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Pesquisa translacional: qual a importância para a prática da enfermagem?

EDITORIAL

Editora da Revista Texto & Contexto Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Pós-Doutora pela Universidade de Toronto, Canadá. Líder do Grupo de Estudos da História do Conhecimento de Enfermagem e Saúde. Pesquisadora do CNPq

Nas ultimas décadas, as iniciativas para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, tanto individuais, colaborativas ou multicêntricas, têm se multiplicado em todo o mundo, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada, a segurança dos pacientes e influenciar políticas de saúde mais efetivas. Pesquisas baseadas em evidências, pesquisas clínicas, revisões sistemáticas, pesquisas convergente-assistenciais, estudos fenomenológicos e de representações sociais têm o mesmo objetivo: responder questões da prática profissional. Porém, a despeito de todo o conhecimento produzido, do financiamento destas pesquisas e do envolvimento dos pesquisadores, existe um vácuo entre estes e o uso dos resultados das pesquisas realizadas nos serviços de saúde pública ou hospitalares.

A pesquisa translacional ou, no seu original em inglês, translational research, surge para tentar romper este vácuo e aproximar o pesquisador dos campos de prática.1 Embora o termo seja bastante recente, a noção de "transferência de resultados de pesquisa" não é. Esta vem sendo discutida desde as décadas de 1970 e 1980, nos Estados Unidos e também no Brasil, nos Seminários Nacionais de Pesquisa em Enfermagem, ressaltando-se o de 1984, quando é proposto um estudo sobre "como incorporar resultados de pesquisa à prática profissional das enfermeiras".2

Especificamente sobre o termo atualmente conhecido como pesquisa translacional, a primeira publicação sobre o assunto é veiculada no editorial do Journal of the American Medical Association (JAMA), em 2002, quando é declarada essencial para melhorar a saúde humana a "necessidade de tradução de novos conhecimentos, mecanismos e técnicas geradas pelo avanço nas pesquisas básicas para oferecer novas possibilidades de prevenção, diagnostico e tratamento das doenças".3:10 A partir desta publicação, as demais áreas da saúde, incluindo a enfermagem, passaram a se questionar mais acuradamente sobre formas de conduzir para a prática assistencial esta "tradução".

Em 2005, foi criado o The Translational Research Working Group (TRWG) (Grupo de Trabalho em Pesquisa Translacional), ligado ao Instituto Nacional de Câncer, dos EUA, com o objetivo de incentivar e financiar pesquisas translacionais, nesta área especifica. A Universidade de Washington criou, em 2007, o Institute of Translational Health Sciences (ITHS) (Instituto de Ciências Translacionais), para o fortalecimento da medicina genética. Também foram criados, em 2009, dois periódicos, o Translational Research - The journal of Laboratory and Clinical Medicine, e o The American Journal of Translational Research.

Na enfermagem, a utilização do conceito de que é essencial que os novos conhecimentos sejam "traduzidos" e incorporados à prática clínica, como também, estimulem novas iniciativas de pesquisas para a evolução e o crescimento da ciência da enfermagem, teve seu ponto alto em 2005, quando a Sociedade de Pesquisa em Enfermagem, ligada à Escola de Enfermagem da Universidade de Columbia/EUA, promoveu sua 17º Sessão Cientifica Anual, e colocou como tema central "A importância da 'tradução' acadêmica e interdisciplinar das pesquisas, para promover a qualidade de assistência aos pacientes". Os organizadores decidiram selecionar as melhores pesquisas translacionais para premiar financeiramente, assim como para serem publicados no periódico Nursing Research. Onze estudos foram selecionados para esta publicação.3

No ano seguinte, o National Institute of Nursing Research/EUA (Instituto Nacional de Pesquisa em Enfermagem), desenvolve um consórcio com instituições de saúde e centros de pesquisa envolvidos em pesquisas translacionais, e criam o Clinical and Translational Science Awards (CTSAs) (Prêmio de Ciência Clínica e Translacional). A ideia deste consórcio é financiar pesquisas translacionais em todo o país, com o objetivo de acelerar a "tradução" das descobertas de tratamentos laboratoriais para a realidade dos pacientes, engajando as comunidades locais nas pesquisas, assim como, para treinar uma nova geração de pesquisadores e clínicos translacionais.4 Neste sentido, um aspecto bastante enfocado pelos pesquisadores que defendem a pesquisa translacional é a importância do trabalho interdisciplinar para o desenvolvimento de estudos que possam não apenas resolver aos problemas de saúde dos pacientes e comunidades, mas também influenciar a formulação de políticas de saúde condizentes com a necessidade da população.

Penso que a comunidade científica de enfermagem brasileira, embora não tenha ainda assumido a pesquisa translacional, como objeto central de suas produções científicas, tem manifestado a mesma preocupação ao promover, financiar e incentivar o desenvolvimento de pesquisas de intervenção, ou, em outras palavras, pesquisas que provoquem mudanças na pratica assistencial, na condução de problemas de saúde importantes, tais como, câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, Aids, dentre outras.

O vácuo que ainda precisa ser preenchido, a meu ver, é o fortalecimento de estudos que realmente tenham como objetivo a transformação e a integração entre a comunidade cientifica e a comunidade assistencial. Para isto, as parcerias entre escolas, organizações comunitárias, serviços de saúde e os cientistas são essenciais, numa alteração de papeis daquele que produz o conhecimento e daquele que aplica o conhecimento produzido.

Os periódicos científicos também têm a responsabilidade de oferecer aos leitores artigos originais que realmente contenham inovações, medidas simples, e resultados práticos e efetivos que possam ser replicados com sucesso em todos os pontos do país e mesmo internacionalmente. Este é um dos grandes compromissos da Revista Texto & Contexto Enfermagem, ao selecionar os artigos originais para serem publicados a cada número, trimestralmente.

  • 1. Bakken S. Jones DA. Contributions to translational research for quality health outcomes. Nursing Research. 2006 Mar-Apr; 55(2):S1-2.
  • 2. Castro IB, Miranda CML, Rodrigues AP, Silva MJ. Dificuldades na incorporação dos resultados de pesquisa na prática da enfermagem. In: Anais do 4º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, 1985; São Paulo, Brasil. São Paulo: ABEn; 1985. p.193-242.
  • 3. Woods NF, Magyary DL. Translational research: why nursing's interdisciplinary collaboration is essential. Res Theory Nurs Pract. 2010; 24(1):9-24.
  • 4. Grady P. Translational research and nursing science. Nurs Outlook. 58(3):164-6.
  • Pesquisa translacional - qual a importância para a prática da enfermagem?

    Dra. Maria Itayra Padilha
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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