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Antinegritude: ser negro e fobia nacional

Antiblackness: black being and national phobia

Resumo

Este artigo introduz as proposições da corrente de pensamento conhecida como Afropessimism propondo pensar a questão negra a partir do conceito de antinegritude - que pode ser entendida como a especificidade do racismo dirigido às pessoas negras, e a posicionalidade singular do sujeito negro no mundo inaugurado pela modernidade. Considerando a produção de antropólogos e antropólogas brasileiras oriundas do programa de antropologia da diáspora africana, da University of Texas at Austin, procura-se demonstrar como a antinegritude tem se materializado em esferas da sociedade brasileira como segurança pública, saúde e educação. Nesse sentido, o artigo procura revelar e discutir como antropólogas(os) negras(os) brasileiras(os) oriundas(os) dessa escola têm construído suas análises e revelado as estruturas e dinâmicas de poder racializadas - e especificamente demarcadas pelo que aqui definimos como antinegritude.

Palavras-chave:
antinegritude; afropessimismo; Escola de Austin; Brasil

Abstract

This article presents the propositions of the Afropessimist thought, suggesting the concept of antiblackness as a conceptual tool to approach the specificity of racism directed towards black people, and the positionality of the black person in the world inaugurated by modernity. Considering the production of Black Brazilian anthropologists graduated at the African Diaspora Anthropology Program - University of Texas at Austin, we seek to demonstrate how antiblackness has been materialized in spheres of Brazilian society such as security, health and education. In this sense, the article seeks to reveal and discuss how black Brazilian anthropologists from this school have built their analyzes and revealed the racialized structures and dynamics of power - which are specifically demarcated by what we define here as anti-blackness.

Keywords:
antiblackness; Afropessimism; Austin School, Brazil

Introdução

A temática da reflexão aqui apresentada pretende introduzir o conceito de antinegritude enquanto um construto teórico capaz de explicar uma condição do sujeito negro no mundo. Pensada a partir dos black studies estado-unidenses - campo interdisciplinar que dialoga com a filosofia, a crítica literária, a psicanálise os estudos culturais, a teoria pós-colonial e a antropologia -, a antinegritude tem sido proposta como um conceito capaz de explicar a persistência de um sentimento/entendimento de que o negro é o “outro”, redutível à raça e o “inimigo” da nação, havendo portanto a necessidade de ser contido, ou eliminado. Entendendo que este ser - o negro - foi construído a partir do olhar do sujeito da razão ocidental - o homem europeu - e foi posicionado como antagônico à razão e à civilização, chega-se à ideia de antinegritude. Antinegritude, então, estaria para além das estruturas sociais e dos mecanismos institucionais que perpetuam as desigualdades raciais e se situaria na própria organização ontológica e cognitiva do mundo (moderno). Essa condição seria uma orientação filosófica, moral, mas também constitutiva de subjetividades e a partir da qual aqueles constituídos como negros representam, para o ideal de mundo almejado, aquilo que este mundo não deve se tornar, sob o perigo de se desfazer.

Com Franz Fanon temos a proposição de uma psicanálise do sujeito racializado e do sujeito que racializa. Em relação a este último, pode-se dizer que ao racializar “outros”, ele atribui a si próprio a plenitude do “humano” - o homem da razão, o fruto da modernidade, o sujeito universal. Já em relação ao primeiro - o racializado - pode-se dizer que foi constituído como uma psique esvaziada de si própria e forçada a se alimentar da projeção daquele que racializa - a white gaze - o olhar que encara, escrutiniza (Fanon, 1967FANON, F. Black skins, white masks. Translated by Charles Lam Markman. New York: Groove Press, 1967., p. 95). É esta formulação fanoniana - de que o contorno psíquico do ser negro é construído enquanto projeção racializada e construída em oposição ao humano universal - que irá fundamentar a corrente chamada de afropessimismo. Assim, intelectuais como Frank Wilderson III e Jared Sexton, da Irvine University (Califórnia, Estados Unidos); Saydia Hartman, da University of California (Estados Unidos) irão propor as teses que embasam a corrente afropessimista e as discussões sobre antinegritude.

Ao longo deste artigo iremos apresentar algumas das proposições centrais do afropessimismo e da antinegritude. A seguir apresentaremos brevemente o programa de antropologia da diáspora africana do departamento de antropologia da University of Texas at Austin - cuja missão era produzir pesquisas antropológicas engajadas com as questões políticas e práticas da diáspora africana ou negra1 1 O uso de “africana” ou “negra” para nomear a diáspora dos povos oriundos da África a partir do tráfico atlântico iniciado no século XVI obedece a uma escolha política de cada autor/autora. O “africana” foca na origem geográfica dos povos postos em diáspora - o continente africano. Por sua vez, a ênfase em “diáspora negra” foca na negritude enquanto identidade política. e onde uma geração de antropólogos e antropólogas negras obtiveram sua formação. A terceira seção discute a produção de alguns dos pesquisadores negros e negras brasileiras oriundas dessa escola, pesquisas essas que têm colaborado para desvelar articulações entre o racismo antinegro e as estruturas, dinâmicas e instituições do Estado-nação. Na quarta seção propomos correlacionar o trabalho de pesquisadores, intelectuais e ativistas que apontam para a ocorrência de um genocídio contra povos negros à noção de antinegritude, utilizando-nos de elementos de pesquisas empíricas e das proposições da corrente de pensamento afropessimista para estabelecer esse vínculo entre a especificidade do racismo e os indícios do genocídio antinegro. A quinta seção procura refletir sobre a utilidade e as limitações das proposições afropessimistas acerca da antinegritude enquanto ferramentas capazes de articular tanto gramáticas políticas para coletividades negras quanto análises válidas acerca da construção da raça e das relações raciais dentro do campo da antropologia no Brasil.

Situando o afropessimismo e a antinegritude

Iniciaremos pelas proposições de Frank Wilderson III (2017)WILDERSON III, F. B. Biko e a problemática da presença. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 67-89. sobre a condição negra no mundo. Como primeira proposição traremos a discussão acerca da ausência. O lugar do “negro” é lugar demarcado por ausências: ausência da presença cartográfica, ausência da presença subjetiva e ausência da presença política. Sua segunda proposição é que pessoas negras não são seres humanos e sim “[…] acessórios inertes, implementos para a execução de fantasias e prazeres sadomasoquistas de brancos e de não negros” (Wilderson III, 2020WILDERSON III, F. B. Afropessimism. New York: Liveright Publishing Corporation, 2020., p. 15, tradução nossa). A terceira proposição, também desenvolvida e apresentada por Jared Sexton (2011)SEXTON, J. The social life of the social death: on afro pessimism and black optimism. InTensions, Toronto, n. 5, Fall/Winter 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.yorku.ca/intent/issue5/articles/jaredsexton.php . Acesso em: 10 maio 2021.
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, é que o “negro” vive em um estado de morte social. A quarta proposição apresentada aqui, conforme colocada por Sexton (2011)SEXTON, J. The social life of the social death: on afro pessimism and black optimism. InTensions, Toronto, n. 5, Fall/Winter 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.yorku.ca/intent/issue5/articles/jaredsexton.php . Acesso em: 10 maio 2021.
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, Hartman (1997)HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997., Vargas (2021VARGAS, J. H. C. Introduction. In: JUNG, M.-K.; VARGAS, J. H. C. (ed.). Antiblackness. Durham: Duke University Press, 2021. p. 1-15.) e Wilderson III (2008)WILDERSON III, F. B. Incognegro: a memoir of exile and apartheid. Boston: South End Press, 2008., é que as sociedades que tiveram escravidão negra mudaram do status de sociedade escravista para um status de sociedades onde opera uma “afterlife” - uma vida póstuma - da escravidão. Iremos agora detalhar um pouco mais essas proposições.

Em “Biko e a problemática da presença” Wilderson III (2017)WILDERSON III, F. B. Biko e a problemática da presença. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 67-89. revisita sua experiência junto ao movimento antiapartheid na África do Sul entre os anos de 1989 e 1996, trazendo o conflito de posições entre os militantes de esquerda e revolucionários negros seguidores de Steve Biko como um ponto de partida para pensar a incomensurabilidade da experiência negra no mundo a partir da modernidade. Essa incomensurabilidade é apresentada enquanto uma condição de ausências múltiplas. A primeira ausência é a cartográfica - o negro, tendo sido naturalizado na condição de “escravo” como se um fosse o sinônimo do outro, vem de um lugar geral, não é um país, não é uma nação, a África é uma coisa só. A segunda ausência seria a ausência subjetiva - a negritude, nas palavras de Gordon Lewis (cf. Wilderson III, 2017WILDERSON III, F. B. Biko e a problemática da presença. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 67-89., p. 71, tradução nossa), estaria sempre relacionada a uma ausência, enquanto a plenitude da presença e da perspectiva “humana” seria representada pela presença branca; assim, “[…] o modo de ser do negro se torna o modo do NÃO”. A terceira dimensão da ausência negra, de acordo com Wilderson III, é a ausência política - não há uma gramática (de luta política) que dê conta da posicionalidade negra no mundo.

No caso narrado no artigo, o conflito de posições entre ativistas de esquerda (também contrários ao apartheid, mas não dispostos ao conflito armado nas ruas) e revolucionários negros (dispostos a morrer em confronto aberto) serve para Wilderson III demonstrar que a gramática marxista de opressão não oferece nem bases analíticas nem bases metodológicas capazes de interferir na organização antinegritude do mundo. A esse respeito, Wilderson III (2017WILDERSON III, F. B. Biko e a problemática da presença. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 67-89., p. 73) coloca: “Porque tornar Ausência em Presença não é o mesmo que tornar trabalhadores assalariados em trabalhadores livres. Este último reorganiza o mundo, o primeiro traz um fim ao mundo.” Assim, a gramática marxista da opressão do trabalhador não pensa a questão da não existência (ausência) negra, a resolução ou transformação dessa ausência em presença necessitaria não a reorganização do mundo de classes, mas sim “o fim do mundo” (Fanon, cf. Wilderson III, 2008WILDERSON III, F. B. Incognegro: a memoir of exile and apartheid. Boston: South End Press, 2008., p. 102), tal como se entende “mundo” a partir das relações e estruturas engendradas a partir da modernidade.

Voltamos aqui à segunda proposição: o ser negro seria “não um sujeito humano” nas palavras de Wilderson III. Entendendo-se por “ser humano” uma criação que está atrelada à própria história e desenvolvimento das ciências, do Estado moderno e do pensamento filosófico da Europa a partir do século XVII, a construção do “homem” e do “humano” não abarca aquele que foi projetado como o “escravo”. Nas palavras de Rinaldo Walcott:

O significado de ser humano é continuamente definido em contraposição às pessoas negras e à negritude. Os próprios termos básicos do engajamento humano são modelados por lógicas antinegras tão profundamente embutidas em várias normativas que elas resistem à inteligibilidade enquanto formas de pensar e ainda assim devemos pensar sobre elas… Essa condição de antinegritude global produzida na era pós-Colombo era, e ainda é, produzida de numerosas formas que têm significantemente limitado como as pessoas negras podem reclamar o status de humanidade e dessa forma como pessoas negras podem ter impacto sobre o que significa ser humano em um mundo pós-Colombo. (Walcott, 2014 apudVargas, 2021VARGAS, J. H. C. Introduction. In: JUNG, M.-K.; VARGAS, J. H. C. (ed.). Antiblackness. Durham: Duke University Press, 2021. p. 1-15., p. 5, tradução nossa).

A criação do “negro” enquanto não humano foi justamente o que propiciou aos grupos europeus, a partir da chegada às Américas e à costa ocidental da África, tornarem-se a régua pela qual se determina o que é civilização, o que é organização política avançada, o que são moral, lei, religião, sistema econômico e o que são o pensamento e a razão em suas formas superiores.

Em relação à terceira proposição apresentada aqui, o estado de “morte social” como um a priori da condição negra, ressaltamos que o conceito de “morte social” foi trabalhado por Wilderson III e Sexton a partir da obra escrita pelo sociólogo Orlando Patterson (1985)PATTERSON, O. Slavery and social death: a comparative study. Boston: Harvard University Press, 1985.Slavery and social death, em 1982. Partindo do estudo comparativo de sociedades escravistas através dos tempos, Patterson aponta que a condição básica para “criar” o escravo é menos a relação de propriedade e muito mais a imposição da alienação natal - o ceifamento de vínculos familiares, culturais e econômicos. Tal alienação cria as condições de uma morte social e está também aliada aos rituais e marcas que designam a condição de desonra do escravo, o qual se torna, para além de uma entidade legal (propriedade), uma entidade simbólica dentro de uma relação que, na conclusão de Paterson, é uma relação humana de parasitismo.

Em relação à quarta proposição, a vida póstuma da escravidão, Sexton (2008SEXTON, J. Amalgamation schemas: antiblackness and the critique of multiculturalism. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008., 2011SEXTON, J. The social life of the social death: on afro pessimism and black optimism. InTensions, Toronto, n. 5, Fall/Winter 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.yorku.ca/intent/issue5/articles/jaredsexton.php . Acesso em: 10 maio 2021.
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) coloca que os mecanismos e aparatos usados para manter negros nos seus lugares durante o período escravista - vigilância nas plantations, violência, e as leis que conferiam título de propriedade ou direito de verificar o status de pessoa livre - foram reformulados, remodelados e adaptados. Enquanto tal, uma lógica da plantation que organiza, distribui, vigia e pune continua operante nos termos de novas leis que levam ao encarceramento e criminalização massiva de comunidades negras, violência gratuita e letalidade policial, bem como tecnologias de vigilância e segurança.

Por fim, como uma outra condição para esse estabelecimento de uma orientação antinegra do mundo, Saydia Hartman, Frank Wilderson III e João Vargas - seguindo o que anteriormente Paterson já havia conjecturado em Slavery and social death - apresentam a condição da violência gratuita de qualquer nível (físico, emocional, simbólico, etc.). Diferenciando a violência gratuita contra corpos negros da violência sofrida por, digamos, aqueles que infringem a lei, ou protestam um regime político, Pinho e Vargas (2016)PINHO, O.; VARGAS, J. H. C. (org.). Antinegritude: o impossível sujeito negro na formação social brasileira. Cruz das Almas: Liberac, 2016. propõem que esta última é contingente, ela acontece em função de alguma ação feita por indivíduos, ou por ocasião de um momento político específico. No entanto a violência contra corpos negros é a norma do mundo. Essa condição de objeto/alvo da violência gratuita é determinante na existência negra. Em Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in ninetheen-century America, Saydia Hartman aborda as intenções/funções que as diversas violências contra corpos negros assumem dentro da economia libidinal da escravidão: “trabalho, reprodução e punição” (Hartman, 1997HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997., p. 77), eixos que estão sempre atrelados ao prazer de ter assegurado a sujeição racial (Hartman, 1997HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997., p. 26). Essa economia libidinal da escravidão permite que os corpos negros sejam acumulados, organizados, distribuídos e substituídos - conforme aquilo que os autores afropessimistas definem como acumulação e fungibilidade dos corpos negros (Hartman, 1997HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997.; Wilderson III, 2008WILDERSON III, F. B. Incognegro: a memoir of exile and apartheid. Boston: South End Press, 2008.).

Austin School - perpectivas em diáspora africana ou negra e pesquisa ativista

O departamento de antropologia da University of Texas at Austin conta com programas que atraem estudantes de variadas partes do mundo. Além dos programas em antropologia física, antropologia linguística, arqueologia (que conta com um programa de arqueologia da diáspora africana), a área de antropologia social contava2 2 Usamos o pretérito porque, a partir de 2014, Dr. Gordon e vários outros professores do programa de antropologia da diáspora africana deixaram o departamento de antropologia para compor o recém-criado AADS - African and African Diaspora Studies Department. com vários programas, dentre estes, o programa de antropologia ativista e o programa de antropologia da diáspora africana. O professor Edmund Ted Gordon (1998)GORDON, E. T. Disparate diasporas: identity and politics in an African-Nicaraguan community. Austin: University of Texas Press, 1998., autor de Disparate diasporas: identity and politics in an African-Nicaraguan community, de 1998, foi um dos principais responsáveis pela articulação do programa de antropologia da diáspora africana. Ted Gordon, como é conhecido, preocupava-se nesse trabalho com os processos de construção identitária negra em meio à turbulência política da Nicarágua em meados dos anos de 1980, durante o regime sandinista. O livro é fruto não apenas da observação, mas de sua ativa participação nas lutas de uma comunidade garifuna3 3 O povo garifuna descende de africanos que sobreviveram ao naufrágio de navios na costa da ilha de Saint Vincent (Caribe) e de indígenas taiwno. Os garifuna foram mandados para o exílio em Honduras no século XVIII e mais tarde migraram para Belize e Nicarágua (Gordon, 1998). por quase dez anos, tendo assim o engajamento como uma premissa do insight etnográfico e do entendimento conceitual de uma determinada questão.

A discussão sobre diferentes tipos e possibilidades de construção de uma consciência e/ou uma identidade afrodiaspórica fundamenta-se nas conceitualizações sobre o fenômeno “diáspora”, tal como tratado por James Clifford (1994)CLIFFORD, J. Diasporas. Cultural Anthropology, Arlington, v. 9, n. 3, p. 302-338, Aug. 1994. em seu artigo intitulado “Diasporas”, de 1994, bem como no trabalho da antropóloga Ruth Simms Hamilton. Simms Hamilton foi diretora de um grande projeto desenvolvido pela University of Michigan desde 1987 cujo objetivo era examinar a dispersão de africanos e seus descendentes a partir do tráfico escravista iniciado no século XVI. Esse projeto resultou numa série de 11 publicações, sendo que uma das mais relevantes foi o livro de Simms Hamilton (2006)HAMILTON, R. S. Routes of passage: conceptualizing the African Diaspora. East Lansing: Michigan State University Press, 2006.Routes of passage: rethinking the African diaspora, de 2006 (publicado postumamente). No livro, Simms Hamilton (2006HAMILTON, R. S. Routes of passage: conceptualizing the African Diaspora. East Lansing: Michigan State University Press, 2006., p. 394, tradução nossa) aponta as condições que fazem a diáspora africana se institui enquanto um processo de formação de “povo”, o qual foi constituído a partir de uma experiência histórica compartilhada:

a) Migração e deslocamento geográfico e social: a circularidade de um povo. Dialética histórica entre mobilidade geográfica e o estabelecimento de “raízes”.

b) Opressão social: relações de dominação e subordinação. Conflito, discriminação e desigualdade baseados principalmente, mas não apenas, em raça, cor e classe.

c) Capacidade de suportar, resistência e luta: ação cultural e política. Ações criativas de pessoas enquanto sujeitos de sua história. Transformações psicoculturais e ideológicas; redes de sociabilidade e dinâmicas institucionais.

No “Austin School manifesto”- documento elaborado pelo professor Gordon em conjunto com estudantes do programa entre os anos de 2004 e 2006 (e mais tarde reformulado em 2008) - são colocados tanto o entendimento acerca da diáspora africana enquanto fenômeno histórico quanto o foco na agência das comunidades negras e os objetivos do campo de estudos em diáspora africana:

Nós reconhecemos a importância das noções tradicionais de diáspora negra/africana enquanto um conceito que se refere à dispersão - e concomitante racialização - de corpos negros através de histórias distintas, mas sobrepostas, de escravização, colonização e migração forçada/voluntária, bem como enquanto resistência e contestação. Esses processos são mobilizados pela globalização do capitalismo racial, originalmente pelo tráfico escravista transatlântico. Isso produziu formações de interpelação antinegra e de estruturação racial múltiplas e distintas, as quais criaram e continuam a criar “África” e “negritude” e têm impelido a dispersão das pessoas de descendência africana pelo globo.

No entanto, nossa noção da diáspora negra/africana vai além da mobilidade e unidade imposta sobre sujeitos dominados através de sua interpelação enquanto negros. Em vez disso foca-se na agência negra e em processos de autoconstrução, a diáspora negra/africana enquanto um projeto transnacional, intelectual, cultural e, acima de tudo, político, que procura nomear, representar e participar dos históricos esforços dos povos negros em construir nossas identidades coletivas. (Gordon, 2006GORDON, E. T. The Austin School manifesto: an approach to the Black or African Diaspora. Cultural Dynamics, Newbury Park, v. 19, n. 1, p. 93-97, 2006., p 93-94, tradução nossa).

Um valor central da prática antropológica do programa de antropologia da diáspora africana era a pesquisa ativista:

Nossa agenda de pesquisa é formulada junto com as pessoas com as quais trabalhamos, alinhada com seus esforços e com um sentido de propósito compartilhado. Nosso repertório conceitual emerge das suas lutas políticas e do nosso compromisso para com uma agenda antirracista. Um objetivo central da Escola é trabalhar no apoio à mudança social libertadora e criar as condições através das quais a prática acadêmica possa contribuir para com esses fins. Esse tipo de prática nos engaja nos movimentos sociais e em outras formas de prática política para as quais pensamos produzir novas formas de conhecimento. A pesquisa ativista começa com um ato de identificação política e de diálogo com sujeitos coletivos na luta para se libertar da opressão, na luta por igualdade e melhorias de vida. Esses processos dialógicos na abordagem ativista necessariamente transformarão nossas metodologias. A partir dessa base na pesquisa ativista, a Escola de Austin engaja-se em ativismos que incluem: pedagogia e treinamento; políticas acadêmicas, contestação do racismo e afirmação de ações de construção institucional; educação pública; ativismo direto e advocacia em lutas que nós apoiamos. (Gordon, 2006GORDON, E. T. The Austin School manifesto: an approach to the Black or African Diaspora. Cultural Dynamics, Newbury Park, v. 19, n. 1, p. 93-97, 2006., p 95-96, tradução nossa).

Muitos pesquisadores associados ao programa conduziram pesquisa diretamente vinculadas a movimentos, mobilizações e organizações operando em função de lutas antirracistas. Vargas, por exemplo, sempre procurou manter vínculos com organizações da sociedade civil que estivessem comprometidas com discutir e enfrentar as desigualdades raciais tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. É nesse sentido que surgiu uma parceria entre o programa de antropologia da diáspora africana, o LLILAS (Teresa Losano Long Institute of Latin American Studies da University of Texas at Austin), a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e a ONG Criola - organização criada por volta de 1992 pela médica Jurema Werneck e pela assistente social Lúcia Xavier com o objetivo de atuar na promoção e na defesa dos direitos de mulheres negras.4 4 Ver Criola (2021).

A partir dessa parceria foi planejado o curso de formação em diáspora africana “A teoria e as questões políticas da diáspora africana”, o qual ocorre desde 2006 na cidade do Rio de Janeiro. A partir desse curso de formação algumas pessoas participaram de seleções para o programa de pós-graduação em antropologia da University of Texas at Austin. Conjuntamente, o Programa de Bolsas Afirmativas da Fundação Ford também contribuiu para que estudantes afro-brasileiros fossem fazer seus estudos doutorais naquela universidade. A seguir, iremos abordar algumas das pesquisas desenvolvidas por antropólogos e antropólogas brasileiras oriundos dessa escola de antropologia procurando enfocar seu caráter engajado, fruto muitas vezes da prática militante e ativista dos pesquisadores e pesquisadoras envolvidas. Procuramos também estabelecer relação entre os achados dessas pesquisas e as proposições da corrente afropessimista anteriormente apresentadas.

O marco conceitual do genocídio antinegro para pensar políticas públicas de segurança e saúde reprodutiva

Em Never mean to survive: genocide and utopias in Black Diaspora communities, Vargas (2010b)VARGAS, J. H. C. Never meant to survive: genocide and utopias in Black Diaspora communities. Washington: Rowman and LittleField Publishers, 2010b. assume a proposição de que está em curso, ao longo de toda a diáspora, um genocídio antinegro, o qual pode ser detectado em forças históricas, políticas e sociais e também nas lutas de resistência negra contra a violência promovida pelo Estado (violência policial, encarceramento em massa, criminalização precoce de crianças e adolescentes, etc.) e a destruição de comunidades negras (como por exemplo através de desapropriação de terra, gentrificação e depredação direta).

A perspectiva de que existe um genocídio em curso contra populações negras não é exatamente nova no Brasil; o ativista do movimento negro Abdias do Nascimento (2016)NASCIMENTO, A. do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectiva, 2016. tem uma publicação intitulada O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado de 1978, no qual veementemente opõe-se à narrativa da democracia racial e acusa o Estado brasileiro de perpetrar um genocídio da população negra através do incentivo à miscigenação - uma aposta no branqueamento que incluiu a exploração sexual e o estupro de mulheres negras - e através da folclorização da religião e daquilo que Abdias chamou de “branqueamento da cultura”. Essa obra - escrita originalmente sob o título “Racial democracy in Brazil: myth or reality?” - foi produzida para ser apresentada por Abdias do Nascimento no colóquio do II Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas de Lagos, na Nigéria, em 1977; no entanto, ela foi rejeitada por autoridades do Brasil e da Nigéria e só publicada em 1978.5 5 Mais informações em Santos, A. (2020). Fora do âmbito do movimento negro mais radical dos anos de 1970-1980, essa perspectiva nunca foi tomada seriamente, pelo menos até mais recentemente, quando uma nova geração de militantes e ativistas negros tem retomado a produção de Abdias do Nascimento; mesmo assim, o conjunto da obra desse pensador continua massivamente excluído de círculos acadêmicos, seja no âmbito das ciências sociais, seja no âmbito do teatro, onde também centrou sua produção através do TEM - Teatro Experimental do Negro.

Em “A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas”, Vargas (2010aVARGAS, J. H. C. A Diáspora Negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN, Guarulhos, v. 1, n. 2, p. 31-55, jul./out. 2010a., p. 38) faz referência ao trabalho de Abdias do Nascimento e traz o artigo II da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, documento da ONU criado em dezembro de 1948 e que caracteriza genocídio como:

[…] atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:

(a) assassinato de membros do grupo; (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; (d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.

Assim, tomando essa declaração, Vargas explora a colaboração iniciada em 1993 entre ativistas afro-americanos - sobretudo o ex-pantera negra Michael Zinzun, uma das lideranças da associação comunitária Coalition Against Police Abuse - CAPA (“Coalisão contra o Abuso Policial”),6 6 Essa associação foi criada em meados dos anos de 1970 por Michael Zinzun e permanece atuante até os dias de hoje, mesmo após o falecimento de Zinzun em junho de 2006. de Los Angeles - e ativistas brasileiros da favela do Jacarezinho. A partir de seu próprio engajamento, o autor discute acerca do continuum do genocídio antinegro recuperando as contribuições de Abdias do Nascimento, e também o trabalho de William Paterson et al. (1951)PATTERSON, W. et al. We charge genocide: the historic petition to the United Nations for relief from a crime of the United States government against the Negro people. New York: Civil Rights Congress, 1951.We charge genocide: the historic petition to the United Nations for relief from a crime of the United States government against the Negro people.

We charge genocide originou-se a partir da declaração apresentada por uma delegação de ativistas afro-americanos ao secretário-geral da ONU em dezembro de 1951 (Vargas, 2010aVARGAS, J. H. C. A Diáspora Negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN, Guarulhos, v. 1, n. 2, p. 31-55, jul./out. 2010a.). No documento, Patterson et al. (1951)PATTERSON, W. et al. We charge genocide: the historic petition to the United Nations for relief from a crime of the United States government against the Negro people. New York: Civil Rights Congress, 1951. denunciam a persistência dos lynchings7 7 Lynching - atos públicos de perseguir, amarrar, bater, mutilar e enforcar pessoas negras nos Estados Unidos. e as políticas de segregação, eventos que ocorriam paralelamente à projeção dos Estados Unidos como a maior democracia do mundo. Ao recuperar os trabalhos de Abdias do Nascimento e de William Patterson, Vargas tece paralelos com outros fatos da vida política e social estado-unidense para demonstrar que momentos históricos como a era Reagan nos anos 1980, as aspirações multiculturalista dos anos 1990, os discursos sobre colorblindness dos anos 2000 e a ascensão de Barack Obama não mudaram estruturalmente em nada as condições de vida da população negra.

Em relação ao Brasil, Vargas aponta que nunca antes se discutiu tanto racismo, nunca antes teve tantos produtos (revista, creme de cabelo, xampu) destinados às pessoas negras, nunca antes foram adotadas políticas afirmativas, e nunca antes da era Lula houve tantas políticas públicas voltadas às camadas mais empobrecidas (os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, por exemplo). No entanto, e exatamente nesse período (2003 a 2010), se contabiliza milhares de mortes de jovens negros em operações desastrosas nas favelas cariocas e há uma explosão dos números no sistema carcerário. Esses paradoxos confirmam o continuum do genocídio antinegro, o qual segundo o autor, continua sendo uma perspectiva analítica válida para:

[…] explicar as inúmeras representações, ações e políticas públicas cujos resultados são a inconfundível desumanização, exclusão e morte de pessoas negras […] We Charge Genocide é um documento singular e um ato político que utilizou a gramática legal para denunciar os benefícios que os brancos norte-americanos acumularam da sistemática discriminação contra negros […] (Vargas, 2010aVARGAS, J. H. C. A Diáspora Negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN, Guarulhos, v. 1, n. 2, p. 31-55, jul./out. 2010a., p. 46).

As políticas públicas pensadas para a área de segurança se enquadram numa perspectiva de ação antinegra e foram um foco central para os estudos desenvolvidos por João Costa Vargas, Jaime Amparo-Alves e Luciane O. Rocha. Esses pesquisadores já têm, há mais de uma década, apontado para o caráter genocida da chamada “guerra às drogas”, das ocupações e pacificações nas favelas cariocas e das chacinas promovidas por grupos paramilitares, grupos de extermínio e facções criminosas no Rio de Janeiro e São Paulo. Macabre spacialities: the politics of race, gender and violence in a neo liberal city, tese de doutoramento apresentada por Jaime Amparo-Alves (2012)AMPARO-ALVES, J. Macabre spacialities: the politics of race, gender and violence in a neo liberal city. 2012. Tese (Doutorado) - College of Liberal Arts, University of Texas, Austin, 2012. ao programa de pós-graduação da University of Texas at Austin em 2012, analisa as políticas de controle da criminalidade no estado de São Paulo, sobretudo a política do “atirar para matar” recomendada à polícia militar no caso de confrontos ou encontros com “suspeitos”. Assim, na análise de Amparo-Alves, os centros urbanos são em si antinegros e marcados pelo terror de Estado presente nas forças de securitização. Já a tese de 2014 Outraged mothering: Black women, racial violence, and the power of emotions in Rio de Janeiro’s African Diaspora de Luciane O. Rocha (2014)ROCHA, L. O. Outraged mothering: Black women, racial violence, and the power of emotions in Rio de Janeiro’s African Diaspora. 2014. Tese (Doutorado) - College of Liberal Arts, University of Texas, Austin, 2014. evidencia os efeitos colaterais da violência de Estado contra homens negros. Violência essa que atinge as mulheres negras - irmãs, filhas, companheiras e sobretudo as mães de jovens assassinados por agentes do Estado - as quais, frequentemente, conseguem alguma forma de alívio para sua dor na luta por justiça.

Conforme delineamos brevemente, esse corpo de trabalhos produzidos a partir da Escola de Austin investiu numa abordagem que situa a similaridade do fenômeno transnacional da negritude na experiência da violência e morte dirigida às pessoas negras - violência essa que parte do Estado, que é sancionada pelo Estado ou que não é efetivamente evitada ou combatida pelo Estado. Ao ter a participação dos Estados nacionais - seja através de sua conivência, omissão ou ativa participação - essa violência, letal ou não, se caracteriza como uma violência genocida, já que incide em atos relativos ao que os itens “a”, “b” e “c” da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio preveem como genocidas; a saber: (a) assassinato de membros do grupo; (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial. Diferentemente dos estudos de violência que enfatizam a precariedade da vida nas periferias, a falta de preparo dos agentes de segurança do Estado, a herança antidemocrática da ditadura, as pesquisas aqui apresentadas propõem o terror de Estado, na forma de terror policial, dirigido contra negros e negras como a força motriz dessa violência (James; Alves 2017JAMES, J.; AMPARO-ALVES, J. Terror e securitização doméstica: geografia imperial da violência policial antinegra. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 125-169., p. 147; Rocha, 2017ROCHA, L. O. Morte íntima: a gramática do genocídio antinegro na Baixada Fluminense. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 37-66., p. 47-48).

Outras abordagens têm também destacado políticas que poderíamos relacionar ao item “d” da Convenção (medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo). Uma destas abordagens encontra-se na obra Killing the black body, escrito em 1997 por Dorothy Roberts - atualmente professora dos departamentos de sociologia e direito da Pensylvannia University. Na obra, Roberts (1997)ROBERTS, D. Killing the black body: race, reproduction and the meaning of liberty. New York: First Vintage Editors, 1997. esmiúça as maneiras como a maternidade negra é vigiada, criminalizada e também evitada. As políticas de controle de natalidade com métodos anticoncepcionais de grandes efeitos colaterais, como no caso do contraceptivo Norplant - alvo de grande controvérsia médica durante os anos 1970 e 1980 -, foram massivamente implementadas entre comunidades negras, bem como as políticas de esterilização.8 8 Esse contraceptivo foi testado de 1968 a 1977 em mulheres pobres, a maioria negras. Muitas dessas mulheres desenvolveram tipos de câncer ou deram à luz nos anos posteriores bebês com má-formação. O medicamento foi aprovado, apesar dos protestos, em 1990. Os efeitos colaterais incluem dor de cabeça, tontura, nervosismo, perda de cabelo, ganho de peso, perda de apetite sexual, osteoporose, perda de minerais e depressão. Exportado para o Brasil, os testes com esse medicamento foram interrompidos em 1986, após protestos de organizações feministas, embora o medicamento esteja disponível para a venda em vários países, tendo sido recentemente usados pelo Estado israelense em mulheres judias de origem etíopes. Ver Nesher (2013). Nesse sentido, para a autora, as políticas de controle de natalidade nos Estados Unidos são um aspecto do genocídio racial (Roberts, 1997ROBERTS, D. Killing the black body: race, reproduction and the meaning of liberty. New York: First Vintage Editors, 1997., p. 98).

Também tratando de questões relacionadas às disparidades vivenciadas por mulheres negras no acesso à saúde sexual e reprodutiva, a tese Brazilian Black women’s NGOs and their struggles in the área of sexual and reproductive health: experiences, resistance, and politics de Sônia Beatriz Santos (2008)SANTOS, S. B. Brazilian Black women’s NGOs and their struggles in the área of sexual and reproductive health: experiences, resistance, and politics. 2008. Tese (Doutorado) - College of Liberal Arts, University of Texas, Austin, 2008., antropóloga e ativista da ONG Criola, foi apresentada ao programa de antropologia da diáspora africana da University of Texas at Austin em 2008. A tese aborda as políticas de enfrentamento ao racismo no sistema de saúde organizadas por ONGS de mulheres negras nas cidades do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, apontando como a organização dessas mulheres contribui para com sua formação política e para com a organização de suas comunidades.

Tanto a tese de Santos quanto seu artigo “Controlling Black women’s reproductive health rights: an impetus to Black women’s collective organizing” (Santos, S., 2012SANTOS, S. B. Controlling Black women’s reproductive health rights: an impetus to Black women’s collective organizing. Cultural Dynamics, Newbury Park, v. 24, n. 1, p. 13-30, Mar. 2012., p. 13, tradução nossa) apontam a persistência de um discurso que coloca mulheres negras como “[…] responsáveis pelo aumento de comportamentos criminosos porque são elas que dão à luz crianças delinquentes”. Tal como também apontado por Roberts (1997ROBERTS, D. Killing the black body: race, reproduction and the meaning of liberty. New York: First Vintage Editors, 1997., p. 59) in Killing the black body, existe nos Estados Unidos - como demonstrado também por S. Santos (2012SANTOS, S. B. Controlling Black women’s reproductive health rights: an impetus to Black women’s collective organizing. Cultural Dynamics, Newbury Park, v. 24, n. 1, p. 13-30, Mar. 2012., p. 15) - um alinhamento entre as perspectivas eugenistas e higienistas de controle populacional que desde as décadas de 1940 e 1950 têm mirado no controle da saúde reprodutiva de grupos humanos considerados “não desejáveis”. A seguinte fala do ex-governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendendo a legalização do aborto mostra o quão presente se faz essa mentalidade que culpabiliza a maternidade negra:

Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. (cf. Freire, 2007FREIRE, A. Cabral defende aborto contra violência no Rio de Janeiro. G1, Rio de Janeiro, 24 out. 2007. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL155710-5601,00-CABRAL+DEFENDE+ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html . Acesso em: 23 maio 2021.
https://g1.globo.com/Noticias/Politica/0...
).

O ex-governador inspirava sua fala no livro Freakonomics: a rogue economist explains the hidden side of everything, do economista da Harvard University Steven Levitt e do jornalista Stephen J. Dubner. No livro, escrito em 2005 - e que virou uma marca, gerando uma série de produtos como podcasts, blogs, filme e um grupo de consultoria econômica -, em um certo momento os autores afirmam que a eugenia tem sido praticada nos Estados Unidos na forma de aborto e tem sido eficiente para diminuir a criminalidade (cf. Buckwalter, 2006BUCKWALTER, M. Eugenics: science’s dark past or today’s biotechnology? [S. l: s. n.], 22 Nov. 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.goshen.edu/bio/Biol410/bsspapers06/MBeugenics.html . Acesso em: 23 maio 2021.
https://www.goshen.edu/bio/Biol410/bsspa...
).9 9 As críticas a Freaknomics apontam que a obra foge da discussão sobre economia para se aventurar em uma discussão de problemas sociológicos, e, apesar de rapidamente o livro virar um best-seller, ele foi nos anos seguintes muito contestado quanto ao uso de dados estatísticos e sua interpretação. Ver Conley (2005).

Alinhando perspectivas ou: as bodas do genocídio com a antinegritude

Vamos retornar por um momento à fala de Sérgio Cabral: ele defende o aborto como forma de diminuir a criminalidade a partir de um entendimento de que gravidez indesejada de pessoas com poucas condições econômicas leva a um aumento de uma população inclinada ao crime. Mas é só isso? Vejamos como as bases da comparação entre taxas de natalidade são colocadas: de um lado são citados bairros classe média e média alta (Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Copacabana, Barra e Méier), no outro extremo a favela - Rocinha. Os bairros de classe média e média alta têm as taxas de natalidade comparadas a um país europeu - a Suécia -, enquanto a favela é comparada aos países africanos Gabão e Zâmbia. Podemos especular o quanto realmente o ex-governador conhece dados acerca da Suécia ou acerca dos países africanos citados, mas o que realmente interessa da polarização é: europeu = modelo bom versus africano = modelo ruim.

O que também nos interessa na proposição é a correlação não explícita de: Lagoa Rodrigo de Freitas, Barra, Tijuca, Copacabana e Méier = mais racialmente branco versus Rocinha = mais racialmente negro. Além dessa “hiperconsciência e negação” (Vargas, 2004VARGAS, J. H. C. Hyper-consciousness of race and its negation: the dialectic of white supremacy in Brazil. Social Identities, London, v. 11, n. 4, p. 443-470, Mar. 2004.) da dinâmica racial da cidade do Rio de Janeiro, temos nessa fala a inferência da propensão da população negra, favelada, ao crime. Essa inferência se torna reveladora dos mecanismos de proteção dos interesses da branquitude no Brasil, principalmente quando levamos em consideração o fato de que Sérgio Cabral passou de ex-governador a condenado do sistema penal por crimes de corrupção política. No entanto, ele ainda é um sujeito do direito individual, é uma pessoa, um indivíduo que “errou”, ao passo que sua declaração - a qual encontra eco e apoio em uma grande parcela da sociedade civil - criminaliza um grupo populacional inteiro.

É possível pensar, a partir da fala de Cabral, na relação que Joy James e Jaime Amparo-Alves (2017JAMES, J.; AMPARO-ALVES, J. Terror e securitização doméstica: geografia imperial da violência policial antinegra. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 125-169., p. 133) chamam de “afinidades imperiais” entre estes dois Estados nacionais; Brasil e Estados Unidos. Ao buscar um suporte teórico para a defesa do aborto nos autores de Freakonomics, Cabral corrobora a ideia de um modelo de desenvolvimento e modelos de políticas públicas que - conforme já desvelado por autores apresentados aqui - mantêm, reforçam e protegem a hegemonia racial branca estado-unidense. A proposta de uma política de saúde reprodutiva com foco no aborto para mulheres da favela não é, em sua gênese, diferente das propostas de segurança que veem nos corpos negros o “inimigo público” (James; Amparo-Alves, 2017JAMES, J.; AMPARO-ALVES, J. Terror e securitização doméstica: geografia imperial da violência policial antinegra. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 125-169., p. 130), inclusive com a colaboração no treinamento de forças policiais ofertadas por agências estado-unidenses a países da América Latina, notadamente ao Brasil. Sobre isso, James e Amparo-Alves (2017JAMES, J.; AMPARO-ALVES, J. Terror e securitização doméstica: geografia imperial da violência policial antinegra. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 125-169., p. 134-135) nos lembram que

uma ilustração da afinidade imperial/militar entre Estados Unidos e Brasil aparece em um artigo de 10 de dezembro de 2009, publicado no Rio Times sobre o recrutamento de Rudolph Giuliani, ex-prefeito e ex-chefe da polícia de Nova York para “limpar” a cidade para a Copa do Mundo de 2014 e os jogos Olímpicos de 2016. […] Não seria também o caso que, na ausência de um inimigo externo, o exército brasileiro treine seu potencial bélico em corpos negros nas periferias do país? Portanto, as relações geopolíticas entre Brasil e EUA são facilitadas pelo desenvolvimento paralelo de uma agenda de segurança doméstica (uma “guerra doméstica”) contra inimigos da ordem pública, racialmente produzidos […]

Essa “produção racializada” do inimigo interno, a criminalização coletiva dos úteros negros e seus frutos - a “fábrica de produzir marginais” nos desvelam processos de uma construção fóbica da negritude, a qual não é desejada no corpo da nação. O marco conceitual da antinegritude nos permite ver especificidades das práticas em saúde reprodutiva, em segurança pública (bem como em educação, em arte e cultura, em políticas habitacionais e no mercado de trabalho) e avançar nos entendimentos sobre questões relacionadas à estruturação das relações raciais no Brasil e às dinâmicas racializadas - sempre antinegras - que surgiram conjuntamente com a nação brasileira e que continuam a operar.

No Brasil do século XIX havia o temor de a nação não estar preparada para o progresso devido à qualidade de sua população - de acordo com as teorias eugenistas, o grande contingente populacional não branco era um entrave ao progresso, e a mistura racial representava a corrupção da civilização, a prova biológica de uma contaminação que deterioraria a nação. A etnologia proposta por Nina Rodrigues, por exemplo, estava a serviço das políticas de sanitização, higienismo e controle do Estado sobre as populações negras (Pinho, 2010PINHO, O. O mundo negro: hermenêutica crítica da reafricanização de Salvador. Curitiba: Progressiva, 2010.). Assim, vemos como as primeiras políticas públicas do Estado brasileiro no século XIX tinham em seu cerne uma perspectiva antinegra. Mesmo entre os círculos de cientistas e intelectuais que viam a miscigenação como positiva (a partir da possibilidade de branqueamento) é possível reconhecer esse caráter antinegro. Um exemplo é Arthur Ramos, que acreditava que o futuro da nação dependeria da completa assimilação da população negra, sendo que tal processo demandaria o controle por parte do Estado e um sistema de educação voltado para esse fim (Dávila, 2003DÁVILA, J. Diploma of whiteness: race and social policy in Brazil, 1917-1945. Durham: Duke University Press, 2003.).

Educação, sem dúvida, é outra arena das políticas públicas onde podemos situar um dos espectros da antinegritude. Do final dos anos 1800 até os anos 1950, a educação era entendida como uma esfera da saúde pública no Brasil. A preocupação científica, moral e legal com raça, com miscigenação e com eugenia que se desenha em meados do século XIX irá persistir pelo menos até a primeira metade do século XX, e foi essa preocupação com a “qualidade” da população nacional que orientou projetos nacionais de educação pública, projetos esses que visavam disciplinar e conter uma população considerada incivilizada. O médico, professor, crítico literário, político e primeiro diretor da Universidade do Distrito Federal,10 10 UDF - idealizada por Anísio Teixeira e criada em 1935 no Rio de Janeiro. Afrânio Peixoto, por exemplo, usou a sua expertise em medicina para investir no estudo da relação entre as raças, o clima e a degeneração nos trópicos. Peixoto acreditava que alguns indivíduos eram biologicamente predispostos ao crime, e projetou uma ampla reforma educacional que refletia sua crença de que a degeneração racial poderia ser revertida através de melhoramentos na saúde e na educação (Dávila, 2003DÁVILA, J. Diploma of whiteness: race and social policy in Brazil, 1917-1945. Durham: Duke University Press, 2003.).

O currículo, as rotinas escolares, os códigos de vestuário e de linguagem foram e são planejados em conformidade com normas e modelos sociais específicos (branco e ocidentalizado). Ser “educado”, nesse sentido, idealmente significa se distanciar de comunidades de origem não brancas, não ocidentais. Os sistemas educacionais foram criados tanto para dar conformidade às classes operárias da Europa quanto para apagar a “não branquitude” e reforçar o padrão branco, eurocêntrico, como a norma do mundo. Todas as noções de sucesso respeitável, civilização, comportamento apropriado são herdadas de perspectivas centradas no Ocidente. O descaso por perspectivas históricas outras - ameríndias, africanas - demonstra a continuidade de uma lógica colonial e de supremacia branca como paradigma do sistema educacional brasileiro. Apesar de todos os esforços de alguns segmentos da política e sobretudo de movimentos sociais negros, a história de pessoas negras no currículo brasileiro não apenas está largamente ausente, mas essas pessoas, quando aparecem, aparecem já como “escravas” e somente como “escravas”. Elas são os inert props, os “acessórios inertes”, tal como descreve Wilderson III e já referenciados aqui. Esses acessórios inertes, no livro de história de todas as crianças e adolescente, vêm - são trazidos - de um lugar não definido, na África, a qual jamais foi situada em termos de sua localização, dimensão territorial e relação com os demais continentes, ou seja, uma confirmação de uma das proposições do afropessimismo acerca da “ausência cartográfica” que define o ser negro, bem como a correlação negro = escravo já apontada anteriormente nas proposições dos afropessimistas.

Para além das ausências relativas a agência, cultura, história de povos negros, o sistema educacional perpetua uma engrenagem que rotula, discrimina, desconfia e pune crianças e adolescentes negros e negras. Essas crianças e adolescentes são visados pelo sistema educacional como um todo. O termo school to prison pipeline - o qual pode ser traduzido como “funil escola-prisão”- tem sido usado por diversos autores estado-unidenses para abordar a desproporcionalidade com que crianças e adolescentes pertencentes a grupos minoritários acabam no sistema prisional. Esferas das políticas públicas estado-unidenses tais como a educação, a saúde, e o sistema do fostercare (orfanatos e lares de acolhimento) acabam por exercer vigilância, criminalização, perseguição e punição contra crianças e adolescentes negros, latinos e imigrantes. Isso leva desproporcionalmente crianças e adolescentes negros11 11 Também latinos e outros imigrantes; contudo, os índices de retenção escolar, abandono escolar e de punição - incluindo suspensões, encaminhamentos para comparecer em cortes de justiça juvenil e, com a crescente policialização das escolas estado-unidenses, apreensões seguidas de presença em corte, as quais resultam em condução às instituições para delinquentes juvenis - são muito elevados para o grupo negro. Ver Bush (2010), Alexander (2010) e Vargas (2018). ou à desistência escolar por “não conseguirem aprender” ou ao sistema de justiça juvenil e a partir daí a uma rotina de entradas e saídas de instituições penais (Eitzeg, 2009EITZEG, N. A. Education or incarceration: zero tolerance policies and the school to prison pipeline. Forum of Public Policy, [s. l.], n. 2, 2009. Disponível em: Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ870076.pdf . Acesso em: 24 maio 2021.
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ870...
; Parmar; Nocella; Stovall, 2018PARMAR, P.; NOCELLA, A.; STOVALL, D. From education to incarceration: dismantling the school-to-prison pipeline. 2nd ed. New York: Peter Lang, 2018.).

Nesta seção procuramos demonstrar como práticas exercidas no seio de esferas públicas como a segurança, a saúde e a educação exercem um efeito destrutivo sobre vidas negras. Esse efeito destrutivo tem um caráter genocida na medida em que resulta em: (a) assassinato de membros do grupo; (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; (d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo. A situação descrita aqui como funil escola-prisão ainda poderia ser categorizada como: (e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.

Nomeamos esta seção “As bodas do genocídio com a antinegritude” porque esse efeito genocida das práticas em segurança, saúde e educação está assentado em dinâmicas e em geografias supranacionais de terror racial (James; Amparo-Alves, 2017JAMES, J.; AMPARO-ALVES, J. Terror e securitização doméstica: geografia imperial da violência policial antinegra. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 125-169.) que expressam a antinegritude, a qual estrutura as relações sociais e posiciona o ser “negro” em posição antagônica12 12 Enquanto a relação de conflito de classe pode ser pensada como uma relação de oposições entre trabalhadores explorados e capitalistas, a relação que posiciona pessoas negras no mundo a partir da modernidade seria, nas perspectivas de Wilderson III e Vargas, uma relação irreconciliável de antagonismo: “[…] a trabalhadora exige o fim das relações de exploração. A escrava, por sua vez, exige o fim do mundo […]” (Vargas, 2017, p. 100). ao mundo. Simultaneamente, essas práticas, discursos, mecanismos estatais e paraestatais (como milícias e grupos de extermínio) utilizados para eliminar, conter, civilizar o negro, correspondem à manutenção e revitalização dos apparatus criados para possibilitar escravidão negra. Correspondem, portanto, ao que foi anteriormente aqui colocado como a quarta proposição da corrente afropessimista, a saber: a vida póstuma da escravidão.

Presença/ausência negra e fobia nacional - ser afropessimista nos ajuda a pensar o “problema negro”?13 13 Referência às explorações sociológicas de W. E. B. Du Bois (2007), que, ao se debruçar sobre as condições de vida e sobre a identidade e pertencimento do povo negro nos Estados Unidos, faz referência ao “problema da linha de cor” ou “problema negro” como a grande questão do século XX. Mais sobre a discussão em Chandler (2008).

Como que mesmo em momentos de crescimento econômico, em períodos de avanços legais, ainda assim não há uma mudança significativa nas condições gerais da população negra? Como que após tantas campanhas publicitárias com modelos negras e cabelos crespos ainda são as mães negras que têm suas crianças caindo de prédios, sumindo ao brincar, e tudo isso sem causar a comoção necessária para alcançar justiça? Como que um momento de crise - tal como a crise de saúde pública provocada pela pandemia da Covid-1914 14 Devido ao escopo deste artigo, não iremos nos deter na discussão sobre a pandemia da Covid-9 e os índices de acesso a tratamento, informação, saneamento, imunização e mortalidade relacionados às populações negras. Gostaríamos, no entanto, de indicar aqui importantes trabalhos que vêm sendo dedicados às desigualdades de tratamento e de gerenciamento da crise pandêmica no que concerne ao grupo negro. Nesse sentido, a série de podcasts “Under the blacklight”, produzida pelo AAPF - African American Policy Forum e conduzida por Kimberlé Crenshaw entre março de 2021 a janeiro de 2022, foi uma inciativa pioneira no sentido de examinar as conexões entre racismo, classe, patriarcado, nacionalismo e ideologias de supremacia branca que resultaram em respostas desastrosas à crise de saúde pública nos Estados Unidos (cf. African American Policy Forum, [2022]). No Brasil, o livro População negra e COVID-19, organizado no ano de 2021 pelo Grupo Temático Racismo e Saúde da Abrasco - Associação Brasileira de Saúde Coletiva, aborda ao longo dos artigos ali publicados variados aspectos das condições de vulnerabilidade da população negra em face da crise pandêmica (Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 2021). Por sua vez, o artigo “Covid-19 e população negra”, de autoria de Luís Eduardo Batista, Adriana Proença e Alexandre da Silva (2021), discute como desigualdades estruturais já presentes na sociedade brasileira contribuem para tornar a população negra mais vulnerável aos efeitos da crise da Covid-19. - torna mais evidente a propensão à morte que ronda as pessoas negras mesmo antes do seu nascimento?

A morte aos milhares pela violência urbana, pelos grupos de extermínio, pelas milícias, a morte evitável por doenças comuns, por doenças virais contemporâneas, enfim, a morte negra acontece pelas mãos do Estado e pela mão da sociedade civil, pela mão do agente de segurança que decidiu punir a alteração na voz do cliente negro, punir a tentativa de passar bem comendo picanha, punir, para prevenir que uma existência criada para não ser, não ter, não poder, venha a ser. E isso acontece mesmo quando o agente perpetrador da morte negra é outra pessoa negra:

[…] a gramática da antinegritude e seu campo assimétrico de posicionalidades são normativos, subliminares, ubíquos, transhistóricos, e assim efetivamente imunes à contestação. […] O fato de que pessoas negras compartilham e reproduzem esse universo simbólico antinegro demonstra exemplarmente a naturalização e onipresença desse universo. (Vargas, 2017VARGAS, J. H. C. Por uma mudança de paradigma: antinegritude e antagonismo estrutural. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 91-105., p. 95).

Na perspectiva fanoniana, a branquitude é invisível e a negritude é visível e aterrorizante: “Mamãe, olhe, um negro. Eu estou com medo, estou com medo” (Fanon, 1967FANON, F. Black skins, white masks. Translated by Charles Lam Markman. New York: Groove Press, 1967., p. 112, tradução nossa). As reflexões de David Marriot (2010MARRIOT, D. On racial fetichism. Qui Parle Journal, Durham, v. 18, n. 2, p. 215-248, Spring-Summer 2010., p. 216-218) a partir da concepção de “negrofobia” fanoniana apontam que a ansiedade e as reações extremas que corpos negros provocam situam-se entre a fobia e o fetiche e são definitivamente marcadas pela projeção estereotípica a partir da qual pessoas negras são percebidas/entendidas. Em relação à capacidade de a dor negra despertar empatia, muitos de nossos autores e autoras apresentados aqui afirmam que há uma impossibilidade de não negros sentirem real empatia pela dor negra, que não encontra eco nas sensibilidades de outros grupos, mesmo outros grupos vivendo sob opressão. De acordo com Hartman (1997HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997., p. 19, tradução nossa), para a dor negra ser entendida, para que o sofrimento de pessoas negras seja acessado, é sempre necessária uma espécie de procuração:

Posto diferentemente, o esforço para contrapor o lugar-comum da indiferença ao sofrimento negro requer que o corpo branco seja posicionado no lugar do corpo negro a fim de tornar esse sofrimento visível e inteligível. Assim, se essa violência se torna palpável e se essa indignação só é completamente despertada apenas através da fantasia masoquista, então se torna claro que a empatia é uma faca de dois gumes, já que, ao tornar o sofrimento do outro o seu próprio, esse sofrimento é ocluído com a obliteração do outro.

“E se fossem meninos brancos da zona sul do Rio de Janeiro que desaparecessem ao brincar, ainda estariam desaparecidos?”; “Um tio e um sobrinho brancos furtando no atacadão de Amaralina, Salvador, seriam entregues a traficantes para serem torturados até a morte?”; “Um homem branco discutindo com a caixa de supermercado no Carrefour de Porto Alegre teria sido espancado até a morte?”. Assim, interminavelmente, ao buscar sensibilizar a sociedade civil, a morte negra precisa ser aproximada de mortes “humanas” - hipotéticas mortes de não negros - para causar algum espanto e lamento, os quais sempre são transitórios, passageiros.

Mesmo a tentativa de coletivos negros de sensibilizar a sociedade civil para a desigualdade e/ou para a violência racial através da performance ou do protesto que utiliza recursos artísticos - pensados em termos de seu potencial transformativo, capaz de exercer a crítica política, capaz de desvelar significados e desnaturalizar as subjetividades -, mesmo a performance celebrada como revolucionária não é suficiente para chamar a atenção para os modos naturalizados com que a sociedade civil vê a violência racial, uma vez que

[…] a negritude é produzida na e pela violência, essas afirmações acerca da capacidade da performance em desestabilizar a normalidade da violência antinegra é inútil. A sociedade civil não precisa ser tornada consciente da violência antinegra porque, de fato, ela demanda esta violência. (Soares, 2016SOARES, M. A. S. A ontologia do tema negro: produção artística, autonomia e posicionalidade da negritude na mobilização do Akoben. In: PINHO, O.; VARGAS, J. (org.). Antinegritude: o impossível sujeito negro na formação social brasileira. Cruz das Almas: Liberac, 2016. p. 217-235., p. 230).

Vamos agora lançar aqui uma provocação no sentido de pensarmos quais são os limites das proposições do afropessimismo. Como pensar todos os movimentos negros - de Palmares ao Black Lives Matter - e não enxergar agência negra, e, portanto, presença negra? Como esquecer que foi de tanto Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, Sueli Carneiro baterem na tecla de que não éramos uma democracia racial que hoje podemos inclusive estar publicando um artigo sobre (anti)negritude? Pensemos na pluralidade das posições políticas e intelectuais negras a partir, por exemplo, da divergência entre a inspiração gramsciana que levou Edmund Gordon (2006GORDON, E. T. The Austin School manifesto: an approach to the Black or African Diaspora. Cultural Dynamics, Newbury Park, v. 19, n. 1, p. 93-97, 2006., p. 96, tradução nossa) a escrever o “Austin School manifesto”: “[…] luta para se libertar da opressão, na luta por igualdade…” e a rejeição de Wilderson III (2003WILDERSON III, F. B. Gramsci’s Black Marx: whither the slave in civil society. Social Identities, London, v. 9, n. 2, p. 225-240, 2003., p. 1, tradução nossa) às gramáticas marxistas de opressão e resistência: “[...] a incomensurabilidade do sujeito negro com as categorias-chave da teoria marxista [...]. Aqui vemos delinear-se uma tensão entre as propostas e projetos políticos de libertação negra, mas além da tensão vemos sobretudo agência.

Mas, propondo que a vantagem da perspectiva afropessimista, do ponto de vista de reorganizar as lutas negras na diáspora, está na busca da autonomia política negra, na busca de uma gramática de dor, de luta, na não equiparação de dores e no não uso do sofrimento negro por agendas outras, Wilderson III (2020WILDERSON III, F. B. Afropessimism. New York: Liveright Publishing Corporation, 2020., p. 14, tradução nossa). coloca que

afropessimismo, então, é menos uma teoria e mais uma metateoria: um projeto crítico que através do emprego da negritude enquanto lente de interpretação interroga a lógica presumida, não dita do marxismo, do pós-colonialismo, da psicanálise e do feminismo através de rigorosa consideração teórica acerca de suas propriedades e pretensão lógica […] é pessimista acerca das afirmações que as teorias de libertação fazem quando tentam explicar o sofrimento negro ou quando tentam criar analogias entre o sofrimento negro e o sofrimento de outros seres oprimidos.

Assim, a principal conclusão de autores pensando a antinegritude e a evidência do genocídio antinegro é acerca da necessidade de uma frente negra que assuma a “profundidade estrutural da antinegritude” (Vargas, 2017VARGAS, J. H. C. Por uma mudança de paradigma: antinegritude e antagonismo estrutural. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 91-105., p. 104), e que a partir desse entendimento possa organizar suas lutas.

Como cientistas sociais precisamos de ferramentas analíticas que nos permitam elucidar problemas da sociedade contemporânea. Usando a reflexão assentada no trabalho de campo e na revisão teórica do campo dos estudos de diáspora africana a partir da Escola de Austin e dos black studies - a partir do afropessimismo -, procuramos desvelar um cenário crítico e desigual que se apresenta em todas as esferas da sociedade brasileira, esperando lançar luz sobre como se materializa e como opera o que aqui conceituamos como antinegritude. Esperamos que se possa fazer uso desses constructos teóricos enquanto instrumentos capazes de criticamente engajar-se com achados de pesquisa que dialoguem com o fato de que os índices de homicídios, de violência policial, de discriminação no mercado de trabalho, de desemprego, de morte materna, de segregação residencial, entre outros, têm, desde sempre, afetado desproporcionalmente brasileiras e brasileiros negros (Pinho; Vargas, 2016PINHO, O.; VARGAS, J. H. C. (org.). Antinegritude: o impossível sujeito negro na formação social brasileira. Cruz das Almas: Liberac, 2016.). A antropologia brasileira até recentemente vinha optando por não considerar o vetor terror de Estado ou terror racial em suas análises. Na verdade, após o surgimento da disciplina no Brasil, com Nina Rodrigues e sua preocupação com o “problema negro” (o problema de ter negros no corpo nacional, ou, em outras palavras, o risco de “contaminação”), raça, não sendo mais um dado biológico, passou a segundo, terceiro, ou não existente plano nas análises antropológicas, exceto quando em abordagens relacionadas às expressões culturais e/ou religiosas negras (Soares, 2019SOARES, M. A. S. On the colonial past of anthropology: teaching race and coloniality in the global south. Humanities, [s. l.], v. 8, n. 2, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3390/h8020088 . Acesso em: 10 maio 2021.
https://doi.org/10.3390/h8020088...
).

O campo da antropologia, igual a outros campos da produção acadêmica no Brasil (e igual a outros campos da vida social onde há presença, qualidade de vida, subjetividade, poder, respeitabilidade), é marcado pelo que José Jorge de Carvalho (2007)CARVALHO, J. J. de. O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro. Padê: estudos em filosofia, gênero e direitos humanos, Brasília, v. 2, n. 1, p. 31-48, 2007. denomina “confinamento racial”, ou seja, o meio acadêmico brasileiro é branco e não costuma discutir sua brancura/branquitude. Assim, o debate, as pesquisas, as análises sobre raça, racismo e relações raciais ainda são fortemente marcados pela desconfiança em relação a possível não objetividade das análises produzidas por pesquisadoras e pesquisadores negros. Aqui é possível retornar a proposição fanoniana de que negros só existem enquanto seres raciais; sendo seres raciais estudando raça, não seriam objetivos. Já o ser universal, branco, e portanto ser não racial, conseguiria garantir a tão preciosa objetividade científica mesmo que o termo “relações raciais” suponha minimamente dois polos de uma relação. Ou seja, tornando essa reflexão em uma pergunta explícita: como podem pessoas brancas estudando relações raciais serem objetivas? Ou melhor: o que garante, primordialmente, às pessoas brancas estudando raça e relações raciais cientificidade e objetividade?

Não esperamos encerrar aqui qualquer discussão, ao contrário, procuramos fomentar novas discussões e, quem sabe, ações. Um último pensamento que cabe ser lançado aqui diz respeito ao que se tem convencionado denominar “políticas identitárias”. Após colocar a perspectiva do afropessimismo, de adventar que vivemos uma “vida póstuma da escravidão” e um genocídio antinegro na tentativa de encontrar ferramentas de investigação e de análise das condições de vida (e morte) de pessoas negras a nível transnacional, pensamos ser a discussão aqui esboçada muito menos sobre “identidade negra”, e muito mais sobre vir a ser - devir negra/negro em um mundo antinegro. É nesse âmbito da discussão de negritude e branquitude - não enquanto identidades, não enquanto cultura(s), mas enquanto condição - ou não condição - de existência e enquanto posicionalidade em relação ao mundo iniciado pela modernidade (e pré-modernidade) que situamos a (anti)negritude.

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  • WILDERSON III, F. B. Afropessimism New York: Liveright Publishing Corporation, 2020.
  • 1
    O uso de “africana” ou “negra” para nomear a diáspora dos povos oriundos da África a partir do tráfico atlântico iniciado no século XVI obedece a uma escolha política de cada autor/autora. O “africana” foca na origem geográfica dos povos postos em diáspora - o continente africano. Por sua vez, a ênfase em “diáspora negra” foca na negritude enquanto identidade política.
  • 2
    Usamos o pretérito porque, a partir de 2014, Dr. Gordon e vários outros professores do programa de antropologia da diáspora africana deixaram o departamento de antropologia para compor o recém-criado AADS - African and African Diaspora Studies Department.
  • 3
    O povo garifuna descende de africanos que sobreviveram ao naufrágio de navios na costa da ilha de Saint Vincent (Caribe) e de indígenas taiwno. Os garifuna foram mandados para o exílio em Honduras no século XVIII e mais tarde migraram para Belize e Nicarágua (Gordon, 1998GORDON, E. T. Disparate diasporas: identity and politics in an African-Nicaraguan community. Austin: University of Texas Press, 1998.).
  • 4
    Ver Criola (2021)CRIOLA. Nossa luta. In: CRIOLA. Rio de Janeiro: Criola, 2021. Disponível em: Disponível em: https://criola.org.br/nossa-luta/ . Acesso em: 20 maio 2021.
    https://criola.org.br/nossa-luta/...
    .
  • 5
    Mais informações em Santos, A. (2020)SANTOS, A. L. M. dos. O genocídio do negro brasileiro: uma (re)leitura para espaços-tempos de pandemia. Sul21, Porto Alegre, 5 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: https://sul21.com.br/opiniao/2020/06/o-genocidio-do-negro-brasileiro-uma-releitura-para-espacos-tempos-de-pandemia-por-anderson-luiz-machado-dos-santos/ . Acesso em: 10 maio 2021.
    https://sul21.com.br/opiniao/2020/06/o-g...
    .
  • 6
    Essa associação foi criada em meados dos anos de 1970 por Michael Zinzun e permanece atuante até os dias de hoje, mesmo após o falecimento de Zinzun em junho de 2006.
  • 7
    Lynching - atos públicos de perseguir, amarrar, bater, mutilar e enforcar pessoas negras nos Estados Unidos.
  • 8
    Esse contraceptivo foi testado de 1968 a 1977 em mulheres pobres, a maioria negras. Muitas dessas mulheres desenvolveram tipos de câncer ou deram à luz nos anos posteriores bebês com má-formação. O medicamento foi aprovado, apesar dos protestos, em 1990. Os efeitos colaterais incluem dor de cabeça, tontura, nervosismo, perda de cabelo, ganho de peso, perda de apetite sexual, osteoporose, perda de minerais e depressão. Exportado para o Brasil, os testes com esse medicamento foram interrompidos em 1986, após protestos de organizações feministas, embora o medicamento esteja disponível para a venda em vários países, tendo sido recentemente usados pelo Estado israelense em mulheres judias de origem etíopes. Ver Nesher (2013)NESHER, T. Israel admits Ethiopian women were given birth control shots. Haaretz, [s. l.], 27 Jan. 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.haaretz.com/israel-news/israel-admits-ethiopian-women-were-given-birth-control-shots.premium-1.496519 . Acesso em: 10 maio 2021.
    http://www.haaretz.com/israel-news/israe...
    .
  • 9
    As críticas a Freaknomics apontam que a obra foge da discussão sobre economia para se aventurar em uma discussão de problemas sociológicos, e, apesar de rapidamente o livro virar um best-seller, ele foi nos anos seguintes muito contestado quanto ao uso de dados estatísticos e sua interpretação. Ver Conley (2005)CONLEY, L. Year of the economist. In: FAST COMPANY. [S. l: s. n.], 1 Nov. 2005. Disponível em: Disponível em: https://www.fastcompany.com/54282/year-economist . Acesso em: 23 maio 2021.
    https://www.fastcompany.com/54282/year-e...
    .
  • 10
    UDF - idealizada por Anísio Teixeira e criada em 1935 no Rio de Janeiro.
  • 11
    Também latinos e outros imigrantes; contudo, os índices de retenção escolar, abandono escolar e de punição - incluindo suspensões, encaminhamentos para comparecer em cortes de justiça juvenil e, com a crescente policialização das escolas estado-unidenses, apreensões seguidas de presença em corte, as quais resultam em condução às instituições para delinquentes juvenis - são muito elevados para o grupo negro. Ver Bush (2010)BUSH, W. S. Who gets a childhood?: race and juvenile justice in twentieth-century Texas. Athens: University of Georgia Press, 2010., Alexander (2010)ALEXANDER, M. The New Jim Crow: mass incarceration in the era of colorblindness. New York: The New Press, 2010. e Vargas (2018)VARGAS, J. H. C. The denial of antiblackness: multiracial redemption and Black suffering. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2018..
  • 12
    Enquanto a relação de conflito de classe pode ser pensada como uma relação de oposições entre trabalhadores explorados e capitalistas, a relação que posiciona pessoas negras no mundo a partir da modernidade seria, nas perspectivas de Wilderson III e Vargas, uma relação irreconciliável de antagonismo: “[…] a trabalhadora exige o fim das relações de exploração. A escrava, por sua vez, exige o fim do mundo […]” (Vargas, 2017VARGAS, J. H. C. Por uma mudança de paradigma: antinegritude e antagonismo estrutural. In: FLAUZINA, A. L. P.; VARGAS, J. H. C. (org.). Motim: horizontes do genocídio antinegro na Diáspora. Brasília: Brado Negro, 2017. p. 91-105., p. 100).
  • 13
    Referência às explorações sociológicas de W. E. B. Du Bois (2007)DU BOIS, W. E. B. The souls of the Black folk. Oxford: Oxford University Press, 2007., que, ao se debruçar sobre as condições de vida e sobre a identidade e pertencimento do povo negro nos Estados Unidos, faz referência ao “problema da linha de cor” ou “problema negro” como a grande questão do século XX. Mais sobre a discussão em Chandler (2008)CHANDLER, N. Of exorbitance: the problem of the Negro as a problem for thought. Criticism, [s. l.], v. 50, n. 3, p. 345-410, Summer 2008..
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    Devido ao escopo deste artigo, não iremos nos deter na discussão sobre a pandemia da Covid-9 e os índices de acesso a tratamento, informação, saneamento, imunização e mortalidade relacionados às populações negras. Gostaríamos, no entanto, de indicar aqui importantes trabalhos que vêm sendo dedicados às desigualdades de tratamento e de gerenciamento da crise pandêmica no que concerne ao grupo negro. Nesse sentido, a série de podcasts “Under the blacklight”, produzida pelo AAPF - African American Policy Forum e conduzida por Kimberlé Crenshaw entre março de 2021 a janeiro de 2022, foi uma inciativa pioneira no sentido de examinar as conexões entre racismo, classe, patriarcado, nacionalismo e ideologias de supremacia branca que resultaram em respostas desastrosas à crise de saúde pública nos Estados Unidos (cf. African American Policy Forum, [2022]AFRICAN AMERICAN POLICY FORUM. Under the blacklight: the intersectional vulnerabilities that Covid lays bare. In: AFRICAN AMERICAN POLICY FORUM. New York: AAPF, [2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.aapf.org/blacklight . Acesso em: 30 jan. 2022.
    https://www.aapf.org/blacklight...
    ). No Brasil, o livro População negra e COVID-19, organizado no ano de 2021 pelo Grupo Temático Racismo e Saúde da Abrasco - Associação Brasileira de Saúde Coletiva, aborda ao longo dos artigos ali publicados variados aspectos das condições de vulnerabilidade da população negra em face da crise pandêmica (Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 2021ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. População negra e COVID-19. Organização Grupo Temático Racismo e Saúde da ABRASCO. Rio de Janeiro: Abrasco, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2021/10/E-book_saude_pop_negra_covid_19_VF.pdf . Acesso em: 22 fev. 2022.
    https://www.abrasco.org.br/site/wp-conte...
    ). Por sua vez, o artigo “Covid-19 e população negra”, de autoria de Luís Eduardo Batista, Adriana Proença e Alexandre da Silva (2021)BATISTA, L. E.; PROENÇA, A.; SILVA, A. da. Covid-19 e a população negra. Interface, Botucatu, v. 25, e210470, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/RRgJnJCtpsXFZYRhCGykzJb/?lang=pt . Acesso em: 23 fev. 2022.
    https://www.scielo.br/j/icse/a/RRgJnJCtp...
    , discute como desigualdades estruturais já presentes na sociedade brasileira contribuem para tornar a população negra mais vulnerável aos efeitos da crise da Covid-19.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2021
  • Aceito
    14 Fev 2022
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