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Sindicatos e trabalhadores no Brasil: defensiva estratégica e alternativa antiliberal

RESENHAS

Sindicatos e trabalhadores no Brasil: defensiva estratégica e alternativa antiliberal

Augusto César Buonicore

Universidade Estadual de Campinas

BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo : Xamã, 1999.

A década de 90 tem sido uma década bastante difícil para o sindicalismo brasileiro. Ele teve que enfrentar um novo inimigo, um inimigo até então desconhecido, o neoliberalismo. A ofensiva neoliberal empurrou o movimento sindical para posições cada vez mais defensivas. Diante deste quadro adverso se gestou dentro das organizações socialistas e operárias um intenso debate sobre qual deveria ser a estratégia mais adequada para enfrentar a nova situação. Várias plataformas políticas foram apresentadas, uma grande parte delas mostrou-se não condizente com a conjuntura que se abria após 1990.

O novo livro do professor Armando Boito Jr. faz um rico e detalhado balanço crítico desses difíceis anos para os trabalhadores brasileiros. Analisa as particularidades da política neoliberal no Brasil e a relação que ela estabelece com as diversas frações das classes dominantes e com as classes trabalhadoras e, por fim, analisa as posições assumidas pelo movimento sindical brasileiro diante da ofensiva neoliberal.

No primeiro capítulo o autor analisa a complexa relação entre a política neoliberal e as diversas frações das classes dominantes. A política neoliberal manteve a hegemonia do grande capital monopolista, que havia se consolidado durante a ditadura militar, mas a aplicação desta política acarretaria certas modificações, certo realinhamento de forças no seio do bloco no poder.

Para entender o impacto do neoliberalismo no bloco no poder é preciso, em primeiro lugar, entender o que é isso que chamamos de política neoliberal. O autor divide a política neoliberal em três grandes partes: 1ª) a política de desregulamentação do mercado de trabalho; 2ª) a política de privatização; 3ª) a abertura comercial e a desregulamentação financeira.

A primeira parte atende aos interesses do conjunto da burguesia e do imperialismo, a segunda favorece este último e uma fração da burguesia brasileira: o capital monopolista (industrial, bancário e financeiro). A terceira atende os interesses de apenas uma das frações do capital monopolista: o setor representado pelo capital monopolista bancário e, é claro, pelo imperialismo. Somente a este último a política neoliberal interessa plenamente. Somente este setor não apresenta contradição com nenhum dos aspectos da política neoliberal. Por isso, este seria o núcleo duro da bloco no poder neoliberal.

É justamente isto que nos permite entender certas contradições que se estabelecem entre as diversas frações das classes dominantes e que se traduzem, inclusive, no interior dos próprios governos neoliberais. A divisão entre neoliberais "moderados", que tendem a refletir os interesses da fração industrial que tem contradições com a terceira parte da política neoliberal, e os neoliberais "extremados", representantes dos interesses do grande capital bancário e do capital financeiro internacional.

Embora todas as frações da burguesia tenham, de certa forma, algo a ganhar com a aplicação da política neoliberal, este ganho não é igual para todas. E sua aplicação radical acarreta sérios prejuízos a algumas frações da própria burguesia. Exemplo disso são as políticas de abertura indiscriminada do mercado e de manutenção dos juros altos, que ferem interesses do médio e até do grande capital industrial.

Apesar das contradições existentes, Boito conclui que não existe no país nenhuma fração que possa ser considerada uma burguesia nacional, ou seja, uma burguesia que desempenhe o papel de força oposicionista à política neoliberal no seu conjunto, embora possa se opor pontualmente a um ou outro aspecto da política que atinja seus interesses. Mesmo os setores da burguesia industrial tem se comportado, no campo político, como uma burguesia interna e não como a velha burguesia nacional. O setor bancário do grande capital por sua vez tem se comportado como uma verdadeira burguesia compradora, pró-imperialista.

O segundo capítulo traça um amplo painel sobre as conseqüências da política neoliberal para os trabalhadores. Em primeiro lugar, desmascara a ilusão (ou má fé!) daqueles que acreditam que a política neoliberal teria, pelo menos, um aspecto positivo: a tentativa de "erradicação da miséria". Estes autores, em geral, não compreendem que não se pode separar a política social da política econômica do neoliberalismo. "A pobreza não é um dado natural com o qual se deparam os governos neoliberais; ela é produzida [...] pela própria política econômica neoliberal, que reduz o emprego e os salários e reconcentra a renda".

Neste aspecto, contraditoriamente, o discurso de setores da esquerda brasileira acaba encontrando pontos de contato com o discurso e a ideologia neoliberais. Um exemplo disso é a crítica feita ao chamado "Estado de Bem-Estar Social" no Brasil que, segundo alguns autores, teria se assentado na política de "dar tudo a todos" em vez de "dar mais a quem tem menos". Ele teria sido o responsável pelo crescimento de uma burocracia (bem remunerada, privilegiada e incompetente) que acabou se alimentando de grande parte das verbas públicas que deveria ser destinada à população de baixa renda. Portanto, seria preciso reformar este Estado, descentralizando, desconcentrando a participação e focalizando os recursos.

Segundo Boito Jr., seria completamente infundada a tese de que a descentralização, a desconcentração participativa e a focalização dos gastos públicos na população de baixa renda teriam uma inspiração progressista e por isso mesmo seriam contraditórias com a própria ideologia neoliberal. Ao contrário, a descentralização e a desconcentração participativa compõem o arcabouço da própria ideologia neoliberal, que prega a necessidade de um "Estado Mínimo". A descentralização neoliberal é a descentralização da administração de verbas cujo montante e destino são centralizadamente decididos pelo poder executivo central. Quanto à focalização, trata-se de uma tentativa de recuperar "a velha prática liberal da filantropia". A focalização (neoliberal) dos gastos públicos não seria, fundamentalmente, o seu direcionamento para as camadas populares, mas a sua concentração "num piso mínimo e reduzido de serviços". O Estado deveria apenas garantir ao povo o direito ao ensino básico (ou seja, o direito de ser alfabetizado) e uma "cesta básica" de saúde (direito ao cuidado mínimo, preventivo e de baixo custo); o restante deveria ser privatizado, mercantilizado. Esta focalização de gastos públicos se articula com a desfocalização dos impostos das classes proprietárias, especialmente do grande capital. A política tributária neoliberal se caracteriza pela redução dos impostos das grandes empresas e grandes fortunas.

Quais foram as conseqüência da política neoliberal para os trabalhadores brasileiros? O autor elenca uma série de efeitos nefastos da política neoliberal para as classes trabalhadoras.

O neoliberalismo foi responsável pelo aumento, sem precedente, do desemprego no Brasil e no mundo. Boito nega assim algumas teses em voga que afirmam que o desemprego teria sido uma "decorrência inevitável do 'progresso técnico'" e não um reflexo da política econômica neoliberal.

Uma das grandes bandeiras para combater o desemprego e garantir a retomada do desenvolvimento do neoliberalismo foi a da desregulamentação do mercado de trabalho. Vieram neste sentido as medidas legais, adotadas pelos governos neoliberais, de desindexação dos salários, o fim da estabilidade no emprego do funcionalismo público e o contrato de trabalho por tempo determinado, entre outras. Os resultados tem sido desastrosos.

Por fim, o autor procura desmistificar a tese segundo a qual a redução dos investimentos e gastos sociais estatais se deve a uma possível "falta de verbas". A verdade é que a grande parte dos recursos do Estado são gastos no pagamento dos serviços da dívida pública. As despesas com a dívida externa chegaram a 3,80% do PIB, ou seja, mais do que os 3,15% que corresponde à soma total dos gastos com saúde, educação, nutrição e habitação no ano de 1993.

Na segunda parte do livro, Armando Boito Jr. examina como o movimento sindical brasileiro tem sido afetado pela política neoliberal e como tem reagido a ela. Concentra o seu estudo nas centrais sindicais brasileiras, especialmente a CUT. Procura responder, fundamentalmente, duas grandes questões. "As centrais sindicais tem se oposto ao neoliberalismo, têm aderido a tal política ou têm conciliado com ela? Como explicar as concepções e as orientações práticas das centrais sindicais nos anos 90?"

Segundo o autor, após a eleição de Collor em 1989 instaurou-se uma defasagem entre a plataforma e a linha ofensiva da CUT e a nova conjuntura. A nova conjuntura impunha, objetivamente, uma linha de ação sindical defensiva, o que não poderia ser confundida de modo algum com a proposta de implantação de um "sindicalismo propositivo" apresentada pela tendência Articulação Sindical.

A nova estratégia foi apresentada pela primeira vez na Reunião Plenária Nacional da CUT em 1990. A frase de Meneghelli é emblemática nessa reviravolta: "É preciso deixar de dizer apenas não e começar a dizer sim, apresentando propostas alternativas". Esta posição foi reafirmada no IV Concut realizado em 1991. Dava-se assim uma mudança na concepção sindical e na estratégia que a CUT vinha desenvolvendo desde a sua fundação.

A nova linha destacava a necessidade de participação da CUT na definição da política governamental, mesmo de governos claramente comprometidos com o neoliberalismo. Este não foi considerado como um "participacionismo" defensivo, imposto pela conjuntura desfavorável, mas como um "participacionismo" ativo que exigia a apresentação de propostas, consideradas "realistas", que poderiam até ser aceitas nos fóruns tripartites. Nos discursos dos principais líderes da Central, o instrumento da greve era chamado de maneira depreciativa: cunhou-se o termo "grevilha".

Na década de 90 a nova linha sindical impõe também uma alteração na compreensão do papel das negociações com o governo. Até então as negociações estavam assentadas na mobilização dos trabalhadores e "eram utilizadas para divulgar e agitar a plataforma da CUT". Dois grandes exemplos desta nova linha foram as negociações realizadas durante o governo Collor, no final de 1990, e durante o governo FHC. Nesta última, a direção da CUT chegou a assinar um acordo que se retirava direitos dos trabalhadores por ela representados.

Ganha força também a proposta de "contrato coletivo". Nesse campo, a direção da CUT fez sérias concessões à ideologia neoliberal já hegemônica na sociedade brasileira. Em 1990 Meneghelli, ao defender o seu modelo de contrato coletivo, chegou a afirmar que "não se deveria ter discutido a redução da jornada de trabalho na Constituição. Deveria se discutir sim, entre as partes, entre o capital e o trabalho. A única constituição detalhista que existe no mundo é a nossa".

Tal visão, segundo Boito, desarmava os trabalhadores na sua luta em defesa dos direitos sociais e trabalhistas presentes na Constituição, uma vez que estavam ameaçados pelas propostas de reformas constitucionais de cunho neoliberal apresentadas pelo governo. Alerta Boito: "a prática sindical contratualista, que informa a proposta de contrato coletivo, representa, justamente, a modalidade de ação sindical mais próxima, ideológica e politicamente, do neoliberalismo". A chamada livre contratação coletiva seria "a forma de ação sindical mais propensa a se adaptar ao neoliberalismo [...] [Ela] faz apelo à ideologia do contrato entre partes supostamente livres e iguais, fragmenta o coletivo de classe em setores, é refratária à regulamentação estatal". Pelo contrário, conclui: "o sindicalismo que busca a unificação da luta reivindicativa dos trabalhadores assalariados em torno da defesa da implantação e ampliação de direitos sociais e trabalhista [...] é, em princípio, antagônico à ideologia e à política neoliberal".

Em seguida o autor trata do intrincado problema da possibilidade de constituição de alianças políticas inter-classistas. Segundo ele, a política neoliberal, ao priorizar os interesses do capital financeiro internacional e do grande capital bancário nacional, entra em atrito com os interesses corporativos de outras frações da burguesia, especialmente com os da fração industrial. Estas contradições devem ser aproveitadas pela classe operária. E são justamente elas que possibilitam a formação de alianças temporárias em torno da defesa, por exemplo, de uma política estatal industrializante e anti-recessiva. Frente política com este perfil (inter-classista) chegou a ser proposta pela direção da CUT, que, inclusive, realizou em dezembro de 1991 a "Vigília contra o Desemprego" com a participação de setores do patronato e do próprio governo estadual.

Mas esta proposta foi logo deixada de lado em troca da estratégia das câmaras setoriais, que era algo bastante diferente de uma "frente ampla" contra o desemprego. Na câmara setorial, o operariado se associa à burguesia industrial "para obter regalias fiscais e creditícias para o setor automotivo, [...] desinteressando-se pela sorte dos demais setores da indústria, inclusive de indústrias do setor metalúrgico". Na câmara setorial, "os sindicatos assumem a responsabilidade de contribuir para a resolução dos problemas de varejo das empresas, problemas decorrentes da política neoliberal sobre a qual os sindicatos não foram consultados. Trata-se, portanto, de parceria e colaboração entre partes desiguais". Acentua-se o corporativismo sindical, pois "cada sindicato é levado a propor soluções para o problema do "seu" setor e essas soluções, em pontos fundamentais, colidem com os interesses e propostas dos trabalhadores de outros setores".

Um exemplo dessa postura corporativista, engendrada pela câmara setorial, foi a defesa que o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo acabou fazendo da importação de equipamentos destinados à "modernização" das montadoras às custas das indústrias de autopeças e do emprego de seus operários. O Sindicato também foi envolvido na luta para reduzir impostos das montadoras, exigindo a renúncia fiscal desse setor do grande capital monopolista. As teses apresentadas pela câmara são as mesmas que sustentam a política fiscal neoliberal.

Os líderes sindicais acabaram, neste processo, incorporando muito da ideologia neoliberal: a abertura comercial é "inevitável", o enxugamento das empresas é "inevitável" como condição para manter a "competitividade" no mercado internacional. Portanto, tratava-se agora de negociar para que estas medidas "inevitáveis" atingissem menos os trabalhadores de sua base. Assim, não se discutia mais a necessidade da "abertura comercial", mas o seu ritmo, não se discutia mais a necessidade do "enxugamento", mas apenas a sua forma.

Apesar disso tudo, Boito nega a tese fácil, e presente em algumas correntes de esquerda da CUT, de que a central tenha aderido ao neoliberalismo. O autor constata que a central, inclusive, "assumiu posições abertamente contrárias à política neoliberal ao longo dos anos 90". Esta posição mais combativa acabava sendo contraditória com a própria linha do sindicalismo propositivo que a CUT decidira adotar. "As contradições da linha sindical propositiva [...] permitem falar de uma política hesitante e contraditória que, no geral, leva à conciliação com o neoliberalismo". A transição de "um sindicalismo de oposição para um sindicalismo de participação não foi completada". O crescimento do movimento popular, a exemplo do MST, acabou contribuindo "para reavivar [...] as posições mais críticas na CUT, inclusive no interior da corrente Articulação Sindical".

Por que a CUT mudou? Esta é outra pergunta que Boito busca responder.

O autor, inicialmente, critica as duas grandes linhas explicativas que polarizam o debate sobre as razões da repentina mudança da linha sindical cutista. Uma "considera, de modo unilateral, a ideologia e as decisões da corrente majoritária da CUT [...] como fato explicativo da estratégia propositiva implantada pela central na década de 1990". A outra "considera, também de modo unilateral, [...] as condições objetivas como fato explicativo das decisões estratégicas que a corrente Articulação Sindical implantou na central".

Os defensores da primeira variante, em geral pertencentes a ala esquerda da CUT, não percebem "a necessidade de se elaborar uma tática nova para a central, e não percebem exatamente por não tomarem na devida consideração a nova conjuntura dos anos 90". Os defensores da segunda tese procuram a partir da avaliação de mudança da situação justificar a nova concepção e estratégia proposta pela direção cutista.

Para Boito, o "fato mais importante para entender o refluxo e a moderação do movimento sindical é a ofensiva neoliberal. Essa ofensiva é um fenômeno internacional e está vinculada a fatores econômicos e políticos que se processam também em escala internacional [...] foi a derrota política do movimento democrático e popular que permitiu o início da ofensiva neoliberal no Brasil". O imperialismo e a burguesia brasileira se aproximaram ainda mais, isolando politicamente os trabalhadores.

O autor levanta a polêmica tese de que a maior ou menor receptividade à ideologia neoliberal, dentro das diferentes correntes da CUT, está ligada ao impacto do neoliberalismo sobre as bases destas correntes. A base social da corrente Articulação foi particularmente atingida pela política neoliberal. "O sindicalismo do ABC mostrou-se [...] particularmente preocupado com a política de desindustrialização. Procurou [...] alianças com setores da burguesia industrial. Mas os metalúrgicos que conseguiram manter o emprego, [...] lograram, após o Plano Real, obter uma pequena melhoria salarial". Portanto, Boito Jr. conclui que existe "condições objetivas na base do neocorporativismo do operariado metalúrgico do ABC e, principalmente, das grandes montadoras". Acreditamos, entretanto, que esta tese é temerária pois o próprio autor chega a constatar o crescimento da esquerda sindical nas bases do ABC, o que mostra o desgaste das teses "propositivas" adotadas pela direção do sindicato.

Outra razão para as alterações da linha sindical cutista está ligada às mudanças que ocorreram nas duas principais correntes que influenciaram a Articulação Sindical desde a sua formação: a Igreja católica e a social-democracia européia.

Desde a década de 80 houve uma ofensiva conservadora capitaneada pelo Papa João Paulo II visando reduzir a influência do setor progressista, especialmente o ligado à "teologia da libertação". Neste novo quadro, vários ideólogos da teologia da libertação "ficaram acuados e recuaram. Reviram seu socialismo cristão e sua relação com o marxismo"

O mesmo fenômeno se operou nas centrais sindicais internacionais mais próximas da Articulação Sindical. "A CFDT, central sindical francesa de origem católica e próxima do Partido Socialista, adotou na década de 1980 uma linha mais moderada [...] Segundo a nova linha da CFDT, o sindicalismo não poderia apenas denunciar o patronato, mas deveria também reconhecer a legitimidade do empresário e apresentar propostas às empresas. Orientada por essa concepção conciliadora e propositiva [...] passou a fazer crítica à noção de luta de classes, às 'ações centralizadas' – as greves gerais e passeatas de protesto [...] Seu discurso passou a valorizar as reivindicações realistas, [...] a 'livre contratação na base' [...] e o 'fortalecimento da sociedade civil'"

Em relação à hegemonia ideológica do neoliberalismo no Brasil, o autor defende a tese de que esta ideologia teria uma base popular e isto teria dificultado a construção de um movimento de resistência mais amplo à implantação de política neoliberal no Brasil. A própria eleição direta de sucessivos governos neoliberais seria "um indicador de aceitação popular". Estaríamos assistindo assim "um processo de constituição de uma nova hegemonia burguesa". Um instrumento eficaz "de unificação do bloco no poder e, ao mesmo tempo, em instrumento de legitimação dos interesses particulares de classes e frações que integram esse bloco junto às classes populares".

Mas o que explicaria a influência popular do neoliberalismo?

Essa hegemonia possui uma base objetiva. Haveria "setores minoritários das classes trabalhadoras, pertencentes à alta classe média, que podem ganhar, ou considerar que estão ganhado, com a abertura comercial, a redução de direitos sociais e a privatização [...], funcionam como aliados da fração burguesa hegemônica no bloco no poder".

Existiria também o lado mistificador que se traduziria no discurso dos "políticos práticos" do neoliberalismo que tenta se apresentar "como um crítico dos privilégios, ou seja, das desigualdades". Ele "soube apropriar-se, no plano formal, de um discurso de esquerda: ele apresenta a política como um confronto duro de interesses entre os pobres e os privilegiados".

Mas o discurso dos políticos e da mídia se choca com o conteúdo da própria doutrina e principalmente com a prática dos governos neoliberais. A doutrina neoliberal é defensora ardorosa "da desigualdade sócio-econômica sem limitações, desigualdades que, de resto, se identificam com a própria liberdade".

Apesar da reafirmação quotidiana da defesa do "livre jogo das forças de mercado", da concorrência e da "soberania do consumidor", o que a política neoliberal objetiva, de fato, é fortalecer "os monopólios, conter o crescimento econômico, concentrar renda e a propriedade e aumentar a desigualdade entre o centro e a periferia do sistema capitalista internacional"

É justamente esta contradição, entre discurso e prática, que indicaria "uma vulnerabilidade da hegemonia neoliberal [...] As crises políticas recentes no Brasil e em outros países da América Latina [...] são sintomas da precariedade da hegemonia do neoliberalismo [...] Se for correta nossa análise, a hegemonia neoliberal não deverá ter vida longa".

"O que fazer diante da ofensiva neoliberal?". Para o autor, estaríamos vivendo numa nova fase do capitalismo: uma fase de "ofensiva reacionária vitoriosa". Por isso mesmo ele crítica aquelas correntes de esquerda que "minimizam sua importância", que restringem o universo da análise somente àquilo que se passa no interior da fábrica.

Essas correntes tendem também a ignorar o fato de que a burguesia e o imperialismo encontrarem-se na ofensiva e "defendem, para a presente conjuntura, uma estratégia ofensiva para o movimento operário, cujo objetivo imediato seria a revolução socialista". Continua o autor: "se falamos em ofensiva neoliberal é porque o movimento operário está na defensiva. Trata-se então, antes de mais nada, de defender tudo aquilo que parecia [...] conquistas sólidas e irrevogáveis do movimento operário e antiimperialista".

O movimento operário e socialista teria como tarefa central construir "um programa e um quadro de alianças para uma frente política apropriada à fase defensiva atual". A plataforma para essa frente deveria ser fundamentalmente antiliberal, "contemplando o objetivo mínimo de suspender e reverter a política econômica e social do neoliberalismo".

Para alcançar esse objetivo os trabalhadores devem arregimentar "todo apoio que puder ser buscado, desde que não comprometa a (sua) independência política [...] O movimento sindical e popular não se encontra em condições de desprezar os poucos apoios que pode obter".

As contradições existentes entre algumas frações da burguesia e os governos neoliberais criam a possibilidade da constituição de uma política frentista, ainda que instável e precária, contra o neoliberalismo. Seria, portanto, possível o estabelecimento de frentes mais amplas em torno do combate a alguns pontos da política neoliberal. Exemplo disso é a unidade que pode se formar entre os trabalhadores e burguesia industrial contra a política de juros e a abertura comercial. Neste caso, o "protesto volta-se contra os bancos e o imperialismo".

Embora defenda a constituição de uma frente contra o neoliberalismo, ele lembra que "toda frente comporta uma disputa interna pela hegemonia entre as classes e frações de classe que a compõem. A frente não deve ser entendida de um modo tal que exija dos trabalhadores e do sindicalismo o abandono de sua independência de classe".

Por fim, Boito Jr. afirma: se "o movimento popular e os partidos de esquerda lograrem constituir um governo de frente antiliberal, esse fato criará condições políticas novas [...] Uma reforma antiliberal poderá exigir novos passos em direção a reformas mais profundas, se não se quiser retroceder".

Nestes tempos de hegemonia neoliberal o livro de Armando Boito Jr é uma obra fundamental para todos àqueles que lutam pela construção de uma alternativa de esquerda adequada à atual correlação de forças existente no Brasil e no mundo.

Recebido para publicação em setembro de 1999.

Augusto César Buonicore (soniaugusto@uol.com.br) é Mestre em Ciência Política (UNICAMP), Doutorando em Ciências Sociais (UNICAMP) e membro do Conselho de Redação da Revista Debate Sindical.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Nov 1999
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