À BEIRA DO LEITO
CLÍNICA MÉDICA
É claro o papel da anticoagulação em hipertensão pulmonar?
Rogério Souza; Carlos Jardim; Mônica Lapa
Nos últimos anos, várias alternativas terapêuticas vêm sendo desenvolvidas para o tratamento da hipertensão pulmonar, com particular atenção na hipertensão arterial pulmonar idiopática. Entre as opções mais recentes, temos os prostanóides (seja sob a forma endovenosa, inalatória ou subcutânea), inibidores de fosfodiesterase e os antagonistas dos receptores de endotelina. Outras classes de medicamentos são utilizadas para o manejo de pacientes com hipertensão pulmonar, constituindo o que era chamado de tratamento convencional ou não específico da hipertensão pulmonar; destacamos aí o uso de anticoagulantes orais.
O uso de anticoagulação oral em pacientes com hipertensão arterial pulmonar idiopática é fundamentado pelo resultado de três estudos retrospectivos que evidenciaram melhora na sobrevida dos pacientes em uso efetivo de anticoagulação. O racional para o uso de anticoagulantes orais é atribuído à disfunção endotelial presente como fenômeno fisiopatológico, cada vez mais reconhecido em pacientes com hipertensão pulmonar, que por sua vez levaria a um ambiente propício à trombose in situ1.
Mais recentemente, porém, vem crescendo o número de evidências que indicam a presença de um processo inflamatório marcante na fisiopatologia da hipertensão pulmonar, como por exemplo o aumento dos níveis de citocinas, quimiocinas e mesmo o reconhecimento da alteração determinada por genes da família do TGF-ß2. O que torna mais interessante essa observação é o fato de que os anticoagulantes sabidamente interferem no processo inflamatório, uma vez que a ativação plaquetária tem relação estreita com a modulação/ativação da resposta leucocitária3.
Recentemente, em um estudo avaliando possíveis vias fisiopatológicas de ativação plaquetária / inflamação em hipertensão pulmonar, mais especificamente o papel da proteína ligadora do CD40, evidenciou que os níveis da mesma em pacientes em uso de dicumarínicos era bastante diminuído em relação a pacientes sem anticoagulação, sugerindo que o papel antitrombótico atribuído aos dicumarínicos talvez não seja sua única via de ação, podendo existir um potencial efeito anti-inflamatório4.
Esse tipo de observação abre novas perspectivas de estudo também para as demais formas de hipertensão pulmonar, em que notadamente o processo inflamatório é mais intenso, como na hipertensão pulmonar associada às doenças do tecido conectivo, à doença pulmonar obstrutiva crônica, às doenças intersticiais pulmonares ou ainda ao vírus da imunodeficiência humana.
Até o momento, as evidências para o uso de anticoagulantes em hipertensão pulmonar se restringem à hipertensão pulmonar associada à embolia crônica e à hipertensão arterial pulmonar. Ainda assim, nesse último caso, fundamentadas em estudos retrospectivos. Passa a existir, porém, um novo caminho de estudos a ser explorado para tão conhecida classe de drogas.
Referências
1. Humbert M, Sitbon O, Simonneau G. Treatment of pulmonary arterial hypertension. N Engl J Med 2004;351(14):1425-36.
2. Dorfmuller P, Perros F, Balabanian K, Humbert M. Inflammation in pulmonary arterial hypertension. Eur Respir J 2003;22(2):358-63.
3. Esmon CT. Role of coagulation inhibitors in inflammation. Thromb Haemost 2001;86(1):51-6.
4. Damas JK, Otterdal K, Yndestad A., Aass H, solum NO, Froland SS, et al. Soluble CD40 ligand in pulmonary arterial hypertension: possible pathogenic role of the interaction between platelets and endothelial cells. Circulation 2004;110(8):999-1005.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Jan 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2005