Resumos
A utilização de materiais poliméricos designados por geossintéticos tem aumentando significativamente nos últimos anos na Engenharia Civil. Para desempenhar adequadamente a função para a qual foram projetados, os geossintéticos devem ser submetidos a um rigoroso processo de controle de qualidade durante a fabricação. Discussões sobre a freqüência e os principais tipos de ensaios de laboratório utilizados nesse processo de controle para dois tipos de geossintéticos, os geotêxteis e as geomembranas, os materiais mais utilizados da famíla dos geossintéticos, são abordados no presente trabalho. As análises efetuadas com base em normas disponíveis no Brasil, nos EUA e na Europa mostram que no cenário nacional não há recomendações normativas sobre o controle de qualidade para a maioria das aplicações de geotêxteis e geomembranas, sendo o assunto pouco discutido na literatura técnica. No cenário internacional, as normas Européias se destacam como o conjunto de práticas mais completo para ensaios de controle de qualidade de fabricação, considerando os diversos tipos de aplicação dos geossintéticos na Engenharia Civil.
Geossintético; geotêxtil; geomembrana; ensaios; controle de qualidade
The use of polymeric materials known as geosynthetics in Civil Engineering applications has increased significantly in the last few years. In order to perform adequately, geosynthetics need to be manufactured according to rigorous quality control procedures. This paper addresses the frequency and the main types of laboratory tests used for quality control of geotextiles and geomembranes, which are the most largely used materials within the geosynthetic family. Analyses based on technical standards from Brazil, USA and Europe show the need of quality control recommendations for a large number of applications of geotextiles and geomembranes in Brazil. Also, very limited information on this topic is available in Brazilian literature. Conversely, European standards on the subject take into consideration a very comprehensive number of types of geosynthetics and their applications in Civil Engineering, and represent today the most complete set of recommendations for manufacturing quality control of those products.
Geosynthetic; geotextile; geomembrane; testing; quality control
NORMAS E MÉTODOS
Avaliação de recomendações normativas sobre o uso de ensaios no controle de qualidade de fabricação de geossintéticos
Evaluation of standard recommendations on the use of tests for manufacturing quality control of geosynthetics
Carina M. L. CostaI; Paulo C. LodiII; Yuri D. J. CostaIII; Benedito S. BuenoIV
IDepartamento de Construção Civil, CEFET/RN
IIFaculdade de Engenharia de Ilha Solteira, UNESP
IIIDepartamento de Tecnologia Rural, UFRPE
IVEscola de Engenharia de São Carlos, USP
Autor para correspondência Autor para correspondência: Yuri D. J. Costa Departamento de Tecnologia Rural Universidade Federal Rural de Pernambuco CEP: 52171-030, Recife, PE, Brasil E-mail: ydjcosta@dtr.ufrpe.br
RESUMO
A utilização de materiais poliméricos designados por geossintéticos tem aumentando significativamente nos últimos anos na Engenharia Civil. Para desempenhar adequadamente a função para a qual foram projetados, os geossintéticos devem ser submetidos a um rigoroso processo de controle de qualidade durante a fabricação. Discussões sobre a freqüência e os principais tipos de ensaios de laboratório utilizados nesse processo de controle para dois tipos de geossintéticos, os geotêxteis e as geomembranas, os materiais mais utilizados da famíla dos geossintéticos, são abordados no presente trabalho. As análises efetuadas com base em normas disponíveis no Brasil, nos EUA e na Europa mostram que no cenário nacional não há recomendações normativas sobre o controle de qualidade para a maioria das aplicações de geotêxteis e geomembranas, sendo o assunto pouco discutido na literatura técnica. No cenário internacional, as normas Européias se destacam como o conjunto de práticas mais completo para ensaios de controle de qualidade de fabricação, considerando os diversos tipos de aplicação dos geossintéticos na Engenharia Civil.
Palavras-chave: Geossintético, geotêxtil, geomembrana, ensaios, controle de qualidade.
ABSTRACT
The use of polymeric materials known as geosynthetics in Civil Engineering applications has increased significantly in the last few years. In order to perform adequately, geosynthetics need to be manufactured according to rigorous quality control procedures. This paper addresses the frequency and the main types of laboratory tests used for quality control of geotextiles and geomembranes, which are the most largely used materials within the geosynthetic family. Analyses based on technical standards from Brazil, USA and Europe show the need of quality control recommendations for a large number of applications of geotextiles and geomembranes in Brazil. Also, very limited information on this topic is available in Brazilian literature. Conversely, European standards on the subject take into consideration a very comprehensive number of types of geosynthetics and their applications in Civil Engineering, and represent today the most complete set of recommendations for manufacturing quality control of those products.
Keywords: Geosynthetic, geotextile, geomembrane, testing, quality control.
Introdução
Os geossintéticos podem ser definidos como produtos poliméricos, sintéticos ou naturais, industrializados e desenvolvidos para aplicação em obras de Engenharia Civil. O termo geossintético é uma denominação genérica que agrupa uma grande família de produtos poliméricos, dentre os quais estão os geotêxteis, as geomembranas, as geogrelhas, as geomantas e as georredes. Cada tipo de geossintético possui diferentes processos de fabricação, características e funções.
Apesar de terem sido introduzidos no Brasil na década de 1970, somente duas décadas mais tarde passaram a ser utilizados de forma mais significativa no país. Atualmente, o emprego desses materiais tem sido cada vez mais freqüente, graças às diversas vantagens que oferecem. Entre os aspectos que favorecem a crescente utilização de geossintéticos em obras como estradas, barragens, túneis, estruturas de contenção, dentre outras, está a versatilidade, o fácil emprego, o excelente desempenho e, freqüentemente, o baixo custo em comparação com soluções convencionais.
No entanto, semelhantemente a outros materiais manufaturados, os geossintéticos devem ser submetidos a um rigoroso processo de controle de qualidade durante a fabricação (CQF), a fim de atender a todas as especificações técnicas necessárias ao adequado desempenho de uma determinada obra.
Nos dias atuais, pode-se considerar que o CQF representa praticamente uma exigência técnica inexorável, dada a velocidade com que novas empresas especializadas em produtos geossintéticos surgem no mercado, aumentando assim a concorrência. Aquelas empresas que optarem por um controle mais rígido de seus produtos, com a certificação de um órgão técnico, certamente terão maior aceitação no mercado.
Contudo, o principal papel do CQF é contribuir para o desempenho adequado do geossintético na obra, o que é feito conjuntamente com o controle de qualidade de instalação (CQI). Problemas relacionados à falta de qualidade do material empregado na obra podem arruinar projetos bem concebidos e a credibilidade do próprio material.
Apesar do acentuado crescimento de emprego de geossintéticos no Brasil nos últimos anos, determinados produtos manufaturados no país necessitam de um maior CQF. Por exemplo, Bueno et al.[1] analisaram, através de ensaios de laboratório, geotêxteis não tecidos produzidos ao longo de 10 anos por diferentes fabricantes e observaram que uma quantidade muito grande de produtos, cerca de 60%, não poderia ser empregada em obras rodoviárias. Na ausência de especificações nacionais, os resultados foram comparados à especificação M 288[2] da AASHTO (American Association of State Highway and Transportation Officials), órgão que regulamenta as características mecânicas de geotêxteis exigidas para aplicações rodoviárias nos EUA. Muitos produtos apresentaram desempenho mecânico tão baixo que não foi possível sequer classificá-los na classe da ME 288 que reúne os materiais de piores qualidades mecânicas.
O CQF de geossintéticos deve sempre incorporar a execução de ensaios de laboratório específicos. Atualmente, uma grande diversidade de ensaios encontra-se disponível para identificar as propriedades de interesse dos geossintéticos, porém, no Brasil, ainda não há padrões bem definidos sobre recomendações e especificações de ensaios de CQF para todos os tipos de geossintéticos. Questões sobre o que é necessário controlar e a freqüência do controle ainda permanecem em aberto[3]. A única norma sobre o assunto publicada pela ABNT é a NBR 15352[4], destinada às geomembranas.
Enquanto a ABNT elabora seu próprio acervo, as normas internacionais disponíveis sobre o assunto deveriam ser consideradas como referência para a prática dos ensaios de CQF no Brasil. Entretanto, a maioria das normas é relativamente recente, e muitas recomendações ainda permanecem desconhecidas no país.
Este trabalho apresenta discussões sobre os principais tipos de ensaios de laboratório utilizados para controle de qualidade de fabricação de geotêxteis e geomembranas, com base em normas técnicas da Europa, dos EUA e do Brasil. O enfoque a esses dois tipos de geossintéticos justifica-se pelo fato de constituírem os materiais mais empregados dentro de sua classe: os geotêxteis, por sua versatilidade, e as geomembranas, pela crescente utilização e importância em obras ambientais.
Aplicações e Ensaios de Geotêxteis e Geomembranas
Geotêxteis são produtos têxteis permeáveis constituídos por fibras oriundas da fusão de polímeros. Os principais tipos de polímeros utilizados na fabricação de geotêxteis são a poliamida (PA), o polietileno (PE), o poliéster (PET) e o polipropileno (PP).
Apesar da grande diversidade de geotêxteis, é possível identificar duas classes principais: a dos geotêxteis tecidos e a dos geotêxteis não tecidos. Os geotêxteis tecidos são materiais obtidos através do entrelaçamento de fios, monofilamentos ou de outros componentes, segundo direções preferenciais, denominadas trama (sentido transversal) e urdume (sentido longitudinal). Os geotêxteis não tecidos, por outro lado, são compostos por fibras cortadas ou filamentos contínuos distribuídos aleatoriamente e interligados por processos mecânicos, térmicos ou químicos.
Os geotêxteis são empregados em diversas obras de Engenharia Civil, como estradas, vias de acesso, pátios, ferrovias, canais, barragens, diques, estabilização de encostas, entre outras. São usados dentro do solo ou em contato com outros materiais na obra. As funções freqüentemente associadas aos geotêxteis são: a) drenagem (coleta e conduz um fluido ao longo do seu plano), b) filtração (retém partículas do solo, possibilitando a passagem de um fluido), c) separação (impede a mistura de materiais de naturezas diferentes), d) proteção (previne danos a outros elementos da obra) e e) reforço (quando inserido em uma massa de solo, proporciona a melhoria do comportamento mecânico do solo). A Figura 1 mostra o emprego de geotêxtil como filtro em um sistema de drenagem de uma ferrovia[5].
De uma forma geral, os ensaios utilizados para caracterizar os geotêxteis podem ser agrupados em físicos, mecânicos, hidráulicos e de desempenho. Os ensaios físicos são empregados para a identificação do produto e envolvem basicamente a determinação da gramatura (massa por unidade de área) e espessura. Os mecânicos permitem a obtenção de parâmetros relacionados ao comportamento carga-alongamento do material. Por serem bastante empregados no contexto de controle de qualidade, alguns ensaios mecânicos são descritos brevemente a seguir. Alguns dos ensaios descritos encontram-se esquematizados na Figura 2.
Ensaio de resistência à tração de faixa larga: neste ensaio, um corpo-de-prova (CP) com dimensões típicas de 200 mm de largura e 100 mm de comprimento é preso a garras que se estendem por toda sua largura e em seguida é tracionado até a ruptura.
Ensaio de resistência à tração tipo grab: a diferença deste ensaio para o anterior está nas dimensões do CP (100 mm de largura e 200 mm de comprimento) e nas garras que só prendem uma área central do CP com 25 mm de largura (Figura 2a).
Ensaio de resistência ao estouro: um corpo-de-prova circular é preso entre anéis metálicos e em seguida uma pressão interna ao CP é aplicada até que ocorra o estouro do material (Figura 2b).
Ensaio de puncionamento estático tipo CBR: um pistão com 50 mm de diâmetro aplica uma força vertical crescente até a ruptura de um CP circular preso entre anéis metálicos (Figura 2c).
Ensaio de perfuração dinâmica queda de cone: um cone com massa e dimensões padronizadas desce em queda livre de uma altura fixa e atinge um CP preso entre anéis metálicos, provocando um furo cujo diâmetro é medido por outro cone padronizado (Figura 2d).
Os ensaios hidráulicos são empregados na determinação de propriedades relevantes para a aplicação de geossintéticos com função de filtração ou drenagem. Como filtro, o geotêxtil deve permitir a passagem de fluído e reter partículas sólidas. Os ensaios mais utilizados para esta aplicação são os destinados à determinação do coeficiente de permeabilidade (k), parâmetro que indica a facilidade de percolação do fluido, e à obtenção da abertura de filtração. Neste último caso, determina-se o diâmetro equivalente da maior partícula que pode atravessar o geotêxtil. Em lugar de se considerar o coeficiente de permeabilidade normal ao plano do geotêxtil (kn), muitas vezes prefere-se trabalhar com a permissividade, que representa a relação entre kn e a espessura do geotêxtil.
Para aplicações de drenagem são utilizados ensaios que permitem a determinação do coeficiente de permeabilidade no plano (kp) e da capacidade de fluxo no plano do geotêxtil (vazão no plano por unidade de largura do corpo-de-prova). Pode-se optar ainda pela determinação da transmissividade, que representa o produto de kp pela espessura do geotêxtil, prática comum nos EUA. A Tabela 1 identifica as principais normas relativas aos procedimentos de execução de ensaios físicos, mecânicos e hidráulicos em geotêxteis.
Por fim, ao contrário dos ensaios anteriores, que são realizados com o geotêxtil isolado, os ensaios de desempenho são conduzidos considerando o geotêxtil associado a um ou mais elementos específicos de uma determinada obra, como, por exemplo, o solo a ser utilizado em contato com o material. Maiores detalhes sobre ensaios de geotêxteis podem ser obtidos em Bueno e Vilar[6].
As geomembranas são membranas compostas predominantemente por materiais termoplásticos, elastoméricos e asfálticos, tendo como principal função atuar como barreira para líquidos ou vapores. Se comparadas aos geotêxteis ou aos solos argilosos, apresentam valores de permeabilidade extremamente baixos. Em ensaios de transmissão ao vapor de água, os valores típicos de permeabilidade das geomembranas situam-se na faixa de 0,5 x 10-10 a 0,5 x 10-13 cm/s.
Atualmente, as geomembranas são amplamente empregadas em diversas obras ambientais, como aterros sanitários e industriais, canais, barragens, entre outras. A função da geomembrana é proteger o solo e os aqüíferos de contaminações, sendo responsável pela contenção de resíduos ou armazenamento de materiais que podem ser gasosos, líquidos e sólidos. Os gases podem ser resultantes de produtos industriais, de lixo industrial, de aterros sanitários, dentre outras fontes. Os materiais líquidos podem ser água potável, resíduos industriais e domésticos, líquidos de processos químicos, dentre outros. Lixos radioativos, industriais, municipais, hospitalares e de mineração são exemplos de materiais sólidos. A Figura 3a mostra uma geomembrana de PVC e a Figura 3b ilustra o emprego de uma geomembrana em um aterro sanitário.
Diversos polímeros podem ser utilizados para a fabricação de geomembranas. No entanto, por possuírem maior resistência química e por apresentarem maior versatilidade, as geomembranas de polietileno (PE) e de poli(cloreto de vinila) (PVC) são as mais utilizadas. A Tabela 2 ilustra os principais tipos de geomembranas existentes.
Uma enorme diversidade de testes tem sido sugerida por vários autores para a caracterização de geomembranas[3, 9, 10]. A Tabela 3 apresenta os ensaios mais comuns, alguns dos quais com o objetivo de avaliar também o desempenho de emendas entre geomembranas.
Por serem fabricadas em bobinas com largura limitada, a execução de emendas é freqüentemente necessária a fim de atender as dimensões da área a ser impermeabilizada. A união de geomembranas pode ser feita nas obras ou na própria fábrica. As emendas de fábrica possibilitam um maior controle de qualidade e podem reduzir a quantidade de emendas em campo. As emendas das geomembranas de PE são feitas em campo e as de PVC, em sua maioria, em fábrica. De uma forma geral, o controle de emendas deve ser efetuado com rigor, haja vista que representam o ponto crítico dos sistemas de impermeabilização.
Considerações sobre Recomendações Normativas para Ensaios de Controle de Fabricação de Geotêxteis
No processo de produção de geossintéticos ocorre uma variabilidade natural das características dos produtos manufaturados, o que requer medições freqüentes, através de ensaios específicos, das propriedades mais relevantes do material produzido.
No Brasil, ainda não há normas sobre a freqüência e os tipos de ensaios para CQF de geotêxteis. Na prática, ensaios dessa natureza ficam geralmente limitados à determinação de características físicas e mecânicas do geotêxtil. As características físicas são obtidas com ensaios de gramatura e espessura, enquanto que as características mecânicas são avaliadas através de ensaios de tração do tipo grab, rasgo e, no caso de uso do geotêxtil como reforço, tração de faixa larga. Entretanto, esses testes não são suficientes para avaliar a qualidade dos geotêxteis em todas as suas aplicações. É o caso, por exemplo, de geotêxteis utilizados para filtração e drenagem. Apesar de importantes, os ensaios para a determinação das características físicas e mecânicas nada revelam sobre o desempenho hidráulico do material.
Algumas normas e manuais técnicos nacionais tratam de diversas propriedades relevantes dos geotêxteis de acordo com sua aplicação, porém sem o enfoque do controle de qualidade. É o caso da NBR 15224[11] sobre trincheiras drenantes, e dos manuais de pavimentação e de drenagem do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT)[12,13]. Por exemplo, para os geotêxteis empregados como filtro, o manual de pavimentação traz especificações sobre a permeabilidade, a abertura de filtração, a resistência à tração de faixa larga, o alongamento e a resistência ao puncionamento. Isso indica a necessidade de se estabelecer CQFs mais abrangentes no país, incluindo um maior número de tipos de ensaios.
Ao contrário do Brasil, nos EUA já existem algumas normas que tratam de CQF. Entretanto, ainda não há um conjunto de normas que considere as diversas aplicações dos geotêxteis. Ademais, as informações não se encontram agrupadas, de sorte que algumas normas tratam apenas da freqüência e outras dos tipos de ensaio.
A norma que trata da freqüência de amostragem para ensaios de controle de qualidade de geotêxteis nos EUA é a ASTM D4354[14]. Com relação à fabricação, a norma menciona testes para o controle da qualidade do produto e testes para a garantia de qualidade do fabricante. Esses últimos podem ser usados para verificar o programa de controle de qualidade e para emitir atestados de garantia do produto. A Tabela 4 resume a freqüência mínima de ensaios recomendada para o CQF. A possibilidade de adoção de uma quantidade maior de ensaios deve ser sempre avaliada com base no histórico do produto e do fabricante e ainda na relação custo-benefício.
A norma D4354 não apresenta os tipos de ensaios que devem ser efetuados para CQF e os critérios de amostragem estipulados servem para geossintéticos de uma forma geral. Normas referentes a tipos de ensaios de CQF para situações específicas de aplicação foram publicadas pelo Instituto de Pesquisas de Geossintéticos dos EUA (Geosynthetic Research Institute GRI). Esse órgão possui grande credibilidade no cenário norte-americano de modo que suas recomendações são utilizadas como referência para a atualização e confecção de normas da ASTM.
Uma das normas do GRI é a GT12[15], que apresenta as especificações necessárias a serem observadas durante o controle de fabricação para aplicação de geotêxteis não tecidos com a função de proteção. A Tabela 5 sumariza as propriedades requeridas e os métodos de ensaio indicados na GT12. A outra norma é a GT13[16] e trata de CQF para geotêxteis utilizados com a função de separação em obras de pavimentação. Na GT13, os geotêxteis são agrupados em três classes distintas, a depender da necessidade de sobrevivência, ou seja, da necessidade de resistir aos esforços decorrentes da instalação. Os critérios para agrupar os geotêxteis segundo essa classificação são fornecidos na GT13. A Tabela 6 exibe as propriedades requeridas e os métodos de ensaios a serem observados para uma condição de alta necessidade de sobrevivência.
Devido à variabilidade das propriedades do material, o CQF deve sempre incorporar análises estatísticas dos resultados dos ensaios. Nos EUA, a ferramenta estatística adotada para a divulgação das propriedades do material por parte do fabricante tem sido a apresentação de um valor mínimo acompanhado de um determinado nível de confiança. A indústria de geossintéticos norte-americana tem adotado, em geral, um valor mínimo para as características do produto com um nível de confiança correspondente a 97,7%. Esse valor mínimo é designado como MARV (minimum average roll value). Cada propriedade que se deseja medir deve ser associada a um determinado MARV. Por exemplo, se a resistência à tração de um determinado produto é divulgada em catálogo como igual a 30 kN/m e esse valor é um MARV, significa que o comprador deve ter 97,7% de confiança que o material adquirido terá no mínimo uma resistência igual a 30 kN/m. Considerando uma distribuição normal, o MARV declarado pelo fabricante é calculado como a média menos duas vezes o desvio padrão obtido nos ensaios de CQF.
Os valores mostrados nas Tabelas 5 e 6 são MARVs, exceto os correspondentes à estabilidade UV, que são valores mínimos, e à abertura aparente, que corresponde a um valor máximo. Nesse caso, entende-se por valor mínimo o menor valor documentado nos resultados de ensaios de controle de qualidade, e por valor máximo, o maior valor obtido.
Algumas recomendações sobre controle de qualidade durante a fabricação também podem ser obtidas nas normas européias EN13249 a EN13257[17-25] e EN13265[26], elaboradas para que o fabricante apresente valores característicos de propriedades de geotêxteis e produtos correlatos, a depender de sua aplicação. Esses documentos representam o conjunto de práticas para ensaios de CQF mais completo e abrangente disponível atualmente. Entretanto, não apresentam a freqüência a ser adotada para os ensaios.
As normas EN13249 a EN13257[17-25] e EN13265[26] presumem que as indústrias de geossintéticos operam segundo certificação ISO 9001 ou ISO 9002 e especificam quais propriedades são relevantes e que métodos de ensaios devem ser adotados para a determinação dessas propriedades. Apresentam também diretrizes para a implementação de um sistema para avaliação da conformidade do produto na fábrica que envolve a participação de um órgão fiscalizador externo. Ao seguir estas normas, o fabricante recebe o selo CE, sem o qual nenhum geotêxtil ou produto correlato pode ser comercializado dentro da Comunidade Européia.
Para certas propriedades do material indicadas nas normas, o fabricante é obrigado a fornecer a média acompanhada da tolerância correspondente a um nível de confiança igual a 95%. Isto não ocorre no Brasil, onde as características de muitos produtos ainda são apresentadas em catálogos técnicos sem qualquer menção a análises estatísticas.
A Tabela 7 ilustra os ensaios que devem ser efetuados pelo fabricante como parte do controle de qualidade para a obtenção do selo CE segundo as normas EN13249[17] e EN13252[20]. A primeira norma refere-se à aplicação de geotêxteis com função de separação, filtração e reforço na construção de estradas e outras zonas de tráfego. A EN13252 diz respeito ao uso de geotêxteis como dreno em sistemas de drenagem.
Comparando-se os ensaios para CQF nos EUA e na Europa, percebe-se que os tipos de ensaios adotados refletem a tradição local. Por exemplo, o ensaio de tração do tipo grab ainda é bastante empregado nos EUA, mesmo sabendo-se que o ensaio de tração de faixa larga fornece informações mais relevantes para projetos de engenharia, principalmente no caso de reforço de solos. Apesar dos ensaios de rasgo e estouro serem comumente empregados nos EUA, não são recomendados nas normas da Comunidade Européia. No Brasil, é provável que os ensaios a serem futuramente recomendados pela ABNT para CQF sejam semelhantes aos praticados na Europa. Principalmente, considerando-se que as normas mais recentes da ABNT sobre procedimentos de execução de ensaios para geossintéticos foram baseadas em normas européias. É o caso das normas relativas à perfuração dinâmica, abertura de filtração característica, permeabilidade normal ao plano e capacidade de fluxo no plano.
Considerações sobre Recomendações Normativas para Ensaios de Controle de Fabricação de Geomembranas
Geomembranas de polietileno (PE)
No Brasil, as propriedades de geomembranas de PE eram avaliadas segundo a norma GM13[27] do Geosynthetic Research Institute (GRI), que apresenta indicações da freqüência de amostragem e de testes para controle de qualidade de fabricação. Essa norma trata de ensaios para geomembranas de Polietileno de alta densidade (HDPE ou PEAD), lisas e texturizadas, com densidade acima de 0,94 g/cm3 e espessura variando entre 0,75 e 3 mm.
No entanto, a partir de maio de 2006 foi publicada pela ABNT a norma NBR 15352[4], que estabelece requisitos mínimos para mantas termoplásticas de PEAD e de PEBDL, cuja finalidade é a impermeabilização. A NBR 15352 foi concebida segundo uma forte influência da experiência norte-americana. A Tabela 8 apresenta as propriedades das mantas de PEAD lisas exigidas pela NBR 15352 (as propriedades das mantas de PEAD texturizadas, PE linear lisas e PE linear texturizadas podem ser consultadas diretamente na norma em questão). Verifica-se que dentre os ensaios recomendados apenas a espessura média é obtida por uma norma nacional (NBR 15227[28]). Na ausência de normas específicas nacionais, a norma NBR 15352 estabelece que todos os demais ensaios devem ser feitos segundo normas da ASTM.
As propriedades indicadas para teste na NBR 15352 foram totalmente baseadas na especificação GM13 do GRI, o qual, como citado, possui grande credibilidade no cenário norte-americano. Além de propriedades físicas, mecânicas e a resistência ao intemperismo, a NBR 15352 apresenta também requisitos de instalação das geomembranas na obra. Entretanto, a NBR 15352 não apresenta a freqüência de ensaios para CQF, sendo as recomendações da GM13 seguidas no Brasil com relação a esse aspecto. A Tabela 9 apresenta a freqüência dos ensaios recomendados pela GM13.
Geomembranas de poli (cloreto de vinila) (PVC)
O emprego de geomembranas de PVC na Engenharia Civil tem recebido contribuições significativas do PVC Geomembrane Institute (PGI), o qual desenvolveu especificações para que esses materiais possam atender aos objetivos dos projetos em geral. Em 2006, o PGI lançou uma publicação que especifica os detalhes pertinentes à verificação do produto, instalação, controle de qualidade de campo e ensaios[29]. Nessa publicação, as principais propriedades das geomembranas de PVC são verificadas de acordo com a especificação PGI 1104[30], a qual foi adotada pela ASTM através da norma D7176[31]. Ressalta-se que não existem normas semelhantes no Brasil.
A norma D7176 relaciona as propriedades exigidas para geomembranas de PVC flexíveis de 0,25 a 1,5 mm de espessura, usadas para impermeabilização e coberturas. Também especifica os ensaios necessários para avaliar se o produto atende aos critérios mínimos de qualidade e de desempenho desejados. A Tabela 10 apresenta os ensaios recomendados pela D7176.
Para a avaliação de todas as propriedades, a norma estabelece que as amostras para ensaios em geomembranas de PVC devem ser retiradas das mantas aleatoriamente, inclusive das emendas. As propriedades de certificação de fábrica (ver Tabela 10) devem ser obtidas a cada lote ou a cada 18.000 kg de material produzido. No entanto, a espessura deve ser verificada a cada rolo. As propriedades índices devem ser obtidas para o produto final acabado e um certificado de garantia das propriedades deve ser emitido pelo fabricante. Se existir alguma modificação na formulação das geomembranas, as propriedades índices devem ser reavaliadas. Além disso, os ensaios devem ser refeitos a cada 5 anos para verificar eventuais mudanças nos processos de fabricação, alteração na matéria prima, dentre outros aspectos.
Na Europa, as normas que avaliam as principais propriedades de geomembranas sob o enfoque do CQF são as EN 13361[32], 13362[33], 13491[34], 13492[35] e 13493[36]. De forma semelhante às normas referentes a geotêxteis, as normas européias para geomembranas identificam propriedades de interesse a depender da aplicação do material, as quais devem ser apresentadas em termos de média e tolerância para a um nível de confiança igual a 95%. Novamente, o cumprimento dessas normas permite a obtenção do selo CE, sem o qual nenhuma geomembrana pode ser comercializada dentro da Comunidade Européia.
A Tabela 11 apresenta ensaios requeridos em geomembranas para algumas aplicações. Ressalta-se que as normas européias não fazem distinção sobre o tipo de geomembrana, mas apenas citam os métodos de ensaios a serem utilizados. São os métodos de ensaios que especificam qual tipo de geomembrana será usada. Por exemplo, a norma EN 13493[36] indica a verificação da propriedade de tenso fissuramento pelo método de ensaio D5397[37] da ASTM. Nesse método está a especificação que o ensaio é aplicável somente a geomembranas de PE.
Aparentemente, as normas utilizadas para as geomembranas de PE e PVC apresentam uma quantidade elevada de ensaios. No entanto, a freqüência de alguns ensaios mostra que estes serão necessários somente após uma certa quantidade de material produzido, o que reduz significativamente o número de ensaios. Ademais, dentro do contexto de CQ, esses ensaios são necessários para que se possa garantir minimamente o material que está sendo fabricado.
Conclusões
O controle de qualidade de geossintéticos é uma questão pouco discutida na literatura técnica nacional. Neste artigo, foram apresentados os principais tipos de ensaios de laboratório utilizados para controle de qualidade de fabricação de geotêxteis e geomembranas. A avaliação sobre o assunto foi baseada em normas técnicas norte-americanas e européias, analisando-se também a situação brasileira.
No cenário nacional, ainda não há normas específicas referentes ao controle de qualidade de fabricação de geotêxteis. Na prática, os ensaios de CQF ficam geralmente limitados à determinação de características físicas e mecânicas do geotêxtil, as quais não são suficientes para avaliar a qualidade do material em todas as suas aplicações. Por outro lado, as geomembranas contam com a norma NBR 15352[4], que apresenta requisitos mínimos para mantas termoplásticas de PEAD e de PEBDL.
Ao contrário do Brasil, nos EUA já existem algumas normas que tratam de CQF de geotêxeteis. Entretanto, ainda não há um conjunto de normas destinadas a todas as aplicações dos geotêxteis na Engenharia Civil. Ademais, as informações não se encontram agrupadas, de sorte que algumas normas tratam apenas da freqüência e outras dos tipos de ensaio. No caso das geomembranas, os EUA dispõem de normas distintas para materiais de PE e de PVC. Semelhantemente ao Brasil, as geomembranas também dispõem de padrões mais bem estabelecidos nos EUA para ensaios de CQF, em comparação com os geotêxteis. Isso se dá, em grande parte, por causa do seu importante papel na maioria das obras de contenção de resíduos e da crescente cobrança de responsabilidade ambiental por todos os setores da sociedade.
As normas européias identificam os ensaios necessários para CQF em função das diversas possibilidades de aplicação de geotêxteis e geomembranas na Engenharia Civil, e constitui o conjunto de práticas para ensaios de CQF de geossintéticos mais abrangente disponível atualmente.
Destaca-se, por fim, a importância da conscientização das indústrias fabricantes de geossintéticos brasileiras no sentido de estabelecerem um rígido controle da qualidade de seus materiais. Considerando o crescente despontar de novos produtos e fabricantes nacionais, a qualidade do produto manufaturado pode constituir um critério natural de seleção, favorecendo as indústrias que adotam tal prática. Neste processo, o estabelecimento de instituições independentes para certificação de qualidade é de suma importância.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Indiara Vidal, Flávio Montez e Carlos Vinícius Benjamim pelo apoio durante a elaboração deste artigo.
Enviado: 05/09/07
Aceito: 03/12/07
- 1. Bueno, B. S.; Valetin, C. A. & Mossim, V. - " Um Panorama do Desempenho de Geossintéticos Comercializados no País sob a Ótica de Ensaios de Laboratório" , in: Anais do 5ş Simpósio Brasileiro de Geossintéticos, CD-ROM, Recife-PE, jun (2007).
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Autor para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Jul 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2008
Histórico
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Aceito
03 Dez 2007 -
Recebido
05 Set 2007