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Efeitos colaterais do tratamento da hepatite C no polo aplicador do ABC

Resumos

OBJETIVO: Analisar e comparar os efeitos colaterais do tratamento da hepatite C com interferon peguilado e ribavirina no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital Mário Covas (Santo André), de 23/02/2011 a 05/05/2011. MÉTODOS: Estudo do tipo transversal, por questionário, com amostra não probabilística composta por 340 pacientes que receberam pelo menos uma dose da medicação. RESULTADOS: Os efeitos colaterais apresentados foram cansaço (82,9%), artralgia e/ou mialgia (76,8%), emagrecimento (71,8%), cefaleia (67,6%), desânimo (65,9%), depressão e/ou irritabilidade (64,4%), prurido (60,6%), febre (59,1%), alopecia (51,5%), tosse seca (34,1%), náuseas (11,7%), inapetência (11,7%) e tontura (7,9%). Foram relatados até 19 sintomas durante o tratamento. Apenas quatro pacientes (1,2%) não apresentaram efeitos colaterais. Ao comparar os interferons, observamos que o uso do alfa-2b causou uma média de 8,01 sintomas por paciente, enquanto o do alfa-2a foi responsável por uma média de 7,50. Os pacientes em uso do interferon alfa-2b apresentaram mais febre, emagrecimento, cefaleia, artralgia e/ou mialgia, cansaço, desânimo, depressão e/ou irritabilidade e tosse seca do que os pacientes em uso do alfa-2a, que, por sua vez, tiveram mais alopecia e prurido. CONCLUSÃO: O estudo mostra uma grande morbidade relacionada ao tratamento, já que apenas 1,2% dos pacientes não apresentaram efeitos colaterais. Na amostra, o interferon peguilado alfa-2b foi responsável por maior prevalência de febre e emagrecimento quando comparado ao alfa-2a, sendo essa relação estatisticamente significante (p < 0,05).

Hepatite C; terapia combinada; interferon alfa-2a; interferon alfa-2b; ribavirina


OBJECTIVE: To review and compare side effects of hepatitis C treatment with pegylated interferon and ribavirin at the CRIE of the Hospital Mário Covas (Santo André), São Paulo, Brazil, from February 23 to May 5, 2011. METHODS: Cross-sectional study through questionnaire, with a non-probability sample comprised of 340 patients that had received at least one dose of the medication. RESULTS: Side effects presented were fatigue (82.9%), arthralgia and/or myalgia (76.8%), weight loss (71.8%), headache (67.6%), listlessness (65.9%), depression and/or irritability (64.4%), itching (60.6%), fever (59.1%), alopecia (51.5%), dry cough (34.1%), nausea (11.7%), inappetence (11.7%), and dizziness (7.9%). Up to 19 symptoms were reported during treatment. Only four patients (1.2%) did not present side effects. When comparing the types of interferon, it was observed that alpha-2b caused an average of 8.01 symptoms per patient, while alpha-2a was responsible for an average of 7.50 symptoms. Patients using interferon alpha-2b showed more fever, weight loss, headache, arthralgia and/or myalgia, fatigue, listlessness, depression and/or irritability, and dry cough than patients using alpha-2a, who had more alopecia and itching. CONCLUSION: The study shows a high morbidity related to the treatment, as only 1.2% of the patients showed no side effects. In the sample, the pegylated interferon alpha-2b was responsible for higher prevalence of fever and weight loss when compared to alpha-2a, and this was a statistically significant relation (p < 0.05).

Hepatitis C; combined therapy; interferon alpha-2a; interferon alpha-2b; ribavirin


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos colaterais do tratamento da hepatite C no polo aplicador do ABC

Thamy Jay GarciaI; Paulo Henrique Schmidt LaraI; Tauy Pereira MorimotoI; Mauricio HigasiaragutiI; Andréia Maruzo PerejãoII; Munir Akar AyubIII

IAcadêmicos da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil

IIInfectologista do Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE - ABC) do Hospital Mário Covas (FMABC) e Hospital Padre Bento; Membro da Diretoria do Ambulatório de Infectologia do Centro de Referência de DST - AIDS de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIIDocente da Disciplina de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC; Infectologista Responsável pelo CRIE - ABC do Hospital Mário Covas (FMABC), Santo André, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Munir Akar Ayub R. Henrique Calderazzo, 321/3º andar Sacadura Cabral - Santo André SP, Brasil CEP: 09060-870 Tel.: (11) 2829-5165 Fax: (11) 2829-5177 ayubm@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar e comparar os efeitos colaterais do tratamento da hepatite C com interferon peguilado e ribavirina no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital Mário Covas (Santo André), de 23/02/2011 a 05/05/2011.

MÉTODOS: Estudo do tipo transversal, por questionário, com amostra não probabilística composta por 340 pacientes que receberam pelo menos uma dose da medicação.

RESULTADOS: Os efeitos colaterais apresentados foram cansaço (82,9%), artralgia e/ou mialgia (76,8%), emagrecimento (71,8%), cefaleia (67,6%), desânimo (65,9%), depressão e/ou irritabilidade (64,4%), prurido (60,6%), febre (59,1%), alopecia (51,5%), tosse seca (34,1%), náuseas (11,7%), inapetência (11,7%) e tontura (7,9%). Foram relatados até 19 sintomas durante o tratamento. Apenas quatro pacientes (1,2%) não apresentaram efeitos colaterais. Ao comparar os interferons, observamos que o uso do alfa-2b causou uma média de 8,01 sintomas por paciente, enquanto o do alfa-2a foi responsável por uma média de 7,50. Os pacientes em uso do interferon alfa-2b apresentaram mais febre, emagrecimento, cefaleia, artralgia e/ou mialgia, cansaço, desânimo, depressão e/ou irritabilidade e tosse seca do que os pacientes em uso do alfa-2a, que, por sua vez, tiveram mais alopecia e prurido.

CONCLUSÃO: O estudo mostra uma grande morbidade relacionada ao tratamento, já que apenas 1,2% dos pacientes não apresentaram efeitos colaterais. Na amostra, o interferon peguilado alfa-2b foi responsável por maior prevalência de febre e emagrecimento quando comparado ao alfa-2a, sendo essa relação estatisticamente significante (p < 0,05).

Unitermos: Hepatite C; terapia combinada; interferon alfa-2a; interferon alfa-2b; ribavirina.

INTRODUÇÃO

Estima-se que o vírus da hepatite C (VHC) infecte 3% da população mundial, o que corresponde a 210 milhões de habitantes, e desses, 80% evoluam para a forma crônica1,2. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é considerado um país de endemicidade intermediária para hepatite C, com prevalência situada entre 2,5 e 10%3.

O processo de seleção e adaptação ao hospedeiro levou à evolução de distintos genótipos do VHC. A classificação mais utilizada, proposta por Simmonds et al., define seis tipos diferentes, com os subtipos 1a, 1b, 1c, 2a, 2b, 2c, 3a, 3b, 4a, 5a e 6a. Apesar de o critério basear-se em biologia molecular, essa classificação tem implicações práticas, patogenéticas, epidemiológicas e relacionadas com o tratamento. Como exemplo, é possível citar o subtipo 1b, que pode causar formas graves da infecção e, assim como o tipo 4, responde menos favoravelmente ao tratamento com interferon (IFN). Sendo assim, esses genótipos devem ser tratados por um maior período que o habitual (48 semanas). No Brasil, cerca de 2/3 dos pacientes apresentam o genótipo 1, seguido pelo tipo 3, com cerca de 20 a 30%, e o tipo 2 em menor proporção4.

A transmissão do vírus ocorre, principalmente, pelo contato com o sangue infectado por exposição percutânea: compartilhamento de equipamentos para uso de drogas injetáveis (18%) ou de objetos de uso pessoal, como lâminas de barbear ou depilar, escovas de dente e instrumentos para pedicure/manicure. Além disso, pode ser transmitido por confecção de tatuagens e colocação de piercings, transfusão de sangue e/ou hemoderivados (16%), transplantes de órgão de doadores infectados, transmissão vertical e sexual (9%)1,2,5,6. Nos casos notificados no Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais, observa-se elevado percentual de via de transmissão ignorada (43%)6.

Estima-se que 15 a 45% dos indivíduos que tiveram contato com o VHC apresentem eliminação viral espontânea; 25%, doença leve7; e 55 a 85% evoluem para doença crônica progressiva. O clareamento viral espontâneo é mais frequente nos casos sintomáticos de hepatite C aguda e nos pacientes acometidos pelo genótipo 3. Isso ocorre geralmente nas primeiras 12 semanas após o início da doença8. A maioria dos pacientes que evolui para a forma crônica desenvolve fibrose. O óbito pode acontecer em decorrência das complicações, como a cirrose e o hepatocarcinoma7,9,10. Calcula-se que 20 a 25% dos pacientes com fibrose evoluam para cirrose em um período que pode variar de 10 a 30 anos7. O hepatocarcinoma ocorre quase sempre em pacientes com cirrose, com uma incidência em torno de 1 a 4% ao ano9.

O objetivo do tratamento da hepatite C crônica é o controle da progressão da doença hepática por meio da inibição da replicação viral11. Dessa maneira, o tratamento tem como metas a resposta virológica sustentada (RVS), o aumento da expectativa e a melhora da qualidade de vida, a redução da probabilidade de evolução para insuficiência hepática terminal (a redução da atividade inflamatória impede a evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular) e a diminuição do risco de transmissão da doença2.

Para indicar o tratamento deve-se considerar o risco de progressão da doença, a probabilidade de resposta terapêutica, os efeitos adversos ao tratamento e a presença de comorbidades2.

O tratamento das formas crônicas baseia-se na combinação de IFN ou interferon peguilado (PEG-IFN) com ribavirina (RBV), por um período de 48 a 72 semanas, dependendo do genótipo encontrado, obtendo-se um clearance em torno de 80% para os genótipos virais 2 e 3 e cerca de 40% para o genótipo 11,2,12-17.

De maneira geral, as taxas de resposta virológica sustentada dos genótipos 2 e 3 são superiores àquelas encontradas no genótipo 1, independentemente da estratégia de tratamento adotada18,19.

Estão disponíveis no Brasil o IFN convencional e a RBV, ambos de produção nacional, e o PEG-IFN alfa-2a e alfa-2b, produzidos por diferentes companhias farmacêuticas12.

As evidências produzidas até o momento são insuficientes para indicar uma formulação de PEG-IFN preferencial, em virtude da eficácia e da segurança semelhantes quando considerados os desfechos RVS e a toxicidade2.

O tratamento com IFN e RBV para hepatite C ocasiona diversas alterações laboratoriais e possíveis efeitos colaterais que necessitam de monitoramento clínico e laboratorial mais rigoroso, com o objetivo de melhorar a adesão ao tratamento e a adequação de doses20.

Os efeitos colaterais reconhecidos da terapia com IFN convencional e PEG-IFN são: alopecia, anemia, distúrbios autoimunes, depressão ou transtornos do humor, diarreia, sintomas semelhantes aos da gripe, dor ou eritema no local da injeção, retinopatia, transtornos do sono, trombocitopenia e neutropenia, disfunção da tireoide e perda de peso2.

Com relação à RBV, os efeitos adversos reconhecidos são: anemia hemolítica, tosse, dispneia, gota, náuseas, erupções cutâneas e teratogenicidade2.

A piora na qualidade de vida durante o tratamento pode influenciar negativamente a confiança e contribuir para um desfecho clínico desfavorável. O suporte multiprofissional na abordagem dos efeitos colaterais, com estratégias de apoio e motivação, auxilia a reduzir o risco de abandono precoce do tratamento2.

No Hospital Estadual Mario Covas (HEMC), cerca de 300 a 350 pacientes realizam o tratamento para hepatite C no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) mensalmente. Em decorrência da longa duração do tratamento (6 a 12 meses, geralmente), é possível encontrar, em todos os meses, pacientes iniciando e finalizando o tratamento. A taxa de abandono do tratamento no serviço gira em torno de 2 a 5% ao mês e tem como justificativa a indicação médica de suspensão do tratamento em função dos efeitos colaterais ou sem motivos declarados.

Em janeiro de 2012, a taxa de abandono do tratamento de hepatite C no CRIE do HEMC foi de 2%, dos quais 100% dos pacientes estavam em uso do IFN alfa-2b associado à RBV; dentre esses, 75% abandonaram o tratamento por orientação médica. Já em fevereiro de 2012, a taxa de abandono foi de 5,2%. Dos pacientes que utilizavam o interferon alfa-2b associado à RBV, 2,4% abandonaram o tratamento, dentre os quais 60% motivados por orientação médica, enquanto o abandono do tratamento com o IFN alfa-2a associado à RBV foi de 2,8% e desses, 50% por indicação médica.

OBJETIVO

Analisar e comparar os principais efeitos colaterais do tratamento da hepatite C com PEG-INF (alfa-2a ou alfa-2b) e RBV no polo aplicador do CRIE-HEMC, Santo André (SP). Com o objetivo de esclarecer os profissionais de saúde do HEMC quanto aos efeitos do tratamento e às possíveis melhorias das estratégias de suporte e apoio pela equipe de saúde ao paciente.

MÉTODOS

O estudo, aprovado pelo comitê de Ética do Hospital Mário Covas (FMABC), protocolo CEP/FMABC nº 004/2011, foi do tipo descritivo, realizado por meio de um questionário aplicado por acadêmicos. A população estudada foi composta por pacientes que se encontravam em tratamento de hepatite C com PEG-INF (alfa-2a ou alfa-2b) e RBV entre 23/02/2011 a 05/05/2011, após concordarem em participar e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi utilizada uma amostra não probabilística, por conveniência, na qual foram entrevistados 340 pacientes portadores de hepatite C em tratamento com PEG-IFN (via subcutânea) e RBV (via oral) que tivessem recebido pelo menos uma dose da medicação. Nenhum paciente recusou-se a responder o questionário e não houve absenteísmo. Foram excluídos os pacientes que iriam iniciar o tratamento no período da realização do trabalho e que ainda não haviam recebido nenhuma dose da medicação, alguns desses, portanto, foram incluídos posteriormente no estudo após receberem a primeira dose do tratamento.

A escolha do tratamento, que considerava a dosagem, o tempo de tratamento e o tipo de PEG-INF, foi feita pelo médico de cada paciente, porém, de maneira geral, seguia as diretrizes do Ministério de Saúde do Brasil, Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e os diferentes consensos de especialidades.

Foi utilizado um único instrumento, aplicado a cada sujeito, o questionário "Dados Estatísticos Hepatite C - Pacientes em Tratamento", elaborado pela própria equipe. Tratava-se de um conjunto de 15 perguntas fechadas, de múltipla escolha ou para serem completadas, que abrangiam diferentes esferas da vida do indivíduo, como: identificação (data de nascimento, sexo e raça), posse de convênio médico, escolaridade, nível socioeconômico, cidade de moradia, diagnóstico, genótipo do vírus, medicação em uso (PEG IFN alfa-2a ou alfa-2b, associados à RBV), possível forma de contágio, efeitos colaterais ao tratamento, doenças associadas e se era o primeiro tratamento ou um retratamento da doença.

Foi realizada a análise descritiva de todas as variáveis do estudo. As variáveis qualitativas foram apresentadas em termos de seus valores absolutos e relativos. As quantitativas foram apresentadas em termos de seus valores de tendência central e de dispersão. Para verificar a associação entre as variáveis qualitativas foi utilizado o teste de Qui-quadrado, que compara valores percentuais (proporções). Para as variáveis quantitativas, a homogeneidade das variâncias e a aderência à curva normal foram verificadas pelos testes de Levene e Kolmogorov-Smirnov, respectivamente. O nível de significância foi de 5%. O pacote estatístico utilizado foi o SPSS 16.0 para Windows.

Dentre as limitações metodológicas do estudo encontram-se o erro de preenchimento em 4% dos questionários e os dados faltantes, que se limitavam ao nível socioeconômico, sexo, etnia e posse de convênio; não houve, portanto, erro de preenchimento com relação aos efeitos colaterais. A presença dos efeitos colaterais baseou-se em dados informados pelos pacientes, sem medidas objetivas das variáveis de interesse. Outra limitação foi o fato de não ter sido considerado o tempo de tratamento do paciente ou o estágio clínico da hepatite C.

RESULTADOS

Foram entrevistados 340 indivíduos, com idade entre 23 e 83 anos, com média de 48,91 anos; com relação ao gênero, 172 (55,5%) eram homens e 138 (44,5%), mulheres, distribuídos etnicamente em brancos, 233 (69,1%); negros, 19 (5,6%); pardos, 80 (23,7%), e amarelos, 5 (1,5%).

Com relação ao local de residência, 114 (33,5%) residiam em Santo André, 123 (36,2%) em São Bernardo do Campo, 19 (5,6%) em São Caetano do Sul, 40 (11,8%) em Diadema e 44 (12,9%) em outros municípios (São Paulo, Mauá, Ribeirão Pires, Grajaú e Rio Grande da Serra).

Quanto à escolaridade, foram encontrados 8 (2,4%) analfabetos, 109 (32,1%) com o primeiro grau completo, 137 (40,3%) com o segundo grau completo, 30 (8,8%) com nível superior incompleto e 56 (16,5%) com nível superior completo.

Com relação ao nível socioeconômico, 67 (20,5%) apresentavam renda inferior a um salário-mínimo, 219 (67%) entre dois e seis salários-mínimos e 41 (12,5%) seis ou mais salários-mínimos. Na amostra, 155 (45,9%) dispunham de convênio médico e 183 (54,1%) não.

Das possíveis formas de contágio apontadas no questionário, observou-se que 22 (6,5%) foram por tatuagem ou piercing, 17 (5,0%) por drogas injetáveis, 96 (28,2%) por transfusão de sangue, 9 (2,6%) por contato sexual, 46 (13,5%) por outro motivo, 3 (0,9%) por duas das formas citadas anteriormente e 147 (43,2%) não souberam ou não quiseram informar. Também foram citados manicure/pedicure, cirurgia, tratamento odontológico, transmissão vertical e acidente com material perfurocortante, alcoolismo e tratamento de bronquite.

Os genótipos referidos foram 126 (69,2%) pacientes com genótipo 1, 31 (17%) com genótipo 2, 22 (12,1%) com genótipo 3 e 3 (1,6%) com genótipo 4. Grande parte da amostra, 158 pacientes (46,5%), não soube citar o genótipo viral.

Dos pacientes, 106 (28%) apresentavam doenças associadas e 234 (68,8%) não. As principais comorbidades relatadas foram hipertensão arterial sistêmica (47 pacientes - 28%), diabetes mellitus (28-17%) e HIV positivo (9-5%).

Quanto à medicação (PEG-IFN) utilizada, 181 (55,5%) pacientes faziam uso do alfa-2b e 145 (44,5%) do alfa-2a, ambos associados à RBV. A maioria, 274 (81,1%), estava realizando o primeiro tratamento.

Mais da metade dos pacientes referiram cansaço, artralgia e/ou mialgia, emagrecimento, desânimo, depressão e/ou irritabilidade, prurido, febre e alopecia durante o tratamento (Gráfico 1).


Observou-se também que 145 (42,6%) pacientes apresentaram outros efeitos colaterais não listados no questionário, dentre eles náuseas (40-11,7%), inapetência (40-11,7%), tontura (27-7,9%), anemia (21-6,1%), vômitos (16-4,7%), alteração do paladar (14-4,1%), epigastralgia (11-3,2%), insônia (11-3,2%), xerostomia (10-2,9%), calafrios (8-2,3%), mal-estar geral (7-2%), diarreia (7-2%), eritema (6-1,7%), epistaxe (6-1,7%), sonolência (5-1,4%), cãibra (4-1,1%), perda de memória (4-1,1%), aftas (4-1,1%), dentre outros.

Os pacientes entrevistados referiram de 0 a 19 sintomas. Apenas quatro (1,2%) pacientes em tratamento não apresentaram nenhum tipo de efeito colateral com a medicação (Gráfico 2).


Comparando a quantidade de efeitos colaterais causados pelos PEG-IFN, verificou-se que entre os 181 pacientes em uso do alfa-2b e RBV houve uma média de 8,01 sintomas por paciente (DP: 3,696) e essa média foi de 7,50 sintomas por paciente (DP: 3,718) entre os 145 pacientes em uso do alfa-2a e RBV.

Os pacientes em uso de IFN alfa-2b e RBV apresentaram mais febre, emagrecimento, cefaleia, artralgia e/ou mialgia, cansaço, desânimo, depressão e/ou irritabilidade e tosse seca que os pacientes em uso do IFN alfa-2a e RBV, que, por sua vez, tiveram mais alopecia e prurido. Houve significância estatística apenas nos resultados com relação à febre e ao emagrecimento (ambos com p = 0,001 [p = 0,000]) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

A principal forma de contágio relatada foi por transfusão sanguínea, mas grande parte dos pacientes não quis ou não soube referir a forma de contágio. De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais, as maiores proporções de casos estão relacionadas com o uso de drogas e com a transfusão de sangue e/ou hemoderivados, e é igualmente encontrado um elevado percentual de causa ignorada6.

Pode-se perceber que existem preconceito e falta de informação quanto à transmissão e ao contágio da hepatite C, e, por esse motivo, houve relatos de formas de contato anedóticas referidas nos questionários, como, o alcoolismo e o tratamento de bronquite. Além disso, é possível a aquisição de dados falseados, pois muitos pacientes podem se sentir constrangidos e pouco à vontade para responder como adquiriram o vírus.

Grande parte dos pacientes não soube referir qual o genótipo de sua doença e dentre os que souberam, o genótipo 1 foi o mais prevalente, estando de acordo com os estudos de Campiotto et al., que encontraram esse tipo como o mais prevalente em São Paulo. Em segundo lugar figurou o genótipo 2, seguido dos genótipos 3 e 4, divergindo da pesquisa de Campiotto et al. que encontrou as porcentagens na seguinte sequência: 1, 3, 2, 4 e 521.

Uma limitação metodológica do estudo foi não ter sido interrogado o estágio clínico no qual a doença se encontrava nem há quanto tempo o paciente estava em tratamento, já que é esperado que os pacientes com maior tempo de tratamento tenham mais efeitos colaterais. Esses dados poderiam constituir possíveis fatores de confusão no estudo.

Não houve medidas objetivas das variáveis de interesse; os efeitos colaterais basearam-se apenas nas informações fornecidas pelos pacientes.

Outra limitação foi o fato de que 4% dos pacientes não preencheram algum dado do questionário (nível socioeconômico, sexo, etnia e posse de convênio). A falta dessas informações não prejudicou a análise estatística dos efeitos colaterais, uma vez que os dados faltantes tinham apenas a função de caracterizar a amostra.

O estudo demonstrou uma grande morbidade relacionada com o tratamento, uma vez que apenas 1,2% dos pacientes não apresentaram efeitos colaterais. Tal dado é corroborado por McGowan et al., cuja pesquisa indica que praticamente todos os pacientes experimentam algum efeito colateral durante o tratamento22.

No estudo de McGowan et al. são descritas múltiplas barreiras ao tratamento da hepatite C crônica, dentre elas: o grau da hepatite C do paciente, a presença de comorbidades, a falta de consciência da gravidade da doença, o medo de efeitos colaterais e as más condições de aderência, que podem impedir o tratamento. Nesse trabalho, aproximadamente dois terços dos pacientes referem que o medo dos efeitos colaterais, juntamente com a natureza assintomática de sua doença, são as principais razões para o adiamento do tratamento do VHC22.

Exatamente pelo fato de causar inúmeros efeitos colaterais que prejudicam a qualidade de vida do paciente, o tratamento com INF alavancou a pesquisa e o desenvolvimento de tratamento alternativos para a hepatite C23.

Atualmente novas terapias com agentes que focam em proteínas específicas virais, como protease e polimerase, estão emergindo. Dois inibidores de protease, telaprevir e boceprevir, passaram por uma série de testes e recentemente foram liberados. Essas substâncias mostraram maior eficácia em relação à terapia atual (60-75% de resposta virológica sustentada), com menor duração de tratamento e sem adição de efeitos colaterais ao tratamento atual, mas são restritas ao genótipo 1 e ao retratamento24.

Além disso, essas substâncias também mostraram boa eficácia em pacientes que não obtiveram sucesso no tratamento com INF associado à RBV (60-65% de resposta virológica sustentada)24.

Outra abordagem ao tratamento, ainda visando inibir a replicação viral, seria a utilização de oligonucleotídeos e ribozimas, também sujeitas às investigações experimentais. As citocinas, como as interleucinas 12, 10 e 2, diferentemente das substâncias anteriores, atuariam modulando o sistema imunológico, a fim de favorecer a resposta terapêutica. Nessa mesma linha da imunoterapia, outras possibilidades estão sendo testadas, inclusive o uso de uma vacina-DNA que, por estimular potente resposta de células T contra o vírus, teria finalidade terapêutica. A complexidade do experimento com essas novas substâncias passa pela quase certeza de que os melhores resultados serão fruto de uma associação de medicamentos e não de uma substância isolada25.

Com relação à presença de efeitos colaterais, não foram encontrados trabalhos que comparassem os efeitos gerados pelos diferentes tipos de PEG-IFN na literatura.

CONCLUSÃO

O estudo mostra uma grande morbidade relacionada com o tratamento, uma vez que apenas 1,2% dos pacientes não apresentaram efeitos colaterais.

Ao comparar os efeitos colaterais das duas substâncias, observa-se que o IFN alfa-2b associado à RBV causa mais febre e emagrecimento como efeitos colaterais quando comparado ao alfa-2a associado à RBV, com uma relação estatisticamente significante (p < 0,05).

Até o momento não existem evidências suficientes para indicar um tipo ou outro de PEG-IFN e, por isso, é recomendável a realização de mais trabalhos para verificar se os resultados encontrados no trabalho mantêm-se em outros estudos. Se possível, e de preferência, sanando as limitações da atual pesquisa.

Como o tratamento é longo, ao indicar um medicamento com menos efeitos colaterais, haverá maior sucesso na adesão do paciente, o que é fundamental para o êxito no combate ao VHC.

Os resultados do estudo serão divulgados para os profissionais da saúde do Hospital Estadual Mário Covas, direcionando-os para uma melhor atenção aos pacientes em tratamento de hepatite C, especialmente aos pacientes submetidos ao tratamento com IFN alfa-2b associado à ribivarina, que possivelmente enfrentarão efeitos colaterais mais exacerbados com relação à febre e ao emagrecimento.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Leandro Luongo de Matos por auxiliar na realização da análise estatística do estudo.

Artigo recebido: 10/01/2012

Aceito para publicação: 11/05/2012

Conflito de interesses: Não há.

Trabalho realizado no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital Municipal Mario Covas, São Paulo, SP, Brasil

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Out 2012
    • Aceito
      05 Nov 2012
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