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Princípios gerais do tratamento da artrite reumatoide inicial

Resumos

Os principais objetivos do tratamento de um paciente com artrite reumatóide (AR) são: reduzir a dor, o edema articular e os sintomas constitucionais, como a fadiga, melhorar a função articular, interromper a progressão do dano ósseo-cartilaginoso, prevenir incapacidades e reduzir a morbimortalidade. Nos últimos anos, o conceito terapêutico da AR inicial (primeiros 12 meses de sintomas da doença) sofreu grandes mudanças. Três aspectos, em particular, passaram a ser base do novo paradigma de tratamento: a precocidade do diagnóstico, o início imediato das drogas modificadoras do curso da doença (DMARD) e o controle rigoroso da atividade inflamatória. Nesse artigo, os autores fazem uma revisão dos princípios gerais do manejo de pacientes com diagnóstico de AR inicial.

Artrite reumatoide; Terapêutica; Terapia biológica


The main goals of the treatment of a patient with RA are: to reduce pain, joint swelling and constitutional symptoms such as fatigue, to improve joint function, stop progression of bone-cartilage damage , prevent disabilities and reduce morbidity and mortality. In recent years, the therapeutic concept of early RA (first 12 months of symptoms) has undergone major changes. Three aspects in particular have become the basis of the new treatment paradigm: early diagnosis, immediate beginning of Disease Modifying Antirheumatic Drugs therapy (DMARD) and strict control of the inflammatory activity. In this article, the authors review the general principles of management of patients with early RA.

Arthritis rheumatoid; Therapeutics; Biological therapy


ARTIGO DE REVISÃO

Princípios gerais do tratamento da artrite reumatoide inicial

Licia Maria Henrique da MotaI,* * Correspondência: SHLS 716/916 -Bloco E - Salas 501-502 Centro Médico de Brasília Asa Sul Brasília-DF CEP: 71660-020 Tel/Fax: (61) 3245-1966 licia@unb.br; liciamhmota@yahoo.com.br ; Ieda Maria Magalhães LaurindoII; Leopoldo Luiz dos Santos NetoIII

IDoutorado - Professora colaboradora de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília – UnB, Brasília, DF

IIDoutorado - Professora colaboradora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP

IIIDoutorado - Professor Associado de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB) - Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF

RESUMO

Os principais objetivos do tratamento de um paciente com artrite reumatóide (AR) são: reduzir a dor, o edema articular e os sintomas constitucionais, como a fadiga, melhorar a função articular, interromper a progressão do dano ósseo-cartilaginoso, prevenir incapacidades e reduzir a morbimortalidade. Nos últimos anos, o conceito terapêutico da AR inicial (primeiros 12 meses de sintomas da doença) sofreu grandes mudanças. Três aspectos, em particular, passaram a ser base do novo paradigma de tratamento: a precocidade do diagnóstico, o início imediato das drogas modificadoras do curso da doença (DMARD) e o controle rigoroso da atividade inflamatória. Nesse artigo, os autores fazem uma revisão dos princípios gerais do manejo de pacientes com diagnóstico de AR inicial.

Unitermos: Artrite reumatoide. Terapêutica. Terapia biológica.

Introdução

O objetivo do tratamento da AR deve ser sempre pautado em se atingir a mínima atividade de doença ou a remissão, cuja definição é controversa. A remissão seria a única forma de se evitar a evolução para formas erosivas e potencialmente deformantes. Detectar os parâmetros que possam indicar atividade e prognóstico da doença é, portanto, de vital importância para a condução do tratamento adequado1.

Os principais objetivos do tratamento de um paciente com AR são: reduzir a dor, o edema articular e os sintomas constitucionais, como a fadiga, melhorar a função articular, interromper a progressão do dano ósseo-cartilaginoso, prevenir incapacidades e reduzir a morbimortalidade2.

Nos últimos anos, o conceito terapêutico da AR inicial (primeiros 12 meses de sintomas da doença) sofreu grandes mudanças3. Três aspectos, em particular, passaram a ser base do novo paradigma de tratamento: a precocidade do diagnóstico, o início imediato das drogas modificadoras do curso da doença (DMARD) e o controle rigoroso da atividade inflamatória4.

Reconhecimento da importância do diagnóstico e tratamento precoce da AR

Uma vez que a maior parte das lesões erosivas se estabelece nos dois primeiros anos da doença, o reconhecimento e tratamento adequado nesta fase podem evitar ou retardar a progressão da doença5.

Encontra-se bem estabelecido que pacientes tratados com DMARD, ainda nas primeiras semanas de enfermidade, evoluem melhor que os que iniciam tratamento mais tardiamente6.

O conceito da “janela de oportunidade” enfatiza a necessidade do uso imediato de DMARD, associadas ou não aos corticoesteroides, visando ao controle precoce do processo inflamatório intra-articular, à prevenção da formação do pannus e da destruição da articulação acometida7.

Importância da estratificação de risco de evolução para formas graves

Há diferentes subgrupos e subpopulações de pacientes com AR, que evoluirão de maneira diversa, com maior ou menor gravidade. Tenta-se hoje estabelecer modelos de estratificação a fim de tratar mais agressivamente o paciente com pior prognóstico7.

Mudança na forma de prescrição dos esquemas terapêuticos

A antiga pirâmide (uso sequencial de anti-inflamatórios, drogas de ação lenta e imunossupressores) deu lugar à terapia combinada com múltiplas DMARD, desde o momento do diagnóstico. Tal abordagem evita que o paciente mais grave (com maior potencial erosivo) fique por longos períodos sem tratamento adequado8.

Utilização de novos agentes terapêuticos, incluindo as drogas modificadoras da resposta biológica

Um dos mais notáveis avanços recentes em termos de terapia para a AR foi o desenvolvimento dos agentes modificadores da resposta biológica (agentes biológicos). Embora essas drogas pareçam ser hoje as medicações mais efetivas no controle da AR, ainda são necessários estudos de segurança a longo prazo. O uso dos agentes biológicos como primeira opção terapêutica na AR inicial, embora já avaliado em alguns estudos, é bastante controverso9.

Atualmente os agentes biológicos mais utilizados são os antagonistas do fator de necrose tumoral (TNF). O TNF é uma potente citocina inflamatória expressa em grandes quantidades no soro e no líquido sinovial de indivíduos com AR. Ela promove a liberação de outras citocinas inflamatórias, particularmente as interleucinas (IL) IL-1, IL-6 e IL-8 e estimula a produção de proteases. A inibição dessa citocina demonstrou ser uma forma efetiva e rápida de controlar a atividade da doença10-12 . Três drogas antiTNF estão disponíveis para uso clínico: infliximabe (anticorpo monoclonal antiTNF quimérico - humano/murino)13 , etanercepte (proteína de fusão composta pelo receptor solúvel do TNF região Fc da IgG)14 e adalimumabe (anticorpo humano contra o TNF)15 .

Outras terapias biológicas em utilização incluem o antagonista do receptor da IL-1 (anakinra)16, antilinfócitos B - anticorpos antiCD20 (rituximabe)17-19, inibidores de moléculas de co-estimulação, como proteínas de fusão CTLA-4-IgG (abatacepte)20-22 e anticitocinas, como o anticorpo antirreceptor solúvel de interleucina-6 (tocilizumabe)23-25.

Todos os agentes biológicos são eficazes em controlar as manifestações articulares e deter a progressão radiológica da doença, embora possa haver falha terapêutica, sobretudo com o tratamento continuado, em até 30% a 40% dos pacientes. A falha a um agente biológico não prediz necessariamente ausência de resposta à outra droga da mesma classe, e a tentativa de um novo fármaco, após falência de resposta ao primeiro é aceitável9.

A possível ocorrência de efeitos adversos múltiplos, sobretudo uma maior susceptibilidade a infecções diversas, incluindo, em alguns casos, a tuberculose26, deve ser cuidadosamente avaliada.

Um outro fator a ser considerado, especialmente em nosso meio, é o alto custo dessas medicações. São necessárias maiores análises de fármaco-economia, incluindo custo-efetividade, custo-utilidade e custo-benefício desta terapia, sobretudo nas fases iniciais da doença27.

Conclusão

Não há consenso formal sobre a sequência de introdução das medicações na AR inicial, sendo esta variável de acordo com a gravidade do caso e a resposta obtida. A Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnóstico e Tratamento da Artrite Reumatóide recomenda que a escolha e cronologia do agente biológico a ser prescrito sejam individualizadas, a critério do médico28.

Em suma, o uso muito precoce de DMARD efetivas é um ponto-chave no tratamento de pacientes com risco de desenvolver artrite persistente e erosiva. O tratamento intensivo em fase inicial da doença, como a combinação de DMARD e esteroides ou mesmo terapias biológicas, pode induzir altos índices de remissão e controlar a progressão radiológica29.

Essa abordagem agressiva responde por um melhor prognóstico do que a monoterapia com DMARD em AR inicial, e deve ser considerada muito precocemente para esses pacientes. Além disso, a monitoração estrita da atividade da doença, progressão radiográfica e avaliação do prognóstico são mandatórias, com a finalidade de adaptar a estratégia terapêutica quando necessário.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 10/12/09

Aceito para publicação: 04/03/10

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Brasília (HUB) - Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2009
    • Aceito
      04 Mar 2010
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