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A Section of Medical Sociology da American Sociological Association completa cinquenta anos e o Journal of Health and Social Behavior comemora

The American Sociological Association's Medical Sociology Section turns fifty and the Journal of Health and Social Behavior celebrates

LIVROS & REDES

A Section of Medical Sociology da American Sociological Association completa cinquenta anos e o Journal of Health and Social Behavior comemora

The American Sociological Association's Medical Sociology Section turns fifty and the Journal of Health and Social Behavior celebrates

Everardo Duarte Nunes

Professor colaborador voluntário do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas. evernunes@uol.com.br

Em 2010, a Section of Medical Sociology da American Sociological Association (ASA) completou cinquenta anos, e o Journal of Health and Social Behavior, que se chamava originalmente Journal of Health and Human Behavior, publicou um número especial para comemorar a data. Nele, revisa muitos aspectos da própria trajetória da sociologia médica.1 1 A história da Seção de Sociologia Médica e do Journal é relatada por Bloom (2002). O Conselho de Sociologia da ASA aprovou a criação da seção em setembro de 1959, e, no mês seguinte, August Hollingshead foi eleito seu primeiro presidente. O Journal of Healh and Human Behavior foi criado em 1960, como publicação independente, sendo considerado "o primeiro periódico nos tempos modernos dedicado inteiramente à sociologia médica" (Bloom, 2002, p.224). O nome do periódico foi mudado para Journal of Health and Social Behavior e, em março de 1966, começou a ser publicado pela ASA. Seu primeiro editor, escolhido pela ASA, foi Eliot Freidson. Como escrevem os editores, são cinquenta anos de dramáticas mudanças nos padrões e no sistema de saúde, sendo o momento para avaliar as contribuições da sociologia para nosso entendimento da doença, prevenção e tratamento. Assim, organizaram, com a colaboração de notáveis cientistas, 11 áreas da sociologia médica a fim de descrever essas contribuições: 1) disparidades étnico-raciais no cuidado à saúde; 2) causas fun-damentais das desigualdades em saúde; 3) estresse e saúde; 4) rela-ções sociais e saúde; 5) a construção social da enfermidade; 6) relações paciente/provedor e comportamentos de busca de ajuda; 7) a transformação social da profissão médica; 8) pesquisas em serviços de saúde; 9) tecnologia; 10) bioética; 11) reforma da saúde. Em todos os artigos, a tônica foi descrever como a sociologia médica criou e testou teorias, mostrando que algumas permaneceram, outras se transformaram e poucas foram rejeitadas.

O artigo sobre as relações étnico-raciais no cuidado à saúde foi escrito por David R. Williams e Michele Sternthal, da Harvard University, e aborda o tema analisando o entendimento biológico de raça, a ênfase do contexto e da estrutura social como determinantes das diferenças raciais na doença, as múltiplas formas como o racismo afeta a saúde, o papel da história migratória e a posição social na saúde. Os autores recuperam o clássico de William Du Bois, de 1899, The Philadelphia Negro, e assinalam que houve muito pouca atenção dos principais periódicos de sociologia nos EUA sobre a questão da saúde da população negra durante o século XX e que muitas das questões contemporâneas estão presentes nesse trabalho pioneiro. Du Bois apontava que as causas das diferenças raciais eram multifatoriais e primeiramente sociais. Para os autores, o tema se presta claramente ao debate e à ação na arena política, mas há necessidade de que os policy makers identifiquem "as barreiras reais e percebidas para implementar iniciativas societárias integrais" (p.S24), a fim de eliminar as diferenças raciais em saúde.

Ainda na temática das desigualdades em saúde, Joe Phelan, Bruce Link e Parisa Tehranifar, da Columbia University, trabalham a noção desenvolvida por Link e Phelan, em 1995, de 'causas fundamentais', que associa status socioeconômico (SSE) e mortalidade, baseada no conceito de 'causas básicas' de Lieberson, de 1985. O modelo comporta quatro componentes: evidência de que os SSE influenciam os resultados de múltiplas doenças; de que os SSE estão relacionados a múltiplos fatores de risco de doenças e morte; de que a utilização de recursos (renda, conhecimento, prestígio, benefícios sociais) desempenha um papel crucial na associação entre SSE e saúde/mortalidade; evidência de que a associação é reproduzida durante o tempo pela substituição de mecanismos intervenientes. Concluem que a associação persiste "apesar do desaparecimento dos fatores de risco e doenças que pareciam explicar a associação" (p.S38), o que sugere a importância do conceito para os estudos da desigualdade em saúde e mortalidade.

Outro tema nesse número é tratado por Peggy Thoits, da Indiana University, e versa sobre as descobertas da relação estresse e saúde e suas implicações para a política de saúde. A autora abre o artigo com o clássico de Selye, de 1956, The Stress of Life, cujos achados com animais em laboratórios sobre reações e estressores seriam confirmados em seres humanos. Destaca o trabalho de Thomas e Rahe, de 1967, quando criaram a Social Readjustment Rating Scale para medir estressores que eram de natureza social, e revisa os desdobramentos que tiveram os estudos sobre 'os eventos da vida' ou 'eventos estressantes'. Dentre os inúmeros pontos levantados, destaca que os sociólogos têm demonstrado o peso das diferenças de raça, gênero, etnia, estado civil, status socioeconômico no desencadeamento do estresse. Ressalta, assim, o papel da estratificação social e das políticas de saúde para apoio e intervenção individual e de programas que visem a intervenções em aspectos estruturais.

As relações (laços) sociais e saúde foram analisadas por Debra Umberson e Jennifer Karas Montez, da University of Texas, que abordam o tema afirmando, inicialmente, que tanto em qualidade como em quantidade elas afetam a saúde mental, o comportamento na saúde, a saúde física e os riscos de mortalidade. Apontam que "Enquanto os relacionamentos são a fonte central de apoio emocional, relacionamentos sociais podem ser extremamente estressantes" (p.S57). Citam, como exemplo, o casamento, que pode ser tanto fonte de apoio como de estresse para os indivíduos. Para as autoras, as relações sociais podem influenciar a saúde por meio de manifestações comportamentais, psicossociais e fisiológicas e não podem ser ignoradas pelas políticas de saúde.

Peter Conrad, da Brandeis University, e Kristin Barker, da Oregon State University, apresentam uma revisão do que consideram a principal perspectiva em sociologia médica - a construção social da doença (illness). Revisam a trajetória histórica do construcionismo, a partir dos anos 1960 e 1970, com Becker e Goffman, passando por Freidson e Foucault. Desenvolvem as ideias tratando dos significados culturais da doença e a experiência da doença como socialmente construída, e assumem que "Por revelar as contingências sociais da doença nos níveis individual, institucional e societário, a abordagem do construcionismo social fornece um valioso instrumento para as formulações das políticas [em saúde]" (p.S76). Em importante nota, situam algumas críticas à abordagem, mas esclarecem que, do ponto de vista do construcionismo, deve-se buscar, em primeiro lugar, definir tanto a disease como a illness, e em ambos os casos importa mais a "viabilidade da 'ideia' de uma ou outra, do que a sua validade, per se" (grifos do original) (p.S77).

Examinar as mudanças ocorridas nos últimos cinquenta anos na dinâmica dos 'encontros clínicos', em especial do relacionamento médico/paciente, e acesso ao cuidado à saúde é a proposta de Carol Boyer, da Rutgers, The State University of New Jersey, e Karen Lutfey, dos New England Research Institutes. Embora citem os clássicos sobre o assunto, Renée Fox, Parsons, Reeder e outros, abordam as transformações ocorridas nos papéis dos pacientes, quando se tornam mais ativos e diversificados, pelo fato de basearem o comportamento em riscos, e de as relações paciente/provedor serem de caráter multifacetado, menos paternalistas e mais centradas nos resultados. Para os estudiosos, o cuidado primário é "um setor-chave para as reformas do cuidado à saúde frente a um futuro incerto" (p.S87), mas que tem suas vulnerabilidades, em especial manifestadas pela autonomia dos clínicos. Apontam dois recentes modelos patient-centered medical homes e accountable care organizations para expandir acesso e diminuir custos. Lembram, ainda, que em 2010 foi assinado o Patient Protection and Affordable Act, visando ao cuidado integral.

Sem dúvida, o estudo da profissão médica constitui uma pièce de résistance da sociologia médica e aqui é analisada por Stefan Timmermans e Hyeyoung Oh, da University of California. Além de uma revisão dos principais pontos sobre a profissão nas últimas décadas (comercialização do cuidado médico, controle do próprio trabalho, dominância profissional, desprofissionalização-proletarização-corporatização), mostram que mesmo "as fortes pressões não anunciam o fim da medicina organizada e profissional" (p.S97). São abordados três pontos que desafiam o núcleo do profissionalismo médico: a) as relações consumismo/ interesse profissional/confiança dos pacientes nos provedores de cuidados; b) a medicina baseada em evidências questionando se os profissionais aplicam o conhecimento apropriado; c) o crescimento da indústria farmacêutica e a independência dos profissionais. No artigo, destacam a importância dos sociólogos em documentar a resistência e a aceitação dos médicos às mudanças no sistema de saúde.

Eric Wright, da Indiana University, e Brea Perry, da University of Kentucky, desenvolvem três achados da sociologia dos serviços de saúde: a distribuição desigual dos serviços nos EUA, a reprodução dessas desigualdades pelas organizações de saúde e a configuração da qualidade, efetividade e resultados dos serviços dada pela estrutura das organizações. Destacam que a "fragmentação e falta de coordenação sugerem a necessidade de administração mais centralizada, algo que o mercado de cuidado à saúde não tem sido capaz de alcançar por si mesmo" (p.S115). Concluem que "Quando tomada como um todo, a pesquisa sociológica sobre serviços de saúde destaca a necessidade de um papel mais forte do governo em coordenar e administrar o sistema de saúde dos Estados Unidos" (p.S115).

Tema sobremodo atual - a teconologia em medicina - recebeu atenção de Monica Casper, da Arizona State University, e Daniel Morrison, da Vanderbilt University. Recordam os autores que, no final dos anos 1950, quando foi criada a Medical Sociology Section, da ASA, eram evidentes os avanços tecnológicos em medicina (primeiro marcapasso, produção em massa de antibióticos, primeiro transplante de rim e aperfeiçoamento da hemodiálise etc.), ao lado do crescimento dos gastos com saúde (4,5% do PIB) e do aumento do preço das internações hospitalares. Cinquenta anos depois: aplicação de 16% do PIB para a saúde; 47 milhões de norte-americanos fora dos planos de seguro; expansão das tecnologias genéticas; nanotecnologia; difusão das pesquisas sobre o genoma etc. Todo esse panorama, sinteticamente denominado biomedicalização, provoca os autores em três pontos: como as tecnologias remodelaram as práticas, reconfigurando o corpo humano e as concepções sobre ele, e seu papel na emergência de novos movimentos sociais na saúde, e apontam as transformações nas teorias que embasaram o conhecimento das tecnologias. Dentre as sugestões de estudos, salientam as relações que o tema mantém com a economia da saúde e das políticas públicas.

Dentro do amplo espectro das temáticas e suas transformações ao longo dos cinquenta anos de sua existência, o Journal of Health and Social Behavior aborda a bioética e seus conflitos na prática clínica e na política de saúde. Trata-se do artigo de Charles Bosk, da University of Pennsylvania, que toma como ponto de partida da análise dois níveis: a linguagem usada nas questões éticas e como se criam as rotinas das organizações e seus procedimentos. Destaco do artigo três pontos referentes às contribuições da sociologia para a bioética: atenção às práticas de pesquisa, pois "sociólogos médicos têm demonstrado como são fracas as habilidades dos pacientes para exercer a autonomia" (p.S142); demonstração de como os complexos contextos influenciam a aplicação dos princípios bioéticos; questionamento da aplicação dos princípios éticos (autonomia, justiça, beneficência, não maleficência) que são "tão bem adaptados aos problemas individuais" (p.S143) podem ser estendidos à população.

O artigo que encerra esse número do Journal of Health and Social Behavior apresenta um trabalho com o sugestivo nome de "Sociology of health care reform: building on research and analysis to improve health care" (Sociologia da reforma dos cuidados de saúde: a pesquisa e a análise na construção do cuidado à saúde), de autoria de David Mechanic, da Rutgers, The State University of New Jersey, e Donna McAlpine, da University of Minnesota. Ao considerar que o sistema de saúde norte-americano é amplo, caro e complexo, dizem que a sociologia médica tem desempenhado papel significativo na compreensão dos diversos aspectos econômicos, profissionais e ideológicos que influenciam a organização, a provisão e as reformas desse sistema. Destacam não somente os estudos sobre microprocessos (relações internas), mas os que se voltam para as políticas de saúde. Centralizam a apresentação em cinco temas que tratam de usos e custos na provisão de cuidados, modalidades de reembolso, características culturais das organizações de saúde, retórica e real tomada de decisões sobre o paciente, compartilhamento de informações e a veracidade das mesmas. Acentuam que as reformas se baseiam em confiança e cooperação entre as organizações e as associações profissionais.

Procurou-se nesta resenha destacar pontos considerados fundamentais de textos que apresentam revisões calcadas em extensa, mas seleta, bibliografia. Os autores não apenas retomam os textos, mas analisam, sistematizam e sugerem extensões dos temas a muitos problemas atuais e futuros no campo da saúde. Ao contextualizar os seus estudos, colocam em evidência as transformações ocorridas no quadro epidemiológico e os problemas não resolvidos pelo sistema de saúde norte-americano durante meio século (por exemplo, milhões de pessoas sem seguro-saúde, altos custos do sistema etc.), convocando os cientistas sociais para o aprofundamento das análises necessárias no sistema e nas relações internas a ele.

Com fator de impacto de 2,722; 11a entre 131 publicações classificadas em Public, Environmental & Occupational Health, pela agência Thomson Reuters, o Journal of Health and Social Behavior contribui com importantes abordagens aos problemas coletivos de saúde da sociedade americana, no momento em que ela clama por reformas nesse setor.

NOTA

  • BLOOM, Samuel W. The world as scalpel: a history of medical sociology. New York: Oxford University Press. 2002.
  • 1
    A história da Seção de Sociologia Médica e do
    Journal é relatada por Bloom (2002). O Conselho de Sociologia da ASA aprovou a criação da seção em setembro de 1959, e, no mês seguinte, August Hollingshead foi eleito seu primeiro presidente. O
    Journal of Healh and Human Behavior foi criado em 1960, como publicação independente, sendo considerado "o primeiro periódico nos tempos modernos dedicado inteiramente à sociologia médica" (Bloom, 2002, p.224). O nome do periódico foi mudado para
    Journal of Health and Social Behavior e, em março de 1966, começou a ser publicado pela ASA. Seu primeiro editor, escolhido pela ASA, foi Eliot Freidson.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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