Acessibilidade / Reportar erro

Entre a ausência em Alma-Ata e o Prevsaúde:a atenção primária à saúde no ocaso da ditadura

Resumo

Com base em documentos pessoais de Ernesto Geisel e matérias na imprensa, o artigo discorre sobre os bastidores da decisão de o Brasil não participar da Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde, realizada em 1978, em Alma-Ata, URSS. Sugere que os ministérios da Saúde e das Relações Exteriores avaliaram de maneiras distintas a importância da reunião no Cazaquistão, resultando em encaminhamentos conflitantes ao presidente da República. Estabelecida a ausência brasileira, o artigo traz contribuições acerca das formas pelas quais os preceitos consolidados na declaração de Alma-Ata foram compartilhados pelos círculos sanitaristas no país das mais distintas posições ideológicas, tendo inclusive orientado a formulação de programas ainda no regime militar e com implicações importantes sobre iniciativas posteriores.

história da saúde pública; atenção primária à saúde/história; políticas de saúde/história

Abstract

Drawing on personal documents from Ernesto Geisel and press reports, this article discusses the background to the decision by Brazil not to take part in the International Conference on Primary Health Care held in Alma-Ata, USSR, in 1978. It is suggested that the Ministry of Health and the Ministry of Foreign Affairs had different views on the importance of the meeting in Kazakhstan, resulting in their submitting conflicting recommendations to the president of Brazil. It also investigates how the precepts consolidated in the Declaration of Alma-Ata were shared among Brazilian health specialists of different ideological persuasions, even to the point of serving as a blueprint for programs devised under the dictatorship, with implications for the development of later initiatives.

history of public health; primary health care/history; health policies/history

Quase todas as conferências internacionais são, em meu humilde entendimento, um testemunho da pobreza de nossos meios diante da obstinação do homem em evitar o desafio da sobrevivência solidária.

Halfdan Mahler, Conferência Sanitária Panamericana, Washington, 1974 (Opas, 1974)

A Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde, realizada em 1978, em Alma-Ata, URSS, é frequentemente referida como marco fundador de um processo de disseminação de iniciativas de atenção primária à saúde (APS) mundo afora. Isso é em parte verdadeiro, em vários aspectos. A conferência certamente consolidou diretrizes e estabeleceu a atenção primária à saúde como uma orientação internacional para a ampliação da cobertura dos serviços nacionais de saúde. Contudo, iniciativas com configuração similar já vinham sendo experimentadas em vários países desde finais dos anos 1960, frequentemente sob a designação de “serviços básicos de saúde”, com resultados importantes ( Newell, 1975NEWELL, Kenneth W. Health by the People . Genebra: World Health Organization, 1975. p.XI. ).1 1 Socrates Litsios, ao dirigir a redação de um volume alusivo aos trinta anos de existência da OMS, discute a transição de uma concepção de “serviços básicos de saúde” para a de “atenção primária à saúde”, remetendo a um estudo da organização elaborado em 1972. Ver WHO, (2008, p.117-120) e Williams (1988 , p.185-186). Nas Américas, a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) já vinha, desde os primeiros anos da década de 1970, recomendando a APS ou, no mínimo, formas assemelhadas, como as abordagens adequadas para realizar a expansão da cobertura dos serviços de saúde junto às populações rurais e de áreas periféricas empobrecidas dos centros urbanos (Opas, 1972, p.75). E poucos anos depois, é importante registrar, tão logo foram iniciados os anos 1980, o ambiente prescritivo internacional se tornou cada vez mais hostil a iniciativas orientadas para uma adoção mais plena do ideário da APS.

É, no entanto, impossível desconsiderar a importância daquela conferência, realizada na capital do Cazaquistão, sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Mesmo com a ambiguidade comum aos consensos internacionais, procurou-se estabelecer idealmente a APS não como um modelo localmente eficiente, mas como porta de entrada dos sistemas de saúde e como nível organizador do cuidado, segundo preocupações orientadas pela afirmação do direito à saúde e para uma atenção que se queria integral. Essa era então a plataforma da OMS, nos seus termos mais radicais, e isso não é pouca coisa.

De toda forma, Alma-Ata foi acionada como referência de autoridade, mesmo quando o ambiente institucional hostil das décadas seguintes, do neoliberalismo e dos ajustes macroeconômicos – inclusive com implicações conceituais –, impôs severas restrições às iniciativas concretas em andamento, que pretenderam uma atenção de fato universal e integral ( Newell, 1988NEWELL, Kenneth W. Selective primary health care: the counter revolution. Social Science Medicine , v.26, n.9, p.903-906, 1988. ). Como o Sistema Único de Saúde (SUS), pièce de résistance da Reforma Sanitária Brasileira.

A organização da conferência, realizada no contexto da chamada détente entre os EUA e URSS, as duas superpotências da Guerra Fria, sofreu marchas e contramarchas relacionadas ao conflito sino-soviético,2 2 As divergências entre Moscou e Pequim em torno da autonomia doutrinária da China frente à URSS e às estratégias do movimento socialista internacional, que remontam aos anos 1950, ficaram mais agudas nos anos 1960. Em 1969, os dois países entraram em um conflito armado localizado nas zonas de fronteira que esteve perto de se generalizar. Essas querelas se resolveram apenas nos anos 1990 ( Mikhailova, 2013 , p.316-321). às diferentes concepções sobre os modos de ofertar serviços de saúde e acerca do papel do Estado e do empresariado privado, entre outros pontos de divergência. No entanto, ao final de um processo complexo, três mil delegados, representantes oficiais de 134 países e de 64 organizações internacionais e da sociedade civil, alcançaram o consenso suficiente para a assinatura coletiva da Declaração de Alma-Ata, definindo a APS como estratégia central para se alcançar a meta de Saúde para Todos no Ano 2000 ( Litsios, 2002LITSIOS, Socrates. The long and difficult road to Alma-Ata: a personal reflection. International Jounal of Health Services , v.32, n.4, p.709-732, 2002. ; Newell, 1988NEWELL, Kenneth W. Selective primary health care: the counter revolution. Social Science Medicine , v.26, n.9, p.903-906, 1988. ; Cueto, nov. 2004, p.1865-1968; WHO, 2008, apêndice).

Nem todos os países, porém, se fizeram presentes. A China, então com relações desgastadas e conflituosas com a URSS, não compareceu. Tampouco o Brasil, por outras razões.

Os motivos dessa decisão brasileira têm permanecido imprecisos. Em ao menos uma ocasião, a ausência foi atribuída a um jamais ocorrido rompimento das relações brasileiro-soviéticas durante o regime militar (Czapski, Médici, 2011, p.202).3 3 A confusão sobre esse tópico é tanta, que o prestigioso e confiável Dicionário Histórico-Biográfico de História Contemporânea do Brasil , do CPDOC-FGV, registra no verbete dedicado a Paulo de Almeida Machado, o então ministro da Saúde, uma inexistente presença brasileira na reunião. Ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/machado-paulo-de-almeida . Àquela época, pelo menos um integrante do núcleo da gestão do ministério ouviu do titular da pasta da Saúde, Paulo de Almeida Machado, a afirmação de que a reunião seria improdutiva, senão inútil, uma vez que o país já tinha experiência na oferta de serviços básicos de saúde adequadamente desenvolvida pelas unidades da Fundação Serviços de Saúde Pública (Fsesp).4 4 A informação foi fornecida por José Carlos Seixas, o então secretário-geral do ministério, em diálogo descrito por José Agenor Álvares da Silva (2015 , p.44). Em conversa particular, em contexto totalmente distinto, José Paranaguá de Santana colheu de Seixas a mesma informação.

Neste artigo, recorrendo à análise de documentos do Arquivo Pessoal de Ernesto Geisel5 5 O Arquivo Pessoal de Ernesto Geisel integra o acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC-FGV. Encontra-se digitalizado, sendo acessível a partir de: https://cpdoc.fgv.br . e a matérias jornalísticas do período, até então inexplorados com esse propósito, são examinados fragmentos dos bastidores palacianos dessa decisão que se pode classificar de inusitada. Como veremos, esses documentos lançam novas luzes sobre a questão e sugerem, por exemplo, que os ministérios da Saúde e das Relações Exteriores avaliaram de formas distintas a importância e as implicações da reunião no Cazaquistão, o que resultou em encaminhamentos conflitantes recomendados ao presidente da República.

O presente artigo ilumina de forma inédita os meandros dessa decisão do governo brasileiro. Avança também sobre as maneiras pelas quais os preceitos consolidados na declaração de Alma-Ata eram compartilhados pelos círculos sanitaristas no país das mais distintas posições ideológicas, tendo inclusive orientado a formulação de programas ainda na vigência da ditadura e com implicações sobre iniciativas posteriores. É um texto descritivo, mas que não se furta a contribuir para a análise. Para tanto, mobiliza as contribuições teóricas do institucionalismo histórico de Margaret Weir (1992)WEIR, Margaret. Ideas and the politics of bounded innovation. In: Steimo, Sven; Thelen, Kathleen; Longstreth, Frank. Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis . Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p.179-216. e das análises políticas de John Wells Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public polices . Ann Arbor: University of Michigan, 2003. .

Ao mesmo tempo que transcorria o debate internacional em torno da APS e a preparação da conferência internacional, no correr dos anos 1970, no Brasil, iniciativas em certa medida autônomas em alguns municípios e regiões circunscritas empreendiam a tarefa de experimentar soluções para ampliar a cobertura da atenção em nível local. Por outro lado, na esfera federal, com envergadura mais ambiciosa, programas foram concebidos com o mesmo propósito, a fim de modelar a organização e operação de serviços de alcance macrorregional e mesmo nacional.

Serviços básicos e atenção primária à saúde nas agendas pan-americana e brasileira ao longo da década de 1970

No ano de 1972, em Santiago do Chile, os ministros da saúde das Américas se reuniram para discutir e dar formato final ao Plano Decenal de Saúde para as Américas, o sucedâneo do Plano Decenal de Saúde Pública da Aliança para o Progresso, que havia sido deliberado em 1961, em Punta del Este, Uruguai. Em Santiago, decidiu-se que o principal objetivo da década que se iniciava seria realizar a extensão da cobertura de saúde no meio rural. Para realizar essa empreitada, recomendava-se a oferta de serviços básicos de saúde de modo progressivo, considerando como objetivo remoto o atendimento a toda a população, assumindo-se a saúde como um direito de indivíduos e coletividades. Entre os cuidados a serem oferecidos, recorrendo inclusive a auxiliares de saúde e à mobilização da comunidade, figuravam serviços “elementares” de saúde, o que incluía as emergências, a saúde materno infantil, a informação de saúde essencial e a referência dos casos mais complicados aos demais níveis de uma explicitamente desejada rede de atenção (Opas, 1972, p.75).

Era o consenso alcançado ali, na virada da década. Um texto que consolidava um processo cujas manifestações podemos identificar na saúde pan-americana ao longo dos anos 1960. Ao final daquela década, por exemplo, as instâncias superiores da Opas adotaram como tema das discussões técnicas a cobertura dos serviços em meios rurais sob a forma de serviços hierarquizados e do treinamento de auxiliares de saúde (Opas, 1968, p.4-21, 1969, p.42-47).

Processo similar e em parte articulado transcorria no âmbito da OMS e envolvia de modo importante a Unicef. Desde a década de 1950, as duas organizações constituíam um comitê conjunto com o propósito de articular ações e, em boa medida, dirimir conflitos de atribuições referentes à condução de iniciativas no terreno da saúde da criança e da mãe. Na primeira metade da década de 1970, sob a liderança de Halfdan Mahler na OMS e Henry Labouisse na Unicef, essa proximidade se ampliaria, e o comitê conjunto passaria a promover estudos e discutir métodos de expansão da cobertura junto às populações desassistidas, para logo em seguida avançar conceitualmente e compartilhar a própria preparação e organização da Conferência Internacional de Atenção Primária em Alma-Ata ( Cueto, 2004CUETO, Marcos. The origins of primary health care and selective primary health care. American Journal of Public Health , v.94, n.11, p.1864-1874, nov. 2004. , p.1864-1865).

No plano doméstico brasileiro, em meados da década de 1970, a atenção primária à saúde, como serviços básicos para populações rurais desassistidas em municípios de até 20 mil habitantes, é introduzida nas políticas federais de saúde a partir da elaboração e implementação do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento do Nordeste, em 1976. Esse programa logo extravasaria o limite regional inicial, alcançando também a região Norte e adotando a sigla Piass. Junto com a criação do Sistema Nacional de Saúde, de 1975, o Piass é, no âmbito da saúde, parte da orientação estratégica assumida pelo regime militar com o lançamento do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, que pretendia recompor a desgastada base social do regime à época do fim do chamado milagre econômico ( Escorel, 2012ESCOREL, Sarah. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990: do golpe militar à reforma sanitária. In: Giovanella, Lígia et al. (org.). Políticas e sistemas de saúde no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2012. p.323-394. , p.333-347).

Para a operação e financiamento do Piass, concorreram o Ministério da Saúde, o Instituto Nacional de Previdência Social, o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural, além do Instituto de Alimentação e Nutrição, entre outras agências e fontes de recursos. A coordenação do programa ficaria a cargo de um comitê, presidido pelo Ministério da Saúde, um indicativo da complexidade da interação interinstitucional pretendida (Brasil, 25 ago. 1976, p.11241). Para a provisão de trabalhadores requeridos para a expansão imaginada, foi iniciado o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde, uma cooperação entre o Ministério da Saúde e a Opas. Seus objetivos incluíam a preparação em massa de pessoal de nível médio, técnicos e auxiliares da área da saúde, com metas quantitativas especialmente ambiciosas, a constituição de dez regiões docente-assistenciais de saúde e a criação, em todos os estados do país, do “sistema de desenvolvimento de recursos humanos para a saúde” (Pires-Alves, Paiva, 2006, p.43; Castro, 2008CASTRO, Janete L. Protagonismo silencioso: a presença da OPAS na formação de recursos humanos em saúde no Brasil . Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Ministério da Saúde; Opas/OMS, 2008. , p.128-134).

O Piass propunha-se, entre outras diretrizes, a utilizar pessoal de nível auxiliar mobilizado nas próprias comunidades a ser atendidas e a desenvolver ações de saúde consideradas de baixo custo e alta eficiência, com base em uma rede de minipostos apoiada por unidades de maior porte e integradas ao sistema regional de saúde, de modo que fossem atendidas as patologias mais frequentes, com ênfase na prevenção de doenças transmissíveis. Idealmente, o programa previa a participação das comunidades e a integração entre os diversos organismos que integravam o recém-instituído Sistema Nacional de Saúde, ainda que subordinados a diferentes pastas ministeriais (Brasil, 25 ago. 1976, p.11241; Souza, 1980SOUZA, José Alberto Hermógenes de. O modelo Piass, sua programação e sua evolução para o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde. Anais da VII Conferência Nacional de Saúde . Brasília: Ministério da Saúde, 1980. p.77-100. , p.77-79).

O Piass pode ser considerado a variante oficial, em escala ampliada, de um conjunto de iniciativas de alcance local que, em vários municípios e regiões, vinham sendo implementadas, com configurações e embocaduras ideológicas variáveis, por prefeituras, secretarias de estado, organizações da sociedade civil e programas universitários de extensão. Delas é possível citar, entre as mais expressivas, as iniciativas de Planaltina, no Distrito Federal, de Paulínia e Campinas, no estado de São Paulo, de Montes Claros e do Norte de Minas Gerais, de Murialdo, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de Londrina, no Paraná, de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, e de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco.6 6 A esse respeito, é importante registrar, por exemplo, que Francisco de Assis Machado, o Chicão, foi sucessivamente responsável pela implementação do Programa de Saúde para o Vale do Jequitinhonha, do Projeto de Montes Claros e, mais tarde, do Piass. Ver Machado (2014, cap.2). Portanto, um relativo consenso técnico-programático, ainda que sob diferentes inspirações e orientações ideológicas, eventualmente em disputa, vinha se formando no ambiente sanitário brasileiro em torno das chamadas soluções alternativas para a expansão da prestação de serviços de saúde.

A presença de uma ideia mais ou menos corrente e compartilhada na saúde internacional em torno do direito à saúde e, por conseguinte, de uma responsabilidade pública diante das necessidades de saúde, em paralelo a um arco considerável de consenso em torno de orientações organizacionais e técnicas, sugere a análise das relações entre filosofia pública e ideias programáticas tal como entendidas por Margaret Weir.

Weir (1992)WEIR, Margaret. Ideas and the politics of bounded innovation. In: Steimo, Sven; Thelen, Kathleen; Longstreth, Frank. Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis . Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p.179-216. , em estudo orientado para estabelecer as relações e implicações mútuas entre ideias e valores, de um lado, e interesses de outro, propõe que o estudo da formulação e implementação de uma política pública possa ser empreendido com base na análise de três dimensões articuladas: a do nível mais geral das representações; aquela das formulações de nível intermediário ou setorial, em que assumem maior importância os aspectos de ordem programática; e os aspectos pertinentes à implementação propriamente dita da política, nos quais ressaltam os aspectos de ordem operacional.

Parece claro que, como assinalado em Pires-Alves e Cueto (2017)PIRES-ALVES, Fernando Antônio; CUETO, Marcos. A década de Alma-Ata: a crise do desenvolvimento e a saúde internacional. Ciência e Saúde Coletiva , v.22, n.7, p.2135-2144, 2017. , a moldura de valores que preside a concepção de saúde como direito e a formulação da atenção primária à saúde como estratégia para torná-lo efetivo, no âmbito da saúde internacional, está diretamente ligada a debates típicos da década de 1970, em torno das ideias de uma desejada “nova ordem econômica internacional” – e pela agenda social que, de modo gradativo, se incorporou à sua pauta especificamente econômica – e do atendimento às “necessidades humanas básicas”, uma concepção que é ela mesma expressão daquele alargamento da agenda internacional. No plano dos arranjos técnico-organizacionais, detendo-nos aqui no segundo aspecto destacados por Weir, a APS parece enfeixar, sob a forma de uma estratégia programática, um acúmulo crítico da saúde pública, das práticas e da formação médica, mais nítido a partir da segunda metade do século XX e sobretudo na década de 1960. Articulando os dois níveis de análise, Alma-Ata e APS eram então uma tentativa de, considerada aquela moldura valorativa mais geral, estabelecer os preceitos e orientações setoriais da saúde capazes de tornar legítimas e viáveis, simultânea e entrelaçadamente, tanto as demandas como as soluções para o seu atendimento.

Uma ideia de consenso, ou mesmo de convergência, contudo, precisa ser relativizada. Em parte, pela incerteza e ambiguidade presentes nos processos de formulação de políticas (Kingdon citado em Gottems et al., 2013GOTTEMS, Leila B.D. et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Saúde e Sociedade , v.22, n.2, p.511-520, 2013. , p.512). E também pelo estresse que a dimensão política da institucionalização de fato como norma e da implementação concreta de princípios e diretrizes regularmente acarreta. Essas preocupações valem tanto para o âmbito da saúde internacional quanto para os âmbitos domésticos, sendo que nestes as trajetórias institucionais específicas em cada formação social ou contexto local emolduram as possibilidades de agência dos atores no processo de formulação e implementação das políticas.

Essas últimas considerações sugerem que avancemos mais sobre a cena sanitária brasileira de finais da década de 1970, em transição para os anos 1980.

Alma-Ata, 1978: a ditadura brasileira ausente

À medida que aquelas iniciativas nacionais de expansão da cobertura de atenção à saúde se desenvolviam, é oportuno observar de que maneira o Ministério da Saúde brasileiro interagia com os acontecimentos da cena da saúde internacional na segunda metade da década de 1970 que culminaram com a realização da Conferência Internacional Sobre Atenção Primária e a celebração da Declaração de Alma-Ata, em 1978.

À época da elaboração do Sistema Nacional de Saúde e do programa de interiorização da cobertura da atenção à saúde, as ideias e iniciativas de Halfdan Mahler, diretor da OMS, eram muito bem recebidas por Paulo de Almeida Machado, ministro da Saúde durante todo o governo Ernesto Geisel (1974-1979). Segundo o ministro, a ênfase nas soluções simples, de baixa densidade tecnológica, a mobilização de agentes locais nas comunidades e a organização hierarquizada das unidades de saúde no território, defendidas pela OMS, estavam em sintonia com a diretrizes adotadas pelo governo brasileiro no seu programa de expansão da cobertura. No segundo semestre de 1977, quando Mahler realizaria sua primeira visita ao Brasil, Almeida Machado o descreve como sendo talvez “o mais brilhante dos diretores da OMS”, aliando “um profundo conhecimento técnico, uma larga visão humanística e uma habilidade política indispensável” para conduzir políticas pragmáticas, “preferindo procedimentos singelos e econômicos”, de “caráter social e não elitistas” (Brasil, 17 ago. 1977). Na ocasião, Almeida Machado sugeriu a realização de um encontro entre o diretor da OMS e o presidente da República, o que de fato ocorreu na tarde de 20 de setembro de 1977. Conduzido por Almeida Machado, Mahler foi recebido por Geisel, sendo acompanhado pelo diretor-geral da Opas, Hector Acuña. Na noite do mesmo dia, Mahler proferiu uma conferência no Ministério da Saúde. A visita a Geisel e a conferência foram objeto de poucas notas, até em colunas sociais (Diretores..., 21 set. 1977, p.19). Sobre o conteúdo da conferência, nada.

Esse silêncio acerca do pronunciamento de uma autoridade internacional que fora recebida pelo presidente, em tempos em que a saúde pública e a profissão médica eram objeto de preocupação pública,7 7 Durante o governo Geisel, o país enfrentou uma severa epidemia de meningite que se tornou tema nacional mesmo com censura às informações mais críticas. Também tiveram grande repercussão pública as denúncias acerca da venda no país de medicamentos proibidos nos EUA, os chamados “erros médicos”, os surtos de cólera e poliomielite, além das estratégias para a prevenção dessa última patologia, entre outros temas. Ver, a esse respeito, o farto noticiário de imprensa acessível a partir da Hemeroteca Digital Brasileira: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital . causa estranheza. Quem terminou por repercutir o conteúdo da conferência, alguns meses depois, foi Saúde e Debate , revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, que a publicou na íntegra ( Mahler, 1978MAHLER, Halfdan. Obstáculos frente a la atención primaria de salud. Revista Saúde e Debate , n.6, p.27-31, 1978. ). E apenas quando a censura à imprensa se tornava menos ameaçadora, no início de 1979, a Agência Estado também a abordou. A matéria “Rompido o silêncio sobre os abusos da medicina no Brasil”, assinada por Demócrito Moura (3 abr. 1978, p.4), assinala que

o rompimento de um longo bloqueio nas informações permite ... divulgar melhor ao público o veemente pronunciamento de Halfdan Mahler ... sobre os abusos e desvios da prática da medicina. ... Um estranho bloqueio impediu que o público brasileiro tivesse acesso às variadas e vigorosas denúncias da maior autoridade mundial em proteção à saúde.

A conferência de Mahler foi mais um dos enfáticos pronunciamentos de um orador reconhecido pela sua veemência. Além de apresentar os princípios gerais que então balizavam a proposta de uma estratégia de atenção primária à saúde, Mahler tratou as desigualdades entre países e no interior de uma sociedade como um escândalo inaceitável, além de advogar que a mudança social era um imperativo para a própria sobrevivência da espécie humana. Ele sinalizou que a consciência social tinha um peso sensivelmente maior que a intervenção médica direta na melhoria das condições de vida e que o ato terapêutico isolado e repetido era, nesse sentido, antieconômico. Ao mesmo tempo, a obsessão pelas tecnologias complexas era francamente considerada perniciosa (Mahler, 1978, p.28). As distorções no processo formativo dos médicos e as estratégias da indústria produziam uma legião de “hipocondríacos sãos”, em um ciclo vicioso. Desse modo, os médicos eram facilmente acusados de ser alienados e de promover essa condição nas populações e nas autoridades de governo quanto às necessidades de saúde e às disponibilidades sociais para a sua promoção. Isso, no entanto, segundo Mahler, não impedia a categoria médica de prescrever “imperialmente” soluções baseadas em tecnologias complexas e de relações custo/benefício discutíveis (p.29-30).

O pronunciamento do diretor da Organização Mundial da Saúde seguiu nessa toada naquela noite de setembro de 1977 na sede do Ministério da Saúde. É plausível considerar que a conferência de Mahler tenha sido especialmente mal recebida por Almeida Machado e sua circulação mais ampla possa ter sido evitada ou mesmo censurada. De todo modo, as divergências entre Almeida Machado e as tendências dominantes da saúde internacional que Mahler representava tornavam-se gradativamente mais explícitas. Machado era um defensor da separação organizacional entre saúde pública e a medicina curativa previdenciária que presidia o Sistema Nacional de Saúde, e tinha aversão às ideias de integração então presentes nos debates da OMS e da Opas. Uma aversão igual o ministro experimentava com relação às ideias de mudança social associadas ao enfrentamento das questões de saúde, tal como presentes nas formulações da medicina social latino-americana. Sua aversão alcançava o próprio estatuto das ciências sociais no campo da saúde, um papel que, vale dizer, foi valorizado no mencionado discurso de Mahler (Brasil, 17 ago. 1977).

Esse antagonismo de Almeida Machado se fez nitidamente presente quando da realização da sexta Conferência Nacional de Saúde e do Congresso Brasileiro de Higiene e Saúde Pública, assim como na Reunião de Ministros da Saúde das Américas e nas Conferências Sanitárias Pan-americanas, entre outras instâncias da Opas. Almeida Machado chegou a defender, em despachos com o presidente da República, o esvaziamento dos departamentos de medicina preventiva e social e de medicina “comunistária”, na sua infeliz expressão, ao mesmo tempo em que descrevia o que considerava a infiltração dessas formas de pensamento nas sociedades médicas (Brasil, 17 ago. 1977, 3 nov. 1977).

Em um despacho, provavelmente em fevereiro ou março de 1978, Almeida Machado discutiu com Geisel a participação do Brasil na Conferência Internacional de Atenção Primária à Saúde, que seria realizada meses depois na URSS. Segundo o ministro, a reunião seria eminentemente política, com ênfase no papel da saúde nos processos de mudança social, e seria dominada pela participação dos países socialistas, sendo reduzidas as possibilidades de uma participação efetiva de uma delegação brasileira. Informado por essas considerações, o presidente decidiu pela não participação brasileira no evento (Brasil, 26 maio 1978).

Em 14 de agosto de 1978, porém, Almeida Machado foi surpreendido pela expedição de um decreto pelo presidente da República, designando como representantes brasileiros na conferência o próprio ministro e Aldo Villas Bôas, então presidente da Fundação Sesp (Brasil, 16 ago. 1978). A mudança de posição foi possivelmente fruto das gestões de Antônio Azeredo da Silveira, ministro das Relações Exteriores, especialmente interessado nas relações com a Unicef, e Henry Labouisse, diretor-geral desta última, o que incluiu a viagem deste ao Brasil, durante a realização, no mesmo mês de agosto, do Congresso Internacional de Ciências da Nutrição, no Rio de Janeiro (Brasil, 26 maio 1978). A Unicef, correalizadora da conferência de Alma-Ata, deve ter registrado com ao menos alguma preocupação uma iminente ausência do Brasil.

Dias depois, em despacho com o presidente, Almeida Machado explicitou o que seria, em seu juízo, a “situação delicada” em que fora colocado seu ministério e esforçou-se em enumerar os empecilhos a ser superados para que uma viagem ao Cazaquistão pudesse ser empreendida em curto espaço de tempo. O ministro, porém, prontificou-se a seguir as orientações dadas pelo presidente e a elaborar em tempo hábil um documento brasileiro como contribuição à conferência (Brasil, 16 ago. 1978).

Como se sabe, esse documento não foi elaborado, e a viagem nunca se realizou. O único brasileiro presente à conferência na condição de participante oficial foi Juljan Czapski, polonês naturalizado, empresário da medicina de grupo, secretário-geral da Federação Brasileira de Hospitais, na condição de representante da Federação Internacional de Hospitais (Czapski, Médici, 2011, p.202). A ausência oficial brasileira foi uma anomalia, uma aberração. Entre os sul-americanos, apenas o Paraguai também não se fez representar, as demais ditaduras do Cone Sul não alegaram razões ideológicas ou dificuldades logísticas para não viajar à URSS (WHO, 1978).

A presença na conferência de uma delegação de uma associação internacional das empresas hospitalares, de uma representação portanto dos interesses de capitais privados na saúde, é um indicativo do equívoco de se interpretar a realização da reunião de uma perspectiva ideológica estreita. O mesmo pode ser dito das representações oficiais de alguns países da Europa Ocidental e dos EUA. Neste último país, por exemplo, nos círculos da saúde pública havia até mesmo certa expectativa otimista com relação às possibilidades de desdobramentos da conferência (Pires-Alves, Cueto, 2017, p.2141-2142). Mais do que isso: nos EUA, desde meados da década de 1960 ( Andreopoulos, 1974ANDREOPOULOS, Spyros (ed.). Primary care: where medicine fails . New York: John Wiley & Sons, 1974. ; White, Willians, Greenberg, 1961), a atenção primária à saúde era proposta ao debate e considerada, por segmentos importantes, uma concepção a ser de fato discutida e experimentada com o objetivo de ampliar e modelar a proteção à saúde dos cidadãos norte-americanos, perspectiva que iria se enfraquecer, no entanto, nas décadas seguintes.

Acolhendo a tradição, inventando o novo

As idiossincrasias pessoais e certa miopia ideológica na narrativa pessoal de Almeida Machado em relação à realização da Conferência Internacional de Alma-Ata eram fruto menos de uma oposição às teses da APS em seu conteúdo estritamente técnico, ou de sua arquitetura operacional, e mais de seu potencial conteúdo político, eventualmente tornado candente pela contundência da conferência de Mahler no ministério. É, também, uma mostra explícita e algo grosseira do desconforto do ministro da Saúde frente ao movimento do campo sanitário, que terminaria por se constituir na Reforma Sanitária Brasileira.

Esse movimento reformista buscou se constituir tanto como um processo engajado na luta pela restauração da democracia formal como, promovendo-a, instituir um sistema de saúde renovado e potencialmente capaz de atender às necessidades de saúde da população. O compromisso com a instituição do novo e, nesse sentido, com a ruptura diante do passado imediato, era parte fundamental da agenda daqueles que nele militavam de forma mais orgânica, ainda que variassem substantivamente os discursos, a radicalidade e o ritmo do processo de democratização defendido por seus vários atores. De toda forma, no conjunto, em termos doutrinários e políticos, havia um compromisso considerável com a ideia de uma ruptura.

Sob a hegemonia daqueles que constituíam o núcleo de uma nascente saúde coletiva, a Reforma Sanitária Brasileira. era uma frente. Nela figuravam quadros que associavam a reforma das instituições, das políticas e a adoção de novas práticas de saúde, tanto democráticas quanto eficientes, aos processos mais ou menos profundos de mudança social. Nela se faziam presentes, também, os que, sem dúvida desejosos de um retorno à vida democrática, estavam simplesmente convencidos da necessidade de imprimir soluções de maior economicidade e eficácia à organização da prestação de serviços, sem que isso significasse adesão ou desejo de transformação das estruturas da sociedade brasileira. As modulações entre essas duas posições também se faziam presentes, claro.

A APS foi mobilizada nos marcos dessas duas posições-limite e por quadros não necessariamente interessados na mudança social ou do regime. Ela é, em um extremo, parte de uma agenda e de um repertório de soluções que aprofundariam as possibilidades de uma experiência democrática da saúde, orientada para a transformação social, sem prejuízo do compromisso com a sua racionalidade e resultado. É, por assim dizer, tomando de empréstimo uma categoria de Boaventura de Sousa Santos (2016)SANTOS, Boaventura de Sousa. A difícil democracia: reinventar as esquerdas . São Paulo: Boitempo Editorial, 2016. , “uma APS de alta intensidade”. É também, em outras versões, uma forma de, com recursos cada vez mais limitados, alcançar uma extensão de cobertura básica eficiente, capaz de incluir contingentes populacionais marginais até então desassistidos. Em outro extremo, com uma orientação localizada, limitada, é uma “APS de baixa intensidade”, ainda que sua implementação enfrente adversidades maiúsculas.

Em que pesem suas diferenciações, essas formulações compartilham uma considerável região de consenso técnico, ainda que sujeito a disputas, naquilo que diz respeito à organização e ao funcionamento dos sistemas e serviços. Guardam uma relação muito próxima com certas tradições críticas na saúde pública e no próprio campo médico. Pode-se dizer que também apresentam certa elasticidade com relação àquelas posições-limite, e o compartilhamento desse relativo consenso se fez presente no coração daquela conferência da OMS e da Unicef, em 1978, sobre cuidados primários de saúde. Afinal, foi possível, ao fim de negociações trabalhosas, a adoção unânime, naquela ocasião, da Declaração de Alma-Ata. Tais aspectos conferem certa maleabilidade às proposições da APS, que permitem que ela possa ser configurada e reconfigurada segundo diferentes orientações macropolíticas e seja, nos vários contextos nacionais, também uma arena de disputas quanto a essas mesmas orientações.

Desse modo, estamos diante, na realidade brasileira, de uma conjugação de ideias e valores, de um lado, e de convicções em torno das soluções possíveis, de outro, que embora consensuais em suas formulações mais gerais, comportavam pontos relevantes de disputa em torno de ideologias e interesses, pontos especialmente críticos no momento da tomada de decisão e da implementação objetiva da política.

Prevsaúde: a atenção primária à saúde no centro da agenda brasileira

Ao final de 1979, cerca de um ano após a realização da Conferência de Alma-Ata, ainda na vigência do regime militar, agências do governo de João Batista Figueiredo deram início à elaboração do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde, que depois ficou conhecido como o Prevsaúde. O Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência e Assistência Social, sob a condução, respectivamente, de Waldir Arcoverde e Jair Soares, instituíram, com a participação de quadros do Ministério do Interior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com assessoria da Organização Pan-americana da Saúde (Opas/OMS), um grupo técnico que passou a se debruçar sobre a construção de um projeto que representasse, segundo perspectiva de um de seus formuladores, um regaste de “tudo o que a gente tinha acumulado naquela época”.8 8 Sob supervisão do secretário-geral do Ministério da Saúde, Mozart de Abreu e Lima, o grupo de técnicos do Prevsaúde era coordenado por Carlyle Guerra de Macedo. Não completamente formalizado, contou ao menos com a participação de: Marlow Kwitko, Alberto Pellegrini, José Agenor Álvares da Silva, Ricardo Freitas Scotti, Solon Magalhães Vianna; Ana Maria Barata e Antônio José Guerra. Agradecemos a José Agenor e José Paranaguá de Santana as informações sobre essa composição. Em depoimento posterior, Alberto Pellegrini (2005)PELLEGRINI, Aberto. Depoimento ao Observatório História e Saúde . Rio de Janeiro: Observatório História e Saúde/COC/Fiocruz, 2005. , um dos membros da equipe, referia-se especificamente ao trabalho acerca da arquitetura organizacional das unidades básicas, seus objetivos institucionais, do pessoal profissional mobilizado, da organização da rede assistencial e de seu financiamento. Considerava, por fim, a possibilidade de contribuir com um projeto que se inscrevesse no “movimento da atenção primária em 78” ( Pellegrini, 2005PELLEGRINI, Aberto. Depoimento ao Observatório História e Saúde . Rio de Janeiro: Observatório História e Saúde/COC/Fiocruz, 2005. ). O Prevsaúde consistia, nesse sentido, em uma proposição do governo brasileiro para reordenar, de forma gradual e progressiva, o modelo de prestação de serviços na saúde, de modo a adequá-lo, segundo os termos do texto, “às necessidades prioritárias da população e aos meios disponíveis para o seu suporte” (Brasil, set. 1980, p.3).

A divulgação formal da iniciativa do Prevsaúde só ocorreria em março de 1980, durante a sétima Conferência Nacional de Saúde, sendo naquela ocasião a princípio bem recebida pelos vários segmentos da saúde pública ( Mello, 1981MELLO, Carlos Gentile de. O sistema de saúde em crise . São Paulo: Cebes; Hucitec, 1981. , p.25). Na conferência discursaram o presidente da República, os ministros da Saúde, da Educação e da Previdência e Assistência Social, além do diretor-geral da OMS, Halfdan Mahler. A conferência teve como tema central a expansão dos serviços básicos de saúde e assumia explicitamente a APS como referência para um sistema de saúde que seria preciso reformar (Conferência Nacional..., 1980).

Em boa medida, conforme já sinalizado, o projeto organizava, na forma de uma política de extensão da cobertura de alcance nacional, uma série de atributos e iniciativas “racionalizadoras”, mais ou menos consagradas ou compartilhadas por diferentes grupos do campo da saúde pública. Sua aderência às ideias presentes na Declaração de Alma-Ata pode ser confirmada, especialmente, com o exame das diretrizes operacionais do projeto. São elas: (1) regionalização; (2) universalização do atendimento; (3) tecnologia apropriada e procedimentos simplificados; (4) utilização intensiva de pessoal generalista e auxiliar; (5) reorganização administrativa, com foco na integração interinstitucional e na descentralização; (6) máxima produtividade dos serviços, com foco na cobertura populacional; (7) integralização das ações de saúde, compreendida como ações com foco nas dimensões biológica, psíquica e social; (8) participação comunitária, de modo a permitir a influência da comunidade no que diz respeito a planejamento, execução e controle dos serviços prestados; e (9) a articulação intrassistêmica, compreendida como o necessário estabelecimento de vínculos entre os níveis assistenciais do sistema de saúde (Brasil, set. 1980, p.3). Como se não bastasse, a filiação do Prevsaúde à tradição de Alma-Ata é anunciada no próprio projeto do programa simplesmente como uma estratégia de “privilegiamento da Atenção Primária à Saúde” (p.4).

Em sintonia com o que, mais adiante, convencionou-se identificar como uma atenção primária abrangente, destaca-se, no texto, a caracterização de um pretendido efeito organizador da APS na relação dos serviços primários com os demais níveis assistenciais do sistema de saúde. Nessa linha, pode-se dizer que, na primeira hora de Alma-Ata, o Prevsaúde já vislumbrava a atenção primária como uma “estratégia” central de organização do sistema de saúde brasileiro. Essa orientação, insistimos, é um importante ponto de consenso entre seus proponentes e demais atores do campo da saúde pública, embora para alguns ainda insuficiente. Portanto, a ideia de que as prioridades sanitárias, os fluxos assistenciais e as relações estabelecidas entre os diversos atores no interior de um sistema de saúde deveriam ser objeto de um esforço “racionalizador” por parte dos gestores constitui-se como uma das principais matrizes discursivas das quais a APS será tanto herdeira quanto uma das mais importantes defensoras.

Nessa linha, em termos conceituais, no âmbito do Prevsaúde, a APS comprometia-se a estabelecer um conjunto integrado de serviços de saúde destinados a promoção, prevenção e recuperação da saúde, sobretudo com foco nas doenças mais prevalentes. Com cobertura universal, a prestação de serviço seria realizada por “profissionais generalistas”, por pessoal auxiliar e por agentes da comunidade, sempre sob supervisão dos profissionais. Do ponto de vista do perfil dos serviços prestados, imaginava-se a possibilidade de oferta de internação em unidades mistas, serviço de urgência e emergência, leitos de observação, atendimento ambulatorial, especialmente em quatro áreas básicas: clínica médica, clínica cirúrgica, gineco-obstetrícia e pediatria. Além disso, previa-se o estabelecimento de serviços de odontologia e outras especialidades médicas segundo as necessidades nosológicas locais (Brasil, set. 1980, p.8).

Além do esperado foco nos serviços médicos, o projeto previu ações no campo do saneamento básico, melhorias das habitações populares e das condições ambientais gerais, bem como ações no campo da educação profissional, com vistas a melhorar tanto o atendimento prestado quanto a capacidade gerencial das unidades de saúde. Havia, dessa forma, a previsão de ações intersetoriais.

Adicionalmente, um aspecto de significativa importância, o Prevsaúde privilegiava a criação de uma rede pública de unidades básicas e o atendimento preferencial pelas unidades públicas de saúde, combatendo qualquer forma de ociosidade da capacidade instalada do Estado. Essa última proposição acionou uma aguerrida oposição por parte de grupos ligados aos interesses da rede privada de hospitais conveniados, já bem organizados quanto aos assuntos da saúde e há muito dependentes das transferências de recursos públicos. A Federação Brasileira de Hospitais, por exemplo, uma entidade associativa fundada em 1966 e que se fez presente em Alma-Ata, como vimos, manifestou em texto público que “o documento [do Prevsaúde] é altamente estatizante, embora, por vezes, tente disfarçar” ( Mello, 1981MELLO, Carlos Gentile de. O sistema de saúde em crise . São Paulo: Cebes; Hucitec, 1981. , p.26).

Essa posição encontrava adeptos no núcleo de poder do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). No mesmo momento em que os ministros das pastas diretamente implicadas enalteciam em seus discursos na sétima Conferência Nacional de Saúde as possibilidades abertas pela implantação do Prevsaúde quanto à economicidade e à eficiência do sistema, o então presidente do Inamps remava em direção oposta. Hari Valdir Graeff defendia a criação de um seguro opcional também público para os socialmente mais abastados, destinado à aquisição de prioridades, melhor hotelaria e outros privilégios, ao mesmo tempo que expandia vigorosamente a rede conveniada do instituto (Mello, 3 jun. 1980). Graeff enviou ao ministro Jair Soares um documento crítico e, em entrevista concorrida, afirmou que o projeto era “estatizante, com recursos superdimensionados e que inexplicavelmente atribui apenas às secretarias estaduais a administração da assistência nos estados”. Em outro momento, diz que seria “incompreensível alijar a iniciativa privada” do campo da atenção primária. Jair Soares repudiou tanto o vazamento desse documento quanto o adjetivo estatizante atribuído ao programa, reiterando seu apoio à proposta (Presidente…, 1980, p.15).

Essa oposição sem dúvida contribuiu para que o Prevsaúde jamais superasse a fase de formulação. Perante inúmeras hostilidades, a partir de setembro de 1980, sucessivas novas redações para o projeto vieram à público. Desde então, o Prevsaúde seria “inteiramente descaracterizado”, tornando-se “natimorto”, segundo Carlos Gentile de Mello (1981MELLO, Carlos Gentile de. O sistema de saúde em crise . São Paulo: Cebes; Hucitec, 1981. , p.26), sanitarista que não economizou críticas diante da desidratação da proposta original. Não só preservava as posições das instituições privadas na prestação dos serviços de saúde como retirava, por exemplo, a possibilidade da participação social na gestão do sistema. Em 1981, o projeto foi engavetado.

Considerações finais

Uma inflexão, ainda que parcial e transitória, na forma pela qual as autoridades de saúde na ditadura perceberam a APS, segundo os termos e o contexto de Alma-Ata, merece nossa reflexão. Certamente a mudança de governo em 1979, e portanto dos ocupantes das pastas de Saúde e Previdência Social, e uma orientação do regime em direção à sua distensão estabeleciam um novo contexto, menos marcado pela hostilidade aos temas sociais e à própria militância política.

Ainda assim, somente uma enorme confiança na coerência técnica e racionalidade sistêmica que se pressupunham contidas nas propostas embasadas nos preceitos de Alma-Ata e, desse modo, certo acúmulo de experiências levadas a cabo nas duas últimas décadas podem justificar a mobilização oficial, pelas duas pastas, de um grupo técnico que terminou por desenvolver e apresentar uma proposta de sistema de saúde em larga medida afinada com aquele ideário. Nem um possível viés estatizante ou a participação popular pareceram politicamente inviáveis aos olhos de seus formuladores naquela conjuntura. Há que imaginar, certamente, como sugere Mello (2010)MELLO, Guilherme Arantes. Revisão do pensamento sanitário com foco no Centro de Saúde . Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. , uma espécie de ebulição de ideias e experiências que, naquele contexto, só foi possível graças ao encontro virtuoso, de uma perspectiva progressista, entre antigas tradições e as abordagens e práticas alternativas.

A sétima Conferência Nacional de Saúde foi um atestado indiscutível desse alinhamento. Os ministros e os sanitaristas mobilizados convocaram a APS, ora como solução para a oferta racional de serviços básicos de saúde à populações desassistidas, ora como solução universal para um sistema nacional em construção. Ao mesmo tempo, um documento de caráter conceitual foi apresentado como subsídio aos participantes, reunindo os aspectos centrais à APS e pretendendo dirimir os receios quanto a um eventual caráter estatizante da iniciativa (Conferência Nacional..., 1980, p.7-29, 249-254).

Contudo, à luz do modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon ( Gottems et al., 2013GOTTEMS, Leila B.D. et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Saúde e Sociedade , v.22, n.2, p.511-520, 2013. , p.513-515), esses necessariamente inscritos em sua temporalidade histórica, como sugere a crítica de Weir (1992WEIR, Margaret. Ideas and the politics of bounded innovation. In: Steimo, Sven; Thelen, Kathleen; Longstreth, Frank. Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis . Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p.179-216. , p.191-192), a trajetória do Prevsaúde pode ser compreendida como uma combinação de eventos em que certa convergência de concepções em torno da existência de um problema a ser enfrentado (uma necessária ampliação do acesso à oferta pública de serviços de saúde) e de uma proposta de solução respaldada em boa medida por um consenso técnico-organizacional (os preceitos racionalizadores concebidos na trajetória crítica da saúde pública e na formulação da APS propriamente dita) não encontra acolhimento no terreno político. Assim, o que parecia uma janela de oportunidade para uma reforma do sistema de saúde brasileiro, aberta pela reconfiguração política de um novo governo, em um quadro de esgarçamento das bases sociais do regime, na verdade se revelou bem menos auspiciosa.

As resistências ao Prevsaúde decorriam principalmente de três fontes de interesses. De um lado, as formas pelas quais recursos públicos patrocinaram a expansão e sustentação do parque hospitalar privado no Brasil tornaram essa fração do empresariado especialmente organizada e interessada na manutenção de seu espaço e na reprodução do complexo econômico da saúde ( Menicucci, 2007MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetória . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. , p.180-181). Em segundo lugar, as consequências da crise sistêmica do capitalismo e do modelo econômico adotado no país tornavam mais aguda a crise fiscal, afetando as possibilidades de expansão de gastos públicos. Nesse quadro, o setor privado lutava ferozmente pela preservação de sua fatia (Oliveira, Teixeira, 1989, p.270-275). Um terceiro aspecto apontava que, numa conjuntura de crise, uma imaginada descentralização de responsabilidades e recursos seria onerosa às contas do orçamento nacional e de difícil operação política, retirando esferas consideráveis de poder da órbita das estruturas do Inamps, incluídas suas ramificações nos estados.

Pela esquerda, por sua vez, a APS foi tratada com alguma reserva e sem entusiasmo (Cebes-Campinas, jan.-mar. 1980, p.14-20). No Prevsaúde, ela foi eventualmente considerada parte de uma “proposta tecnocrática de inspiração progressista” (Oliveira, Teixeira, 1989, p.275). Nos anais do primeiro Simpósio de Saúde da Câmara dos Deputados, em 1979, ela foi mobilizada nos pronunciamentos daqueles mais diretamente vinculados às agências oficiais de saúde e aos organismos internacionais ( Abreu e Lima, 1980ABREU E LIMA, Mozart. Descentralização e regionalização das atividades de saúde. In: Brasil. Câmara dos Deputados. I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde . Brasília: Câmara dos Deputados, 1980. p.113-121. , p.113-122; Macedo, 1980MACEDO, Carlyle Guerra de. Uma política de desenvolvimento de recursos humanos para a saúde. In: Brasil. Câmara dos Deputados. I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde . Brasília: Câmara dos Deputados, 1980. p.61-72. , p.61-72) e convocada nas conclusões finais (Comissão..., 1980, p.259-262). No documento apresentado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, órgão então recém-criado e reconhecidamente uma expressão da nova militância pela reforma da saúde brasileira, a APS foi referida apenas de modo acessório ( Cebes, 1980CEBES-CAMPINAS. Atenção Primária de Saúde. Saúde em Debate , n.9, p.14-20, jan.-mar. 1980. , p.11-13).

O que nos parece importante assinalar é que as discussões e iniciativas em torno da atenção primária à saúde estiveram, como indicamos, sujeita aos fluxos e contrafluxos das ideias e se mantiveram vinculadas às disputas que envolveram as propostas extensivas da cobertura dos serviços, ora afinadas com a noção de Estado de bem-estar social, ora com perspectivas mais seletivas ou focais das políticas. O cenário político e ideológico brasileiro a partir de meados da década de 1980, em especial na década seguinte, é evidência de que as propostas de organização custo-efetivas do serviço de saúde e das variantes de “baixa intensidade” da APS encontraram consonância no vocabulário liberal de “ajuste fiscal” e “Estado mínimo” que tanto organizaram a conduta e a agenda de inúmeros atores no cenário político mais geral e na saúde.

Ali, no começo dos anos 1980, as tensões que levaram ao ostracismo o Prevsaúde, embasado pela tradição da saúde pública e pelas diretrizes de Alma-Ata, foram certamente alimentadas pela oposição entre responsabilidades públicas e interesses privados. Mas não se restringiram a esse aspecto ou às suas eventuais ou imaginadas inspirações esquerdistas que tanto incomodavam Paulo de Almeida Machado. As implicações orçamentárias e os custos de um profundo rearranjo institucional, numa conjuntura de instabilidade do quadro político, impuseram os limites àquela iniciativa que, pode-se dizer, traduzia uma utopia racionalizadora.

O que aparentemente se manifestava como um consenso técnico-organizacional enfrentava seus limites políticos, mesmo quando ainda longe das proposições mais radicais ou de maior “intensidade”. Como sempre, a APS era um tema em disputa. Sua resolução depende de nossa disposição ou não de responder solidariamente aos desafios já passados, e também aos do presente e do futuro.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Rafael de la Dehesa, do College of Staten Island (CUNY), as informações preciosas sobre o potencial do Arquivo Ernesto Geisel acerca do tema.

REFERÊNCIAS

  • ABREU E LIMA, Mozart. Descentralização e regionalização das atividades de saúde. In: Brasil. Câmara dos Deputados. I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde . Brasília: Câmara dos Deputados, 1980. p.113-121.
  • ANDREOPOULOS, Spyros (ed.). Primary care: where medicine fails . New York: John Wiley & Sons, 1974.
  • BRASIL. Ministério da Saúde/Ministério da Previdência e Assistência Social. Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde – Prevsaúde. Brasília: Ministério da Saúde/Ministério da Previdência e Assistência Social, set. 1980.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Despachos com o Excelentíssimo Presidente da República, 16-08-1978. Arquivo Ernesto Geisel, EG pr 1974.04.25. Despachos do ministro Paulo de Almeida Machado (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro). 16 ago. 1978.
  • BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Despachos com o Excelentíssimo Presidente da República, 26-05-1978. Arquivo Ernesto Geisel, EG pr 1974.04.25. Despachos do ministro Antônio Azeredo da Silveira (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro), 26 maio 1978.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Despachos com o Excelentíssimo Presidente da República, 03-11-1977. Arquivo Ernesto Geisel, EG pr 1974.04.25. Despachos do ministro Paulo de Almeida Machado (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro). 3 nov. 1977.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Despachos com o Excelentíssimo Presidente da República, 17-08-1977. Arquivo Ernesto Geisel, EG pr 1974.04.25. Despachos do ministro Paulo de Almeida Machado (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro). 17 ago. 1977.
  • BRASIL. Coleção de Leis do Brasil. Decreto n.78.307, de 24 de agosto de 1976. Aprova o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento do Nordeste e dá outras providências. Diário Oficial da União , Seção 1, 25 ago. 1976.
  • CASTRO, Janete L. Protagonismo silencioso: a presença da OPAS na formação de recursos humanos em saúde no Brasil . Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Ministério da Saúde; Opas/OMS, 2008.
  • CEBES, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. A questão democrática na área de saúde. Saúde em Debate , n.9, p.11-13, jan.-mar. 1980.
  • CEBES-CAMPINAS. Atenção Primária de Saúde. Saúde em Debate , n.9, p.14-20, jan.-mar. 1980.
  • COMISSÃO de Saúde da Câmara dos Deputados. 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde . Brasília: Câmara dos Deputados, 1980.
  • CONFERÊNCIA NACIONAL de Saúde. Anais da 7ª Conferência Nacional de Saúde . Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1980.
  • CUETO, Marcos. The origins of primary health care and selective primary health care. American Journal of Public Health , v.94, n.11, p.1864-1874, nov. 2004.
  • CZAPSKI, Silvia; MÉDICI, André. Dr. Juljan Czapski: o cavaleiro da saúde . São Paulo: Novo Século, 2011. p.201-206.
  • DIRETORES da OMS e OPAS vão a Geisel. Jornal do Brasil , p.19, 21 set. 1977.
  • ESCOREL, Sarah. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990: do golpe militar à reforma sanitária. In: Giovanella, Lígia et al. (org.). Políticas e sistemas de saúde no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2012. p.323-394.
  • GOTTEMS, Leila B.D. et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Saúde e Sociedade , v.22, n.2, p.511-520, 2013.
  • KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public polices . Ann Arbor: University of Michigan, 2003.
  • LITSIOS, Socrates. The long and difficult road to Alma-Ata: a personal reflection. International Jounal of Health Services , v.32, n.4, p.709-732, 2002.
  • MACEDO, Carlyle Guerra de. Uma política de desenvolvimento de recursos humanos para a saúde. In: Brasil. Câmara dos Deputados. I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde . Brasília: Câmara dos Deputados, 1980. p.61-72.
  • MACHADO, Francisco de Assis. O SUS que eu vivi . Rio de Janeiro: Cebes, 2014.
  • MAHLER, Halfdan. Obstáculos frente a la atención primaria de salud. Revista Saúde e Debate , n.6, p.27-31, 1978.
  • MELLO, Carlos Gentile de. O sistema de saúde em crise . São Paulo: Cebes; Hucitec, 1981.
  • MELLO, Carlos Gentile de. Esperanças e desenganos. [Recorte de jornal, possivelmente Folha de S. Paulo , s.p.], [3 jun. 1980]. Coleção Gilberto Carvalho. Acervo da Reforma Sanitária – Conasems. Disponível em: http://repositoriosanitaristas.conasems.org.br/jspui/bitstream/prefix/764/1/Esperan%c3%a7as%20e%20Desenganos.pdf Acesso em: 11 jun. 2021.
    » http://repositoriosanitaristas.conasems.org.br/jspui/bitstream/prefix/764/1/Esperan%c3%a7as%20e%20Desenganos.pdf
  • MELLO, Guilherme Arantes. Revisão do pensamento sanitário com foco no Centro de Saúde . Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetória . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
  • MIKHAILOVA, Irina. Rússia e China: transformações econômicas à luz da história das relações bilaterais. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD , v.2. n.3, p.308-335, 2013.
  • MOURA, Demócrito. Rompido o silêncio sobre os abusos da medicina no Brasil. O Fluminense [em colaboração com Agência Estado], p.5, 3 de abr. 1978.
  • NEWELL, Kenneth W. Selective primary health care: the counter revolution. Social Science Medicine , v.26, n.9, p.903-906, 1988.
  • NEWELL, Kenneth W. Health by the People . Genebra: World Health Organization, 1975. p.XI.
  • OLIVEIRA, Jaime; TEIXEIRA, Sônia Fleury. A imprevidência social no Brasil: 60 anos de história da previdência no Brasil . Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
  • OPAS, Organização Pan-americana de Saúde. Anais da XIX Conferência Sanitária Pan-americana . Washington: Opas, 1974.
  • OPAS, Organização Pan-americana de Saúde. Plano Decenal de Saúde para as Américas . Washington: Opas, 1972.
  • OPAS, Organização Pan-americana de Saúde. Reunião de Ministros de la Salud de las Américas. Informe final e discursos. Washington: Opas, 1969.
  • OPAS, Organização Pan-americana de Saúde. Sistemas para aumentar la cobertura de salud en las áreas rurales. Discussões Técnicas del Consejo Directivo, 1967 . Washington: Opas, 1968.
  • PELLEGRINI, Aberto. Depoimento ao Observatório História e Saúde . Rio de Janeiro: Observatório História e Saúde/COC/Fiocruz, 2005.
  • PIRES-ALVES, Fernando Antônio; CUETO, Marcos. A década de Alma-Ata: a crise do desenvolvimento e a saúde internacional. Ciência e Saúde Coletiva , v.22, n.7, p.2135-2144, 2017.
  • PIRES-ALVES, Fernando Antônio; PAIVA, Carlos Henrique Assunção. Recursos críticos: história da Cooperação Técnica Opas-Brasil em Recursos Humanos para a Saúde . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.
  • PRESIDENTE do Inamps considera o Prevsaúde estatizante. Jornal do Brasil , 13 ago. 1980.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. A difícil democracia: reinventar as esquerdas . São Paulo: Boitempo Editorial, 2016.
  • SILVA, José Agenor Álvares da. Do socialismo catrumano para o planalto . Brasília: Fundação Oswaldo Cruz, 2015.
  • SOUZA, José Alberto Hermógenes de. O modelo Piass, sua programação e sua evolução para o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde. Anais da VII Conferência Nacional de Saúde . Brasília: Ministério da Saúde, 1980. p.77-100.
  • WEIR, Margaret. Ideas and the politics of bounded innovation. In: Steimo, Sven; Thelen, Kathleen; Longstreth, Frank. Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis . Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p.179-216.
  • WHITE, Kerr L.; WILLIANS, Frank T.; GREENBERG, Bernard G. The ecology of medical care. The New England Journal of Medicine , n.265, p.885-892. 1961.
  • WHO, World Health Organization.The third ten years of the World Health Organization: 1968-1977. Genebra: WHO, 2008.
  • WHO, World Health Organization. List of Participants [na Conferência de Alma-Ata]. Genebra: WHO, 1978.
  • WILLIAMS, Glen. WHO: reaching out to all. The World Health Forum , v.9, p.185-199, 1988.

NOTAS

  • 1
    Socrates Litsios, ao dirigir a redação de um volume alusivo aos trinta anos de existência da OMS, discute a transição de uma concepção de “serviços básicos de saúde” para a de “atenção primária à saúde”, remetendo a um estudo da organização elaborado em 1972. Ver WHO, (2008, p.117-120) e Williams (1988WILLIAMS, Glen. WHO: reaching out to all. The World Health Forum , v.9, p.185-199, 1988. , p.185-186).
  • 2
    As divergências entre Moscou e Pequim em torno da autonomia doutrinária da China frente à URSS e às estratégias do movimento socialista internacional, que remontam aos anos 1950, ficaram mais agudas nos anos 1960. Em 1969, os dois países entraram em um conflito armado localizado nas zonas de fronteira que esteve perto de se generalizar. Essas querelas se resolveram apenas nos anos 1990 ( Mikhailova, 2013MIKHAILOVA, Irina. Rússia e China: transformações econômicas à luz da história das relações bilaterais. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD , v.2. n.3, p.308-335, 2013. , p.316-321).
  • 3
    A confusão sobre esse tópico é tanta, que o prestigioso e confiável Dicionário Histórico-Biográfico de História Contemporânea do Brasil , do CPDOC-FGV, registra no verbete dedicado a Paulo de Almeida Machado, o então ministro da Saúde, uma inexistente presença brasileira na reunião. Ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/machado-paulo-de-almeida .
  • 4
    A informação foi fornecida por José Carlos Seixas, o então secretário-geral do ministério, em diálogo descrito por José Agenor Álvares da Silva (2015SILVA, José Agenor Álvares da. Do socialismo catrumano para o planalto . Brasília: Fundação Oswaldo Cruz, 2015. , p.44). Em conversa particular, em contexto totalmente distinto, José Paranaguá de Santana colheu de Seixas a mesma informação.
  • 5
    O Arquivo Pessoal de Ernesto Geisel integra o acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC-FGV. Encontra-se digitalizado, sendo acessível a partir de: https://cpdoc.fgv.br .
  • 6
    A esse respeito, é importante registrar, por exemplo, que Francisco de Assis Machado, o Chicão, foi sucessivamente responsável pela implementação do Programa de Saúde para o Vale do Jequitinhonha, do Projeto de Montes Claros e, mais tarde, do Piass. Ver Machado (2014, cap.2).
  • 7
    Durante o governo Geisel, o país enfrentou uma severa epidemia de meningite que se tornou tema nacional mesmo com censura às informações mais críticas. Também tiveram grande repercussão pública as denúncias acerca da venda no país de medicamentos proibidos nos EUA, os chamados “erros médicos”, os surtos de cólera e poliomielite, além das estratégias para a prevenção dessa última patologia, entre outros temas. Ver, a esse respeito, o farto noticiário de imprensa acessível a partir da Hemeroteca Digital Brasileira: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital .
  • 8
    Sob supervisão do secretário-geral do Ministério da Saúde, Mozart de Abreu e Lima, o grupo de técnicos do Prevsaúde era coordenado por Carlyle Guerra de Macedo. Não completamente formalizado, contou ao menos com a participação de: Marlow Kwitko, Alberto Pellegrini, José Agenor Álvares da Silva, Ricardo Freitas Scotti, Solon Magalhães Vianna; Ana Maria Barata e Antônio José Guerra. Agradecemos a José Agenor e José Paranaguá de Santana as informações sobre essa composição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    3 Set 2019
  • Aceito
    5 Fev 2020
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br