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Apresentação

DOSSIÊ "AS EMPRESAS E AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA CRISE DA MODERNIDADE"

Apresentação

Ana Maria Kirschner; Eduardo R. Gomes

Beneficiando-se da produção reunida pelo VI Workshop Empresa, Empresário e Sociedade, realizado em abril de 2008, este dossiê traz a contribuição de alguns cientistas sociais franceses e brasileiros acerca de diferentes questões sobre a empresa na atualidade, a partir da perspectiva da Sociologia Econômica e da Sociologia da Empresa, mas inseridas nas preocupações atuais das Ciências Sociais.

Contando com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Fundação Euclides da Cunha, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), o VI Workshop Empresa, Empresários e Sociedade foi uma realização desse programa e da Escola de Artes e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).

Tendo por tema "Estado e mercado depois das reformas: o Brasil e a ordem internacional depois das reformas", a sexta edição do workshop teve ainda o apoio institucional da Fundação de Economia e Estatística (FEE) do governo do estado do Rio Grande do Sul, do Research Committe on Sociology of Organization (RC 17), da International Sociological Association (ISA) e da Association Internationale des Sociologues de Langue Française (Aislf).

Os trabalhos aqui reunidos são unânimes em utilizar as literaturas da Sociologia Econômica e da Sociologia da Empresa em uma perspectiva que amplia e aprofunda o entendimento do capitalismo contemporâneo por meio de um de seus pilares - a empresa. Em maior ou menor grau, esses autores compartilham a idéia de que a empresa aparece como formadora de identidade na crise de anomia por que passamos. A respeito dessa crise, os artigos sugerem que contribuem para ela os desafios da globalização, o advento do neoliberalismo e sua crise, a revolução da informática, entre outras influências e que, por outro lado, as empresas podem ser âncoras quando as referências de classe, de gênero, de setor econômico, de carreira profissional e outras "desmancham-se no ar".

Esses são alguns pontos em comum de uma produção que, sem dúvida, trata de tópicos específicos em diferentes contextos, mas que fertiliza o entendimento da empresa no capitalismo em geral, possibilitando férteis comparações Norte-Sul, como, aliás, experimentamos nos debates do workshop - e não apenas no que diz respeito a esses trabalhos.

O primeiro artigo, de Florence Osty e Marc Uhalde, por exemplo, retrata exatamente os "vários mundos sociais" da empresa no mundo de hoje, que vão muito além das diferenciações mais correntemente reconhecidas, como as de porte, setor econômico, modernidade tecnológica etc. Baseado em uma pesquisa multidisciplinar de cerca de dez anos, os autores mostram, entre outras coisas, que o taylorismo não desapareceu, a despeito de todas as revoluções nos sistemas de gestão, e aparece funcionalmente inserido em certos tipos de empresa. As empresas de "tecnologia de ponta", por sua vez, aparecem perpassadas por laços tradicionais.

Já Geneviève Dahan-Saltzer enfoca as trajetórias e os dilemas dos atores dentro das empresas diante das transformações radicais por que passam seus locais de trabalho. Com base em uma reflexão sobre a crise de identidade do homem na pós-modernidade e em uma prática pedagógica definida pela formação continuada para profissionais "em crise", a autora consegue propor uma tipologia de trajetórias profissionais. Em consonância com a marca "reflexiva" do homem nos dias de hoje, a autora ressalta a perda de capacidade de as carreiras estarem controladas pelos próprios atores.

O estudo de Elaine da Silveira Leite e Natalia Máximo e Melo enfoca um tema próximo ao tratado pelo artigo anterior, abordando a ressignificação da noção de empresário como "empreendedor", no atual contexto do capitalismo brasileiro. Depois de revisitar clássicos das Ciências Sociais sobre o papel do empresário no desenvolvimento do capitalismo e outros autores do campo das análises simbólicas, as autoras examinam uma variada literatura nas áreas de administração de empresas, carreira, negócios, mostrando os diversos aspectos da construção desse novo modelo de empresário que é o "empreendedor" e ressaltam os aspectos normativos dessa nova categoria. Enfim, com base em um conjunto de "histórias de sucesso", oriundas das fontes, as autoras evidenciam essa ressignificação da noção de empresário e seu papel legitimador.

Já Paola Cappellin volta-se para uma das categorias "residuais" do capitalismo, que é a empresa de porte médio, exatamente para contestar essa caracterização, examinando os condicionantes de seu lugar no cenário social e os mecanismos de sua reprodução. Com base em dois estudos de caso em Minas Gerais e um no Rio Grande do Sul, nos quais a imigração italiana deixou rastros marcantes, Cappellin indica que elas não só conseguem responder às solicitações do mercado, mas que se reproduziram pela presença de valores tradicionais do individualismo empresarial entre as gerações. Nesses termos, a autora ressalta a importância da memória frente a um conjunto de outros determinantes mais usualmente valorizados pela literatura nacional e internacional pertinente.

Mauro Roese, por sua vez, analisa a transformação do vinho em um produto global, mostrando que a expansão do mercado vinícola ocorreu devido à criação de uma demanda global por produtos de alta qualidade, com alto valor agregado e com características bem específicas. O autor analisa a polêmica entre o produtor de vinho de terroir, o vinhateiro tradicional, e aqueles que utilizam a técnica de maneira comercial, muitas vezes considerada ilícita pelos tradicionalistas em comparação com as boas práticas milenares, como técnicas para reduzir o tempo de maturação do vinho. O autor mostra que, por trás dessa polêmica existe o confronto entre dois modelos de organização da produção vinícola, o francês, tradicional, e o norte-americano, pragmático, que compensa a pouca tradição com a técnica e com o investimento na qualificação formal de enólogos.

Cécile Raud, na tradição da Nova Sociologia Econômica, toma o mercado como uma instituição social construída e regulada socialmente para estudar o dinamismo do mercado dos chamados "alimentos funcionais". Sua pesquisa trata das estratégias da Danone e da Nestlé no lançamento de seus iogurtes funcionais no mercado brasileiro. A Nestlé Brasil e suas empresas coligadas estão presentes em 97% dos lares brasileiros, apresentando-se como "líder mundial da nutrição, saúde e bem-estar", porém, sendo a Danone a pioneira no lançamento de iogurtes, tem a liderança no segmento de iogurtes funcionais com o Activia. A autora mostra ainda a presença do Estado regulamentando o mercado de alimentos funcionais.

Acreditamos que os artigos deste dossiê certamente possibilitarão que o leitor fique a par do quanto os estudos sobre a empresa têm avançado, tanto em nível teórico como nas questões substantivas às quais os cientistas sociais têm respondido, contribuindo para o entendimento dessa organização como um dos pilares do capitalismo, em uma renovação permanente das Ciências Sociais.

Recebido em 17 de abril de 2008.

Aprovado em 2 de maio de 2008.

Ana Maria Kirschner (ana.k@uol.com.br) é Doutora em Sociologia pela Université de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) e Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Eduardo R. Gomes (gomeser@oi.com.br) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago (Estados Unidos) e Professor Associado da Universidade Federal Fluminense (UFF).

  • VI WORKSHOP EMPRESA, EMPRESÁRIO E SOCIEDADE 2008. Encontro realizado de 7 a 9 de abril, em Niterói (Rio de Janeiro). Disponível em : http://www.fee.rs.gov.br/6workshop/index.php Acesso em: 15.set.2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Nov 2008
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