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'Dunque non sognate, fate fatti non solo parole': Bernardino de Siena e a proposta franciscana de uma religião civil

'Dunque non sognate, fate fatti non solo parole': Bernardino of Siena and the Franciscan Proposal of a Civic Religion

Resumos

Um dos expoentes máximos da Ordem franciscana no século XV, o frade Bernardino de Siena (1380-1444) firmou sua pregação na caritas intentando sua aplicação no horizonte social e político da civitas para promover o bem viver nas res publicae da Itália de seu tempo. Analisamos aqui a múltipla função política dessa caritas bernardiniana, buscando esclarecer sua relação com a pedagogia política, com valores civis, políticos e de mercado. Para uma compreensão mais completa do horizonte de aplicação dessa caritas, investigamos o alinhamento do frade com uma textualidade política e econômica franciscana produzida no século XIV, estabelecendo um paralelo com os valores e propostas civis, políticas e econômicas realizadas por Francisco Eiximenis (1330-1409), frade menor que atuou nos territórios ibéricos e sicilianos da Coroa catalão-aragonesa.

Caritas; Bernardino da Siena; pregação mendicante


One of the greatest exponents of the Franciscan Order in the fifteenth century, the friar Bernardino of Siena (1380-1444) established his preaching upon caritas, attempting its application in the social and political horizon of the civitas to promote the good life in Italy's res publicae of his time. Here we analyze the multiple function of this bernardinian caritas, seeking to clarify its relationship with political pedagogy, with civil, political and market values. For a more complete understanding of the application horizon of this caritas, we investigate the alignment of the friar with a Franciscan political and economic textuality produced in the fourteenth century, establishing a parallel with the values and the civil, political and economic proposals made by Francesc Eiximenis (1330-1409), a minore friar who worked in the Iberian and Sicilian territories of the Aragonese Crown.

Caritas; Bernardino of Siena; mendicant preaching


Premissa

Podem ser muitos os 570 anos que nos separam ou nos unem a uma das últimas vezes em que um franciscano, tornado 'santo súbito', pronunciou a frase que intitula este artigo. Mas, as palavras que a formam podem ser nitidamente percebidas ainda hoje porque não ressoam na caixa vazia da retórica, mas, ao contrário, reverberam o seu vigor articulado sobre as cordas do sentimento humano e da paixão civil. Estas palavras sermonárias foram pensadas e propostas a milhares de pessoas por um dos expoentes máximos da renovação da Ordem franciscana do século XV: Bernardino de Siena, morto em 1444 e proclamado santo seis anos depois, em 1450

Bernardino - no século Bernardino degli Albizzeschi, nascido em Massa, na Toscana, em 1380 - encarna em sua vida, continuamente vivida em público ainda antes de sua conversio à vita franciscana,1 1 As suas biografias e numerosos testemunhos iconográficos, estes últimos legíveis ainda hoje sobre as paredes dos edifícios públicos e religiosos de Siena a Lodi, recordam, se bem que com intensidade diversa e com espaço dedicado ao fato, o momento fundamental do seu empenho pelo auxílio dos enfermos do hospital de Santa Maria della Scala durante a peste que flagelou a cidade de Siena. Tratou-se de um trabalho decidido e executado com sucesso quando Bernardino se encontrava ainda no status de vida leiga. As biografias escritas sobre Bernardino podem ser lidas nos Acta Sanctorum 20 Maii, V, (BARNABAS DA SIENA. Vita Sancti Bernardini. In: Acta Sanctorum. 20 Maii, IV. Veneza, 1740, col.739-746; MAFFEO VEGIO. Vita Sancti Bernardini. In: Acta Sanctorum. 20 Maii, IV. Veneza, 1740, col.749-766, às quais se pode acrescentar a de Leonardo Benvoglienti em Analecta Bollandiana, 21, 1902, p.53-80, a de Giovanni de Capestrano e a de um anônimo, editadas por Lorenzo Surio, publicadas em BERNARDINI SENENSIS. Opera omnia editio novissima Lugdunensi postrema emendatior et nitidior. Venetiis, 1745, vol. 1, respectivamente nas páginas XVII-XXXIII e XXXIV-XLIII. Conferir, além disso, DELORME, Ferdinando (ed.). Quemdam Fratrem. Vie de S. Bernardin de Sienne. Texte inédit du XVe siècle. Roma, 1906; VAN ORTROY, F. (ed.). Quemdam Fratrem. In: Analecta Bollandiana, 25, 1906, p.304-338; GADDONI, Serafino; BONCOR, Sante (ed.). Vita di San Bernardino da Siena. Arezzo: Coop. Tipografica, 1912; VESPASIANO DA BISTICCI. Sancto Bernardino da Massa di Maremma. In: BIANCHI, Luciano (ed.). Le prediche volgari di San Bernardino dette nella Piazza del Campo l'anno MCCCCXXVII. Siena: Tip. edit. all'inseg. di S. Bernardino, 1880, vol. 1, p.XIX-XXVII; GAIFFIER, 1953, p.282-322. É também indispensável PELLEGRINI, 2009. Os testemunhos iconográficos mais importantes sobre este fato - que evidenciam a capacidade política e de mobilização civil de que era dotado Bernardino antes mesmo de endossar o hábito franciscano - estão em S. Maria della Scala e na igreja de S. Francesco dei frati Conventuali de Lodi, onde a vida leiga de Bernardino ocupa uma parede inteira, constituindo exatamente 50% da sua biografia pelas imagens presentes naquela igreja. o homem que procurou assumir, em seu significado mais autêntico, o sentido da Sequela Christi e da escolha da pobreza voluntária propostas por Francisco à sociedade europeia no primeiro quartel do século XIII. É certo que Bernardino não está sozinho e não é um unicum. Ele aderiu a um movimento, o da Observância, já sólido, relacionou-se com outros grandes franciscanos contemporâneos, de Alberto de Sarteano a João de Capestrano, tornou-se mestre de outros grandes Menores, entre os quais aparecem Giacomo da Marca e Mateus de Agrigento. O frade, conhecido como uma das quatro colunas da Observância, nutriu-se de uma textualidade política franciscana, de uma mística franciscana que tinha, nos séculos XIII e XIV, raízes e espessura intelectuais profundas.

Para Bernardino, a busca por uma vida capaz de dar renovado vigor ao convite do Fundador de "seguir a Cristo"2 2 Sobre este aspecto central da proposta de Francisco, consultar MICCOLI, 1991, particularmente as p.33-97. é sinal permanente de sua vida de frade Menor. Por isso, ele não pode senão retornar, como o Fundador estigmatizado, à fonte originária daquele Cristo, isto é, ao exemplo supremo da Paixão e da Crucifixão do Salvador. Para o franciscano toscano, refletir sobre o sentido e o significado da Crucifixão, como haviam feito, no século XIII, Boaventura e Giacomo de Milão, em particular nos textos do Lignum Vitae e do Stimulus amoris, significa penetrar na mensagem de Cristo e de Francisco, torná-la própria, retirar dela um código de ação, um modus vivendi et agendi. Bernardino o diz explicitamente em sua Predica sulla Passione ed i Misteri della Croce e na homilia XXXII dedicada a Francisco,3 3 Cf. DELCORNO, Carlo (ed.). Bernardino da Siena. Prediche volgari sul Campo di Siena 1427, vol. 1-2. Milão: Rusconi, 1989, (de agora em diante = Prediche), prédica XLII, vol. 2, p.1269-1270 e prédica XVII, vol. 1, p.498; os passos fundamentais na homilia dedicada ao Fundador estão em Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.930-935. Neste artigo, utilizar-se-ão os termos homilia, sermão e prédica prescindindo do valor técnico que cada um destes termos assumiu no curso da história da ars praedicandi entre a Antiguidade Tardia e a primeira Idade Moderna. sermão que, na conclusão, contém esta advertência, este convite premente: "dunque non sognate; fate fatti, non solo parole". 4 4 Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.932. Existe em Bernardino a vontade, o desejo de compreender o significado da caritas de Cristo e o ensinamento de Francisco, mas também a urgência de traduzir tudo isto em ação. Esta instância se exprime no conteúdo, no ritmo, no respiro mesmo daquelas palavras pensadas para serem pregadas, comunicadas.

A múltipla função política da caritas bernardiniana

Qual é, pois, a forma concreta com a qual é possível realizar a cristomimesis com quem morreu sobre a Cruz pela redenção daqueles que creem no Salvador?

Para Bernardino, enquanto franciscano e Menor, a resposta está contida numa palavra que é tecnicamente um lexema: caritas. Nela se realiza a mimesis perfeita com Cristo. Poder-se-ia dizer que a caritas, compreendida, vivida e praticada, é a tradução ativa da paupertas voluntária fixada desde o primeiro capítulo da Regula que define o acesso à Ordo Minorum e à identidade do franciscano. Caritas, mesmo quando concebida na sua estreita relação com a pobreza voluntária, não pode deixar de ter por mais alto paradigma aquele de Cristo que renuncia ao bem supremo, a própria vida, para colocá-lo à disposição de todos os que creem; é um bem que, de Cristo, se comunica a cada um dos crentes e diz respeito a todos eles: é a sua salus, a redemptio, o resgate.

Este impulso ideal e de forte legitimação da ação, da atualização da caritas, encontra natural aplicação no horizonte social e político da civitas, da comunidade e das suas relações. Bernardino, de fato, é um frade Menor e - como ensinava Francisco - o horizonte de ação dos pauperes voluntários não pode ser o espaço do claustro, mas aquele do mundo inteiro: é assim que a Ordem viveu e interpretou a mensagem do Fundador na sua história plurissecular, basta observar qualquer mapa geográfico dos assentamentos dos conventos dos Menores presentes em todo o território europeu apenas passadas algumas dezenas de anos após a instituição da Ordem. (Fig. 1)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0

Para Albizzeschi, a caritas se torna o paradigma imprescindível da ética de sua ação e, ao mesmo tempo, o modelo proposto aos verdadeiros cives fideles cristãos que são os seus interlocutores nas praças das comunas, das res publicae da Itália do Quattrocento onde operava o pregador. Ele, seguindo também nisso a longa tradição da Ordem em nível europeu, colocou-se como ponto de referência, como interlocutor direto de todos aqueles que, de qualquer modo, faziam e eram a cidade, a coisa pública.6 6 Para um exemplo concreto, permito-me indicar EVANGELISTI, 2006; EVANGELISTI, 2007b, p.317-376; de modo geral EVANGELISTI, 1996, p.549-623; MIETHKE, 2005; a questão da relação entre franciscanismo e compromisso político da Ordem foi também analisada por MERLO, 2003, p.207-220. Bernardino pregava o "ben vivare nella città": por exemplo, no sermo XLV, conclusivo do ciclo homilético de Siena, propunha - ininterruptamente para além de quarenta anos, de 1404 a 1444 -, não apenas nas praças, mas também nos palácios dos governantes, uma pedagogia e uma ética civil que era também uma ética para os governantes da coisa pública.7 7 Prediche, prédica XLV, p.1345-1380: a referência sobre o "ben vivare nella città" lê-se na página 1379 E não o fazia somente com a retórica ou com a pregação exortativa, mas com a arte da convicção, com o conselho preciso e pontual, tecnicamente articulado sobre textos que se tornavam efetivamente normas e estatutos do viver civil de Siena a Crema, de Todi a Veneza, de Florença a Bérgamo.8 8 Permito-me indicar EVANGELISTI, 2007a, p.19-52.

'Voglio fare una predica nel vostro Palazzo (...)'. O valor da caritas e a pedagogia política

Se se tenta analisar o seu conteúdo semântico, a caritas franciscana e bernardiniana é assaz densa de significados e de valores: não é filantropia, não é muito menos esmola, distribuição que se esgota num ato de doação cega. A caritas derivada de Cristo, com significado seminal, físico, de sua Paixão e redenção, é uma palavra rica e poderosa, é um lexema que possui valor plenamente político porque propõe e assevera um modo de estar em relação com os outros em comunidade, é uma virtus política porque é uma virtus da arquitetura comunitária. Caritas, para Bernardino, é um compromisso civil, dedicação ao bem comum, é a tradução, na rede comunitária, do preceito evangélico que exige o amor ao próximo, ou seja, aquele que é reconhecido como tal, como se fosse parte de um nós. O franciscano observante fez-se portador, pedagogo civil desse valor não apenas dissertando com minúcia e em latim nos textos especulativos, teológicos, mas o fez por meio das pregações pronunciadas por escolha convicta, em vulgar, exatamente para potencializar e radicar nos seus ouvintes leigos ou 'illetterati' o sentido daquele valor. Com as suas homilias, Bernardino teceu a urdidura e a trama de uma ética civil que se funda sobre a caritas nas relações políticas, econômicas, comerciais e contratuais. Nesses aspectos da vida econômica, ele concentrou sua atenção e se mostrou particularmente versado ao escrever 13 sermões que circularam na Europa até o século XVIII como um autêntico tratado autônomo sobre os contratos. Esse é o fruto das homilias originalmente concebidas como parte de sua pregação quaresmal recolhida no Quadragesimale de evangelio aeterno (sermones XXXII-XLV).9 9 Sobre o pensamento econômico bernardiniano é fundamental ver, entre as contribuições mais recentes, a acurada opinião de um profundo conhecedor do pensamento econômico do Senense: TODESCHINI, 2012. Ele propôs abertamente uma ideia de cidade, de governo e de mercado que é possível explorar de perto, analisando, de maneira exemplar, as prédicas pronunciadas no Campo di Siena, em 1427. Fá-lo-emos utilizando os textos destes sermões porque é neles que Bernardino propôs-se a si mesmo, de modo explícito, como um bispo civil, ponto de referência, um frade capaz de conclamar a uma reflexão política comum todas as magistraturas de governo da civitas que ele, de fato, convocou para dentro do Palácio Público de Siena: "voglio fare una predica nel vostro Palazzo" - disse na homilia XII -, "e voglio predicare a tutti quelli del Reggimento... e voi tutti del Reggimento venite qui nel Palazzo, e farò ragione d'essare vostro vescovo, e voi farete sonare la campana del Comuno a predica, all'ora ordinata". 10 10 Prediche, I, prédica XII, p.378.

São palavras que comunicam força e capacidade de persuasão: "dar-vos-ei razão de ser eu vosso bispo", efeito direto da pregação bernardiniana apreciada não somente na leitura de seus textos, mas lidos também nas imagens que documentam a sua atividade, entre elas, duas távolas de um famoso artista do século de Bernardino: Pietro de Sano (1406-1481).

A primeira távola retrata, quase fotograficamente, uma pregação do Frade no Campo di Siena, a praça principal na qual se ergue não uma igreja, mas o Palazzo da comuna da cidade, o Palazzo Pubblico. A segunda celebra a figura de Bernardino que tem na mão a cidade de Siena segundo o modelo clássico com o qual, desde a época tardo-romana e, depois, bizantina, eram retratados e apresentados os santos patronos das civitates ou das igrejas.

Na primeira távola, vê-se claramente como o símbolo próprio do apostolado civil bernardiniano, o monograma IHS que representa o nome de Jesus, não se encontra apenas nas suas mãos sobre o púlpito, significativamente colocado não em uma igreja, mas no espaço civil mais importante da res publica de Siena. Aquele monograma é também encastrado no nível mais elevado da fachada do Palazzo Pubblico que surge naquela praça sobrepujando o escudo que traz o emblema da civitas senense, o símbolo identitário por excelência daquela comunidade política.11 11 A comuna de Siena mandou esculpir o monograma do Nome de Jesus no lugar da insígnia dos Visconti que se exibia sobre a fachada central do Palácio Público, por deliberação aprovada em 11 e 16 de junho de 1425; o mesmo monograma foi pintado na sala do Mappamondo: cf. DONATI, Francesco. "Notizie su s. Bernardino con un documento inedito". Bullettino senese di storia patria, 1, 1894, p.54. Ainda hoje o monograma bernardiniano é visível na fachada do Palácio colocado na mesma altura do que foi instalado no século XV. (Fig. 2)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0

No segundo retrato, a celebração da escolha política e civil operada por Bernardino ocupa a távola inteira: aos pés do futuro Santo, veem-se as três mitras, significando a recusa das três cátedras episcopais de Siena, Ferrara e Urbino, recusadas pelo franciscano para poder continuar a desenvolver dois papéis essenciais: ser Menor e "essare vostro vescovo", quer dizer, guia reconhecido, sujeito de referência para o Regimento e as magistraturas da res publica senense, como se pode ler na sua prédica XII. (Fig. 3)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0

Para executar esta tarefa comprometedora, Bernardino dotou-se de um método pedagógico de grande eficácia sobre o auditório, um método que funcionava em uma série multivariada de contextos civis e políticos. Ele o ilustra diretamente: "Se io ti mostrerò il rivercio, potrai vedere il dritto, così nell'omelia XXV dedicata all'etica di governo". 12 12 Prediche, vol. 1, prédica XXXV, p.710-742. O Observante usou, pois, com conhecimento, o exemplo negativo, o fato de uma crônica que atrai a curiosidade das pessoas pelas suas consequências intrigantes, com o objetivo de obrigar-lhes a voltar a sua concentração para o oposto, ou seja, transformar um sinal de incivilidade num sinal, numa atitude de lealdade comunitária, de condivisão republicana. No sermão XXXVIII, dirá: "Prima levaremo il vizio...Per lo vizio potrai intendere la virtù, come per lo dritto si conosce el rivercio. Al rivercio". 13 13 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1102: sobre esta modalidade pedagógica, veja-se também a prédica XXXVIII, p.1101. Trata-se de um exemplo de como funciona o seu argumento homilético, a sua pedagogia, mas também um testemunho do quanto é forte a sua tensão ética e a sua paixão civil. Estamos diante da manifesta vontade de inverter o sinal da propensão autorreferencial em um sentir comunitário. Trata-se de uma escolha que se desenvolve em chave pedagógica a partir não da exaltação da boa virtude moral, mas da análise do comportamento anti-civil para conseguir, por meio deste procedimento, desvelar a ortopráxis, o oposto daquilo que é a prática corrente: o vício, ou, para usar o mesmo dicionário bernardiniano, o rivercio que é vivido dentro da comunidade.

Um segundo aspecto de sua pedagogia consiste numa convicção radical: a vontade e a consciência de que é necessário falar não apenas com os que vivem na comunidade, mas que é fundamental falar com aqueles que a governam. Para Bernardino, este é um dever que se cumpre e pratica de maneira clara, também quando se está dentro das instâncias de poder, não derrogando nunca as palavras de verdade: "quando vi ritrovate in palazzo dite il vero e non parlate mai a piacimento". 14 14 Prediche, vol. 1, prédica XXV, p.717. Bernardino - que pronunciou um desses sermões no Palácio Público e na presença de 306 membros de todas as magistraturas citadinas - afirma aqui uma coisa importante: se se quer operar para o bem da res publica, se se quer que a política reconquiste o seu posto alto, aristotélico, de virtus arquitetônica da polis, precisa abandonar a adulação no contato com os interlocutores, sejam esses os cives, sejam esses, com maior razão, os governantes. Servem as palavras verdadeiras no que tange à realidade dos fatos, à dimensão e complexidade dos problemas, ao valor dos comportamentos de cada um e às suas consequências para o tecido civil. Não servem palavras vazias, encantadoras, mas, chaves para compreender e olhar com os óculos adequados o futuro da comunidade. É por esse caminho que se implementa concretamente a concórdia. Mais uma vez, não uma virtus moral, mas uma qualidade política a ser construída.

Bernardino prega mais de quarenta sermões naquele 1427 num lugar bem preciso: a Piazza del Campo di Siena, o que significa que ele prega como se tivesse diante de si os afrescos do Buongoverno que todos os seus interlocutores conheciam porque estavam no Palazzo principal daquela praça, o Palazzo que Lorenzetti havia pintado no século anterior (1338-1339), citado diretamente nessas mesmas prédicas, por exemplo, no sermo XLII e nas homilias senenses de 1425.15 15 Prediche, vol. 2, prédica XLII, p.1254-1255; BERNARDINO DA SIENA. Le prediche volgari. Predicazione del 1425 in Siena, vol. 2. Florença: Tip. E. Rinaldi, 1958, p.266-267; outras referências aos afrescos se encontram em Prediche, vol. 1, p.311-504-670; vol. 2, p.978-979; para uma muito útil e fundamental atualização do problema do célebre afresco, cf. DESSÌ, 2012, p.89-130; para uma atualização bibliográfica sobre as relações entre o afresco e Bernardino, cf. também DESSÌ, 2012, p.112-113.

Quando o Frade fala, nos sermões, sobre concordia, não se refere a uma virtude que está no céu das ideias, nos "livretos" de edificação moral que circulavam entre alguns dos seus próprios ouvintes. A imagem da mente é poderosa, vai imediatamente à sua figuração naqueles afrescos, vai àquela tradução propositadamente errada da palavra latina concordia que não foi traduzida na legenda posta na base do afresco como se deveria, em "unidade de coração", cum corda, mas é escrita cum chorda; estamos todos juntos conectados a uma única corda que nos liga para que estejamos em comum, sejamos parte da res publica. E é uma única corda que nos mantém juntos e liga-nos como uma religio civilis. (Fig. 4 e 5)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0 Esta é a imagem iconográfica e textual oferecida aos cives senenses que contemplam o afresco de Lorenzetti. Um afresco que, sob o cortejo dos cidadãos que seguram a corda que os une à Concordia, oferece a seguinte inscrição: "Questa santa virtù, là dove regge induce ad unità li animi molti, e questi, a cciò ricolti, un ben comun per lor signor si fanno". 16 16 O texto integral das inscrições colocadas sob o afresco encontra-se em DESSÌ, 2012, p.98-99, que reporta também, em nota, todas as variantes recolhidas por ela nos diversos manuscritos.

Esta é a premissa ideal, a imagem discursiva que nos permite ver mais de perto quais são os valores cardeais da ética civil bernardiniana, uma ética que é franciscana não somente pelo hábito que Bernardino veste, mas porque aqueles valores são parte da identidade minorítica, são parte do modo pelo qual o frade franciscano pensa-se e se propõe ao mundo, à civitas, ao longo de uma história que transcorre agora, em sua época, por mais de dois séculos em acontecimentos civis e as instituições da Europa. Recorde-se que o próprio Francisco foi protagonista de pregações de caráter civil e político, seguramente em Arezzo e, em 15 de agosto de 1222, em Bolonha. Testemunham-no muitas biografias do fundador,17 17 TOMMASO DA CELANO. Memoriale nel desiderio dell'anima, cap. LXXIV. In: Fonti Francescane, Padova: Editrici Francescane, 2011, p.434; BONAVENTURA. Legenda maior, cap. VI.9. In: Fonti Francescane, p.644; Compilatio Assisiensis. In: Fonti Francescane, p.980-981. aí incluída aquela por imagens proposta por Giotto na Basílica superior de Assis, e aquela de Tomás de Spalato.18 18 Societas Aperiendis Fontibus Rerum Germanicarum Medii Aevii (ed.). TOMMASO DA SPALATO. Historia pontificum Salonitanorum, Leipzig: Karl W. Hiersemann, 1925, Monumenta Germaniae Historica. Scriptorum, vol. 29, p.568-598, p.580; também em LEMMENS, Leonard. Testimonia minora saeculi XIII de s. Francisco Assisiensi ..., ad Claras Aquas: Tip. Collegii s. Bonaventurae, 1926, p.10.

Caritas e bens comunais. Valores civis e valores políticos

Nesses últimos anos, também na Europa, se tornou a falar com renovada atenção sobre o bem comum e sobre os bens comunais, questões e valores deixados na sombra por uma estação que durou por um tempo considerável. Do outro lado do Atlântico, uma economista do porte de Elinor Ostrom soube reavaliar os valores próprios de uma cultura política e civil tipicamente europeia, teorizando a centralidade dos commons como objeto de ação da política e das boas práticas de governo, obtendo por este seu trabalho intelectual o prêmio Nobel em 2009; seus estudos têm permitido construir um novo ramo no âmbito da disciplina conhecida como teoria da escolha pública.19 19 Indicam-se aqui somente dois títulos de sua vastíssima produção: OSTROM, 1990; OSTROM; HESS, 2006.

Sobre esses temas, a textualidade minorítica21 20 Sobre essas questões, ver ao menos TODESCHINI, 2010, p.111-153. E também EVANGELISTI, 2012, p.331-369. e a reflexão bernardiniana podem dizer muito, podem contribuir para ajustar o sentido profundo dessas locuções muitas vezes abusadas, reduzidas a conchas vazias no discurso público contemporâneo pela sua utilização instrumental deliberadamente carente de uma reflexão.

A reflexão franciscana tem, sobre essas questões, uma raiz longínqua, uma origem que volta às poucas palavras que o próprio Francisco deixou em seus escritos.

Consideremos o que é dito no Cantico delle Creature: "Laudato si mi Signore per frate Vento e per Aere e Nubilo e Sereno e onne tempo per lo quale a le tue creature dai sostentamento ... per sora Aqua la quale è molto utile ... e preziosa ... per sora nostra matre Terra, la quale ne sostenta e governa e produce diversi fructi". 21 21 Fonti Francescane, p.179-181. A água que aqui Francisco coloca no centro das atenções não é uma beleza da natureza para se contemplar esteticamente, mas é dotada de utilidade e de valor; ela integra, com o variar das condições climáticas, o sustentáculo que a terra oferece numa grande diversidade de produtos que surgem, e cabe ao homem não admirar, mas compreender e valorizar essa riqueza em termos de utilidade e de sustentáculo. Sem o homem e a sua capacidade de compreender a utilidade dos produtos da natureza e a correlação com as necessidades dos homens, não teria sentido exaltar - como faz ao invés Francisco - a diversidade dos frutos e dos produtos. No sentido do consumo e da troca, isso significa enfatizar o discernimento sobre a diferença existente entre um objeto indeterminado, neutro, abandonado a si mesmo porque é privado de relações com o homem, e um objeto - recurso que se qualifica como um bem do mundo, um bem que tem seu valor enquanto bem comunitário que coloca os homens em relação.

Os bens comuns são recursos que adquirem um sentido e um valor também econômico em função da vantagem que asseguram a uma comunidade de usuários que compreendem sua utilidade relacional conferindo-lhes um estatuto diverso de uma simples mercadoria, precisamente porque compreenderam o valor que deriva da soma de utilidades provindas daquele bem - recurso para cada utilizador que tem em si uma virtude: sabe pensar em si mesmo como uma comunidade. Tomemos uma passagem da biografia mais famosa de Francisco na qual o utilizador pode ser definido como o oposto do "frade mosca", o frade condenado pelo Fundador da Ordem porque sabia apenas consumir aquilo que os outros membros da comunidade reuniam e produziam.22 22 Assim afirma o texto: "Se poi (Francesco) notava qualcuno ozioso e bighellone, che voleva mangiare sulle fatiche degli altri, lo faceva denominare 'frate mosca' perché costui, non facendo niente di buono e sporcando le buone azioni degli altri, si rende vile e abominevole a tutti". BONAVENTURA, Legenda maior V.6, o texto italiano se pode ler em Fonti Francescane, p.634.

É dessa raiz, interna à argumentação própria do Cantico delle Creature de Francisco, escrito em 1225, que toma forma, também em Bernardino, o tríplice significado da caritas.

"Io ti rispondo e dico che gli è molto ben fatto, che quando si fa el bene de la republica, è meglio che se fusse bene a uno proprio".23 23 Prediche, vol. 1, prédica XXV, p.730. Nessa frase existe o sentido profundo da caritas proposta por Bernardino como valor fundador da comunidade política e do seu reunir. Nessa passagem não se fala de caritas como uma virtude moral ou religiosa que se exaure em uma dimensão interior, ou em uma relação bilateral entre um doador e um beneficiado; ao centro não há uma comunidade de adeptos fiéis: existe, reconhecidamente, a res publica, a codificação política de dois versículos articulados da caritas paulina, tomada por Agostinho e por uma longa tradição patrística para enfatizar a força e a diferença radical existente entre o trabalhar para um bem exclusivamente privado e a atividade que traduz o amor pelo próximo em bem comum: "Omnes querunt que sua sunt, et non que Iesu Christi (Fil 2, 21)" - disse Bernardino em um outro sermão - "Ognuno cerca quello che piace a lui, e non quello che comanda Iesù Cristo (...) E questo dico per te e per te, e per tutta la città". 24 24 Prediche, vol. 2, prédica XXXIII, p.946. É preciso, ao invés, observar o bem de Jesus Cristo, isto é, o bem dos sujeitos que vivem em relação um com o outro; este é o mandamento de Cristo e o bem de Cristo. Deve-se notar o fato de que o Frade escolheu aqui, sem nenhuma hesitação exegética, traduzir o termo "bem de todos", o bem de Jesus Cristo do versículo paulino, com um termo muito engajado e preciso: o bem da civitas, da res publica. Eis aqui o perímetro e o espaço do primeiro significado da caritas bernardiniana.

Além desse, pode se apresentar um segundo. Com a equiparação realizada entre bem de Jesus Cristo e bem da res publica, o frade toscano faz duas operações: afirma a plena disponibilidade e utilidade da doutrina evangélica como código de referência para a ação política e, em segundo lugar, assegura que a forma relacional que mantém juntos, vinculados, con-cordi, os cives de uma res publica é o compartilhamento de um bem, de uma riqueza que é considerada em seu valor comunitário: "quando si fa el bene de la republica, è meglio che se fusse bene a uno proprio". Nota-se que este bem coletivo não é, como ocorre em muitos textos de filosofia e teologia medieval, apresentado como um bem plural indistinto: o bem da "república" prevalece sobre o bem do indivíduo como bem estritamente privado, um bem político precisamente identificado, bem econômico e civil, relacional e comunitário.

Há também um terceiro significado relevante dessa afirmação, dessa decodificação caritativa do verso paulino: o fato de que a forma de sociabilidade e de comunidade com que ele traduz o "todo", o conjunto, não é um regnum ou uma genérica communitas, mas uma res publica. É a tradução específica de uma comunidade que se configura na sua dimensão civil e precisamente "republicana". Isso não significa, anacronicamente, inscrever o Frade em um sistema doutrinário, mas ter de modo claro que a sua ideia de estrutura política, a sua ideia de constituição comunitária, possui os traços de um organismo de tipo coletivo, civil, capaz de autogoverno (deveis saber "reggiare da voi", dirá em um dos seus sermões senenses),25 25 A homilia dedicada a este objetivo cívico e político é, nesse ciclo de 1427, a XVIIª, em Prediche, vol. 1, p.418-505. com um forte significado horizontal, comunicativo e, também, volitiva. Bernardino, não se deve esquecer, é um frade que se forma sobre os textos de Pedro de João Olivi, sobre os textos do filósofo franciscano Duns Scoto que, em 1303, afirmava que a legitimação da autoridade política poderia se dar somente em duas condições: na do consenso e na da eleição, seja qual fosse a veste institucional assumida por elas ou pelos que estavam investidos do poder constituído.26 26 Sobre essas questões, cf. LAMBERTINI, 2000, p.111-161; permito-me, também, indicar EVANGELISTI, 2014.

É nesse contexto e com essa atitude que tem razão de existir e funcionar a caritas, a tradução civil do "diliges proximum tuum sicut teipsum", "amar ao próximo como a si mesmo", que Bernardino definiu como o único verdadeiro amor, a única modalidade de viver entre os cidadãos. É a esse modo necessário de ser que Bernardino se referiu quando defende que "si può similmente intendare d'una città, tutti i cittadini che v'abitano, grandi e piccoli, ricchi e povari, tutti volontari a ben vivare".27 27 Prediche, vol. 2, prédica XVIII, p.510.

Aqui, os versículos evangélicos do amor recíproco não servem para afirmar uma caritas entendida como um ato irrefletido de amor sentimental ou genericamente "buonista", mas para fundar uma consciente retórica da vontade e da responsabilidade: "tutti i cittadini che v'abitano, grandi e piccoli, ricchi e povari, tutti (siano) volontari a ben vivare".

Nenhuma res publica existe como instituição sobre o papel; ela pode viver se se manifesta a cotidiana vontade entre os cives de ser e fazer uma comunidade, de praticar a caritas que é tanto união quanto concórdia e comunicação: são os três valores-guias propostos por Bernardino. Nenhuma res publica pode viver e reforçar-se sem um compromisso ativo, uma sollicitudo participativa e competente entre quem a constitui. O ativismo próprio da tradição franciscana - qualidade reivindicada pela identidade do pauper Christi a partir dos textos do século XIII de Francisco, do Sacrum Commercium cum Domina Paupertate, e dos de autoria do mestre de Bernardino, Olivi - entra aqui como uma virtus pertinente e necessária à civilitas, à boa política, à ética que lhe dá corpo e seiva vital. "Sicondo amore è sollecitante, cioè fa' che tu sia sollecito a ogni buona operazione. Se tu hai a rendare l'altrui, va', paga, non indugiare ... se hai a governare figliuoli, fa' che tu sia sollecito. E così dico per te come per altrui. ' In omni opere tuo esto velox'. 'In ogni tua operazione fa' che sia veloce, esperto'. Non essare mai pigro...". 28 28 Prédica XVIII, Prediche, vol. 1, p.534. Nota-se, aqui, como a tradução para o vulgar da passagem de Eccl. 31, 27 se expande utilmente para uma noção de solícita perícia, de competência de esforçar-se prontamente. Também essa combinação de sollicitudo com peritia/competência é parte do clássico patrimônio da textualidade política franciscana que qualifica o civis, o bom mercador e o bom governante. No século XIII, entre os muitos exemplos, chama-se a atenção para os textos de Olivi e, em relação ao bom governante e ao dux capaz, líder de companheiros civis e militares, Fidenzio de Pádua; cf., respectivamente, TODESCHINI, 2002, p.350; TODESCHINI, 1980, p.63-64; EVANGELISTI, 1998, p.77-178. Que a sollicitudo pertença a um traço genético do pauper Christi é, aliás, amplamente documentado, entre outros, no texto do século XIII do Sacrum Commercium cum Domina Paupertate. De fato, os verdadeiros pobres de Cristo assim são descritos: "uomini amabili, umili nella prosperità, sobri alla mensa, assai moderati nel vestito", "tesi a serbare la concordia degli animi e l'unione", e, por tudo isso "sono scarsi nel sonno". Em tradução italiana, o texto pode ser lido em Fonti Francescane, p. 1299. Por outro lado, o valor do compromisso com reflexo positivo sobre toda a comunidade pode ser lido em uma famosa passagem da Legenda maior, já evocada, quando Francisco condena o frade preguiçoso e incapaz de compreender o valor dos bens, definido pelo Fundador como "frade mosca", cfr. BONAVENTURA, Legenda maior, cap. V.6. In: Fonti Francescane, p.634.

A instância central do amor entre cives fundada sobre o texto evangélico "ama il prossimo tuo come te stesso", "diliges proximum tuum sicut teipsum" se baseia em um pressuposto que merece ser destacado porque constitui um reconhecimento pleno do indivíduo-pessoa e da sua esfera imprescindível de respeito e de afeto. "E prima presuppongo ch'io voglio che tu ami te medesimo, e non parlarò - disse o frade - a colui che non s'ama".29 29 Prediche ,vol. 1, prédica XVIII, p.506. Grifo do autor. Trata-se de uma premissa vinculativa que Bernardino mobiliza para fazer entender de onde havia origem e de onde a vontade do vínculo civil e caritativo pode tirar força. Com essa ancoragem ao bem que deve ser dedicado a si mesmos, o Frade oferece a sua própria lição contra a inclinação que hoje se define niilista, contra a deriva autodestrutiva e não-afetividade de cada pessoa, mas também uma lição de ética de governo que deve fundar-se sobre o reconhecimento da dimensão plenamente humana de cada sujeito que vive na res publica. Somente assim possui um sentido a demanda evangélica que solicita amar os outros sicut teipsum, como a si mesmo. Pode-se afirmar, de fato, que o amor pelos outros, que a inclinação ao amor se ativa, se explica e se desdobra a partir da conclusão daquele imperativo evangélico. "Pone mente - diz Bernardino - come tu ami te, 'sicut te ipsum': noi ci amiamo noi medesimi col cuore e anco colle parole e anco coll'opare. E con questo ordine noi doviamo amare il prossimo".30 30 Prediche, vol. 1, prédica XVIII, p.507. Uma matriz patrística um pouco afeita a esta modalidade de entender a centralidade do amor a si mesmos é encontrada em Antônio: "Chi fa del bene al prossimo, fa del bene a se stesso ... chi ha imparato ad amare se stesso, ama tutti"; ANTONIO, Lettere, IV,7; o texto da epístola em tradução espanhola pode ser lido em <http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/0250-0356,_Antonius._Abba,_Cartas_de_San_Antonio_Abad,_ES.pdf>; Acesso em: 26 jul. 2014. A reformulação, a reconsideração proposta sobre a questão do amor a si mesmo como precondição necessária e positiva para poder praticar um amor aos outros pode ser medida a partir dos passos de ARISTOTELE, Etica Nicomachea II,3 1104b30-1; VIII, 2 1155b17-21 e IX, 8 1168a28-1169b2; BORGNET, Augusto (ed.). ALBERTO MAGNO, Commentarii in II Sententiarum, Paris: L. Vivès, 1894, dist. III, K, art. 18, p.97b; TOMMASO D'AQUINO, Quaestiones quodlibetales, Q.I, q.4 art. 3, resp., in TOMMASO D'AQUINO. Opera omnia iussu Leonis XIII P.M. edita, 25, o texto pode ser lido também em <http://www. corpusthomisticum.org/q01.html>; Acesso em: 27 jul. 2014. Uma útil análise da questão dedicada aos textos teológicos dos Pregadores dos séculos XIII e XIV, embora Ulrico de Estrasburgo seja excluído, pode ser lida em LANZA, 2012, p.149-191. Tratam-se de palavras que possuem um grande valor ao designar as dimensões de afeto que cada um deve a si mesmo e, paralelamente, deve aos outros; palavras que merecem ser relidas e repensadas segundo uma técnica que os Menores sempre consideraram parte de seu itinerário de crescimento individual e espiritual: a ruminatio, a reflexão que volta, no tempo e nos dias, às mesmas palavras para escavar do fundo os significados e trazer à superfície, na vida cotidiana, os valores éticos e motivacionais:

Não ames a nenhuma outra carne que aquela de Cristo. Esta, de fato, foi oferecida sobre o altar da cruz por ti e pela salvação de todo o gênero humano; continuamente deves ruminar no coração a sua paixão. Ora, esta meditação contínua da paixão de Cristo te elevará e te indicará o que deves fazer, pensar e escutar; ela finalmente te inflamará a buscar coisas mais árduas. ("nullam carnem nisi carnem Christi ames. Haec enim pro te et pro totius humani generis salute est super aram crucis oblata; eius igitur passionem in corde rumines continue. Haec autem passionis Christi continua meditatio elevabit, quid agendum, quid meditandum quidve sentiendum sit, indicabit; te demum ad ardua inflammabit").31

Assim argumentava um dos textos de espiritualidade e de formação do frade franciscano do século XIII, o Stimulus amoris, escrito pelo frade Giacomo de Milão, mas considerado na Idade Média uma obra de Boaventura. Uma obra lida e citada nos textos franciscanos pelo menos até o fim do século XIV.32 32 Entre as citações importantes, a presente pode ser lida em um sermão de um dos discípulos mais estimados de Bernardino, Matteo de Agrigento.

Caritas e bens comuns. Os valores do mercado

Foi dito que Bernardino concebeu a caritas como uma forma de comunicação que caracteriza a dimensão civil e política. Essa, de fato, também em relação à imagem que a representa pintada no afresco do Buongoverno, citada não por acaso em um dos seus sermões, é constituída por uma figura com uma esfera de fogo na mão, "fà che dentro di te non sia altro che amore ... e come vedi che l'amore si dipegne tutto focoso perché è caldo". 33 33 Prediche, vol. 1, prédica IX, p.311. (Fig. 6)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0 Aqui Bernardino constringe o ouvinte, o civis - aprendiz já convocado a refletir sobre con-cordia, a observar o sentido desse fogo que ilustra a caritas: esse é focoso, isto é, ardente, e é, por sua própria natureza, quente, difusivo expansivo e comunicativo. "Anco t'è data la lingua per bene e utile del tuo prossimo, aoperandola in ogni cosa che bisogna; e anco per bene e utile del Comuno: tu il debbi aiutare a giusto tuo cognosciare ... e simile, per tutta la tua città ... consolatevi insieme uno con l'altro, e aviate carità l'uno all'altro". 34 34 Prediche, vol. 1, prédica IX, p.310. Grifo do autor. "Se tu se' di quelli di Dio (isto è, aqueles que amam o bem de Jesus Cristo) sempre fai l'operazioni tue con carità, calde e ardenti". 35 35 Prediche, vol. 1, prédica IX, p.315. Essa capacidade de comunicação da caritas - que encontra no próprio Francisco um modelo fundamental -36 36 Lê-se isso, precisamente, quando Bernardino afirma no sermão dedicado ao fundador: "s'acordò tanto a Dio che volse portare il suo segno per lo amor suo" e, mais adiante, justamente para destacar como a cristomimesis de Francisco era, no entanto, um modelo que pode ser seguido - pelo caminho da caritas forjada pela força do sacrifício de Cristo e pela expansividade comunicativa dessa virtus de doação e auto-desapropriação- : "Non è niuno che si possa nascondere dal caldo di Cristo Iesù". "Tutti ci potiamo incarnare in lui. Pigliate essemplo dal povarello Francesco...". E, ainda, "cittadini, ognuno nel grado suo può diventare servo di Dio sotto l'Ordine di santo Francesco"; Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.931. possui duas declinações específicas e convergentes: aquela própria da conversio, das boas e corretas relações intersubjetivas fundadas sobre a fidelidade recíproca, e aquela da troca, do compromisso rentável dos bens e das riquezas que, por sua vez, não se dá senão no âmbito de uma relação propriamente de credibilidade entre os que realizarão a troca.

É, então, dessa profunda e complexa raiz de caritas civil que Bernardino deriva a sua ética econômica, a sua proposta de eticidade do mercado na res publica. Uma ética que tem, também ela, no Cristo da Paixão e da caritas um modelo concreto, um paradigma de referência que não é novo na história da reflexão franciscana: é, de fato, no sermão dedicado a "come si den fare le mercantie" 37 37 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1099-1138. que se coloca o Cristo "che ha bilanciato il mondo" como modelo de referência do bom mercador, chamado literalmente "a credere" nele enquanto emblema de perícia e sabedoria no ato de comensurar e balancear os bens.38 38 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1109. É o Cristo da verdade, do método da verdade do versículo evangélico de João 14,6 ("Ego sum via, veritas et vita"), a erguer-se como modelo de civilidade econômica, de ética de comércio, contraposto, na sua humanidade cívica, à bestialidade incivil de quem, como o Anticristo do Apocalipse, compra e vende sem assumir o paradigma da verdade, do respeito à justiça no comércio entre as partes e além das partes enquanto componentes de uma comunidade mais ampla, de um Terceiro que não pode mais ser rescindido nas relações econômicas mesmo quando são exclusivamente definidas por um contrato bilateral. "Et ne quis possit emere aut vendere, nisi habeat characterem nominis bestie" 'Niuno non può comprare o vendare, se non quello che ha la carattere del nome de la bestia' e 'l nome de la bestia è Antecristo; e 'l segno si è la bugia e la menzogna, la quale sempre arà con seco, però che egli sarà contrario a la verità. Di Cristo è detto 'Ego sum via, veritas et vita'. E Antecristo sarà tutto l'opposto". Não por acaso, na prédica precedente Bernardino convidava todos os cidadãos que compreenderam plenamente o sentido da riqueza, a finalidade de seu uso, a colocar "il segno del Thau ne la fronte ... che è la croce di Iesù Cristo benedetto; e fa' che ne levi il segno del diavolo ... che è nemico di Dio". 39 39 Prediche, vol. 2, prédica XXXVII, p.1091. A civilidade e a incivilidade das relações políticas e das atividades mercantis são, assim, delineadas e distintas por dois sinais - valores de extrema relevância e radicalidade antitética: de um lado Cristo e a Cruz, do outro "la bestia dell'Anticristo".

Bernardino assume, portanto, como tarefa fundamental da sua pedagogia civil a missão de definir um quadro de ética de mercado e de quem trabalha no mercado. Por ser franciscano, não condena, em nome da pobreza voluntária e da renúncia da Ordem ao uso do dinheiro, a atividade mercantil, pelo contrário, exalta a função civil e política, mostra aos seus aprendizes cidadãos a necessidade de cada res publica dotar-se de um corpo de mercadores capazes e conscientes do papel que têm no fortalecimento da civitas um dos principais objetivos. Nisso, ele não assume somente a lição de Scoto, seu mestre e ponto de referência, mas também a de um Ministro Geral da Ordem dos Menores quase contemporâneo ao filósofo inglês: Guiral Ot, profundo analista das relações econômicas como se pode ver se se examina, em particular, dois de seus textos, o De contractibus e o comentário ao quinto capítulo do livro V da Etica Nicomachea de Aristóteles. Lê-se, por exemplo, a reflexão dedicada à necessidade da mercadoria e ao dever cívico de tutelar os recursos monetários, que chega até a construção de uma infração estabelecida equiparando o bem dos mercadores com aquele da res publica:

"Incurrunt enim (mercatores) dampnum statim quia si statim solverentur, possent statim cum pecunia re empta licite lucrari. Item debitores frequenter non solvunt termino assignato, cum enim mercator non possit facere viagia sua, idest itinera sua sive vias suas, nisi a debitoribus pecunia recuperata, interdum oportet quod dimidiant viagia sua et sic lucra sua unde vivant. Patet etiam quantum mercatores dampnificati sunt in regno Francie ex ista dilatione solutionis cum frequenter tempore suo tradebant suas mercationes curreret bona moneta, et tempore solutionis eis facendo, moneta esset mutata in malam, et oportebat eos malam monetam pro bona recipere ... et considerandum quod ista damna mercatorum vergunt necessario in rem publicam. Cum enim res publica sine mercatoribus esse non possit, qui faciunt mercatores inpotentes ad exequendum suas mercationes, in re publica peccant, et ideo videtur quod tales iuste possint puniri".40

No interior desse quadro, que se constrói também sob a guarda de textos como o há pouco citado, Bernardino contrapõe a caritas no uso do dinheiro e o seu oposto, a avaritia: o não-valor anticivil por excelência. Se a caritas é o melhor meio de desenvolver as relações civis, de tornar comunicativas e eficazes as relações entre cives que solidificam assim a res publica, então o uso da riqueza deve basear-se nessa modalidade comunicativa. No que consiste a "guastamento de la vostra città?", pergunta-se publicamente o frade observante. A "guastamento" e a "dannosità" residem na imobilização dos recursos econômicos, na modalidade de acumulação dos bens móveis e imóveis utilizados unicamente com a finalidade de crescimento privado da riqueza. A avaritia, portanto, não é um sentimento, uma inclinação de caráter a ser execrada, mas uma precisa prática que deve ser combatida porque se coloca em oposição à civilitas e à civitas.

Escutemos a muito lúcida consideração de Bernardino:

Quanta robba tenete voi oggi morta in casa vostra, e quanti so' di quelli che, con tutto che n'abbiano assai, anco ne comprano di più? Meglio ti sarebbe che quelli danari tu gli mettesse ne la tua bottiga in mercantia, che tenergli morti come tu fai. Dimmi ancora. Hai de' pegni al giudeo, che costano cotanto il mese: oh quanta ne potresti menovare, se tu ti sapessi regolare! Tu hai de' pegni al giudeo, e vuoi tenere i goffani pieni di panni che non ne fai nulla e continuamente l'usura te rode l'ossa ... Tutte queste cose tenete morte, e potreste rempire le botteghe vostre, e' fondachi vostri di mercantie, e far buona la città e voi medesimi.41

O modelo difuso, a bondade civil que qualifica a riqueza e o seu acrescimento são claros. Para "far buona la città" e cada um de seus habitantes, é necessário que a riqueza circule, que o dinheiro seja vivo, não morto, mas que ele seja investido em atividades que produzam não outro dinheiro, mas a riqueza econômica. No seu estilo homilético exortativo e pungente, Bernardino convida todos a refletirem sobre as razões do mercatare, sobre o sentido da riqueza, empregando a competência e recorrendo à consciência: deve-se comensurar, aritmeticamente e racionalmente, o ganho que vem de um emprego exclusivamente financeiro do dinheiro possuído com aquele que se teria se fosse reinvestido em novas atividades produtivas. "Hai de' pegni al giudeo, che costano cotanto il mese: oh quanta ne potresti menovare, se tu ti sapessi regolare!" 42 42 Prediche, vol. 2, prédica XXXVII, p.1088. É o mesmo critério de validação das práticas econômicas e do uso do dinheiro empregado quando, no XLVIº sermão do Quadragesimale de christiana religione - cujo título não confere a profundidade das análises econômicas conduzidas por Bernardino,

De multitudine malorum quae vanitate subsequuntur - o Frade sustenta que "Mulier namque vana et vaga in ornamentis et pompis lupa famelica et insatiabilis est. Multis pretiosis utitur ad ornatum, cumque naturaliter talis multivola sit, vel invenit vanitates vel utitur adinventis; et substantia quae in mercantiis et artibus atque possessionibus seu in aliis negotiis posset esse lucrosa, tamquam inutilis et mortua, immo cum magno detrimento servatur, sicut infra patebit ... ex vanitatibus veniunt mala temporalia. Nam qui diligenter advertit ex multitudine expensarum quae in vanitatibus fiunt: primo cessant iusta lucra, secundo crescunt temporalia damna, tertio cogunt ad haec continuanda".43

Novamente aparece aqui a inutilidade do dinheiro morto sobre o qual insiste Bernardino, contrapondo a ele o ganho justo derivante do reemprego contínuo desse dinheiro, da sua circulação frutificante, mas também da contabilidade consciente e racional do lucro que o 'buon denaro' é capaz de desencadear.

Nesses sermões, o Frade não formula, portanto, um convite a praticar um virtuosismo moral, uma abstenção do mundo e das negociações, mas propõe um raciocínio fundado em chave de utilitarismo republicano. É esse o estímulo decisivo que deve motivar os cives mercadores - e, de modo mais geral, aqueles que podem manejar o dinheiro - a mudar os seus comportamentos e, assim, torná-los em conformidade com o modelo de Cristo: concessor, caritativo, mensurador sábio dos bens, aquele Cristo "che ha bilanciato il mondo", como se afirma na XXXVIIIª homilia pronunciada sobre o Campo di Siena. Assim, o dinheiro vivo dá vida à cidade, cristã e republicana. Não é por acaso que os institutos de crédito público voltados a fazer circular as riquezas na civitas - os Montes de Piedade dedicados a tornar disponíveis cotas de capitais de várias formas úteis ao resgate social e civil desejado pela pregação franciscana nos século XV e XVI - tinham como símbolo, como ícone legitimador e como garantia de sua confiabilidade, o Cristo da Paixão. O Cristo que coloca sob sua égide os bons capitais pagos e reinvestidos em função da utilitas da res publica, não os capitais concedidos em uma direção cega, privado de retorno para a comunidade. (Fig. 7 a 9) 5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0 No mesmo sermão XLVI do Quadragesimale, lê-se como o frade toscano exalta a boa função do dinheiro depois de ter condenado a sua inútil imobilização na aquisição de objetos de luxo puramente ornamentais: "Primo quidem cessant iusta lucra. Nam pecunia quae expenditur in superfluis indumentis, in iocalibus, in anulis, in coronis, in lapidibus pretiosis atque in aliis superfluis ornamentis, mortua perseverat; quae quidem posset esse lucrosa in mercantiis in possessionibus, in animalibus, in artibus et in aliis quibusqumque lucrosis, et sic per consequens ad temporalem utilitatem civitatis et totius patriae redundaret".44 44 BERNARDINO DA SIENA, Quadragesimale de christiana religione, sermo XLVI, grifo do autor. Nota-se, aqui, o léxico da pars construens da argumentação: o dinheiro deve circular e ser empregado em cada atividade mercantil e produtiva capaz de conseguir a utilitas não só da civitas, mas de uma comunidade política que Bernardino designa como patria, a pátria daqueles que sabem bem usar e lucrar com o dinheiro e com as mercadorias trocadas com ele.

Bernardino impulsiona a sua análise, sua autóptica econômica, até definir, nos sermões pregados no Campo di Siena, dezoito modalidades que podem tornar incivil a atividade mercantil. Trata-se de casos de extremo interesse para compreender o valor e o poder do seu ensinamento, para compreender o sentido que Bernardino confere à atividade de negociar e à ciência, à arte mercantil. Esses sentidos não são aqui abordados nas suas analiticidades, mas, seguindo a lógica argumentativa do Observante que sustenta todo o sistema daquela casuística, evidencia-se o critério de validação e de discriminação entre as práticas mercantis lícitas e aquelas ilícitas, um critério que, para Bernardino e para toda a Scuola econômica franciscana,45 45 Permito-me uma indicação, antes de tudo bibliográfico: EVANGELISTI, 2009, p.424-443. inclui e prevalece sobre todas as outras questões. Para o frade observante interessa enfatizar que a verdadeira qualidade, o parâmetro definitivo do juízo sobre a legitimidade da arte de negociar, é "il bene comune nel mercatare". Ou seja, existe uma utilidade política e civil na comercialização que é muito mais importante, afirma Bernardino, que o lucro, a utilidade que leva cada atividade comercial ao bem comum por meio da fiscalidade, dos impostos que geram para os cofres da res publica uma cota de riqueza que se torna, assim, pública. Há, por certo, um bem comum mais alto e mais relevante que deriva do comércio. Na sua preciosa imaterialidade, ele consiste em uma qualidade e uma atenção que deve informar cada contrato, cada ação de compra e venda. Cada mercadoria adquirida e vendida tem um valor positivo que dá direito a uma utilidade também individual se produzir um benefício a toda comunidade. Mais uma vez, na trilha do ensinamento de Duns Scoto, evocado explicitamente nos seus sermões, ele afirma que a atividade de compra-venda torna a comunidade autossuficiente, oferece aos cives a satisfação de necessidades que os conduz a um bem-estar que necessariamente pode ser satisfeito somente com o comércio em larga escala.46 46 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1132-1134. O modelo econômico bernardiniano e franciscano não é, então, a autarquia e o autoconsumo. A condução dos investimentos e da riqueza generalizada se realiza e se alimenta somente na abertura do mercado, no reemprego produtivo dos bens e do dinheiro e em um comércio dinâmico dos bens adquiridos e revendidos. Para Bernardino, de fato, o dinheiro é como o sangue para o corpo humano: estagnado, não vale nada, pelo contrário, provoca a necrose dos tecidos e a morte; o dinheiro deve circular para tornar vivo o organismo da res publica. E é por esse fim geral que se deve construir um estrato de profissionais do comércio dotado de competência ética e científica. Por isso é útil instituir, em cada boa civitas, um Studio, uma universidade, como acontece em Bolonha, um lugar de instrução que não carrega somente valor agregado, prestígio e honra à cidade, mas serve para formar competências e profissionais úteis ao comércio. "Poi che avete la Sapienza, fate di mettarla in pratica fra i mercatanti, e fra tutta la Repubblica: però che come v'ho detto, ella è necessaria e utile al bene comune e piace molto a misser Dominedio".47 47 Prediche, vol. 2. prédica XXXVIII, p.1132. Esse saber prático deve se tornar, assim, patrimônio compartilhado e utilizado "fra i mercanti" e, nota-se pela insistência do Pregador, "fra tutta la repubblica".

O Albizzeschi propõe, então, um modelo bem claro de formação e de cultura civil orientado a tornar mais forte a res publica segundo um sistema que enxerga o ensinamento das scientiae, entendido como um exercício voltado ao otium, ao exame filosófico próprio de um modelo aristocrático do saber, mas declaradamente orientado a uma vita activa, ao nec otium, exatamente no espírito da sollicitudo franciscana, um estudo que visa cimentar os valores republicanos e - contemporaneamente - construir um estrato preparado de profissionais do mercado capazes de analisá-lo, de avaliar-lhe a utilidade. Estamos diante de um modelo de mercador capaz de compreender que a arte do mercado constitui-se a si mesma como bem comum: o objetivo dessa formação civil "è il bene comune nel mercatare", 48 48 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131 (grifos nossos). não do comércio. Cada ato de negociação porta legitimamente consigo um ganho, um lucro para cada ator daquele ato cada vez que não há "danno o di robba o di corpi"; se, no entanto, verifica-se isso, "non vi può essere ben comune e bene comune nel mercatare".49 49 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131. Para Bernardino, então, que aqui retoma as análises franciscanas da relação entre res publica e mercado desenvolvidas nos dois séculos precedentes, o mercado - assim como o dinheiro - 50 50 Sobre o tema específico, cfr.: EVANGELISTI, (no prelo). não é uma entidade abstrata, um totem dotado de uma inescrutável autoridade própria e autônoma. Esse é o fruto de um foro compartilhado, de uma comunidade de atores que coparticipam "caritatevolmente" na produção da riqueza, na satisfação de necessidades e no fortalecimento da res publica. Existe, definitivamente, uma humanidade e um humanismo civil de mercado que não permite pensar essa entidade como um ente supraordinário às pessoas e aos outros valores, porque esse mercado é constituído por pessoas e pelos direitos que cada um incorpora e compartilha. Cada vez que se lesa o valor de uma mercadoria, tendo seu preço sido estabelecido no foro, não imposto ou fixo, ou se lesa com o comércio o direito de uma pessoa, não se tem mais um bem comum no mercatare, mas abandona-se o seio do mercado concebido como instituição dinâmica civil e humana. (Fig. 10)5 5 Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0

Na definição bernardiniana de bene comune nel mercatare - autêntico sintagma da ortopráxis política e civil proposta pelo Frade - emerge com clareza um duplo princípio obrigatório: o primeiro é o da responsabilidade ética no mercado e na mercatura; o segundo, subordinado, mas preliminar ao primeiro, é a necessidade formativa e cultural que deve pertencer, que deve qualificar cada mercator, cada ator que pretende experimentar a prática da negociação. A competência de cada sujeito que opera no mercado é, como se é visto, constituída por uma dupla ordem inseparável de conhecimentos: aquele relativo ao cálculo, às análises racionais dos custos e dos ganhos; e aquele que dá a cada um a capacidade de avaliar a conciliação das diversas utilitates que se desprendem de cada operação econômica, a utilitas dos operadores enquanto indivíduos e a utilitas para o bem-estar geral da res publica. Isso em razão do fato de que cada bem trocado contém em si uma cota mais ou menos relevante do bonum in comune. Cada mercadoria, de fato, para os franciscanos e na preciosa atualização fornecida por Bernardino, não tem simplesmente o valor de mercadoria, não é um objeto neutro, mas adquire um sentido próprio, torna-se um bem se é trocado sem produzir lesões aos valores da mercadoria, ao seu preço, e às pessoas que o produzem, o trocam e o utilizam. É nessa chave que a legitimidade do comércio se define, quando não há "danno o di robba o di corpi".51 51 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131.

Os limites do bem comum. Bernardino e um predecessor seu, Francisco Eiximenis

No discurso pedagógico-político bernardiniano, nesse momento de sua ilustração, é destacado um elemento crucial que deve ser compreendido em uma dúplice perspectiva: na sua dimensão propriamente histórica e na sua possível bagagem doutrinal.

É necessário, de fato, voltar-se para as leituras do Observante, os instrumentos próprios da hermenêutica histórica e se colocar um questionamento essencial: até onde se estende a comunidade na qual se aplica e se comunica, se acresce e se distribui o bonum commune? Qual é o horizonte concreto da caritas pregada nas praças das cidades italianas?

O Albizzeschi, na trilha de uma textualidade política e econômica produzida por Menores que conta com dezenas de obras já no século precedente ao XV, reflete sobre a res publica e sobre o bem comum portando consigo uma concepção que define a comunidade não como uma comunidade universal, formada por cada homem que vive em seu interior. Dentro da civitas e da res publica, existem cives, são mercatores somente aqueles que são titulares de uma soma de direitos particulares que formam a cidadania política e econômica medieval; são cives somente aqueles que podem dispor do próprio corpo e do próprio dinheiro; são cives somente aqueles que demonstram possuírem integralmente a fides cristã.

Se se revelasse uma fotografia da sociedade dos possuidores de direito de participar caritativamente e plenamente da res publica e de ascenderem ao mercado, deveremos começar a remover um número consistente dos homens que, juridicamente, não eram considerados pessoas, não possuíam, literalmente e em termos de antropologia cultural, a dignitas que lhes rendia tais coisas. Essas não-pessoas eram todos aqueles que se encontravam na condição de servos ou escravos, os trabalhadores de algumas artes consideradas menores, todos aqueles que não eram cristãos, mas infideles, ou declarados como tais. Havia, pois, o conjunto dos banidos da civitas por motivos políticos, em razão de seu pertencimento a uma formação vencida por aquela ao comando na magistratura comunal. A plenitude da cidadania - embora considerada em suas múltiplas formas medievais - era também negada às mulheres e à boa parte dos pobres involuntários. Tratava-se, portanto, de uma cidadania, de uma forma de res publica que podemos definir como seletiva ou exclusiva. Tratava-se de uma forma de res publica que, todavia, era declarada e teorizada como res publica, isto é, literalmente como coisa, instituição de todos.

Diante desse restrito perímetro da cidadania, Bernardino e muitos outros exponentes da Ordem dos Menores não se colocaram o problema da igualdade, mas propuseram uma série de instituições e chaves de acesso à civitas, tentaram desenvolver estruturas que se configurassem como "ascensores sociais" que poderiam abrir, também a certos excluídos, a porta das muralhas da res publica política e econômica. Esses frades organizaram estruturas de solidariedade confraternal, apoiaram formas de pacificação política entre as facções, conceberam e contribuíram para a fundação de institutos de crédito destinados a uma gama, embora limitada, de homens que se encontravam em condições de inferioridade civil, sobretudo em razão de suas condições econômicas, sendo privados de capitais por terem sofrido reveses econômicos ou por condições familiares. Tentaram, então, tornar acessível, ou recuperável, os direitos de cidadania por meio da disposição de recursos econômicos e financeiros que constituíam a premissa inderrogável àquele grupo de direitos "republicanos" que, caso contrário, seriam excluídos. Eles tentaram tornar visíveis alguns homens que nunca tiveram ou que tinham perdido o seu estatuto, a sua dignitas de pessoa.52 52 Sobre essas questões é indispensável conferir TODESCHINI, 2007.

Se a experiência dos montes de Piedade dos séculos XV e XVI são bem conhecidas, os seus mecanismos de acesso seletivo ao crédito e à credibilidade civil53 53 Ver, entre as muitas contribuições da estudiosa sobre o tema, pelo menos MUZZARELLI, 2005, p.13-32; MUZZARELLI, 2007, p.31-42. não passam de uma peça da reflexão e da proposta franciscana observante produzida às vésperas do exórdio bernardiniano. Referimo-nos aqui, em particular, à ponderosa reflexão de Francisco Eiximenis, um confrade de Bernardino operante nos territórios ibéricos e sicilianos da Coroa catalão-aragonesa entre 1380 e 1409. Um Menor que, como Bernardino, escolhe a língua vulgar como códice expressivo fundamental para veicular valores e propostas civis, políticas e econômicas entre os cives, para apresentá-los aos governantes da coisa pública.

Para o frade, nativo de Girona, conselheiro político dos governantes da Coroa e dos magistrados do reino de Valência, há mecanismos de ingresso na cidadania que significativamente não se desenvolvem ao longo de um caminho nem de aquisição de status social, nobiliárquico, nem de ordem puramente jurídico - em razão da condição antropológico-biológica do homem e do seu estatuto de pessoa - mas atuam como um percurso de aproximação da ciutat que é de ordem social e econômica.

O gerundense colocava, no entanto, uma premissa significativa a esta reflexão contida na sua obra política mais importante, os Dotzé del Crestià (O décimo segundo livro do cristão), isto é, o sentido - existente para o franciscano e para toda a Ordem - de viver e trabalhar na civitas, para a civitas. Se Bernardino afirmava que cada "cittadino", "ognuno nel grado suo può diventare servo di Dio sotto l'Ordine di santo Francesco", 54 54 Prediche, vol. 2, p.931, prédica XXXII. Grifo do autor. Eiximenis, propriamente nos capítulos dedicados à análise da função e do valor da civitas, faz uma referência específica ao Fundador da Ordem dizendo que ele escolhera estar nas cidades depois de ter interpelado o próprio Deus sobre onde deveriam agir ele e seus frades: se no deserto ou nas comunidades citadinas. "Nos ... sabem que sent Francesch demanà a Déu si sos frares estarien en los deserts o en les ciutats. E estech-li respost que en les ciutats e viles per tal que per lur preÿcació tirassen les animes a Déu ...". Por vontade divina - defende Eiximenis - os Menores vivem, então, nas cidades e pelas cidades "per informar los ciutadans a bé viure" 55 55 RENEDO, Xavier et al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè Llibre del Crestià. Girona: Universitat de Girona - Diputació de Girona, vol. 1, tomo 1, cap. 12, 2005, p.25. seguindo o exemplo de Cristo que estivera sempre entre os homens e em comunidade, em congregació. "Attén al nostre cap Jhesucrist ... que tota la sua vida no fo sinó eximpli nostre, qui preÿcant entre los hòmens estech en congregació e hac ab si apòstols, e dexebles e altres persones diverses qui.l seguien".56 56 EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, cap. 12, p.25. Para descrever a sociedade do Cristo, Eiximenis utiliza aqui o idêntico lexema empregado para conotar exatamente a forma de agregação dos ciutadans: congregació.57 57 "Civitas est congregacio concors multarum personarum ad invicem participantium, bene composita et honorabilis, ordinata ad vitam virtuosam, et sibi sufficientem. E vol dir aytant que ciutat és congregaciό concordant de moltes persones participans, e tractans e vivens ensemps, la qual congregaciό deu ésser bé composta, e honorable e ordonada a vida virtuosa, qui és a si matexa sufficient e bastant"; EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, cap. 69, p.150. O civis tem, portanto, dois altíssimos modelos de referência: o próprio Cristo e o Fundador da Ordem dos Menores, ligado a Cristo por uma vida marcada, também fisicamente, pela cristomimesis que aqui se manifesta na escolha de seguir o Salvador não no deserto e na solitudo, mas na presença laboriosa entre os homens e pela comunidade.

Sobre a base dessa premissa que enquadra o franciscanismo na civitas - que faz, via Francisco, uma verdadeira e própria forma de religião civil - ver-se-á na concretude do discurso político eiximeniano como se configura um possível mecanismo inclusivo no direito à cidadania.

O acesso possível à civitas, modelos e percursos

Se para entender plenamente o sentido desse mecanismo tomamos emprestada a linguagem da citologia, imaginando a civitas como o núcleo de uma célula, podemos afirmar que a permeabilidade da membrana celular - que podemos usar como metáfora útil das muralhas da cidade - em direção ao núcleo da célula-civitas é assegurada pela ativação de alguns sistemas que fornecem a energia para cumprir esse trajeto, quase como mitocôndrias, ou, fora da metáfora, instituições específicas que fornecem crédito monetário como alavanca de resgate ou de ingresso no corpo político monetário.

No seu Dotzè del Crestià o frade, de fato, delineia um específico modelo de crédito público destinado a uma série de categorias sociais que, se em uma medida prevalente podem ser consideradas compostas por cives ou ex-cives - tais como aqueles que perderam os seus capitais, os órfãos em condições de pobreza, os homens resgatados da prisão - contemplam também alguns sujeitos de particular interesse. Tratam-se de jovens privados de bens próprios que, por meio desse tipo de Monte de Piedade ante-litteram, são dotados de um capital a fim de entrarem na vida produtiva e comercial. O retrato social deles é preciso: "jóvens sens caball" que "per exercitar-se a guanyar la vida n'eren acabalats", 58 58 EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.284. A referência ao Monte de Piedade não deve ser aqui entendida no sentido do mecanismo específico de crédito ativado pela instituição que, como se nota, operava sobre o penhor, mas na finalidade pela qual ele era concebido e realizado. Nesse sentido, podemos considerar também os Montes de Matrimônio instituídos sempre no século XV. Sobre essas instituições, conferir, para uma primeira abordagem e bibliografia, a argumentação acurada de MUZZARELLI, 2009a, p.609-613; MUZZARELLI, 2009b, p.613-625. jovens, privados de capital próprio que, para aprenderem a arte de lucrar, recebem um capital inicial fornecido pela res publica. Esse instituto, cujo fim se compreende melhor se se pensa a denominação própria do ente dispensador, "casa de la comunitat", se reforça ao se tornar o sujeito promotor de cidadania em um ulterior capítulo do Dotzè onde se destaca a utilidade do emprego do patrimônio público para "fazer grandes investimentos de dinheiro" cujo escopo é propriamente o de "levantar aqueles que estão em dificuldade e posam (assim) ser úteis à res publica". Quem são os possíveis destinatários desses recursos? "Os pobres cavaleiros, os jovens mercadores que não possuem os meios de fazer comércio, os artesãos que não têm capital que lhes permita desenvolver a própria atividade, de obter lucro e de viver a partir dela, e os campesinos que (apesar de possuírem terras) não dispõem dos meios para cultivá-las". 58 58 EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.284. A referência ao Monte de Piedade não deve ser aqui entendida no sentido do mecanismo específico de crédito ativado pela instituição que, como se nota, operava sobre o penhor, mas na finalidade pela qual ele era concebido e realizado. Nesse sentido, podemos considerar também os Montes de Matrimônio instituídos sempre no século XV. Sobre essas instituições, conferir, para uma primeira abordagem e bibliografia, a argumentação acurada de MUZZARELLI, 2009a, p.609-613; MUZZARELLI, 2009b, p.613-625. Um elemento de grande importância da proposta eiximeniana consiste no fato de que os "jovens privados de capitais", os destinatários da medida de acesso ao crédito da "casa de comunitat" são considerados como sujeitos enquanto tais, isto é, não são necessária e unicamente os fundadores de uma família ou os primogênitos de uma casa já posicionada no interior da societas civil, destinados a assumirem a titularidade exclusiva, econômica e civil, do pater familia. A base do alargamento civil e econômico proposto é, assim, um dado real, pensado e apoiado pela reflexão do Gerundense, embora isso seja feito no interior de um perímetro de garantias consideradas necessárias e indispensáveis.

Essas formas de financiamento, com efeito, não só excluem qualquer destinatário inativo, qualquer pobre que não possa sair da sua condição em médio prazo, mas declaradamente voltam-se para a ajuda somente dos profissionais que " possam tirar proveito à comunidade de modo que isso seja feito para a vantagem de Deus e vantagem da coisa pública ". 59 59 WITTLIN, Curt et al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè Llibre del Crestià, vol. 2, tomo 1. Girona: Collegi Universitari de Girona - Diputació de Girona, 1986, p.439-440. Grifo do autor. Disso resulta que ambos os mecanismos de crédito idealizados e propostos pelo Frade, tanto o que prevê o fornecimento de somas de dinheiro pagas por meio da casa de comunitat quanto o que se baseia no reemprego da fiscalidade régia, colocam sujeitos bem determinados no centro dessa ação. Deve-se financiar e investir em quem é capaz de, com a própria atividade, fornecer um lucro e uma vantagem à res publica, conferindo-lhe cotas de dinheiro que, circulando, devem frutificar e multiplicar-se. Portanto, pode-se legitimamente inferir que os beneficiários dessas medidas encontram-se contabilmente entre os que "trabalham para o bem-estar da res publica" e possuem no dinheiro um útil e confiável instrumento a disposição, como afirma o frade nas passagens relativas a análise da função civil e política da divisão comunitária.60 59 WITTLIN, Curt et al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè Llibre del Crestià, vol. 2, tomo 1. Girona: Collegi Universitari de Girona - Diputació de Girona, 1986, p.439-440. Grifo do autor. Confirma-se, assim, o fato de que a formulação "mercadores e todos aqueles que estão empenhados no bem-estar da res publica" não é uma mera hendíadis empregada pelo frade catalão no plano retórico, mas contempla uma efetiva diversidade de sujeitos que são, ou podem se tornar, partícipes da res publica. Estamos, assim, diante de uma clara utilização política e civil do crédito público voltado a promover "súditos frágeis" bem identificados que podem entrar no circuito da ciutat. Para cada um deles, trata-se de assegurar ao corpo político que ele poderia acolhê-los em um sistema de garantias a partir da fidelidade comprovada à res publica. É o próprio Eiximenis que as elenca: a inserção em precisos círculos sociais, a disponibilidade operativa, a demonstração de compartilhar um valor chave da comunidade, isto é, o ativismo que é contraposto ao valor da otiositas e da inutilitas, condenadas socialmente e sancionadas com a expulsão da célula civil.61 61 EIXIMENIS, Francesc. Il Dodicesimo libro del Cristiano, capp. 139 -152, 193 - 197. Lo statuto della moneta nell'analisi di un Frate Minore del secolo XIV, (Analisi introduttiva e traduzione di EVANGELISTI, Paolo), Trieste: Edizioni Università degli studi di Trieste, 2013. Também em <http://www.openstarts.units.it/dspace/handle/10077/9277>; Acesso: 27 jun. 2014. O possível e sempre reverificável ingresso nesse organismo, como se confirma também no capítulo 116 do Dotzé, dedicado aos requisitos necessários para a passagem de uma classe social a outra no interior da civitas, é, portanto, subordinado à demonstração de possuir em si recursos imateriais e sensibilidade civil que tornam cada beneficiado um destinatário crível de um investimento produtivo de dinheiro público. Lê-se numa passagem fundamental do apenas mencionado capítulo 116: "nengú pogués pujar de manor mà en major sinó per assenyalada virtut que fos en aquell, o per gran e notable servey que hagués fet a la cosa pública. E en aytal cas, la cosa pública pujant-lo de mà menor en major li havia a donar tant de patrimoni que pogués l'om axí pujat tenir estament segons la mà què pujava". 62 62 Ver, por exemplo, MOLINS DE REI DE, Daniel (ed.). EIXIMENIS, Francesc. Regiment de la cosa pública, Barcelona: El. Nostres Classics, 1927, cap. 21-22, p.124-132 = EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, cap. 377-378, mas também, especificamente nos capítulos dedicados à cidadania, por exemplo, o cap. 197, EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.421; conferir também o cap. 874 do Dotzè em WITTLIN, Curt et Al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè llibre del Crestià, vol. 2, tomo 2. Girona: Collegi Universitari de Girona - Diputació de Girona, 1987, p.462-464; os capítulos 377 e 378 do Dotzè podem ser lidos em HAUF, Albert (ed.). EIXIMENIS, Francesc, Lo Crestià, Barcelona: Edicions 62, 1942, p.209-213. Por essa via, com efeito, os sujeitos podem conquistar para si mesmos o direito de serem participantes de uma credibilidade comum e, sobretudo, de compartilharem uma ética da res publica voltada ao profit comú. As medidas concretas de mobilizações dos patrimônios que integram significativamente, com inúmeros capítulos, a dissertação eiximeniana sobre a cidadania são o apoio indispensável desse modelo de civitas. Tratam-se de incontáveis e muito articuladas medidas de crédito, ficais e de controle da despesa pública que tendem a favorecer de todos os modos o investimento produtivo. O objetivo final delas é impulsionar todos os patrimônios inativos a entrarem no circuito que alimenta cada possível instrumento que pode servir como leme da economia mercantil da cidade catalão-aragonesa: entre eles encontra-se a drástica limitação do investimento de dinheiro em receitas financeiras63 63 EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.252. Grifo do autor. Sobre a permanente possibilidade de verificação dos requisitos de aptidão e de pertencimento a cada uma das três mãos da res publica, conferir também o mesmo capítulo: EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.252. Trata-se de uma posição qualificante da doutrina política eiximeniana pela amplidão de análise que a sustenta e articula, e pelo panorama das reflexões coevas ao texto do franciscano, em particular as expressas na ampla série de comentários à Politica aristotélica iniciadas desde o século XIII. Na segunda metade do século XV, um Magister dominicano do porte de Johannes Versor (conhecido também como Ioannes Versorius, Johannes le Tourneur) defenderá uma posição em parte coincidente com a eiximeniana em uma passagem do seu comentário à Politica: "Verum est tamen, quod aliqui artifices possunt aliquando assumi ad principatum seu dignitatem, si inventi fuerunt honorabiles et honores digni, et si locupletes satis etiam fuerint, ita quod libere et sine indigentia vite necessariorum possint reipublicae vacare"; JOHANNES VERSOR. Libri Politicorum Arestotilis cum commentum multum utili et compendioso, Köln: Heinrich Quentell, 1492, f. 39rb; sobre a contribuição ao conceito de cidadania de Johannes, cf. MEIER, 1994, especialmente p.72, p.74, p.106-111, p.113, p.200, p.213, p.218-219. que, todavia, nunca foram condenadas ou estigmatizadas enquanto tais pelos frades franciscanos.

Esta breve incursão em um texto franciscano do século que precede Bernardino constitui a confirmação, embora puramente exemplificativa, da existência de uma textualidade e de uma sensibilidade minorítica que não foi "descoberta" ou "inventada" por Bernardino ou pela Observância do século XV, sendo esse último um movimento plenamente consciente de suas raízes, do patrimônio de análise produzido entre os séculos XIII e XIV pelos Menores que refletiram sobre a pobreza, a economia civil e, definitivamente, sobre as formas de relações políticas e o acesso possível a elas. Eiximenis, discípulo de Duns Scoto, e Bernardino, profundo conhecedor de Olivi e do próprio Scoto, testemunham diretamente isso e fazem de si mesmos, ambos, sujeitos dessa complexa pedagogia civil.64 64 EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol.1, tomo 1, p.415-416; no Regiment de la cosa pública, Eiximenis afirma que "deu ésser vedat comprar rendes e violaris e tothom qui puxa mercadejar, car jatsia açò que aitals coses se puixen haver justament, emperò empatxen la mercaderia qui, sens comparació, és millor per a la comunitat. E apar-ho a ull, car qui tè sos diners en aitals rendes si li era vedat de no haver-les hi hia per guanyar per mar e per terra, e lladoncs la terra seria pus abundant"; EIXIMENIS, Regiment de la cosa pública, cap. XXXIV, p.170.

As fundamentações e as propostas acerca dos mecanismos de acesso à cidadania e à riqueza civil, concebidos ou reformulados pelos franciscanos aqui sinteticamente evocados, foram notadamente limitadas por uma série de convenções precisas compartilhadas pela própria Ordem, também em razão de uma cultura política e civil que constituía o parâmetro de referência geral, europeu, daquele período histórico.65 65 Para uma reflexão mais aprofundada sobre os nexos teóricos e de pedagogia civil e econômica propostos por Eiximenis e Bernardino, pode-se ler as páginas de Todeschini, com a relativa bibliografia, em TODESCHINI, 2004, p.159-207. Em relação a essa cultura política e religiosa, de fato, deviam permanecer invisíveis, porque literalmente inadequados à civitas, declarados incapazes de compreenderem as lógicas e os valores constitutivos, todos os infideles, todos os que não demonstravam uma precisa lealdade e confiabilidade nos confrontos da res publica, assim como deviam permanecer como tais todos os que, por condição social, viviam de atividades manuais consideradas degradantes. Qualquer um que marcava o próprio corpo com os meios ou as substâncias utilizadas para desenvolver a sua atividade laborativa era tido como pertencente a esta categoria de menores, de não-cives, de meros habitantes da cidade.66 66 Sobre isso, cf. COSTA, 1999; permito-me também referir-me a EVANGELISTI, 2013. O texto constitui um aprofundamento da relação tratada no congresso: Università degli Studi di Trieste - Dipartimento di Studi Umanistici, Congresso Internazionale, Cittadinanza e disuguaglianze economiche: le origini storiche di un problema europeo (XIII-XVI secolo), Trieste, 11-13 de jun. 2012; importantes reflexões foram desenvolvidas por Giacomo Todeschini nesse congresso e em dois livros que compõem alguns dos fundamentos teóricos, cf, respectivamente, TODESCHINI, 2013b; TODESCHINI, 2007; TODESCHINI, 2011; mais recentemente, com importantes aprofundamentos ulteriores, cf. TODESCHINI, 2013a, p.254-277.

Sobre isso, alguns estudiosos, sejam eles sociólogos ou historiadores, falam de marginais e de marginalidade. Todavia, adotar o termo "marginalidade" para descrever essa situação pode ser enganoso, pois é susceptível de confundir-se na compreensão do fenômeno, sobrepondo o conceito quantitativo-dimensional de minoranza - o conceito, em última análise, de esiguità - ao qualitativo-antropológico de marginalità. Não se tratava, de fato, como têm demonstrado também os estudos recentes, de cotas reduzidas de homens: o número de pessoas não-pessoas ou de pessoas que viviam no limiar da marginalidade civil e econômica, considerados juntos àqueles que tinham um status que se poderia definir como de atenuados direitos de cidadania, era realmente relevante.67 67 Ver, por exemplo, EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1. tomo 1, p.251. No século precedente, Tomás de Aquino, comentando Aristóteles, afirmava que: "Multi enim sunt, qui non sunt cives, et tamen neque sunt advenae neque peregrini; sicut patet de servis et libertinis, qui sunt ex servitute libertati restituti. Verum est enim quod non omnes sunt cives, qui sunt necessarii ad complementum civitatis, sine quibus civitas esse non potest; quia non solum de servis, sed etiam de pueris videmus, quod non sunt ita perfecte cives sicut et viri. Viri enim sunt simpliciter cives, quasi potentes operari ea quae sunt civium: sed pueri sunt cives ex suppositione, idest cum aliqua determinatione diminuente. Sunt enim cives imperfecti: et sicut servi et pueri sunt quidem aliqualiter cives, sed non perfecte, ita etiam est et de artificibus. Unde in antiquis temporibus banausi, id est viles artifices opere suae artis maculantes corpus, et etiam peregrini apud quasdam civitates erant servi, sicut etiam et modo multi sunt tales". TOMMASO D'AQUINO. Sententia libri Politicorum, lib. 3, vol. 3 lectio, n. 2. O texto pode ser lido também em: <http://www.corpusthomisticum.org/cpo.html>; Acesso: 27 jun. 2014. Grifo do autor. Consideremos, somente para permanecer nessa última categoria, ou seja, a de todos aqueles que não podiam exercitar não somente os direitos que hoje estamos habituados a definir como civis e políticos, do direito de testemunhar em tribunal ao acesso à cargos públicos, mas que também viam limitados os econômicos: quem não era considerado confiável para a res publica, a partir daqueles que eram catalogados como infames, heréticos ou judeus, assumindo no seu conjunto a fisionomia dos incivis, não podia gerir o próprio dinheiro e os próprios patrimônios como um civis que dispunha, ao invés, de todas as faculdades e direitos pelo menos sobre os bens que eram indiscutivelmente seus. A gestão patrimonial dos que eram considerados infideles era, de fato, submetida a restrições específicas sancionadas pelo direito canônico e pelo civil: consideremos as proibições de acesso a determinadas profissões ou a obrigação de dever requisitar um reconhecimento público para poder exercitar a faculdade de administração dos próprios bens que os cristãos, ou os cives declarados leais para com a res publica, possuíam ao invés do pleno direito. Uma situação histórica, uma atitude política-doutrinária que não foi certamente superada com o fim do Medievo, pelo contrário, algumas exclusões foram se aperfeiçoando e se codificando em modo mais preciso e estável no curso dos séculos da Idade Moderna europeia - Europa entendida aqui na sua dimensão mais ampla, ou seja, política, jurídica e institucional.68 68 Refiro-me, aqui, a SCHERMAN, 2008; GEREMEK, 1987; BRAUNSTEIN, 1999, p.91-103; STELLA, 2002; TODESCHINI, 2011, p.262-263.

Uma conclusão aberta

Na Idade Média, os franciscanos, em diverso grau de consciência, haviam enfrentado o problema, tentaram abordar o tema crucial, identificaram alguns instrumentos que - de forma pragmática - podiam incidir sobre a realidade da desigualdade fortemente consolidada. Eles também compreenderam, a exemplo do caso de Francisco Eiximenis, que a expansão regulada do perímetro da cidadania, sobretudo utilizando as alavancas de acesso aos recursos econômicos de crédito, constituía um elemento de vitalidade e de fortalecimento da própria civitas, um elemento de dinamização de uma sociedade que no seu interior hospedava um estrato múltiplo de produtivamente inativos, mas, ao mesmo tempo, um estrato de privilégio nobiliárquico que a prejudicava69 69 Será útil conferir as diversas contribuições publicadas em Cittadinanza e disuguaglianze economiche: le origini storiche di un problema europeo (XIII-XVI secolo), Università degli Studi di Trieste - Dipartimento di Studi Umanistici, Congresso Internazionale, Trieste, 11-13 giugno 2012, também em Mélanges de l'École française de Rome - Moyen Âge, vol. 2, n. 125, 2013, particularmente, além do avant-propos de Clement Lenoble e a introdução de Giacomo Todeschini; MILANI, 2013; PALERMO, 2013; MENZINGER, 2013; Vallerani, 2013; PICCINNI, 2013. Disponível em: <http://mefrm.revues.org/1249>; Acesso em: 28 jul. 2014. propriamente em sua força, no seu desenvolvimento e no nível de lucro alcançável. Tratam-se de análises e propostas precisas, colocadas por escrito não somente como projetos políticos, mas implementadas no reino de Valência e em outros territórios da coroa catalão-aragonesa. No século sucessivo, depois do Albizzeschi, Bernardino de Feltre, mas também Michele Carano, João de Capestrano, Marcos de Montegalo, Fortunato de Coppoli70 70 Nos capítulos dedicados à boa cidadania do seu Dotzé Llibre del Crestià, Eiximenis reflete sobre as condições políticas que enfraquecem o papel dos nobres, da "prima mano" da civitas, sem exprimir alg MATTEO pinião em favor desse primário estrato social, pelo contrário, ele insiste na progressiva inaptidão deles para compreender o sentido e o valor das instituições civis citadinas; cf., particularmente, os capítulos 199 e 200, EIXIMENIS, Dotzé Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.425-428. Isso também aparece significativamente na abertura do Trattato quando é descrito os motivos políticos e econômicos que tornam forte e boa a civitas de Barcelona: "Per què consellà que la dita ciutat, si.s volia conservar en sa bona fortuna, no entesés en excessives honors, car aquí li fallia la fortuna; per tal dix (l'autore di un Judiciari) que mentre la dita ciutat entesés en mercaderies seria prosperada, car honor de mercede és migana e temprada, mas de continent que la dita ciutat desviàs de aquesta honor, e los ciutadans seus entesessen en ésser cavallers, o en ésser curials de senyors que la dita ciutat perdria la sua bona fortuna, car lavors son regiment vendria a jovent e a no-res, e sos notables habitadors haurien scismes entre si e.s perseguirien e, a la fi, portarien mateys e la ciutat a perdicó", capítulo 24, em part. EIXIMENIS, Dotzé Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.49-50. A clara convicção eiximeniana sobre a inaptidão da ma major para participar efetivamente da res publica manifesta-se especificamente quando ele defende que a existência de um número significativo de tais citadinos honrats determinaria o desaparecimento da res publica ("a la fi, portarien mateys e la ciutat a perdició") fazendo, primeiramente, desaparecer toda a lógica e razão do governo da ciutat ("car lavors son regiment vendria a jovent e a no-res"). Uma inaptidão que se mede por meio de um duplo e convergente modo de ser social e político: a incapacidade de compreender que o dominium da res publica não é um dominum de ordem pessoal, mas se funda sobre a preeminência da lei e sobre o dever de sujeição de todos a ela; e sobre a adoção de lógicas econômicas, de gestões das próprias riquezas que rejeitam a noção participativa, o valor do bem comum, a função dinâmica e de fluidificação dos patrimônios e dos capitais que são, ao contrário, os pilares do profit comù da res publica, da ciutat como congregação concorde de pessoas que sabem viver em relações entre eles: ad invicem participancium. Em ao menos três capítulos, Eiximenis desenvolve essas argumentações, mas advertido do fato de que seriam os "generosos" a serem os cidadãos-pessoas majoritariamente aptos à participação e ao governo da civitas em razão do seu patrimônio, de seu status social, de sua cultura, de seu antigo uso das cortes e do poder. É precisamente a incompreensão política deles da lógica da res publica que fazia, todavia, com que os cidadãos que fossem colocados à margem, senão expulsos, do consenso civil. Sobre esses aspectos, permito-me fazer referência a EVANGELISTI, 2013. e Mateus de Agrigento, retomaram e desenvolveram esses projetos de acesso ao crédito e à visibilidade civil. Eles defendiam a ideia fundamental de circulação virtuosa da riqueza que fosse participativa, não entregue passivamente a um público indistintos de destinatários, mas conferida a sujeitos confiáveis que se empenhavam em re-colocar em circulação, na res publica, os proventos obtidos por meio da utilização produtiva dos capitais recebidos. Bernardino - ponto de referência para todos os que atuaram depois dele - inclui também a necessidade de traduzir essa ideia em um projeto de cultura civil esperando a construção de um Studio senense, de uma "universidade" que difundisse o conhecimento e promovesse esses valores colocando em sinergia a res publica e o estrato produtivo mercantil: era uma operação de grande impacto. Tratava-se de colocar o mercado, os seus saberes e suas práticas, no interior do leito civil e institucional da res publica.71 71 Cita-se esse pregador perugino pela decisiva influência exercida principalmente em Siena na fundação de um Monte de crédito, o Monte Pio de 1472, que tornar-se-á o Monte dei Paschi di Siena, um dos mais importantes bancos da história econômica e política da Itália até o século XXI. Cf. CATONI, Giuliano. I secoli del Monte: 1472 - 1929, Siena: (s.i.p.) Monte dei Paschi di Siena, 2012.

Se for consentido passar da observação de um plano histórico e historiográfico a uma perspectiva de empenho civil, podemos concluir esse exame sobre os textos bernardinianos, e mais amplamente franciscanos, com uma consideração.

Se o minoritismo dos séculos XIV e XV cultivou a existência de um grande substrato de homens, de minores, que não foi literalmente personificato 72 72 Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1132. , e tentou mensurar a si mesmo com esses temas, o horizonte de ação contemporâneo pode substanciar-se na coleção dos traços de análise e de planejamento declaradamente políticos para tentar conquistar uma maior solidez à idealidade republicana, fora de qualquer utopia, mas na assunção de um valor fundador como aquele contido no próprio termo de res publica.

Na leitura da textualidade produzida pelo franciscanismo, pode-se, portanto, ir além da individualização de todas as formas de fazer o bem e de filantropia. Essas fontes poderiam ser analisadas em uma perspectiva mais ampla, advertida sobre os efeitos e sobre as especificações das ações dos Menores que atuaram naquela época histórica e, todavia, aberta a uma análise que consentiria em conquistar, precisamente no terreno da cultura de governo e das boas práticas, alguns milímetros a mais não sobre o espaço da igualdade teórica, mas sobre o da equidade real.

Tradução do original em italiano para o português: Alessio Alonso Alves, Laboratório de Estudos Medievais (LEME), Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil,

Agradecimentos

Paolo Evangelisti é "Professore Invitato" na Pontificia Università Antonianum, Rome para o ano acadêmico 2013/2014. O autor agradece a atenção e hospitalidade de Varia Historia, e também ao professor André Pereira Miatello, organizador do dossier.

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    As suas biografias e numerosos testemunhos iconográficos, estes últimos legíveis ainda hoje sobre as paredes dos edifícios públicos e religiosos de Siena a Lodi, recordam, se bem que com intensidade diversa e com espaço dedicado ao fato, o momento fundamental do seu empenho pelo auxílio dos enfermos do hospital de Santa Maria della Scala durante a peste que flagelou a cidade de Siena. Tratou-se de um trabalho decidido e executado com sucesso quando Bernardino se encontrava ainda no status de vida leiga. As biografias escritas sobre Bernardino podem ser lidas nos Acta Sanctorum 20 Maii, V, (BARNABAS DA SIENA. Vita Sancti Bernardini. In: Acta Sanctorum. 20 Maii, IV. Veneza, 1740, col.739-746; MAFFEO VEGIO. Vita Sancti Bernardini. In: Acta Sanctorum. 20 Maii, IV. Veneza, 1740, col.749-766, às quais se pode acrescentar a de Leonardo Benvoglienti em Analecta Bollandiana, 21, 1902, p.53-80, a de Giovanni de Capestrano e a de um anônimo, editadas por Lorenzo Surio, publicadas em BERNARDINI SENENSIS. Opera omnia editio novissima Lugdunensi postrema emendatior et nitidior. Venetiis, 1745, vol. 1, respectivamente nas páginas XVII-XXXIII e XXXIV-XLIII. Conferir, além disso, DELORME, Ferdinando (ed.). Quemdam Fratrem. Vie de S. Bernardin de Sienne. Texte inédit du XVe siècle. Roma, 1906; VAN ORTROY, F. (ed.). Quemdam Fratrem. In: Analecta Bollandiana, 25, 1906, p.304-338; GADDONI, Serafino; BONCOR, Sante (ed.). Vita di San Bernardino da Siena. Arezzo: Coop. Tipografica, 1912; VESPASIANO DA BISTICCI. Sancto Bernardino da Massa di Maremma. In: BIANCHI, Luciano (ed.). Le prediche volgari di San Bernardino dette nella Piazza del Campo l'anno MCCCCXXVII. Siena: Tip. edit. all'inseg. di S. Bernardino, 1880, vol. 1, p.XIX-XXVII; GAIFFIER, 1953, p.282-322. É também indispensável PELLEGRINI, 2009. Os testemunhos iconográficos mais importantes sobre este fato - que evidenciam a capacidade política e de mobilização civil de que era dotado Bernardino antes mesmo de endossar o hábito franciscano - estão em S. Maria della Scala e na igreja de S. Francesco dei frati Conventuali de Lodi, onde a vida leiga de Bernardino ocupa uma parede inteira, constituindo exatamente 50% da sua biografia pelas imagens presentes naquela igreja.
  • 2
    Sobre este aspecto central da proposta de Francisco, consultar MICCOLI, 1991, particularmente as p.33-97.
  • 3
    Cf. DELCORNO, Carlo (ed.). Bernardino da Siena. Prediche volgari sul Campo di Siena 1427, vol. 1-2. Milão: Rusconi, 1989, (de agora em diante = Prediche), prédica XLII, vol. 2, p.1269-1270 e prédica XVII, vol. 1, p.498; os passos fundamentais na homilia dedicada ao Fundador estão em Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.930-935. Neste artigo, utilizar-se-ão os termos homilia, sermão e prédica prescindindo do valor técnico que cada um destes termos assumiu no curso da história da ars praedicandi entre a Antiguidade Tardia e a primeira Idade Moderna.
  • 4
    Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.932.
  • 5
    Todas as figuras referidas neste artigo encontram-se disponíveis em https://www.dropbox.com/s/cmmjhn2d6zrv37h/Paolo_Evangelisti_%E2%80%98Dunque%20non%20sognate%2C%20fate%20fatti%20non%20solo%20parole%E2%80%99_Varia%20Historia%202015.ppsx?dl=0
  • 6
    Para um exemplo concreto, permito-me indicar EVANGELISTI, 2006; EVANGELISTI, 2007b, p.317-376; de modo geral EVANGELISTI, 1996, p.549-623; MIETHKE, 2005; a questão da relação entre franciscanismo e compromisso político da Ordem foi também analisada por MERLO, 2003, p.207-220.
  • 7
    Prediche, prédica XLV, p.1345-1380: a referência sobre o "ben vivare nella città" lê-se na página 1379
  • 8
    Permito-me indicar EVANGELISTI, 2007a, p.19-52.
  • 9
    Sobre o pensamento econômico bernardiniano é fundamental ver, entre as contribuições mais recentes, a acurada opinião de um profundo conhecedor do pensamento econômico do Senense: TODESCHINI, 2012.
  • 10
    Prediche, I, prédica XII, p.378.
  • 11
    A comuna de Siena mandou esculpir o monograma do Nome de Jesus no lugar da insígnia dos Visconti que se exibia sobre a fachada central do Palácio Público, por deliberação aprovada em 11 e 16 de junho de 1425; o mesmo monograma foi pintado na sala do Mappamondo: cf. DONATI, Francesco. "Notizie su s. Bernardino con un documento inedito". Bullettino senese di storia patria, 1, 1894, p.54.
  • 12
    Prediche, vol. 1, prédica XXXV, p.710-742.
  • 13
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1102: sobre esta modalidade pedagógica, veja-se também a prédica XXXVIII, p.1101.
  • 14
    Prediche, vol. 1, prédica XXV, p.717.
  • 15
    Prediche, vol. 2, prédica XLII, p.1254-1255; BERNARDINO DA SIENA. Le prediche volgari. Predicazione del 1425 in Siena, vol. 2. Florença: Tip. E. Rinaldi, 1958, p.266-267; outras referências aos afrescos se encontram em Prediche, vol. 1, p.311-504-670; vol. 2, p.978-979; para uma muito útil e fundamental atualização do problema do célebre afresco, cf. DESSÌ, 2012, p.89-130; para uma atualização bibliográfica sobre as relações entre o afresco e Bernardino, cf. também DESSÌ, 2012, p.112-113.
  • 16
    O texto integral das inscrições colocadas sob o afresco encontra-se em DESSÌ, 2012, p.98-99, que reporta também, em nota, todas as variantes recolhidas por ela nos diversos manuscritos.
  • 17
    TOMMASO DA CELANO. Memoriale nel desiderio dell'anima, cap. LXXIV. In: Fonti Francescane, Padova: Editrici Francescane, 2011, p.434; BONAVENTURA. Legenda maior, cap. VI.9. In: Fonti Francescane, p.644; Compilatio Assisiensis. In: Fonti Francescane, p.980-981.
  • 18
    Societas Aperiendis Fontibus Rerum Germanicarum Medii Aevii (ed.). TOMMASO DA SPALATO. Historia pontificum Salonitanorum, Leipzig: Karl W. Hiersemann, 1925, Monumenta Germaniae Historica. Scriptorum, vol. 29, p.568-598, p.580; também em LEMMENS, Leonard. Testimonia minora saeculi XIII de s. Francisco Assisiensi ..., ad Claras Aquas: Tip. Collegii s. Bonaventurae, 1926, p.10.
  • 19
    Indicam-se aqui somente dois títulos de sua vastíssima produção: OSTROM, 1990; OSTROM; HESS, 2006.
  • 20
    Sobre essas questões, ver ao menos TODESCHINI, 2010, p.111-153. E também EVANGELISTI, 2012, p.331-369.
  • 21
    Fonti Francescane, p.179-181.
  • 22
    Assim afirma o texto: "Se poi (Francesco) notava qualcuno ozioso e bighellone, che voleva mangiare sulle fatiche degli altri, lo faceva denominare 'frate mosca' perché costui, non facendo niente di buono e sporcando le buone azioni degli altri, si rende vile e abominevole a tutti". BONAVENTURA, Legenda maior V.6, o texto italiano se pode ler em Fonti Francescane, p.634.
  • 23
    Prediche, vol. 1, prédica XXV, p.730.
  • 24
    Prediche, vol. 2, prédica XXXIII, p.946.
  • 25
    A homilia dedicada a este objetivo cívico e político é, nesse ciclo de 1427, a XVIIª, em Prediche, vol. 1, p.418-505.
  • 26
    Sobre essas questões, cf. LAMBERTINI, 2000, p.111-161; permito-me, também, indicar EVANGELISTI, 2014.
  • 27
    Prediche, vol. 2, prédica XVIII, p.510.
  • 28
    Prédica XVIII, Prediche, vol. 1, p.534. Nota-se, aqui, como a tradução para o vulgar da passagem de Eccl. 31, 27 se expande utilmente para uma noção de solícita perícia, de competência de esforçar-se prontamente. Também essa combinação de sollicitudo com peritia/competência é parte do clássico patrimônio da textualidade política franciscana que qualifica o civis, o bom mercador e o bom governante. No século XIII, entre os muitos exemplos, chama-se a atenção para os textos de Olivi e, em relação ao bom governante e ao dux capaz, líder de companheiros civis e militares, Fidenzio de Pádua; cf., respectivamente, TODESCHINI, 2002, p.350; TODESCHINI, 1980, p.63-64; EVANGELISTI, 1998, p.77-178. Que a sollicitudo pertença a um traço genético do pauper Christi é, aliás, amplamente documentado, entre outros, no texto do século XIII do Sacrum Commercium cum Domina Paupertate. De fato, os verdadeiros pobres de Cristo assim são descritos: "uomini amabili, umili nella prosperità, sobri alla mensa, assai moderati nel vestito", "tesi a serbare la concordia degli animi e l'unione", e, por tudo isso "sono scarsi nel sonno". Em tradução italiana, o texto pode ser lido em Fonti Francescane, p. 1299. Por outro lado, o valor do compromisso com reflexo positivo sobre toda a comunidade pode ser lido em uma famosa passagem da Legenda maior, já evocada, quando Francisco condena o frade preguiçoso e incapaz de compreender o valor dos bens, definido pelo Fundador como "frade mosca", cfr. BONAVENTURA, Legenda maior, cap. V.6. In: Fonti Francescane, p.634.
  • 29
    Prediche ,vol. 1, prédica XVIII, p.506. Grifo do autor.
  • 30
    Prediche, vol. 1, prédica XVIII, p.507. Uma matriz patrística um pouco afeita a esta modalidade de entender a centralidade do amor a si mesmos é encontrada em Antônio: "Chi fa del bene al prossimo, fa del bene a se stesso ... chi ha imparato ad amare se stesso, ama tutti"; ANTONIO, Lettere, IV,7; o texto da epístola em tradução espanhola pode ser lido em <http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/0250-0356,_Antonius._Abba,_Cartas_de_San_Antonio_Abad,_ES.pdf>; Acesso em: 26 jul. 2014. A reformulação, a reconsideração proposta sobre a questão do amor a si mesmo como precondição necessária e positiva para poder praticar um amor aos outros pode ser medida a partir dos passos de ARISTOTELE, Etica Nicomachea II,3 1104b30-1; VIII, 2 1155b17-21 e IX, 8 1168a28-1169b2; BORGNET, Augusto (ed.). ALBERTO MAGNO, Commentarii in II Sententiarum, Paris: L. Vivès, 1894, dist. III, K, art. 18, p.97b; TOMMASO D'AQUINO, Quaestiones quodlibetales, Q.I, q.4 art. 3, resp., in TOMMASO D'AQUINO. Opera omnia iussu Leonis XIII P.M. edita, 25, o texto pode ser lido também em <http://www. corpusthomisticum.org/q01.html>; Acesso em: 27 jul. 2014. Uma útil análise da questão dedicada aos textos teológicos dos Pregadores dos séculos XIII e XIV, embora Ulrico de Estrasburgo seja excluído, pode ser lida em LANZA, 2012, p.149-191.
  • 31
    IACOBUS MEDIOLANENSIS. Stimulus Amoris, ad Claras Aquas: Tip. collegii s. Bonaventura, 1949, p.69.
  • 32
    Entre as citações importantes, a presente pode ser lida em um sermão de um dos discípulos mais estimados de Bernardino, Matteo de Agrigento.
  • 33
    Prediche, vol. 1, prédica IX, p.311.
  • 34
    Prediche, vol. 1, prédica IX, p.310. Grifo do autor.
  • 35
    Prediche, vol. 1, prédica IX, p.315.
  • 36
    Lê-se isso, precisamente, quando Bernardino afirma no sermão dedicado ao fundador: "s'acordò tanto a Dio che volse portare il suo segno per lo amor suo" e, mais adiante, justamente para destacar como a cristomimesis de Francisco era, no entanto, um modelo que pode ser seguido - pelo caminho da caritas forjada pela força do sacrifício de Cristo e pela expansividade comunicativa dessa virtus de doação e auto-desapropriação- : "Non è niuno che si possa nascondere dal caldo di Cristo Iesù". "Tutti ci potiamo incarnare in lui. Pigliate essemplo dal povarello Francesco...". E, ainda, "cittadini, ognuno nel grado suo può diventare servo di Dio sotto l'Ordine di santo Francesco"; Prediche, vol. 2, prédica XXXII, p.931.
  • 37
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1099-1138.
  • 38
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1109.
  • 39
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVII, p.1091.
  • 40
    CECCARELLI, Giovanni; PIRON, Sylvain (ed.). GUIRAL OT, De contractibus, 7, in cds; si v. anche GUIRAL OT, Sententia et expositio cum questionibus Geraldi Odonis super libros Ethicorum Aristotelis cum textu eiusdem, Venezia: Simone de Luere, 1500, V, lectio IX, f. 105vb (Roma, Biblioteca Casanatense, Vol. Inc. 581).
  • 41
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVII, p.1089.
  • 42
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVII, p.1088.
  • 43
    BERNARDINO DA SIENA, Quadragesimale de christiana religione, sermo XLVI, in BERNARDINO DA SIENA. Opera omnia, ad Claras Aquas: Tip. collegii s. Bonaventura, 1950, vol. 2, p.73. Grifo do autor.
  • 44
    BERNARDINO DA SIENA, Quadragesimale de christiana religione, sermo XLVI, grifo do autor.
  • 45
    Permito-me uma indicação, antes de tudo bibliográfico: EVANGELISTI, 2009, p.424-443.
  • 46
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1132-1134.
  • 47
    Prediche, vol. 2. prédica XXXVIII, p.1132.
  • 48
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131 (grifos nossos).
  • 49
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131.
  • 50
    Sobre o tema específico, cfr.: EVANGELISTI, (no prelo).
  • 51
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1131.
  • 52
    Sobre essas questões é indispensável conferir TODESCHINI, 2007.
  • 53
    Ver, entre as muitas contribuições da estudiosa sobre o tema, pelo menos MUZZARELLI, 2005, p.13-32; MUZZARELLI, 2007, p.31-42.
  • 54
    Prediche, vol. 2, p.931, prédica XXXII. Grifo do autor.
  • 55
    RENEDO, Xavier et al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè Llibre del Crestià. Girona: Universitat de Girona - Diputació de Girona, vol. 1, tomo 1, cap. 12, 2005, p.25.
  • 56
    EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, cap. 12, p.25.
  • 57
    "Civitas est congregacio concors multarum personarum ad invicem participantium, bene composita et honorabilis, ordinata ad vitam virtuosam, et sibi sufficientem. E vol dir aytant que ciutat és congregaciό concordant de moltes persones participans, e tractans e vivens ensemps, la qual congregaciό deu ésser bé composta, e honorable e ordonada a vida virtuosa, qui és a si matexa sufficient e bastant"; EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, cap. 69, p.150.
  • 58
    EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.284. A referência ao Monte de Piedade não deve ser aqui entendida no sentido do mecanismo específico de crédito ativado pela instituição que, como se nota, operava sobre o penhor, mas na finalidade pela qual ele era concebido e realizado. Nesse sentido, podemos considerar também os Montes de Matrimônio instituídos sempre no século XV. Sobre essas instituições, conferir, para uma primeira abordagem e bibliografia, a argumentação acurada de MUZZARELLI, 2009a, p.609-613; MUZZARELLI, 2009b, p.613-625.
  • 59
    WITTLIN, Curt et al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè Llibre del Crestià, vol. 2, tomo 1. Girona: Collegi Universitari de Girona - Diputació de Girona, 1986, p.439-440. Grifo do autor.
  • 60
    EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 2, tomo 1, p.439-440. Grifo do autor.
  • 61
    EIXIMENIS, Francesc. Il Dodicesimo libro del Cristiano, capp. 139 -152, 193 - 197. Lo statuto della moneta nell'analisi di un Frate Minore del secolo XIV, (Analisi introduttiva e traduzione di EVANGELISTI, Paolo), Trieste: Edizioni Università degli studi di Trieste, 2013. Também em <http://www.openstarts.units.it/dspace/handle/10077/9277>; Acesso: 27 jun. 2014.
  • 62
    Ver, por exemplo, MOLINS DE REI DE, Daniel (ed.). EIXIMENIS, Francesc. Regiment de la cosa pública, Barcelona: El. Nostres Classics, 1927, cap. 21-22, p.124-132 = EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, cap. 377-378, mas também, especificamente nos capítulos dedicados à cidadania, por exemplo, o cap. 197, EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.421; conferir também o cap. 874 do Dotzè em WITTLIN, Curt et Al. (eds.). EIXIMENIS, Francesc. Dotzè llibre del Crestià, vol. 2, tomo 2. Girona: Collegi Universitari de Girona - Diputació de Girona, 1987, p.462-464; os capítulos 377 e 378 do Dotzè podem ser lidos em HAUF, Albert (ed.). EIXIMENIS, Francesc, Lo Crestià, Barcelona: Edicions 62, 1942, p.209-213.
  • 63
    EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.252. Grifo do autor. Sobre a permanente possibilidade de verificação dos requisitos de aptidão e de pertencimento a cada uma das três mãos da res publica, conferir também o mesmo capítulo: EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.252. Trata-se de uma posição qualificante da doutrina política eiximeniana pela amplidão de análise que a sustenta e articula, e pelo panorama das reflexões coevas ao texto do franciscano, em particular as expressas na ampla série de comentários à Politica aristotélica iniciadas desde o século XIII. Na segunda metade do século XV, um Magister dominicano do porte de Johannes Versor (conhecido também como Ioannes Versorius, Johannes le Tourneur) defenderá uma posição em parte coincidente com a eiximeniana em uma passagem do seu comentário à Politica: "Verum est tamen, quod aliqui artifices possunt aliquando assumi ad principatum seu dignitatem, si inventi fuerunt honorabiles et honores digni, et si locupletes satis etiam fuerint, ita quod libere et sine indigentia vite necessariorum possint reipublicae vacare"; JOHANNES VERSOR. Libri Politicorum Arestotilis cum commentum multum utili et compendioso, Köln: Heinrich Quentell, 1492, f. 39rb; sobre a contribuição ao conceito de cidadania de Johannes, cf. MEIER, 1994, especialmente p.72, p.74, p.106-111, p.113, p.200, p.213, p.218-219.
  • 64
    EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol.1, tomo 1, p.415-416; no Regiment de la cosa pública, Eiximenis afirma que "deu ésser vedat comprar rendes e violaris e tothom qui puxa mercadejar, car jatsia açò que aitals coses se puixen haver justament, emperò empatxen la mercaderia qui, sens comparació, és millor per a la comunitat. E apar-ho a ull, car qui tè sos diners en aitals rendes si li era vedat de no haver-les hi hia per guanyar per mar e per terra, e lladoncs la terra seria pus abundant"; EIXIMENIS, Regiment de la cosa pública, cap. XXXIV, p.170.
  • 65
    Para uma reflexão mais aprofundada sobre os nexos teóricos e de pedagogia civil e econômica propostos por Eiximenis e Bernardino, pode-se ler as páginas de Todeschini, com a relativa bibliografia, em TODESCHINI, 2004, p.159-207.
  • 66
    Sobre isso, cf. COSTA, 1999; permito-me também referir-me a EVANGELISTI, 2013. O texto constitui um aprofundamento da relação tratada no congresso: Università degli Studi di Trieste - Dipartimento di Studi Umanistici, Congresso Internazionale, Cittadinanza e disuguaglianze economiche: le origini storiche di un problema europeo (XIII-XVI secolo), Trieste, 11-13 de jun. 2012; importantes reflexões foram desenvolvidas por Giacomo Todeschini nesse congresso e em dois livros que compõem alguns dos fundamentos teóricos, cf, respectivamente, TODESCHINI, 2013b; TODESCHINI, 2007; TODESCHINI, 2011; mais recentemente, com importantes aprofundamentos ulteriores, cf. TODESCHINI, 2013a, p.254-277.
  • 67
    Ver, por exemplo, EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1. tomo 1, p.251. No século precedente, Tomás de Aquino, comentando Aristóteles, afirmava que: "Multi enim sunt, qui non sunt cives, et tamen neque sunt advenae neque peregrini; sicut patet de servis et libertinis, qui sunt ex servitute libertati restituti. Verum est enim quod non omnes sunt cives, qui sunt necessarii ad complementum civitatis, sine quibus civitas esse non potest; quia non solum de servis, sed etiam de pueris videmus, quod non sunt ita perfecte cives sicut et viri. Viri enim sunt simpliciter cives, quasi potentes operari ea quae sunt civium: sed pueri sunt cives ex suppositione, idest cum aliqua determinatione diminuente. Sunt enim cives imperfecti: et sicut servi et pueri sunt quidem aliqualiter cives, sed non perfecte, ita etiam est et de artificibus. Unde in antiquis temporibus banausi, id est viles artifices opere suae artis maculantes corpus, et etiam peregrini apud quasdam civitates erant servi, sicut etiam et modo multi sunt tales". TOMMASO D'AQUINO. Sententia libri Politicorum, lib. 3, vol. 3 lectio, n. 2. O texto pode ser lido também em: <http://www.corpusthomisticum.org/cpo.html>; Acesso: 27 jun. 2014. Grifo do autor.
  • 68
    Refiro-me, aqui, a SCHERMAN, 2008; GEREMEK, 1987; BRAUNSTEIN, 1999, p.91-103; STELLA, 2002; TODESCHINI, 2011, p.262-263.
  • 69
    Será útil conferir as diversas contribuições publicadas em Cittadinanza e disuguaglianze economiche: le origini storiche di un problema europeo (XIII-XVI secolo), Università degli Studi di Trieste - Dipartimento di Studi Umanistici, Congresso Internazionale, Trieste, 11-13 giugno 2012, também em Mélanges de l'École française de Rome - Moyen Âge, vol. 2, n. 125, 2013, particularmente, além do avant-propos de Clement Lenoble e a introdução de Giacomo Todeschini; MILANI, 2013; PALERMO, 2013; MENZINGER, 2013; Vallerani, 2013; PICCINNI, 2013. Disponível em: <http://mefrm.revues.org/1249>; Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 70
    Nos capítulos dedicados à boa cidadania do seu Dotzé Llibre del Crestià, Eiximenis reflete sobre as condições políticas que enfraquecem o papel dos nobres, da "prima mano" da civitas, sem exprimir alg MATTEO pinião em favor desse primário estrato social, pelo contrário, ele insiste na progressiva inaptidão deles para compreender o sentido e o valor das instituições civis citadinas; cf., particularmente, os capítulos 199 e 200, EIXIMENIS, Dotzé Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.425-428. Isso também aparece significativamente na abertura do Trattato quando é descrito os motivos políticos e econômicos que tornam forte e boa a civitas de Barcelona: "Per què consellà que la dita ciutat, si.s volia conservar en sa bona fortuna, no entesés en excessives honors, car aquí li fallia la fortuna; per tal dix (l'autore di un Judiciari) que mentre la dita ciutat entesés en mercaderies seria prosperada, car honor de mercede és migana e temprada, mas de continent que la dita ciutat desviàs de aquesta honor, e los ciutadans seus entesessen en ésser cavallers, o en ésser curials de senyors que la dita ciutat perdria la sua bona fortuna, car lavors son regiment vendria a jovent e a no-res, e sos notables habitadors haurien scismes entre si e.s perseguirien e, a la fi, portarien mateys e la ciutat a perdicó", capítulo 24, em part. EIXIMENIS, Dotzé Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.49-50. A clara convicção eiximeniana sobre a inaptidão da ma major para participar efetivamente da res publica manifesta-se especificamente quando ele defende que a existência de um número significativo de tais citadinos honrats determinaria o desaparecimento da res publica ("a la fi, portarien mateys e la ciutat a perdició") fazendo, primeiramente, desaparecer toda a lógica e razão do governo da ciutat ("car lavors son regiment vendria a jovent e a no-res"). Uma inaptidão que se mede por meio de um duplo e convergente modo de ser social e político: a incapacidade de compreender que o dominium da res publica não é um dominum de ordem pessoal, mas se funda sobre a preeminência da lei e sobre o dever de sujeição de todos a ela; e sobre a adoção de lógicas econômicas, de gestões das próprias riquezas que rejeitam a noção participativa, o valor do bem comum, a função dinâmica e de fluidificação dos patrimônios e dos capitais que são, ao contrário, os pilares do profit comù da res publica, da ciutat como congregação concorde de pessoas que sabem viver em relações entre eles: ad invicem participancium. Em ao menos três capítulos, Eiximenis desenvolve essas argumentações, mas advertido do fato de que seriam os "generosos" a serem os cidadãos-pessoas majoritariamente aptos à participação e ao governo da civitas em razão do seu patrimônio, de seu status social, de sua cultura, de seu antigo uso das cortes e do poder. É precisamente a incompreensão política deles da lógica da res publica que fazia, todavia, com que os cidadãos que fossem colocados à margem, senão expulsos, do consenso civil. Sobre esses aspectos, permito-me fazer referência a EVANGELISTI, 2013.
  • 71
    Cita-se esse pregador perugino pela decisiva influência exercida principalmente em Siena na fundação de um Monte de crédito, o Monte Pio de 1472, que tornar-se-á o Monte dei Paschi di Siena, um dos mais importantes bancos da história econômica e política da Itália até o século XXI. Cf. CATONI, Giuliano. I secoli del Monte: 1472 - 1929, Siena: (s.i.p.) Monte dei Paschi di Siena, 2012.
  • 72
    Prediche, vol. 2, prédica XXXVIII, p.1132.
  • 73
    Mais uma vez, de modo exemplificativo, o Dotzé de Eiximenis nos ajuda. O frade defende que a composição da civitas não depende dos homens que vivem dentro dela, mas de quem, no seu interior, é um homem que demonstra ser também pessoa. Somente os homens que possuem dignitas de pessoa formam a civitas; a posse desse indispensável componente não biológico-antropológico é demonstrada por meio de dois requisitos: a atividade que cada um exercita e a capacidade discursiva: "Sobre aquesta III part de la dita diffinició, qui diu personarum multarum, nota que la intenció del diffinient la ciutat sí era dir en les dites paraules que la ciutat fos composta e habitada de hòmens qui fossen persones, ço es hòmens personans e manifestants en si mateys, per obra e per paraula, que ells eren dignes"; EIXIMENIS, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.177. Esse homem assim personificato, capaz de viver na comunidade para conseguir tanto o seu lucro pessoal quanto o dos outros, é o civis e é, também, o modelo constituído como um espelho, um "mirall en lo qual cascù deu veure com deu viure en la comunitat"; Eiximenis, Dotzè Llibre del Crestià, vol. 1, tomo 1, p.177. Grifo do autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2014
  • Aceito
    19 Dez 2014
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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