momento em que os participantes analisam o ocorrido durante a atividade, avaliando sua atuação e estabelecendo relações com o resultado obtido.
4- Generalização - analogia da vivência com o assunto a ser estudado (momento de articulação e reflexão mais aprofundada sobre ele).
5- Aplicação - planejamento de novos rumos (reflexão sobre a atuação mais apropriada - pessoal e pedagógica - frente ao assunto).
Buscou-se trabalhar idéias surgidas, mas também sentimentos, articulação considerada indispensável, para atender ao desafio já constatado "de se trabalhar melhor o componente afetivo, tão importante e tão confusamente considerado na relação pedagógica" (Lüdke, 1992, p.113).
Nesse sentido essa proposta se aproxima do referencial advindo da Dinâmica de Grupo (Braga, 1998; Tatagiba & Filártiga, 2001), que oferece sugestões significativas para o trabalho com pequenos grupos, lidando com uma concepção global de educação mediada por interação grupal e propõe-se uma "educação de laboratório", visando estabelecer a aprendizagem a partir de experiências diretas ou vivenciadas:
" A peculiaridade do método consiste em efetuar observações explorando as idéias e os sentimentos que acompanham os eventos...A Educação de laboratório preconiza a aprendizagem pela vivência global: a exploração, o exame, análise do evento em seu duplo aspecto, o objetivo e o subjetivo. Emoções e sentimentos são, hoje, considerados componentes essenciais tão válidos quanto idéias e conhecimentos em qualquer situação humana. Emoções e sentimentos também constituem fatos reais, ou variáveis da situação e não elementos acessórios que possam ser desprezados" (Braga, 1998, p.10).
Desse modo os assuntos foram apresentados inicialmente a partir de atividades variadas que, de algum modo, possibilitassem uma analogia com eles e nesses exercícios buscava-se identificar, compartilhar e analisar valores, sentimentos e reações emergentes. Depois, auxiliava-se no estabelecimento da analogia entre o vivido e o assunto do encontro, prosseguindo seu estudo, provocando outras reflexões, ao apontar aspectos importantes a serem acrescentados e que não tivessem emergido da experiência do grupo.
Assim, o curso lidou tanto com conhecimentos quanto com concepções e valores implicados na relação ciência-tecnologia-sociedade-natureza, buscando propiciar o aprofundamento dos conhecimentos dessa relação, mas trabalhar também concepções e valores a ela inerentes, analisando-se por fim as possibilidades de trabalho em direção a uma educação ambiental.
Os principais exercícios expressivos realizados no curso envolveram:
- Representação da natureza através de trabalhos com sucata, oferecendo elementos para análise da idéia de natureza e de como se deu a inserção do ser humano nela.
- Apreciação de representações da questão ambiental em desenhos: que permitiram ver as idéias que o permeavam, as dimensões do ambiente consideradas e as que não o eram.
- Dramatização de uma situação em que um professor procura trabalhar em sala de aula com valores, permitindo a análise do vivido e das lembranças, com os conhecimentos e concepções subjacentes ao trabalho.
- Simulação de reunião com um grupo de cientistas a respeito de um problema ambiental, envolvendo desde a montagem e caracterização dos personagens, a partir de fantoches, até a explicitação e análise das concepções apresentadas sobre a relação entre ciência, sociedade, natureza e problemas ambientais.
- Simulação de atividade de elaboração e apresentação de projeto proposto a empregados de uma empresa, analisando-se a relação entre interesses capitalistas, tecnologia e propaganda para o consumo, gerando necessidades.
- Dramatização da vida em uma cidade sustentável, avaliando-se as concepções a ela relacionadas e os aspectos explicitados.
Aspectos significativos da experiência
O curso, da maneira como foi estruturado, ofereceu oportunidades para as professoras expressarem sentimentos, entendimentos, dúvidas e opiniões, estabelecendo, concomitantemente, suas reflexões sobre seu tema. A partir dos relatos delas, associados às observações em caderno de campo, procurou-se captar os aspectos significativos dessa experiência, referentes mais diretamente às técnicas empregadas.
Um primeiro evidenciado como significativo diz respeito às reflexões e compreensões relatadas pelas professoras a partir das atividades vivenciadas, com as analogias estabelecidas entre atividades e os diferentes assuntos da temática ambiental abordados. Isso pode ser exemplificado nos trechos seguintes:
Gostei muito da dinâmica da bexiga, pois através dela foi possível compreender um pouco mais sobre o que seria sustentabilidade. Acredito que a participação de todos para a construção de uma sociedade sustentável é essencial (G, diário, p.17)
"Sobre minha prática pedagógica houve crescimento e aprofundamento em relação às dinâmicas, pois através delas eu pude aprender assimilando-as ao tema trabalhado de maneira significativa, podendo assim aprimorar meus conhecimentos. (V, avaliação final do curso)
O uso de analogias e metáforas para o ensino não é novidade no campo educacional e isto têm recebido maior atenção atualmente. Conforme apontam Andrade, Zylberstayn e Ferrari (2000), as questões lingüísticas interessam a pesquisadores no mundo todo, passando a se constituir como uma linha de pesquisa; estudiosos citam as vantagens de seu uso na introdução de novos conhecimentos. Andrade e cols. (2000) discutem seus prós e contras no processo de explicação de conceitos científicos, concluindo que, com os devidos cuidados quanto a uma generalização perigosa, a linguagem metafórica e analógica é uma forma de raciocínio inerente ao ser humano, podendo ser ferramenta útil neste processo.
Com relação ao curso aqui analisado, considera-se que a constante explicitação, pelas professoras, de entendimentos ocorridos a partir das analogias estabelecidas indicaria tal procedimento como um recurso útil para a introdução de conhecimentos. Reafirma-se a necessidade de cuidar para não encerrar tal processo na introdução, estabelecendo momentos de reflexão após as analogias e, fora dos encontros, com a leitura dos textos.
É importante salientar que o uso dessas atividades não se deu apenas para propiciar o estabelecimento de analogias com o conteúdo conceitual do tema tratado, mas, serviram para trabalhar concepções, sentimentos e valores associados ao tema, funcionando como exercícios expressivos de clarificação de valores, de identificação desses aspectos.
Assim, ao tratar dos conhecimentos envolvendo sustentabilidade, antes de levar as participantes a entenderem essa questão, buscou-se propiciar meios para que vivenciassem uma experiência de apreciação da idéia de "sustentabilidade" e de aspectos envolvidos com a experiência de "sustentar algo em grupo". A partir disso, os sentimentos despertados foram compartilhados e depois analisados, apontando aspectos associados e a serem valorizados. Essas experiências são relatadas nos diários, conforme os trechos a seguir:
Foi muito divertido 'brincarmos"com as bexigas, porém quando haviam muitas era difícil conseguir dar "conta"(...) Eco-92 - sociedade sustentável é uma sociedade capaz de se auto-gerir. Para conseguirmos essa auto-gestão é preciso envolvimento geral, espírito solidário (que é um valor), comunicação, diálogo e, principalmente, respeito (P, diário, p. 14/15 ).
O encontro de hoje foi descontraído e interessante, a dinâmica da bexiga foi divertida e percebi o quanto o grupo, e em particular eu, nos esforçamos para que as coisas acontecessem de maneira prazerosa e correta, partilhamos da atividade com garra, sempre tentando fazer o melhor para atingirmos os objetivos. Ficou claro que precisamos estar atentos e unidos; atentos sobre questões que nos atualizem e ligados a informações que possam abrir caminhos, que facilitem no desenvolvimento de nossos espaços na sociedade, espaços que necessitam de um envolvimento geral de todos (sociedade civil, órgãos governamentais, setor privado, especialistas) (V, diário, p.24/25 ).
Um segundo aspecto destacado refere-se à participação e posicionamento das professoras como profissionais e também como pessoas. Há muitos registros nos diários e no caderno de campo sobre suas histórias pessoais e profissionais, que eram associadas por elas às atividades e reflexões do momento, como se percebe nos exemplos a seguir:
A dinâmica feita foi muito "jóia". Apesar de, em muitos momentos, ter dúvidas com relação às minhas decisões, acredito que são essas situações que nos colocam em cheque.(...) Tenho refletido muito sobre isso até em função do meu trabalho (monografia) para a faculdade e acho que, de fato, para compreendermos a opinião de outra pessoa é preciso 'desprendermos das lentes que filtram nosso olhar'. Esse é um exercício cotidiano e bastante cansativo. Muitas vezes, conflitante - ao menos para mim que tenho uma personalidade que gosta de ver prevalecer minhas idéias. Preciso me policiar o tempo todo (P, diário, p. 4 a 6 ).
Hoje me perguntei várias vezes, "se alguém tivesse me mostrado isso antes será que minha sensibilidade e minha visão das imagens seria a mesma? Ou eu iria ver a árvore da casa que moro com outros olhos? Será que as folhas caídas de uma árvore em um pátio qualquer teriam outros significados a não ser o visual?"(...) Cheguei à conclusão que seria muito diferente sim, além de observar, teria adquirido uma relação de valorização e de sensibilidade com a natureza e não a visão de que essa natureza tal qual percebi hoje que estou inserida é um recurso que eu posso dominá-la e usá-la a meu benefício (V, diário, p. 10/11 ).
A abertura para as dimensões pessoal e profissional pôde ser observada também nos depoimentos com relação às mudanças que disseram ocorrer em si mesmas, registradas na avaliação final do curso: algumas referiram-se à alteração ou ampliação em suas compreensões sobre os assuntos estudados e à possibilidades de práticas de ensino diferenciadas; outras fizeram referências de natureza mais pessoal.
Segundo Nóvoa (1992), um dos aspectos da formação de professores que a inviabiliza como desenvolvimento profissional é o "esquecimento" da dimensão do pessoal. Ele fala da relação íntima na qual o professor é uma pessoa, e uma parte importante da pessoa é o professor, destacando que a formação se constrói também "através de uma (re) construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (p. 25)".
Assim, o desafio de uma formação docente global deve lidar também com as experiências de vida dos professores, abrindo espaço para que possam ser resgatadas e consideradas espontaneamente por eles nas reflexões que estabelecem com as profissionais. Essa associação se torna ainda mais importante diante de temas e propostas socialmente relevantes, como é o caso da Educação Ambiental, em que fica difícil um professor ensinar o que não vivencia.
Importa ressaltar também a ocorrência de momentos mais "solitários" de reflexão, exteriorizados pelas professoras em seus diários, e ocorridos durante as atividades nos encontros. Eles possibilitam o que Nóvoa (1992) chama de troca de experiências e partilha de saberes, que consolidam espaços de formação mútua: "O diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional (p. 26)".
Relacionando a questão do uso das analogias e o destaque dado à dimensão pessoal nos exercícios realizados, é necessário chamar a atenção para a inconveniência de uma interpretação reducionista da temática ambiental quando se estabelecem as analogias, que pode levar a uma desconsideração da dimensão social, aspecto importante dessa temática. Nas reflexões sobre sociedade sustentável, por exemplo, não basta que cada um valorize e adote atitudes solidárias, de diálogo e respeito, se estas se restringirem ao nível individual e não alcançarem a dimensão político/participativa, necessária para construir uma sociedade que saiba se articular coletivamente para lutar por seus direitos e fazer suas escolhas.
Deste modo, nas reflexões de aprofundamento das analogias estabelecidas, caso não surja essa dimensão coletiva, ela deve ser trazida à tona, evitando-se o risco de reduzir a Educação Ambiental a uma questão de responsabilidade individual.
O terceiro ponto significativo identificado diz respeito à necessidade de um ambiente de acolhimento, fundamental para a realização de exercícios projetivos, capaz de gerar um clima de confiança e liberdade, permitindo a autenticidade das produções do grupo, exposição de conteúdo muitas vezes cheio de dúvidas, conflitos e incômodos.
Nas atividades ao longo do curso, algumas compreensões e posicionamentos das professoras foram reforçados, outros aparentemente renovados sem maiores problemas, muitas dúvidas e sentimentos de insegurança foram apresentados.
Quanto ao conteúdo conceitual do curso não foi possível encerrá-lo com a resolução de todas as dúvidas, apesar dos esforços. É preciso ter em conta que, pela própria natureza da aprendizagem desse conteúdo, carregado de conceitos e princípios, "ela nunca pode ser considerada acabada, já que existe sempre a possibilidade de ampliar ou aprofundar seu conhecimento" (Zabala, 1998, p.43), ela exige um processo contínuo de re-elaboração.
Com relação às reações diante das propostas de mudanças necessárias para enfrentar a questão ambiental, para a construção de uma nova sociedade ou a realização de práticas pedagógicas diferenciadas, em várias oportunidades as professoras manifestaram ceticismo e frustração ao perceberem o quanto a ação cotidiana - pessoal e pedagógica - está distante do considerado mais apropriado. Isso pode ser exemplificado nos registros seguintes:
Em relação à revolução industrial e ao avanço tecnológico, fico até certo ponto preocupada, pois acho muito difícil conciliar tudo isso e a questão ambiental. (...) Será possível mudar isso? (R, diário, p.25/26 ).
Com as atividades de hoje percebi como será difícil mudar, será que conseguiremos? Percebi que tudo isso já faz parte de nossa cultura e é um hábito que adquirimos desde antes de nascermos, pois eu particularmente adoro a tecnologia, coisas novas (...) (V, diário, p.22 ).
A sustentabilidade, ou melhor, uma sociedade sustentável apresenta-se muito longe de nosso conhecimento (vimos isso claramente na tentativa da dramatização desta sociedade) (...) De tal modo, apresento uma opinião muito pessimista, mas acredito que em termos de Brasil temos um longo caminho a percorrer antes de chegarmos a esta sociedade (B, diário, p.17).
Muitos desses sentimentos acham-se ligados a uma visão de mudança não processual, mas "imediatista", em que se considera de um lado o inadequado e de outro o pretendido, esperando-se passar de um para o outro rápida e completamenmte. Pergunta-se, até que ponto essa expectativa não pode frustrar o professor a ponto de desencorajá-lo a seguir com as novas propostas?
No caso de mudanças das práticas pedagógicas, considerando que o aprender a ensinar é um processo de construção complexo e pessoal, feito ao longo da vida (Mizukami & cols, 1998), não se pode esperar que um único curso possibilite mudar substancialmente concepções e práticas. No entanto, admitindo que os cursos de formação devam significar uma oportunidade efetiva para essa construção, admite-se que podem influenciar na medida em que se atente para essa característica processual, se acolha e acompanhe as descobertas e reflexões, com os sentimentos de alegria, ansiedade e frustrações que surgirem. E, é importante que esse caráter processual e não instantâneo seja explicitado aos próprios professores, o que os auxiliaria a rever suas expectativas, colaborando para que as frustrações não os impeçam de perceber as conquistas obtidas.
Considerações finais
Diante dos desafios que todo processo de mudança representa, a experiência de formação necessita envolver os professores de forma acolhedora e significativa, para que a atração pelas novas experiências e propostas pedagógicas possa servir de contraponto às incertezas e dificuldades que eles experimentam, ao se depararem com o aprofundamento, revisão e incorporação de concepções e práticas.
Em se tratando da Educação Ambiental, sob a perspectiva apresentada no curso, a necessidade desse envolvimento se intensifica, pois ela carrega grande probabilidade de causar desconforto, pelas críticas e mudanças que propõe. Ao se considerar que os problemas ambientais representam uma crise civilizatória mais ampla, constata-se que a sua superação exigirá mudanças profundas em concepções, valores e ações frente ao mundo, nos padrões de consumo e bem-estar, na relação sociedade-sociedade e sociedade-natureza, o que a princípio pode ser um tanto desalentador, como ocorreu com os professores.
As atividades realizadas pareceram favorecer esse envolvimento de modo satisfatório; todas as professoras, ao final do curso, manifestaram interesse na continuidade das reuniões do grupo e expressaram sua aprovação pela maneira como foi conduzido, destacando-se as considerações feitas a respeito das atividades desenvolvidas nos encontros, em que compreensões, dúvidas, surpresas e ansiedades foram expostas e acolhidas, revelando dimensões pessoal/ profissional, cognitiva/ afetiva, individual/ grupal como aspectos importantes nos processos de formação docente.
Finalizando, chama-se atenção para dois pontos:
Primeiro para a importância do preparo adequado do trabalho com os exercícios expressivos, que não pode ser usado inadvertidamente; segundo Tabagiba e Filártiga (2001) "para utilizar recursos técnicos projetivos o facilitador deve considerar suas vantagens e desvantagens, procurando ponderar essas possibilidades em cada situação grupal que trabalha (p.39)"; isso foi apontado pelas professoras, numa reunião posterior ao curso, ao se referirem às atividades, que para elas "tinham um objetivo específico" contrariamente a outras experiências que já haviam vivenciado em que elas eram feitas "pra dizer que mudou a cara do curso, pra dizer que fez... e aí você vai ver, não tem nada a ver com a proposta".
Em segundo lugar, não se propõe essa abordagem como modelo exclusivo de formação docente, porque a diversificação da formação de professores é desejável, sob vários aspectos (oferta, enfoques, metodologias e modalidades), valorizando a ruptura com o pressuposto da uniformidade e do modelo, mas observando que esse processo deva se encaminhar para a diversificação com qualidade (Torres, 1998).
A partir dessa consideração, o modelo de formação aqui apresentado, apoiado nas técnicas projetivas, constitui-se em mais um dentre os muitos que podem ser propostos. Entretanto, sua análise permitiu apontar aspectos que, podem nortear na direção de melhoria da qualidade na formação de professores, frente à temática escolhida.
Artigo recebido em 08/07/2005, aceito para publicação em 20/02/2006.
Obs.: trabalho derivado de tese de doutorado em Educação.
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Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Fev 2009 -
Data do Fascículo
Dez 2005
Histórico
-
Aceito
20 Fev 2006 -
Recebido
08 Jul 2005