Resumos
O objetivo do presente texto é refletir sobre o sofrimento associado à violência, por meio da análise da construção de figuras significativas que habitam o discurso sobre a violência, em particular a vítima e a testemunha, em torno das quais se busca o reconhecimento social do sofrimento e a legitimidade de formas de reparação da violência sofrida. Para pensar essas figuras, a referência são as experiências de tortura, morte e desaparecimento durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), a partir das formas como protagonistas da luta contra a ditadura lidam com a memória dessa experiência histórica através de seu testemunho (textos literários, depoimentos, entrevistas), memória sempre mediada pela maneira como o mundo está sendo habitado no presente.
sofrimento; testemunha; violência; vítima
The aim of the present text is to reflect about suffering when associated to violence, through the analysis of the social construction of significant figures that inhabit the discourse on violence, in particular the victim and the witness, around whom the social recognition of suffering and the legitimacy of forms of reparation of the violence suffered are searched. In order to think about these figures, the references are the experiences of torture, death and disappearance during the civil-military Brazilian dictatorship (1964-1985), considering the forms in which Brazilian society deals with the memory of this historical experience through the testimony of its protagonists (written texts, hearings, interviews), a memory always mediated by the ways in which the social world is inhabited in the present time.
suffering; victim; violence; witness
ARTIGOS
Universidade Federal de São Paulo - Brasil
RESUMO
O objetivo do presente texto é refletir sobre o sofrimento associado à violência, por meio da análise da construção de figuras significativas que habitam o discurso sobre a violência, em particular a vítima e a testemunha, em torno das quais se busca o reconhecimento social do sofrimento e a legitimidade de formas de reparação da violência sofrida. Para pensar essas figuras, a referência são as experiências de tortura, morte e desaparecimento durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), a partir das formas como protagonistas da luta contra a ditadura lidam com a memória dessa experiência histórica através de seu testemunho (textos literários, depoimentos, entrevistas), memória sempre mediada pela maneira como o mundo está sendo habitado no presente.
Palavras-chave: sofrimento, testemunha, violência, vítima
ABSTRACT
The aim of the present text is to reflect about suffering when associated to violence, through the analysis of the social construction of significant figures that inhabit the discourse on violence, in particular the victim and the witness, around whom the social recognition of suffering and the legitimacy of forms of reparation of the violence suffered are searched. In order to think about these figures, the references are the experiences of torture, death and disappearance during the civil-military Brazilian dictatorship (1964-1985), considering the forms in which Brazilian society deals with the memory of this historical experience through the testimony of its protagonists (written texts, hearings, interviews), a memory always mediated by the ways in which the social world is inhabited in the present time.
Keywords: suffering, victim, violence, witness
Apresentação
O tema da reflexão aqui proposta diz respeito às formas como a sociedade e os indivíduos lidam e expressam a dor e o sofrimento quando associados a experiências históricas de violência, em particular de violência política em regimes ditatoriais e contextos autoritários. Entre os muitos episódios históricos que permitem a reflexão sobre o sofrimento que advém de experiências de violência, a referência neste texto são as experiências de tortura, desaparecimento ou morte de familiares durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), problematizando as figuras que habitam o discurso sobre a violência e a memória da violência, em particular a vítima e a testemunha, tal como aparecem nos discursos sobre esse período, sobretudo nos textos literários.1 1 Neste texto será dada particular atenção ao livro de Luiz Roberto Salinas Fortes intitulado Retrato calado, publicado originalmente em 1988, pela editora Marco Zero e reeditado em 2012, pela editora Cosac Naify (cf. Salinas Fortes, 2012).
Os eventos do século XX, com a revelação das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, foram decisivos para o reconhecimento público do sofrimento associado à violência, trazendo para o âmbito da política a discussão de suas formas de elaboração. Marco fundamental para esse reconhecimento, o Tribunal de Nuremberg, no qual foram julgados e condenados os crimes nazistas, configurou, a partir do direito internacional, a categoria jurídica de "crimes contra a humanidade", consolidando a ideia de direitos humanos por meio da criminalização da violação desses direitos, como é o caso da tortura, da morte e do desaparecimento de pessoas.
No registro dos direitos humanos e inspiradas nesse tribunal, surgiram as políticas de memória e de reparação desse sofrimento, conhecidas como "justiça de transição", que têm em comum o objetivo de julgar os responsáveis, reabilitar as vítimas e criar a memória e as formas de anistia que promovam a reconciliação nacional. No caso brasileiro, essas políticas instituíram-se de forma fragmentária e ambígua, por meio de negociações parciais e com um atraso considerável (Comparato, 2011), o que contrasta com as outras políticas da memória da América Latina no século XX, como foi o caso da Argentina e do Chile, onde, com todos os percalços, injunções e conflitos que caracterizam esses processos, a chamada justiça de transição ocupou a agenda política desses países logo após o fim do período ditatorial.
No Brasil, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), admitiu-se a responsabilidade do Estado pela atuação ilícita de seus agentes de segurança, independentemente de sentença judicial, pela lei nº 9.140, ou Lei dos Desaparecidos, de 4 de dezembro de 1995 (Brasil, 1995). No entanto, como chamou a atenção Mezarobba (2010, p. 115), na lei brasileira "não há uma única menção à palavra vítima em toda a legislação que integra o processo de acerto de contas do Estado brasileiro", indício, segundo a autora, da permanência do legado autoritário. Houve um investimento prioritário do Estado brasileiro na indenização das vítimas por compensação financeira, sem o empenho de buscar a verdade, identificar as vítimas e julgar os responsáveis (Mezarobba, 2007). Mais de duas décadas depois do que se considera o fim do período da ditadura - o ano de 1985 - , foi lançada oficialmente a Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 (Brasil, 2011), com desdobramentos no plano estadual e municipal por todo o país. A CNV responde à exigência da Corte Interamericana de Direitos Humanos de examinar e esclarecer as violações aos direitos humanos.
A partir do reconhecimento da necessidade de uma política de memória e reparação, o sofrimento passa a ser visto como uma questão indissociável do reconhecimento público e oficial da violência que o gerou. Assim, as possibilidades de seu cuidado e de sua elaboração no plano subjetivo estão diretamente relacionadas ao lugar que os acontecimentos adquirem no plano político da esfera pública.
Busca-se neste texto apontar o trabalho de elaboração do sofrimento associado à violência, a partir das formas como estão sendo construídas e colocadas publicamente as figuras da testemunha e da vítima da ditadura civil-militar brasileira, em particular pela chamada literatura de testemunho e pelos depoimentos das testemunhas, em face de novos lugares instituídos para falar e se expressar. Tarefa delicada, que requer o contato com a dor e um difícil distanciamento diante de um processo histórico em curso, inconcluso, repleto de conflitos e disputas no interior do campo da memória, de vozes distintas e discordantes, cujos contornos estão se redefinindo e cujos desdobramentos ainda estão em aberto.2 2 Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla, em andamento, sobre as figuras que habitam o discurso sobre a violência, em particular a vítima e a testemunha, tendo como referência o discurso sobre a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). A pesquisa baseia-se em textos escritos pelas "testemunhas" e "vítimas" da ditadura (literatura de testemunho), depoimentos tornados públicos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pela Comissão Nacional da Verdade e comissões estaduais e municipais, além de entrevistas com protagonistas da luta contra a ditadura que foram presos e torturados, familiares de mortos ou desaparecidos no período e envolvidos nas atuais políticas de memória.
Pensar o "impensável"
A literatura sobre violência evidencia a complexidade da formulação de políticas públicas em um cenário de novas configurações da violência, identificada, hoje, com aquilo que afeta existências singulares, pessoais ou coletivas, para além do que afeta a ordem social e política (Wieviorka, 1997, 2006). Põe-se em questão a própria conceituação do que é violência. Pensada contextualmente, fala-se em violências, uma vez que há lógicas culturais diversas a partir das quais a violência é qualificada como tal, cujo entendimento é fundamental para se pensar a relação entre violência e subjetividade, sem projetar nossas próprias referências de sentido. É no terreno móvel das relações que buscamos sua compreensão. Não se parte, portanto, de uma definição a priori do que constitui a violência, mas sua definição é sempre referida ao sistema simbólico no qual se inscreve. Essa inscrição simbólica estabelece as condições de possibilidade de sua elaboração, que é também de ordem política, por dizer respeito à configuração das relações de poder na sociedade.
Na reflexão antropológica, o tema do sofrimento remete a Marcel Mauss e suas clássicas formulações sobre o caráter social da constituição e das experiências que envolvem o corpo e as emoções (Mauss, 1974a, 1974b, 1974c, 1979). Inscritas, como qualquer experiência humana, em uma ordem simbólica, essas experiências fazem sentido na relação do indivíduo com o mundo social. Para o autor, a forma de manifestação do sofrimento precisa fazer sentido para o outro, argumentando que não apenas sentir, mas expressar a dor e o sofrimento supõe códigos culturais que sancionam as formas de manifestação dos sentimentos. Os sentimentos, ao serem vivenciados e expressos mediante formas instituídas, tornam-se socialmente inteligíveis. Constituem, assim, uma linguagem, uma forma de comunicação.
No caso das experiências de sofrimento associadas à violência, ao sofrimento da violência vivida soma-se o sofrimento de não haver formas de expressão instituídas para a dor. Ao contrário, nesses casos há o silêncio imposto, a recusa da escuta e, assim, a negação da violência, da humilhação e da dor impingidas ao outro.3 3 Como argumentou Cardoso (2001, p. 195-196), no caso brasileiro, houve uma "imposição do esquecimento" pela Lei de Anistia de 1979 (Brasil, 1979), "pelo impedimento da inscrição simbólica da tortura política na memória histórica da sociedade". O problema que a experiência da violência coloca é o da ausência de um lugar de inteligibilidade e escuta para o sofrimento que dela advém, lugar que requer, como condição de sua possibilidade, o reconhecimento social dessa violência.
Halbwachs (1997), outra referência clássica, ao analisar, tal como Mauss, a memória como um fenômeno coletivo e não individual, insinua não apenas a seletividade de toda memória, mas também um processo de "negociação" entre a memória coletiva e a memória individual, já que não basta o testemunho para a inteligibilidade do discurso sobre a violência, mas é necessária uma base comum para que haja suficientes pontos de contato entre nossa memória e a dos outros. Pollak (1989), historiador do Holocausto, refere-se a essa formulação de Halbwachs quando analisa o sentido de lembrar e testemunhar essa experiência histórica radical de violência.
A testemunha situa-se precisamente no espaço impreciso da relação entre a violência e a subjetividade. Das (2011), refletindo a partir da violência no contexto da partição da Índia, em 1947,4 4 Momento em que o país se dividiu e foi criado o Paquistão. fala do "delicado trabalho de autocriação", implicado nos desdobramentos das experiências de violência e da reconstrução, como um processo que envolve negociações subjetivas entre o indivíduo e as possibilidades do mundo social. Para ela, o ato de testemunhar constitui uma "maneira de entender a relação entre violência e subjetividade" (Das, 2011, p. 39).5 5 A respeito da delicada relação entre violência e subjetividade nas políticas de memória, ver ainda a análise de Ross (2010) das audiências da Comissão da Verdade e da Reconciliação na África do Sul, na qual a autora problematiza a "obrigação de falar" implícita nos processos de memória e reconciliação. Nesse caso, a "obrigatoriedade" estava pautada no que chamou de "modelo de verdade" subjacente aos trabalhos da comissão. Tal modelo supunha a naturalização da violência sexual, frequente nos conflitos em pauta, em termos de gênero, tornando as mulheres responsáveis pelo depoimento sobre essa forma de violência. Eram elas que "deviam" falar, já que estava implícito que eram as mulheres - e apenas elas - as vítimas de violência sexual. Discuti em artigos anteriores essa naturalização da violência sexual pelas políticas públicas, analisando as políticas de saúde no Brasil (Sarti, 2009; Sarti; Barbosa; Suárez, 2006).
Wieviorka (2005) mostra como a figura da vítima, uma das formas de se colocar subjetivamente diante da violência, esteve durante muito tempo ausente do discurso sobre a violência. Ela aparecia no discurso humanitário como "vítima de circunstâncias" tais como a pobreza ou a doença, que remetiam a condições sociais naturalizadas e não ao âmbito do político, ou seja, da configuração das relações de poder na sociedade. Para ele também, foram os eventos do século XX, em particular na Alemanha nazista, que fizeram mudar a sensibilidade em relação à violência e marcaram o reconhecimento público do sofrimento associado à violência, trazendo para o âmbito da política a questão da elaboração desse sofrimento.
A figura da vítima marca o discurso contemporâneo sobre a violência, como forma de reconhecimento social do sofrimento, que se define pela noção de direitos (Sarti, 2011). Essa figura emerge na contemporaneidade, ainda segundo Wieviorka (2005), quando o discurso sobre a violência se volta para o sujeito que a sofreu, a partir de uma noção afirmativa desse sujeito como um sujeito de direitos. Esse olhar para o sujeito, que é um sujeito cidadão, vem do reconhecimento de uma violência cujo agente é o próprio Estado, daquele que precisamente tem a função de proteger o cidadão. O Estado, no paradigma instituído a partir dos julgamentos dos crimes de guerra no século XX, precisa ser responsabilizado pela violência cometida, sendo responsável pelas políticas de memória e reparação. Esse caráter de vítima de uma política de Estado é o que está em jogo na construção da categoria da "vítima da ditadura" reivindicada em relação às ditaduras latino-americanas do século passado (Cardoso, 2001; Santos; Teles; Teles, 2009; Teles; Safatle, 2010).6 6 A historiadora Dulce Pandolfi faz seu depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ) com frases iniciadas por "Eu acuso", inspirada na carta escrita em 1898 por Émile Zola em defesa de Alfred Dreyfus, preso e condenado à morte por um erro judicial, caso que se tornou emblemático da injustiça no campo dos direitos humanos. Na última frase, diz: "Finalmente, eu acuso o regime ditatorial implantado no Brasil em 1964, que fez da tortura, uma política de Estado." (Íntegra do depoimento..., 2013).
Para Wieviorka (2004), a violência transcende o que é próprio das relações conflituosas, estabelecendo o limite do que não pode ser relacionado, comunicado. A experiência de violência, assim, é falada na literatura sobre o tema como uma experiência de trauma, não assimilável no momento em que ocorre, por não poder ser simbolizada. No discurso sobre a violência extrema, há a constante referência, a uma experiência "indizível", "inenarrável", "impensável", "inimaginável". Esse caráter de trauma das experiências ("catástrofes") do século XX, das quais o Holocausto nazista é emblemático, é o centro de toda a discussão sobre a assimilação do passado no presente.
O problema que a literatura recente sobre a violência extrema coloca, por outro lado, é precisamente o da necessidade de se pôr em questão as noções de indizível, inenarrável, impensável, irrepresentável, pelo pressuposto de exclusão ou negação da experiência vivida, erigida paradoxalmente em impossibilidade, apesar dos incontestáveis testemunhos.7 7 A ideia da violência "extrema" é, em si, difícil de ser sustentada. Essa ideia supõe um limite a partir do qual ela se torna "extrema", postulando-se uma diferença de grau. A dificuldade de delimitação dessa fronteira evidencia-se diante de distintas representações do que é violência, fenômeno que se define por sua inscrição num sistema simbólico. Problematiza-se, assim, o efeito de distanciamento que a ideia de uma violência extrema produz, como se estivéssemos moralmente a salvo de atos pensados como excêntricos, atribuídos a um outro inacessível. A fronteira entre violência e violência extrema, esta formulada a partir da incomunicabilidade dessa experiência, passa a não fazer sentido, exceto como distintas maneiras de representar o fenômeno, construções sociais, portanto, relativas. Daí a relevância da literatura crítica à ideia de uma incomunicabilidade absoluta da experiência da violência.
Seligmann-Silva (2005), ao analisar, com base na psicanálise, a relação entre literatura e trauma, diz que afirmar o trauma não significa excluir a simbolização, mas apenas apontar seus limites. A experiência do trauma, que faz silenciar, não se apaga, mas permanece. Não tem repouso, como tem demonstrado toda a história dos países que passaram ou passam por regimes autoritários ou totalitários. Na perspectiva de quem viveu e sofreu a experiência da violência, mesmo no caso da violência dita extrema, mantém-se aberta a possibilidade de romper o silêncio, imposto pelas circunstâncias. Pollak (1989, p. 6) já havia colocado a questão ao formular a noção de "memórias subterrâneas" e associá-la à dominação:
A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa [...] uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor.
Crenzel (2010) analisa o impacto do genocídio nazista no mundo ocidental e diz que, por suas dimensões e características, o genocídio revelou a insuficiência de nossas categorias políticas e jurídicas, desafiou os marcos da ética e deixou em suspenso nossos recursos de representação. A própria possibilidade de compreender e representar a violência extrema no interior da espécie humana foi negada e essa negação foi, segundo ele, intensificada na década de 1980, no contexto do ceticismo "pós-moderno", com a crise das representações e das grandes narrativas. No entanto, prossegue o autor, as proposições sobre a impossibilidade de pensar, dizer e representar o genocídio foram solidamente contestadas.
Primo Levi (2004, p. 9) abre seu livro Os afogados e os sobreviventes com a fala de um oficial nazista que revelava saber que seus atos desafiavam os recursos simbólicos disponíveis na sociedade ocidental para interpretá-los: "Seja qual for o fim dessa guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos; ninguém restará para dar testemunho, mas mesmo que alguém escape, o mundo não lhe dará crédito."
Para o historiador da arte Didi-Huberman (2012), a negação da possibilidade de representar a violência torna absoluta tanto a noção de irrepresentabilidade como a opacidade do horror, ou melhor, o próprio horror. Permanece, assim, prisioneira do genocídio, tal como almejava o oficial nazista mencionado por Primo Levi. Vidal-Naquet (1995 apud Crenzel, 2010, p. 12-13) refutou a proposição do impensável mediante uma dedução lógica: o genocídio foi pensado e imaginado pelos seus responsáveis, portanto, isso demonstra que é possível pensá-lo e imaginá-lo.
Nessa linha de argumentação, a obra de Primo Levi (1988) constitui um marco, pois, ao narrar e questionar se É isso um homem?, trouxe para o plano do pensável, narrável, dizível e imaginável a experiência do horror, afirmando-a como experiência humana, com todos os dilemas que essa experiência colocou às categorias ocidentais do pensamento. Agamben (2008, p. 41) indaga no mesmo sentido: "Mas por que indizível? Por que atribuir ao extermínio o prestígio da mística?"
Dizer que Auschwitz é "indizível" ou "incompreensível" equivale a euphemein, a adorá-lo em silêncio, como se faz com um deus: significa, portanto, independente das intenções que alguém tenha, contribuir para sua glória. Nós, pelo contrário, "não nos envergonhamos de manter fixo o olhar no inenarrável". Mesmo ao preço de descobrirmos que aquilo que o mal sabe de si, encontramo-lo facilmente também em nós. (Agamben, 2008, p. 42).
Produziu-se, assim, na literatura sobre o Holocausto a crítica à impossibilidade de narrar, dizer, pensar, imaginar ou representar a experiência da violência, a partir da ideia de que a representação de um acontecimento, mesmo violento, é parcial, limitada e mediada pelas circunstâncias de sua produção. Está no âmbito processual da ação humana. São, portanto, sociais e históricas as condições de possibilidade de elaboração das experiências de violência.
Narrativas, apesar de tudo
O tempo longo transcorrido, no Brasil, entre o período considerado o fim da ditadura, que coincide com o fim dos governos militares em 1985, e as políticas da memória, configura-se como um indício de cumplicidade com o silêncio imposto e com a negação da violência por parte da política oficial do Estado e da sociedade. Não apenas essa distância no tempo diz das formas como a sociedade brasileira lida com a violência, diz, portanto, do que resta da ditadura (Teles; Safatle, 2010), como coloca inelutavelmente, queira-se ou não, a pergunta sobre as possibilidades que abre o tempo presente, sobre o que fez o "trabalho do tempo" na feliz expressão de Das (1999) ao problematizar a relação entre violência e subjetividade.
Se as políticas da memória e da reparação dizem respeito às formas como a sociedade lida com sua experiência histórica através do testemunho de seus protagonistas, a memória é sempre mediada pela maneira como o mundo está sendo habitado no presente. Este é, portanto, um trabalho sobre o presente, sobre o passado elaborado pelas condições do presente, como crítica do presente (Cardoso, 2001, 2005), posição que significa "que o movimento da crítica, ao temporalizar o presente, através das interrogações feitas em seu nome sobre o passado, permitiria o descongelamento deste através da memória" (Cardoso, 2005, p. 10).
Para realizar essa tarefa, pela forte conotação moral do discurso sobre a violência, o empreendimento antropológico não pode prescindir de uma radicalidade como forma de garantir uma análise distanciada do contexto significativo no qual se inscreveram esses discursos. Sem qualquer adesão a um relativismo moral, trata-se de buscar desconstruir o discurso contemporâneo sobre a violência daquele período, procurando entender as gramáticas sociais nas quais se inscreve e empreender a análise distanciada que permita escapar da tentativa de objetivar e dar um significado único a essa experiência, para que seja possível o trabalho reflexivo.
A figura da testemunha, nos depoimentos e textos literários sobre o período da ditadura no Brasil, pode ser pensada como o suporte de um discurso presente sobre o passado que não se cala, apesar de tudo. Essa figura, central nas políticas da memória, aparece na reflexão aqui proposta, em particular, pelas formas como a questão da experiência vivida - a testemunha - sustenta e legitima uma fala que, por expressar uma experiência traumática, precisa ao mesmo tempo distanciar-se para ser falada e coloca, assim, inelutavelmente a questão das condições de sua escuta.
A construção da figura da vítima, nos episódios de violência política, opera no sentido de constituir uma forma socialmente inteligível de expressar e fazer reconhecer o sofrimento associado à violência, legitimando demandas de reparação e cuidado (Sarti, 2011).8 8 Trata-se aqui, portanto, de pensar a vítima da violência de Estado, em contextos de ditaduras, questão distinta daquela problematizada a partir dos problemas colocados pela emergência da figura da vítima em sociedades democráticas, que aparece como uma figura reveladora de uma subjetividade contemporânea (Eliacheff; Larivière, 2007; Fassin, 2004; Koltai, 2002; Sarti, 2011; Truchon, 2007). As distintas configurações do poder nos dois contextos colocam problemas diversos para a legitimidade moral da categoria vítima. As ambiguidades em torno da figura da vítima relacionam-se às ambiguidades no próprio processo de elaboração de uma política de memória e reparação no país.
O lugar da "testemunha" e o da "vítima da ditadura" fica situado entre os movimentos possíveis entre ter vivido a experiência de violência, estar colado à experiência e, ao mesmo tempo, estar calado, sem espaço social de expressão, vivendo a necessidade, que não tem repouso, de buscar construir formas de dizer. A literatura aparece, então, como campo privilegiado, mas não exclusivo, para a análise dessas figuras.
Sarlo (2005, p. 32), ao falar de como a literatura "trabalha em nossa memória", a partir do caso da Argentina, diz o que pode ser transposto igualmente para a experiência brasileira:
Os textos existem. Não me refiro apenas a discursos fortemente referenciais, como o relatório da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa e os autos dos julgamentos. Há romances, poemas, depoimentos, formações mais distanciadas. São obstáculos levantados contra o convite ao esquecimento, contra sua possibilidade ou imposição; teimam em opor-se à hipocrisia de uma reconciliação amnésica que pretende calar o que, de qualquer modo, já se sabe.
Seligmann-Silva (2005) comenta a literatura de testemunho no contexto contemporâneo de um mundo dominado pela ideologia da informação e pela onipresença das imagens do terror (dos "choques") que não saem da tela das televisões e dos meios de comunicação, a sociedade "midiática". Segundo o autor, "ao invés de uma representação do passado, a literatura do testemunho tem em mira a sua construção a partir de um presente" (Seligmann-Silva, 2005, p. 79, grifo do autor).
Precisamente nessa perspectiva, como "construções, a partir do presente", e como "crítica do presente", as figuras da vítima e da testemunha interpelam a reflexão antropológica, com base nos textos produzidos pelas testemunhas do período.9 9 Das (2011, p. 11) comenta que alguns antropólogos, não menciona quais, se perguntam se a noção de testemunho pode ser posta como lugar analítico a partir do qual escrever, "porque argumentam que o forte substrato cristão desse conceito o torna uma categoria inadequada, quando não suspeita, para o trabalho antropológico". A autora, com a qual concordo, considera essa posição restritiva. Vale ressaltar que, aqui, trata-se de entender essa categoria como uma construção que opera como um dado significativo no universo pesquisado (uma categoria nativa, portanto) e não se restringe a uma categoria analítica do(a) antropólogo(a). É nos interstícios entre o universo do pesquisador e do pesquisado, diferenciando-os, que se buscará analisar a vítima e a testemunha.
Retratos calados
No Brasil, apesar do silêncio imposto pela suposta conciliação da Lei de Anistia de 1979 (Brasil, 1979), os protagonistas da luta contra a ditadura - testemunhas, portanto - não deixaram de falar, nem se recusaram a elaborar publicamente sua experiência traumática, como já ressaltou Kehl (2010). Como também mostra Crenzel (2010) para o caso da Argentina, no caso brasileiro, houve uma significativa produção de obras que testemunharam os crimes do Estado durante esse período de arbítrio (Cardoso, 2001), em particular sob a forma de livros e filmes.
Nessa literatura, a figura da vítima, no que se refere à ditadura no Brasil, tem contornos imprecisos, ou reveste-se de ambiguidades. Do ponto de vista dos protagonistas da luta contra a ditadura, que sofreram a prisão e tortura ou o desaparecimento de seus familiares, essa figura oscila entre a afirmação de si como vítima diante do direito à verdade, à reparação e ao julgamento dos responsáveis - a figura jurídica - , e a recusa dessa figura, pela conotação negativa associada à vítima, que exime o sujeito de responsabilidade. Essa recusa aparece de forma clara no livro de Luiz Roberto Salinas Fortes (2012), Retrato calado. Também no livro Tiradentes, um presídio da ditadura. Memórias de presos políticos, organizado por Alípio Freire, Izaías Almada e J. A. de Granville Ponce, do qual reproduzimos o excerto:
Nem bandidos, nem heróis, nem vítimas, como inadvertidamente se têm tratado muitos dos casos de mortos e desaparecidos políticos, e dos que foram presos e torturados de um modo geral. Não somos vítimas inocentes. Ninguém entrou na luta dos anos 60 de maneira inocente. Todos os que lutaram tinham projetos para a sociedade brasileira. Os que lutaram sabiam por que estavam lutando e foram à guerra por seus ideais. Aqui não há vítimas, no sentido piedoso do termo. Ninguém foi obrigado a entrar em qualquer das organizações revolucionárias existentes. Quem entrou o fez por livre iniciativa, por convicção. (Freire; Almada; Ponce, 1997, p. 36).
Remeto à narrativa de Salinas Fortes, para compreender como a partir da singularidade da experiência traumática é possível dar sentido coletivo à experiência da tortura política, sem que qualquer dessas dimensões - a singular e a coletiva - se perca, pensando a memória como reconstrução, a partir das circunstâncias que lhe dão a possibilidade (Halbwachs, 1997).
Analisando as literaturas de testemunho, a partir da ideia do trabalho de recordação na obra de Marcel Proust, Motta (2004, p. 66) remete a reconstrução do passado necessariamente a um trabalho do presente, "na certeza desconcertante de que recuperar o passado perdido é tentar reescrevê-lo - e falhar na tentativa".
No livro de Salinas Fortes destaca-se a maneira singular como o autor, preso e torturado durante a ditadura, narra essa experiência, submetendo-se a um exame filosófico, como argumenta Matos (2012), considerando a si mesmo e a sua circunstância:
[...] suas lembranças recusaram para si o lugar da vítima tanto como o do herói, duas maneiras de se estar acima do exame filosófico. Como vítima, o dano isenta de se pôr em questão; como herói, o reconhecimento de sua superioridade e valor também prescindiria de ponderações para si mesmo e para a comunidade política.
Como tantos outros, o autor expõe suas dúvidas e indaga sobre o porquê de estar nessa luta:
[...] Deveria ter saído do país? Não sei. Partido para a clandestinidade e me comprometido com a luta armada, desta vez para valer? Talvez. Mas, que perspectiva nos oferecia, que não a suicida, a ação violenta contra o regime? Não estaríamos antes obrigados a resistir sobrevivendo, do que a morrer lançando a força contra a força neste combate desigual e, desta forma, reforçando assim mais o inimigo? (Salinas Fortes, 2012, p. 45).
Que me espera agora? Que crimes cometi afinal? O grande pecado, ao contrário, não teria consistido justamente na falta de firmeza em me ter convertido integralmente à causa, em não ter acreditado o suficiente na excelência do combate e ter me perdido, como muitos outros, segundo vai nos revelando pouco a pouco a crônica do período, de ter me abismado nas sinuosidades dos melodramas pessoais em vez de me anular convertendo-me em dócil mas eficaz instrumento cego a serviço da grande causa? (Salinas Fortes, 2012, p. 49-50).
Nem vítima, nem herói, "demolido" por ter entregado a amiga, Salinas Fortes enfrenta a inevitável solidão do exame de si, movimento para dentro, mas sem autocomplacência nem autoflagelação, como ressalta Antonio Candido (2012).
Para Salinas Fortes (2012, p. 41), não se sai impune da experiência da tortura:
Há algo que se rompe, pois não é impunemente que se passa pela experiência da prisão, assim como não se passa impune pela experiência de prender e torturar. Contaminação recíproca. Perda da "inocência" de um e outro lado e profunda crise ideológica de ambos os lados, cujas repercussões até hoje persistem.
Chauí (2012) menciona o grande medo que o assolava, o de perder a lucidez:
Como deixar de me pôr totalmente em questão, ali, diante de tão vil desfecho? Como não me perguntar pelo sentido de todo esse movimentado passado, atendo-me exclusivamente à fria descrição dos eventos? Como não mobilizar o espanto diante de tantos significantes de consequências tão devastadoras? (Salinas Fortes, 2012, p. 49-50).
Por que relembrar águas passadas e repassadas e bem passadas? Qual a importância, afinal, do gênero - como chamá-lo? - "memorial"?
A única coisa que sou capaz de dizer no momento é que se as escrevo - as memórias - é para dar a mim mesmo, conceder-me em benefício próprio, uma "ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA", já que ninguém me concede. Por que não? Quem impede? Uso deste espaço para não deixar que tudo se perca, se evapore. E continuo dizendo dessa forma canhestra e imprecisa, infiel e abstrata. O fato é que tudo mudou, que era o mundo antes, o meu, bem diferente. E tudo vai ficar por isso mesmo? (Salinas Fortes, 2012, p. 93).
Hoje, a paisagem é outra, mas as grades, ainda as trago comigo, plantadas duramente na memória. (Salinas Fortes, 2012, p. 115).
Chauí (2012, p. 14) diz ainda:
Estamos diante de alguém perplexo ao descobrir que o opressor não é o outro absoluto, apenas outro ser humano, embaralhando as ideias claras e distintas do bem e do mal, vício e virtude, enigma que não pode dar conta de tudo quanto sonha nossa vã filosofia escolar.
Segundo Candido (2012, p. 125):
Na medida em que não deblatera, em que não transforma os repressores em puros monstros, nem as vítimas em heróis, ele faz a realidade assumir uma espécie de gratuidade cruel, como se do cotidiano mais normal emergisse a fenomenologia da bestialidade. A realidade lhe serve para investigar a fragilidade do indivíduo e o desnorteio geral da vida, a implacável necessidade de acertar, o deslizamento inexplicável entre as esferas do comportamento. O que sou eu? O que é você? O que são eles? Por que fazemos tudo tão mal? Por que fazem eles as coisas tão às cegas? No meio da perplexidade, o drama do ser mistura-se aos dramas do mundo e o narrador parece alguém que soube, através da palavra, construir-se e ao mesmo tempo denunciar, com a inteireza dos que não enfeitam nem deformam.
Retrato calado elabora em alto nível a experiência dos anos da ditadura militar, porque nele a dimensão do indivíduo e o panorama do momento se fundem graças ao poder da escrita. Não é um simples testemunho, nem uma evocação de tormentos. É uma tentativa de conhecer melhor o ser e a sua circunstância nos momentos de crise, quando a relação entre ambos se torna cruciante e pode aguçar a ponta do conhecimento.
O livro de Salinas Fortes não deixa de marcar a desigualdade das forças em jogo, que faz necessária a inscrição simbólica da tortura em nossa memória histórica, de que falou Cardoso (2001), reconhecendo a vítima reivindicada pelo discurso político-jurídico, mas sem deixar ao mesmo tempo de examinar, com essa lucidez tão singular de que falam Antonio Candido e Marilena Chauí, a si e a sua circunstância: "O tempo todo ele parece estar no centro sem chamar a atenção, simultaneamente sujeito e objeto, graças à maestria da escrita e a invariável dignidade intelectual." (Candido, 2012, p. 124).
Segundo Quartim de Moraes (1988, p. 153), o livro é uma tentativa de reintegrar a experiência da dor da prisão e tortura ao fluxo de sua existência: "Retrato calado não se esgota na experiência que descreve, nem na auto-imagem que ela desenha." Vai além, porque é ao mesmo tempo "descrição dos fatos e revelação do ser" (Candido, 2012) e transborda sua singularidade para exprimir o destino dos outros: "O que ele sofreu, muitos sofreram e quem sabe sofrerão; por isso, a sua experiência representa um estado mais geral de coisas e justifica o aparente relevo dado ao indivíduo falando na primeira pessoa." (Candido, 2012, p. 124-125).
Tortura e responsabilidade
Num registro que se situa fora do âmbito discursivo do campo jurídico e penal (Foucault, 2003), os que lutaram contra a ditadura não representam a si mesmos como vítima, já que o lugar da vítima supõe que o sujeito não indague sobre si mesmo. Eles fazem, assim, suas demandas de reparação do lugar de protagonistas de uma luta, mas uma luta desigual, desigualdade consubstanciada de forma extrema na situação de tortura. Sobre essa desigualdade na tortura, Quartim de Moraes (1988, p. 150) escreve: "Em nenhum outro combate a desigualdade de forças é tão completa quanto no do torturado contra seus torturadores. Estes dispõem de todos os meios da violência; aquele, de nenhum."
Assim alude Salinas Fortes (2012, p. 42) à tortura que sofreu:
A dor que continua doendo até hoje e que vai acabar por me matar se irrealiza, transmuda-se em simples "ocorrência" equívoca, suscetível a uma infinidade de interpretações, de versões das mais arbitrárias, embora a dor que vai me matar continue doendo, bem presente no meu corpo, ferida aberta latejando na memória. Daí a necessidade do registro rigoroso da experiência, da sua descrição, da constituição do material fenomenológico, de sua transcrição literária.
Pode-se pensar a tortura a partir do lugar social atribuído aos indivíduos, classificados como inferiores na hierarquia social, lugar de desqualificação que se reflete na forma de tratar seu corpo, do qual se pode dispor, legitimamente nesse registro, como coisa, objeto desprovido dos direitos atribuídos aos sujeitos. Isso vale para o corpo do "pobre", do "negro", ou daqueles a quem se condena moralmente, o "bandido", ou, do ponto de vista de gênero, a "prostituta". Essa concepção do corpo do outro como um corpo sem valor, ou de menor valia, remete à complacência em relação à tortura do outro na sociedade brasileira. Articula-se ao que Caldeira (2000) define como o "corpo incircunscrito" relacionado às formas como se instituíram os direitos de cidadania no Brasil, referindo-se à indefinição dos limites do corpo do outro, condição propícia ao abuso no exercício do poder e ao desrespeito aos direitos humanos.
Asad (1997), referindo-se às práticas de tortura dos ingleses em relação aos hindus que tinham costumes estranhos à moral inglesa na Índia colonial, fala em "corpos torturáveis". Para os colonizadores ingleses, a tortura nesses corpos tinha um caráter "civilizador". Nesse mesmo sentido, Kehl (2010, p. 128), ao referir-se à "displicência" em relação aos fatos ocorridos durante a ditadura na sociedade brasileira, apesar das inúmeras tentativas de se trazer os fatos a público, argumenta:
Como se pudéssemos conviver tranquilamente com o esquecimento dos desaparecidos. Como se nosso conceito de humanidade pudesse incluir tranquilamente o corpo torturado do outro, tornado - a partir de uma radical desidentificação - nosso dessemelhante absoluto. Aquele com quem não temos nada a ver.
Dessa forma, no âmbito da discussão sobre as políticas de memória, o inenarrável e o indizível das experiências traumáticas relacionam-se menos com a dificuldade ou impossibilidade subjetivas de dizer e narrar, por parte de quem as viveu, do que com a ausência de um espaço ou a falta de disponibilidade e de vontade política de escuta e elaboração dessas experiências, como observou Tello (2012) em relação ao trabalho de pesquisa com as vítimas da ditadura militar argentina, que viveram a experiência dos campos de concentração.
O argumento de Kehl remete-nos à noção de solidariedade, por oposição à de compaixão, tal como formulada por Arendt (2011), em sua discussão sobre a questão social. Para a autora, a solidariedade é um sentimento em relação a alguém considerado como um igual, ou seja, supõe, em algum nível, uma identificação, em sentido inverso à desidentificação radical a que alude Kehl frente à experiência da tortura no corpo do outro, nos "corpos torturáveis".
As oscilações em torno da figura da vítima, presentes no testemunho das "vítimas da ditadura" no Brasil, podem se traduzir na confusão entre categorias éticas e jurídicas, de que fala Agamben (2008, p. 28), problema que, segundo o autor, recoloca a discussão sobre a responsabilidade em outros termos: "Como os juristas sabem muito bem, acontece que o direito não tende, em última análise, ao estabelecimento da justiça. Nem sequer da verdade. Busca unicamente o julgamento."
Referindo-se aos processos jurídicos, como o Tribunal de Nuremberg e o julgamento de Eichmann em Jerusalém, Agamben (2008) argumenta que, por mais necessários que tenham sido esses processos, eles não esgotaram o problema. Contribuíram, no entanto, "para difundir a ideia de que o problema estivesse superado. As sentenças tinham sido dadas por julgadas e as provas de culpa estavam definitivamente estabelecidas." (Agamben, 2008, p. 29).
Para Agamben (2008, p. 30), Primo Levi - "um tipo perfeito de testemunha" - deslocou a ética para "aquém do lugar em que estamos acostumados a pensá-la" ao fazer a "descoberta inaudita", em Auschwitz, que diz respeito a
um assunto refratário a qualquer identificação de responsabilidade: ele conseguiu isolar algo parecido com um novo elemento ético. Levi denomina-o de "zona cinzenta". Ela é aquela da qual deriva a "longa cadeia de conjunção entre vítimas e algozes", em que o oprimido se torna opressor e o carrasco, por sua vez, aparece como vítima. Trata-se de uma alquimia cinzenta, incessante, na qual o bem e o mal e, com eles, todos os metais da ética tradicional alcançam seu ponto de fusão.
Evoca nesse ponto o conceito de banalidade do mal de Hanna Arendt (1999) para falar dessa "infame zona de irresponsabilidade".
O trabalho de Catela (2001) mostrou como a noção de "desaparecidos" foi se construindo como categoria política na Argentina, possibilitando a inscrição dessa figura no código penal argentino. No caso do Brasil, como já foi ressaltado, a opção por políticas de reparação de caráter indenizatório levou o governo brasileiro, até recentemente, a evitar o caminho da busca do esclarecimento dos fatos e da utilização da via judicial e penal para o julgamento dos responsáveis pelos crimes de tortura, desaparecimento e morte, ancorado nos limites impostos pela Lei de Anistia de 1979. Essa maneira de lidar com o legado desse período contribuiu, assim, para dar à figura da vítima um lugar indefinido. A criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), junto às comissões da verdade estaduais, municipais ou vinculadas a instituições da sociedade civil, deu novo rumo a essa discussão, no sentido de elucidar e comprovar os fatos, sua principal atribuição.
A existência da CNV põe em questão, em si, a imposição do esquecimento pela Lei de Anistia de 1979, que impediu o reconhecimento da prática de tortura como política de Estado durante a ditadura no Brasil, nunca oficialmente admitida, como argumentou Cardoso (2001). A criação de uma comissão da verdade, em princípio, coloca em outros termos o lugar da vítima e da testemunha, porque implica uma intenção explícita por parte da política oficial de revelar os fatos e pensar o que fazer a partir da identificação dos responsáveis pelas "violações de direitos humanos". Entre as polêmicas atuais enfrentadas no cenário político do país está precisamente a revisão da Lei da Anistia de 1979, abrindo a possibilidade do julgamento dos responsáveis pelos crimes de tortura, morte e desaparecimento.10 10 Remeto à discussão de Calveiro (2007) sobre as relações entre política, violência e memória, com base no caso argentino. A autora chama a atenção para a importância de abordar a relação que existe - de fato e de direito - entre política e violência a partir de uma perspectiva de resistência que possibilite romper e não reproduzir, numa espécie de lógica especular, a lógica impositiva própria do Estado.
Destaca-se, na literatura sobre a ditadura no Brasil, a questão da legalidade aparente como modus operandi do regime, embora esse mecanismo seja reconhecido como próprio de ditaduras em geral. Cardoso (2001) fala da convivência da tortura clandestina com uma paradoxal preocupação com a legalidade - por meio de atos institucionais, tribunais militares e outros mecanismos de ordem jurídica formal - , evidenciando o que a autora chama de simulacro. Martin-Chenut (2009) mostra, nesse mesmo sentido, o mecanismo perverso pelo qual, nos tribunais militares durante a ditadura, enquanto os torturadores agiam na clandestinidade, nunca aos olhos da Justiça, esses tribunais se valiam de provas obtidas sob tortura para fundamentar suas decisões legais. Os depoimentos das vítimas da ditadura são eloquentes a esse respeito:
Era naquele quartel que funcionava o DOI CODI. O prédio tinha dois andares. Diferentemente do que muitos dizem, aquele lugar não era um "porão da ditadura", um local clandestino. Embora ali não existisse "nem Deus, nem pátria, nem família", eu estava em numa dependência oficial do Exército brasileiro. Uma instituição que funcionava a todo vapor, com todos os seus rituais, seus símbolos, seus hinos, sua rotina. [...] Normalmente os torturadores, embora quase todos militares, andavam à paisana. Os fardados cobriam com um esparadrapo o nome que estava gravado em um dos bolsos do uniforme. (Íntegra do depoimento..., 2013).11 11 Depoimento de Dulce Pandolfi à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ) no dia 28/05/2013.
E nós não estávamos sendo torturadas numa casa clandestina, mas num quartel do exército. [...] Na minha época do Doi-Codi, os torturadores usavam nome de guerra e tinham seus nomes verdadeiros tampados por um esparadrapo na camisa. (Depoimento..., 2013).12 12 Depoimento de Lúcia Murat à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ) no dia 28/05/2013.
Fora do discurso jurídico e penal, que não foi a forma discursiva predominante no Brasil para lidar com o passado da ditadura, pelos rumos impostos pela Lei de Anistia de 1979, a figura da vítima, não tendo, pelo menos ainda, um lugar jurídico oficialmente reconhecido, foi se construindo ao longo dos debates que se deram em uma sociedade que não capitulou diante do silêncio imposto, no processo pelo qual os protagonistas da luta contra a ditadura, presos e torturados, estão construindo a memória da experiência de violência vivida. Segundo Aydos e Figueiredo (2013), que analisam a construção social da figura da "vítima da ditadura militar", foi a partir de fins dos anos 1990 que esta figura é ressignificada e apropriada como uma categoria política, na busca de esclarecimento dos fatos e reparação dos crimes cometidos pelo Estado.
O texto abaixo é eloquente a respeito de um itinerário inconcluso. Foi escrito por Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes (2010, p. 29, grifo da autora), militante clandestina à época da ditadura, que ocupava no momento da escrita o cargo de coordenadora-geral de Combate à Tortura da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República:13 13 Analisando a tortura como "expressão radical da destrutividade entre os humanos", Arantes (2013, p. 27) argumenta que a tortura "é uma prática humana intencional e criminosa, e o torturador é plenamente responsável pelo crime de tortura que escolheu praticar".
Os militantes que ficaram no Brasil durante a vigência da ditadura civil-militar tornaram-se, quase todos, clandestinos políticos, única possibilidade de prosseguir a luta de resistência. Abandonaram a casa paterna, seus nomes de família, seu emprego e profissão, seus documentos de identidade, e fizeram-se anônimos, sem sobrenome, sem explicar para os filhos, crianças ainda, o que realmente faziam. Eram homens reservados e mulheres discretas. As relações entre os familiares e os amigos ficaram entrecortadas, esparsas, feitas de silêncios. Muitos souberam, tempos depois, do falecimento de seus próprios pais; outros receberam, meses depois, notícias sombrias de amigos e conhecidos. Esse anonimato desconcertante, e um jeito evasivo de ser, foi passando para os filhos, e certamente ficou inscrito como uma sensação indizível e, por isso, tornada inesquecível. A clandestinidade escolhida como forma de sobrevivência dentro do país foi, no princípio, uma defesa para o militante, mas, como um bumerangue, tornou-se um ponto vulnerável: a repressão aproveitou o anonimato dos militantes capturados, com seus nomes frios e identidades fabricadas, para negar, às famílias e aos advogados, o verdadeiro nome do preso. Dessa forma, eliminou-os, enterrou-os, fê-los desaparecer com nomes frios, como indigentes, nenhum nome, os NN.
A viscosidade da memória desses fatos ultrapassou o tempo, ficou aderida no corpo e na alma de quem o viveu, permanece como uma herança transgeracional. O silêncio sobre as próprias experiências, os próprios medos e dúvidas mantém-se como um enclave sombrio e pulsante, que só o tempo, quem sabe, ajudará a resolver.
Embora tenha uma abrangência temporal que transcende a ditadura (1946-1988), o que evidencia o reconhecimento de que a violência na sociedade brasileira não se limita a esse período, a CNV constitui um instrumento fundamental para a almejada elucidação e a comprovação dos fatos ocorridos durante a ditadura, propiciando um espaço de escuta e abrindo a possibilidade da inscrição simbólica da tortura, dos desaparecimentos e mortes na memória histórica do país, como crimes de Estado publicamente reconhecidos.
A recusa, na sociedade brasileira, ao reconhecimento da legitimidade do uso de instrumentos jurídicos e penais para o julgamento dos responsáveis pelas violações aos direitos humanos, remete ao que disse Theodor Adorno (2006, p. 29): "O gesto de tudo esquecer e perdoar, privativo de quem sofreu a injustiça, acaba advindo dos partidários daqueles que praticaram a injustiça".
Essa recusa, no entanto, transcende os defensores do regime civil-militar. Se estes não reconhecem suas práticas como criminosas, há entre os que lutaram contra a ditadura a ideia de que a Lei de Anistia, embora injusta, "acabou sendo sábia" (Sirkis, 2008, p. 18), por permitir estabelecer uma "reciprocidade", pela qual ambos os lados se submetem a um "autoexame", supondo uma equivalência entre ambos os lados, equivalência negada, de modo radical, por outros. O relato de quem viveu a experiência de ser torturado no período da ditadura é eloquente. Volto ao livro de Salinas Fortes (2012, p. 56):
[...] os ideólogos oficiais e oficiosos procuraram enfatizar o caráter excepcional de tais procedimentos, esforçaram-se por caracterizá-los como abusos isolados, acidentes de trabalho que não comprometem a instituição na sua totalidade. Mentira. Meu caso, por exemplo, constitui flagrante desmentido.
A construção da memória da ditadura implica, assim, memórias, no plural. Há várias versões sobre o passado. Quando se encontra o espaço para falar, acha-se em um terreno de disputas por vozes autorizadas. Como argumentou Jelin (2003), há distintos atores que confrontam suas interpretações num cenário de lutas pelo esclarecimento do que ocorreu (a "verdade"), pela justiça e pelos diversos sentido do passado. Estamos diante de lutas de "memória contra memória". A autora chama a atenção para a impossibilidade de encontrar "a" memória:
Hay una lucha política activa acerca del sentido, acerca del sentido de lo ocurrido y también acerca del sentido de la memoria misma. Reitero: el escenario de las luchas políticas por la memoria no es simplemente una confrontación entre "memoria" y "olvido", sino entre distintas memorias. (Jelin, 2003, p. 16)
Considerações finais
Esta é uma reflexão sobre o nunca inteiramente bem-sucedido "trabalho do tempo", tal como formulado por Veena Das (1999). Não se trata de uma pesquisa histórica sobre o que aconteceu durante a ditadura civil-militar brasileira, os métodos não são os da historiografia, não se recorre a arquivos, mas às formas como se fala no presente, no período posterior da democratização, buscando escutar as narrativas e os silêncios e registrar como está sendo feita a inscrição simbólica dessa experiência de violência na memória histórica do país.
Para a tarefa em curso, a etnografia é um método privilegiado de pesquisa, pela exigência, que lhe é intrínseca, de distanciamento em relação a nossas referências de sentido, pelo exercício permanente de questionamento do lugar do observador e do observado e pelo foco abrangente nas interações e na totalidade na qual se inscreve o objeto de reflexão. No que se refere às questões éticas, diante da posição de interlocução constitutiva do trabalho antropológico e da produção do conhecimento nesse campo, essas questões emergem necessariamente e são postas em movimento, a partir de negociações constantes entre os distintos agentes sociais envolvidos, num campo de tensões que, uma vez configurado, clama por sair do lugar, em permanentes revisões, particularmente quando se está diante da dor do outro (Tello, 2013).
Parece inesgotável, incompleta e inacabada a tarefa de escutar e pensar a dor do outro em circunstâncias de violência. Na posição do antropólogo frente a seu interlocutor, um se relaciona necessariamente com o outro, age sobre o outro e fala ao outro na forma de um diálogo. Os lugares são, assim, postos em movimento, reciprocamente, alteram-se, alternam-se. A imagem é propriamente a de um movimento, porque, ao preço de se perder "a inteireza dos que não enfeitam nem deformam", não é possível concluir.
Recebido em: 31/12/2013
Aprovado em: 09/06/2014
- ADORNO, T. O que significa elaborar o passado. In: ADORNO, T. W. Educação e emancipação Trad. de Wolfgang Leo Maar. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. p. 29-49.
- AGAMBEN, G. O que resta de Auschwitz: o arquivo, a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assman. São Paulo: Boitempo, 2008. (Coleção Estado de Sítio).
- ARANTES, M. A. de A. C. Resistência e dor. In: MERLINO, T.; OJEDA, I. (Org.). Direito à memória e à verdade: luta, substantivo feminino. São Paulo: Caros Amigos; Brasília: Secretaria Especial de Política para Mulheres: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2010. p. 27-33.
- ARANTES, M. A. de A. C. Tortura: testemunhos de um crime demasiadamente humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013. (Coleção Clínica Psicanalítica).
- ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. De José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
- ARENDT, H. Sobre a revolução Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
- ASAD, T. On torture, or cruel, inhuman and degrading treatment. In: KLEINMAN, A.; DAS, V.; LOCK, M. (Org.). Social suffering Berkeley: University of California Press, 1997. p. 285-308.
- AYDOS, V.; FIGUEIREDO, C. A. S. A construção social das vítimas da ditadura militar e sua ressignificação política. Interseções, Rio de Janeiro, ano 15, n. 2, p. 392-314, dez. 2013.
- BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 Concede anistia e dá outras providências. Brasília, 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- BRASIL. Lei nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995 Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- BRASIL. Lei nº 12.528, de 18 novembro de 2011 Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- CALDEIRA, T. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Trad. Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Edusp: Editora 34, 2000.
- CALVEIRO, P. Memoria, política y violencia. In: LORENZANO, S.; BUCHENHORST, R. (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Buenos Aires: Gorla; Mexico: Universidad del Claustro de Sor Juana, 2007. p. 53-62.
- CANDIDO, A. Posfácio. In: SALINAS FORTES, L. R. Retrato calado São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 123-126.
- CARDOSO, I. Para uma crítica do presente São Paulo: Editora 34, 2001.
- CARDOSO, I. Prefácio. In: SARLO, B. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. Trad. Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Edusp, 2005. p. 9-22.
- CATELA, L. da S. Situação-limite e memória: a reconstrução do mundo dos familiares de desaparecidos da Argentina. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 2001.
- CHAUÍ, M. Apresentação. In: SALINAS FORTES, L. R. Retrato calado São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 9-15.
- COMPARATO, B. K. The amnesty between memory and reconciliation in Brazil: dilemmas of a political transition not still concluded. Paper apresentado em IPSA-ECPR Joint Conference, São Paulo, 16-19 fev. 2011. Disponível em: <http://saopaulo2011.ipsa.org/sites/saopaulo2011.ipsa.org/files/papers/paper-1100.pdf.> Acesso em: 10 dez. 2013.
- CRENZEL, E. Introducción. Memorias y representaciones de los desaparecidos en la Argentina. 1983-2008, In: CRENZEL, E. (Org.). Los desaparecidos en la Argentina: memorias, representaciones e ideas (1983-2008). Buenos Aires: Biblos, 2010. p. 11-23.
- DAS, V. Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Trad. Beatriz Perrone-Moisés. Revisão técn. Mariza Peirano. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 14, n. 40, p. 31-42, jun. 1999.
- DAS, V. O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade. Trad. Plínio Dentzien. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 9-41, jul./dez. 2011.
- DEPOIMENTO de Lúcia Murat à Comissão da Verdade do Rio. A Tarde, 28 ago. 2013. Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/politica/materias/1506981-depoimento-de-lucia-murat-a-comissao-da-verdade-do-rio>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- DIDI-HUBERMAN, G. Imagens apesar de tudo Trad. de Vanessa Brito e João Pedro Cachopo. Lisboa: KKYM, 2012. (Coleção Imago).
- ELIACHEFF, C.; LARIVIÈRE, D. S. Les temps des victimes Paris: Albin Michel, 2007.
- FASSIN, D. La cause des victimes. Les temps modernes, Paris, ano 59, n. 627, p. 73-91, avril/mai/juin 2004.
- FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas Trad. de Roberto C. de Melo Machado e Eduardo Jardim Moraes. Supervisão de Léa Porto de Abreu Novaes et al. Rio de Janeiro: NAU, 2003.
- FREIRE, A.; ALMADA, I.; PONCE, J. A. de G. (Org.). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. São Paulo: Scipione, 1997.
- HALBWACHS, M. La mémoire collective Paris: Albin Michel, 1997.
- ÍNTEGRA DO DEPOIMENTO da historiadora Dulce Pandolfi à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro. Combate Racismo Ambiental, 30 maio 2013. Disponível em: <http://racismoambiental.net.br/2013/05/integra-do-depoimento-da-historiadora-dulce-pandolfi-a-comissao-estadual-da-verdade-do-rio-de-janeiro/>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- JELIN, E. Los derechos humanos y la memoria de la violencia política y la represión: la construcción de un campo nuevo en las ciencias sociales. Buenos Aires: Instituto de Desarrollo Económico y Social, 2003. (Cuadernos del IDES, n. 2).
- KEHL, M. R. Tortura e sintoma social. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Org). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 123-132.
- KOLTAI, C. Uma questão tão delicada. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, ano 14, n. 2, p. 35-42, 2002.
- LEVI, P. É isso um homem? Trad. de Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
- LEVI, P. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. Trad. de Luiz Sergio Henriques. São Paulo; Paz e Terra, 2004.
- MARTIN-CHENUT, K. O sistema penal de exceção em face do direito internacional dos direitos humanos. In: SANTOS, C. M.; TELES, E.; TELES, J. A. (Org.). Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009. v. 2, p. 225-249.
- MATOS, O. Da dor e do pensar. O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 ago. 2012. Caderno Aliás, p. J6.
- MAUSS, M. Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção do "Eu". In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia Trad. de Mauro W. B. de Almeida e Lamberto Puccinelli. São Paulo: EPU: Edusp, 1974a. v. 1, p. 207-239.
- MAUSS, M. Efeito físico no indivíduo da idéia de morte sugerida pela coletividade. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia Trad. de Mauro W. B. de Almeida e Lamberto Puccinelli. São Paulo: EPU: Edusp, 1974b. v. 2, p. 185-208.
- MAUSS, M. As técnicas corporais. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia Trad. de Mauro W. B. de Almeida e Lamberto Puccinelli. São Paulo: EPU: Edusp, 1974c. v. 2, p. 209-233.
- MAUSS, M. A expressão obrigatória dos sentimentos. In: OLIVEIRA, R. C. (Org.). Mauss São Paulo: Ática, 1979. p. 147-53. (Grandes Cientistas Sociais, 11).
- MEZAROBBA, G. O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime militar (uma comparação entre Brasil, Argentina e Chile). Tese (Doutorado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
- MEZAROBBA, G. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 109-119.
- MOTTA, L. T. Literatura e testemunho. In: MOTTA, L. T. Literatura e contracomunicação São Paulo: Unimarco, 2004. p. 35-75.
- POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
- QUARTIM DE MORAES, J. Resenha de Retrato calado, de Luiz Roberto Salinas Fortes, Marco Zero, São Paulo, 1988. Lua Nova, São Paulo, n. 15, p. 150-153, out. 1988.
- ROSS, F. An acknowledged failure: women, voice, violence and the South African Truth and Reconciliation Commission. In: SHAW, R.; WALDORF, L. (Ed.). Localizing transitional justice Stanford: Stanford University Press, 2010. p. 69-91.
- SALINAS FORTES, L. R. Retrato calado São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
- SANTOS, C. M.; TELES, E.; TELES, J. A. (Org.). Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009. 2 v.
- SARLO, B. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. Trad. de Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Edusp, 2005.
- SARTI, C. Corpo, dor e violência: a produção da vítima. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, Rio de Janeiro, n. 1, p. 89-103, 2009. Disponível em: <http://www.epublicacoes.uerj.br/ojs/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/12/19>. Acesso em: 30 dez. 2013.
- SARTI, C. A vítima como figura contemporânea. Caderno CRH, Salvador, ano 24, n. 61, p. 51-61, jan./abr. 2011.
- SARTI, C. A.; BARBOSA, R. M.; SUAREZ, M. M. Gênero e violência: vítimas demarcadas. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 167-183, 2006.
- SELIGMANN-SILVA, M. Literatura e trauma: um novo paradigma. In: SELIGMANN-SILVA, M. O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Editora 34, 2005. p. 63-80.
- SIRKIS, A. Os carbonários Rio de Janeiro: BestBolso, 2008. Prefácio à edição de 1998.
- TELES, E.; SAFATLE, V. (Org). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
- TELLO, M. Narrar lo inenarrable, imaginar lo imaginable, comprender lo incomprensible: las estrategias de representación en torno a las memorias sobre la experiencia concentracionaria. Trabalho apresentado no V Seminário Internacional Políticas de la Memoria. Arte y Memoria: Miradas sobre el Pasado Reciente. Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, Buenos Aires, 4-6 out. 2012.
- TELLO, M. Ética y antropología de la violencia. In: SARTI, C.; DUARTE, L. F. D. (Org.). Antropologia e ética: desafios para a regulamentação. Brasília: ABA Publicações, 2013. p. 172-229.
- TRUCHON, K. Victimes et marchandeurs de mémoire (essai bibliographique). Anthropologie et Sociétés, Québec, année 31, n. 2, p. 219-233, 2007.
- WIEVIORKA, M. O novo paradigma da violência. Trad. Ademir Barbosa Jr. Revisão técnica: Angelina Peralva e Paulo Menezes. Tempo Social, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 5-41, maio 1997.
- WIEVIORKA, M. Pour comprendre la violence: l'hipothèse du sujet. Sociedade e Estado, Brasília, v. 19, n. 1, p. 21-51, jan./jun. 2004.
- WIEVIORKA, M. L'emergence des victimes. In: WIEVIORKA, M. La violence Paris: Hachette Littératures, 2005. p. 81-108.
- WIEVIORKA, M. Violência hoje. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, p. 1147-1153, 2006.
A construção de figuras da violência: a vítima, a testemunha
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Nov 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2014
Histórico
-
Recebido
31 Dez 2013 -
Aceito
09 Jun 2014