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Discriminação e abandono de recém-nascidos mestiços na América Portuguesa: Os exemplos de Mariana, Vila Rica e Recife

Resumo

O financiamento da criação de recém-nascidos abandonados pelos pais nas ruas das localidades portuguesas foi regulamentado pelas Ordenações Manuelinas (1512) e frequentemente constituía um tema controverso porque era uma iniciativa onerosa, que recaía sobre os cofres municipais e, no limite, sobre a população local, por meio de impostos (fintas) lançados pelo termo. Quando passou a ser obrigação legal, uma vez posta em prática, os concelhos encarregavam-se de cuidar de todos os expostos da localidade. Este artigo analisa os casos de Mariana e Vila Rica, em Minas Gerais, e Recife, em Pernambuco, onde foi regulamentado o financiamento da criação dos enjeitados. Contudo, essa forma de caridade, típica das regiões católicas no Ocidente, passaria por inovações frente à presença de populações miscigenadas na América portuguesa. Nos três exemplos estudados, as autoridades propuseram restringir o público de auxiliados a partir de critérios étnicos, estabelecendo, assim, novas fronteiras das noções de caridade, pobreza e assistência.

Palavras-chave
enjeitados; caridade; pobreza

Abstract

Newborns abandoned by their parents in the streets of Portuguese localities were raised with funds regulated by Portuguese law - the Manueline Ordinances (Ordenações Manuelinas, 1512). This was often a controversial subject because it was a costly initiative that depended on the municipal treasury and, in the long run, the local community, through taxes (fintas ) levied by the regulations. When it became a legal obligation, once put into practice, the councils were in charge of taking care of all of the area's expostos. This paper analyzes the cases of Mariana and Vila Rica, Minas Gerais, and Recife, Pernambuco, where funding for foundlings' foster care was regulated. However, this type of charity, typical of Catholic regions in the West, would undergo innovations in light of the presence of mixed-race populations in Portuguese America. In the three examples studied, the authorities proposed restricting those assisted on the basis of ethnic criteria, thereby establishing new boundaries for concepts of charity, poverty and assistance.

Keywords
foundlings; charity; poverty

Em Portugal, chamavam-se enjeitados ou expostos os recém-nascidos, anonimamente abandonados pelos pais, que, dessa forma, abriam mão da tutela e da criação dos filhos. Até o fim da Idade Média, os enjeitados eram acolhidos por particulares e instituições pias, mas, a partir das Ordenações Manuelinas (1512), o cuidado com os abandonados passou a ser uma obrigação legal: as câmaras municipais se tornaram responsáveis por financiar, até os sete anos de idade, o sustento dos expostos nascidos sob jurisdição do concelho.1 1 "Porém se alguns órfãos que não forem de legítimo matrimônio forem filhos d'alguns homens casados ou de solteiros, em tal caso, primeiramente, serão constrangidos seus pais, que os criem; e não tendo eles por onde os criar, se criarão à custa das mães; e não tendo uns nem outros por onde os criar, sejam requeridos seus parentes que os mandem criar; e não o querendo fazer ou sendo filhos de religiosos, ou frades, ou freiras ou de mulheres casadas, por tal que as crianças não morram por míngua de criação, os mandarão criar à custa dos bens dos hospitais, ou albergarias, se os houver na cidade, vila ou lugar ordenados para criação dos enjeitados; e não havendo aí tais hospitais ou albergarias, se criarão à custa das rendas do concelho; e não tendo o concelho rendas por onde se possam criar, se lançará fintas por aquelas pessoas que nas fintas, e encarregos do concelho hão de pagar, a qual lançarão os oficiais da câmara.". Ordenações Manuelinas. Reprodução em fac-símile da edição de 1512-1513. Lisboa: Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002 [1512-1513]. Livro I, título 67, parágrafo 10, p.482. Naquele momento, o reinado de dom Manuel (1495-1521) vinha promovendo também o particular esforço de organização e ampliação do sistema de auxílio à pobreza, protagonizado pelas irmandades da Misericórdia. O financiamento dos expostos surgiu como uma questão civil e pública, que, em um sentido largo, remetia à obrigação moral do rei (pater familias ) de zelar pelos súditos desamparados, mas, em termos práticos, tornava o abandono um assunto local, cuja administração recaía sobre as câmaras e o ônus financeiro, majoritariamente, sobre as comunidades. Esse modelo de financiamento baseado na responsabilidade das municipalidades foi referendado nas Ordenações Filipinas (1603),2 2 Ordenações Filipinas. Rio de Janeiro: Edição de Cândido Mendes de Almeida, 1870 [1603]. Livro 1, título 88, parágrafo 11, p.210-211. garantindo ainda a autonomia dos concelhos de lançar fintas sem autorização prévia dos corregedores.3 3 Ordenações Filipinas, livro 1, título 66, parágrafo 41, p.151.

No texto normativo, a referência aos expostos estava bem atrelada aos órfãos, especialmente, aos ilegítimos. Ainda que de um ponto de vista mais vasto estivessem, tal como os órfãos, inseridos na categoria de "pobres", os abandonados constituíam um grupo específico de fragilidade, institucionalmente amparado até os sete anos (Sá, 1992SÁ, Isabel dos Guimarães. Abandono de crianças, infanticídio e aborto na sociedade portuguesa tradicional através das fontes jurídicas. Penélope - fazer e desfazer a história, n. 08, p.76-89, 1992., p.76-89).4 4 Ver também: PINTO, Antônio Joaquim Gouveia. Compilação das providências, que a bem da criação, e educação dos expostos ou enjeitados que se tem publicado. Lisboa: Impressão Régia, 1820. Sua condição de legitimidade também era autônoma, ou seja, a não ser que alguma informação viesse a público, expostos não eram legítimos ou ilegítimos. Diferentemente dos órfãos, para quem a morte dos progenitores era uma referência incontornável, a criança exposta se encontrava em seu grau zero de ascendência. Esse é um dado importante, especialmente considerando os inconvenientes que a ilegitimidade, a impureza de sangue, ou a qualidade poderiam causar na sociedade portuguesa. Por fim, seguindo a tradição jurídica romana, uma vez enjeitadas, as crianças eram consideradas livres (Boswell, 1988BOSWELL, John. The kindness of strangers - the abandonment of children in western Europe from late antiquity to the renaissance. New York: Penguin Books, 1988., p.53-137). No império português, o princípio da liberdade dos expostos foi reafirmado pelo alvará de 31 de janeiro de 1775, reivindicando a ingenuidade natural5 5 Segundo BLUTEAU, "Ingênuo chamavam os antigos romanos àquele que era filho de pais livres e honrados". BLUTEAU, Rafael. Vocabulário português e latino. Lisboa: Joseph Antonio da Silva, 1728, p.131-132. No dicionário de Antonio de Moraes Silva, ingênuo é definido como "entre os latinos, era o filho de pai libertino, ou cidadão romano. Sincero, singelo, sem dobres, não refolhado". SILVA, Antônio Morais da. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa: Oficina de S. T. Ferreira, 1789, p.161. É preciso esclarecer ainda que, de acordo com Moraes Silva, "libertino", neste contexto, significava, "entre os romanos, o filho do liberto, daquele que sendo cativo, se forrara" (SILVA, 1789, p.221). e habilitação pessoal dos expostos.6 6 "Artigo VII - Mando que estando completos os sete anos de idade de cada exposto e sendo logo na forma acima entregue ao juiz de órfãos a que tocar, se haja por desobrigado o Hospital e a Mesa da Misericórdia de mais cuidar dele, ficando por este motivo sem privilégio algum da referida casa, como se nela nunca tivera existido, porque Hei por extintos e de nenhum efeito em Juízo ou fora dele, ficando reduzidos a uns simples órfãos, como outros quaisquer dos povos. Exceto, porém aqueles privilégios que pertencem à ingenuidade e habilitação pessoal dos mesmos órfãos; porque destes ficarão gozando sem quebra ou restrição alguma". Disponível em: http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=109&id_normas=33643&accao=ver; Acesso em: 16 jun. 2015.

Depois dos sete anos, passavam a ter o mesmo estatuto dos órfãos, ficando sob a responsabilidade do juiz de órfãos. Em tese, a particularidade estava no fato de os expostos serem emancipados aos 20 anos, cinco anos antes dos órfãos. Como não havia leis específicas de adoção, era comum que, depois de acabado o período subsidiado, permanecessem nas casas das famílias criadeiras, ou circulassem entre os lares até conseguirem algum domicílio de acolhimento, à custa de trabalho pago por soldadas, ou apenas abrigo, alimentação e vestuário (Sá, 1995SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul - o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian/JNICT, 1995., p.87). Mesmo nas regiões onde a assistência era mais institucionalizada, o controle sobre os destinos dos expostos maiores de sete anos de idade era frouxo e dependia das relações entre abandonados e famílias criadeiras.

Especialmente a partir do século XVII, o modelo pautado pelo financiamento das câmaras e o estabelecimento da roda dos expostos tornou-se popular em todo Portugal continental (Sá, 1995SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul - o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian/JNICT, 1995.). Em muitos casos, as câmaras gerenciavam uma casa da roda, administrando criadores, amas, enterros... Contudo, nas regiões com Santas Casas mais dinâmicas, as câmaras, mediante pagamentos regulares, transferiram a responsabilidade de criar os enjeitados para as Misericórdias locais. A presença de uma roda tendia a centralizar o abandono, tornando-o mais impessoal e burocratizado. Na América portuguesa, três rodas foram estabelecidas até 1822: Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738) e Recife (1788).

Nas comunidades sem rodas dos expostos, as crianças eram deixadas nas soleiras das portas de casas alheias ou em locais públicos, garantindo uma dinâmica mais popular, porque dava às famílias, por exemplo, a possibilidade de estabelecer estratégias - nem sempre bem sucedidas - na escolha das casas onde os bebês seriam abandonados. Nas comunidades onde não havia rodas, era frequente que as câmaras simplesmente se eximissem de custear o pagamento dos expostos (Scott; Bacellar, 2010SCOTT, Ana Silvia Volpi; BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Crianças abandonadas em áreas sem assistência institucional. In: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história do abandono de crianças - de Portugal ao Brasil, séculos XVIII-XX. São Paulo/Belo Horizonte: Alameda/PUC-MG, 2010. p.56-84., p.59-80); noutros casos, os concelhos financiavam famílias receptoras que reivindicassem o subsídio sem maiores interferências na dinâmica do abandono, como era o caso de, por exemplo, Mariana e Vila Rica, na Capitania de Minas Gerais.

O presente artigo discutirá as aplicabilidades do subsídio camarário destinado aos expostos - uma lei pretensamente universal - em sociedades escravistas. Para tanto, serão analisados os exemplos de Mariana e Vila Rica, localidades em que o abandono era feito nas portas das casas e institucionalmente amparado pelas respectivas câmaras, e a vila de Recife, que, a partir de 1788, estabeleceu uma roda dos expostos anônima. Nos três casos, as propostas para conter o abandono pretenderam discriminar os acolhidos, pautadas em critérios de qualidade dos enjeitados. Com base nos referidos exemplos, pretende-se ainda examinar como as noções de caridade e pobreza foram compreendidas pelas instituições coloniais.

A cor dos expostos

De acordo com o Concílio de Trento, assim que uma criança enjeitada fosse encontrada, deveria ser ungida novamente, sub conditione, ainda que trouxesse consigo algum bilhete dizendo que já fora batizada;7 7 A prescrição do batismo "debaixo de condição" foi observada nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). Estudo crítico e edição de Bruno Feitler e Evergton Sales Souza. São Paulo: Edusp, 2010, p.150. além do sacramento condicionado, a outra recomendação era para que os párocos anotassem informações que facilitassem a identificação, caso os pais a quisessem reaver.8 8 "E havendo algum enjeitado que se haja de batizar, a que se não saiba pai ou mãe, também se fará no assento a dita declaração, e do lugar e dia, e por quem foi achado" (VIDE, 2010, p.156-157). Frequentemente, o registro de um exposto continha o local onde fora encontrado, o nome da pessoa que o acolheu, a transcrição dos bilhetes, e a relação de objetos deixados com as crianças (mantas, peças de roupas, fitas). Assim, a qualidade de informações dependia dos muitos aspectos que envolviam o encontro e da disposição dos párocos em registrar os detalhes de cada ocorrência.

Os demais trâmites não fugiam às orientações gerais para os assentos de batismo: data, nome, pais, padrinhos, freguesia, pároco. As próprias Constituições Primeiras não exigiam a referência da cor, sendo mais usual a escrituração segundo a condição jurídica da população: livres e forros em livros separados dos escravos. Em muitos espaços coloniais, a referência à "qualidade" dos recém-nascidos era um dado pouco frequente e dependeu da boa vontade dos párocos; para os expostos, esse silêncio poderia ser benéfico.9 9 Sobre a cor dos expostos, ver: MARCÍLIO, 2006, p.230-236; VENÂNCIO, 1999, p.47-50; CAVAZZANI, 2005, p.117; BRUGGUER, 2006, p.119-127; PAULA, 2009, p.141; FARIA, 2010, p.81-98; DAMASCENO, 2011, p.103-107; FRANCO, 2014, p.82; SILVA, 2014, p.127-128. Entretanto, como dito, a menção à ascendência mestiça dos recém-nascidos variou conforme a disponibilidade dos párocos: os registros de Recife, por exemplo, na virada do século XVIII para o XIX, faziam referência à cor dos recém-nascidos (Nascimento, 2008NASCIMENTO, Alcileide Cabral do. A sorte dos enjeitados: o combate ao infanticídio e a institucionalização da assistência às crianças abandonadas no Recife (1789-1832). São Paulo: Annablume , 2008., p.222).

Em termos práticos, não é possível saber em que medida a ausência de cor favoreceu os bebês, embora, em tese, a dúvida devesse estar sempre a favor dos enjeitados. Em 1795, em Vila Rica, a crioula forra Ana Pereira Pinta solicitou a modificação do assento de batismo que declarava a exposta Domitila como parda. Segundo Ana, essa declaração só poderia ser feita caso o reverendo conhecesse os pais da menina, portanto não deveria haver "reconhecimento da qualidade da dita exposta", pois "o sacramento da graça não abre a porta da infâmia". A câmara ordenou a alteração e o coadjutor declarou ser engano seu: "por isso agora me reporto que então me parecia parda e agora é branca; é o que tenho a dizer".10 10 Arquivo Público Mineiro (doravante, APM), Câmara Municipal de Ouro Preto (doravante, CMOP), Av., Cx. 67, Doc. 32.

Em alguns casos, os bilhetes deixados com as crianças faziam questão de mencionar a cor, certamente na tentativa de influenciar no registro do batismo: em 11 de março de 1777, um enjeitado foi colocado na porta de Antônio Correa Mayrinck, vigário da Paróquia do Pilar de Vila Rica com um pequeno papel dizendo que o bebê era "filho de mulher branca e que se havia de chamar Antonio".11 11 Banco de Dados referente às séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, séculos XVIII e XIX, coordenado pela Profa. Dra. Adalgisa Arantes Campos, contendo as atas de batismo da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, Fapemig); id. 5354. Entretanto, convém ressaltar que não é possível estabelecer um padrão, ou mesmo verificar o grau de verdade de cada relato. No limite, essas breves declarações poderiam ser falsas, maneiras de garantir melhores condições para as crianças, formalizando estratégias que correspondessem às expectativas institucionais (Venâncio, 1999VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas - assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. São Paulo: Papirus, 1999., p.75-85).

Enquanto a maior parte dos registros de batismo não trazia a referência à cor, os livros de entrada da Casa da Roda de Salvador e Rio de Janeiro foram, desde o século XVIII, mais explícitos, atribuindo, de pronto, a "qualidade" dos enjeitados. A designação era confusa, baseada na aparência e muitas vezes negociável. No início do século XIX, nas averiguações dos expostos feitas pela Misericórdia de Salvador, observam-se muitas gradações na classificação, como "branco alvo", "branco bastante moreno", "branco trigueiro", "branco corado", "pardo trigueiro", "pardo disfarçado"... As cores poderiam mudar à medida que as crianças cresciam ou quando um funcionário era trocado (Santos, 2005SANTOS, Jocélio Teles dos. De pardos disfarçados a brancos pouco claros: classificações raciais no Brasil dos séculos XVIII-XIX. Afro-Ásia, n. 32, p.115-137, 2005., p.115-137).

De todo modo, observa-se, na longa duração, a prevalência de brancos sendo ultrapassada pelos negros e mestiços a partir da segunda metade do século XIX, quando o abandono passava por vários questionamentos morais e, paulatinamente, tornava-se uma prática marcadamente de pobres e miseráveis (Venâncio, 1999VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas - assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. São Paulo: Papirus, 1999., p.48). Sem estabelecer marcos cronológicos rígidos, é possível afirmar que até a primeira metade do século XIX, o abandono era uma prática popular, amplamente disseminada e dizia respeito a diferentes extrações sociais.

Para o período colonial, a "omissão" dos párocos e a referência contínua a brancos nos registros das Misericórdias de Salvador e Rio de Janeiro levaram parte da historiografia a interpretar o fenômeno como uma questão moral. Enquanto famílias honradas e brancas temiam tornar pública uma prole indesejada, os setores mestiços, para quem a ilegitimidade era assunto trivial, não precisavam enjeitar os filhos (Silva, 1980SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O problema dos Expostos na Capitania de São Paulo. Anais do Museu Paulista, t. 30, p.95-104, 1980/1981., p.95-104; Russell-Wood, 1981RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos - a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília: Ed. UNB, 1981., p.233-251). Nessa perspectiva, o abandono era resultado do rigorismo moral e tinha pouca associação com contingências pessoais (morte dos pais, doenças) ou problemas sociais (pobreza).12 12 Para uma discussão sobre as causas do abandono, ver: SÁ, 1995, p.12-22; MARCÍLIO, 2006, p.257-266; VENÂNCIO, 1999, p.85-94; FRANCO, 2014, p.62-74.

As pesquisas mais recentes têm insistido no caráter amplo do fenômeno, abrangendo diferentes grupos sociais que, comunitariamente, se envolviam na dinâmica do abandono. Cabe ressaltar ainda que, ao longo da época moderna, a exposição de crianças era uma prática comum em diferentes regiões da Europa do sul (Sá, 1995SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul - o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian/JNICT, 1995.). No caso colonial, pretos, brancos, pobres, ricos, livres, escravos, ou tinham enjeitados em seus círculos familiares, ou, certamente conheciam quem os tinha (Franco, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014.). Abandonar o filho fazia parte de um repertório de ações por meio do qual as famílias abriam mão da prole, pelas mais variadas razões, como ilegitimidade, pobreza, doença, orfandade, etc. A ideia de que a ascendência dos enjeitados era totalmente desconhecida é bastante questionável: pequenas localidades apresentaram altos índices de exposição. O abandono era um fenômeno legítimo e tolerado, no limite, um recurso menos cruel que o aborto e o infanticídio.

No entanto, embora fosse um fenômeno socialmente disseminado, nas sociedades escravistas, os expostos colocavam outra questão para o dia a dia: se a aparência mestiça associava rapidamente abandono e escravidão, como restringir o enjeitamento apenas aos segmentos livres? Aqui e ali havia casos de utilização "indevida", com histórias de escravas que ocultavam a gravidez e enjeitavam filhos, tornando-os livres e desvirtuando o princípio caritativo que ordenava o bem comum. Por isso, nas histórias descobertas, ao arrepio da lei, os filhos das escravas retornavam ao cativeiro.

Em Vila Rica, por exemplo, o assento de batismo de Ângelo, de janeiro de 1760, veio retificado: "por se haver feito no livro dos forros como enjeitado, por engano da mãe que mandou enjeitar".13 13 Banco de dados referente às séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, séculos XVIII e XIX, Batizado em 07 jan. 1760, id. 9313. Em 1782, reverendo Francisco de Palhares entrou com pedido na câmara alegando que o enjeitado Bernardo, criado na casa do ferreiro Joaquim da Silva Guerra e sua esposa Vitória Correa de Maciel, era filho de sua escrava. O reverendo pedia, por meio de um auto de perguntas, o esclarecimento e a restituição de seu "escravo mulatinho exposto furtivamente à câmara desta Vila", retomando a guarda do menor que "interinamente" estava na condição de exposto.14 14 "(...) quer que pela sua idade e qualidade interina de exposto, vulgarmente enjeitado e liberdade em que se acha que Vossa Mercê, como juiz dos órfãos e menores de semelhante figura lhe dê e nomeie curador". APM, CMOP, Av., Cx. 58, Doc. 04.

Isabel, escrava do dito padre, "reputada geralmente dos que a conhecem", havia "parido ocultamente" e enjeitado o filho na casa do doutor Cláudio Manuel da Costa, juiz ordinário, que, por sua vez, deu a criar a Joaquim da Silva Guerra, "pardo ferreiro" e à sua mulher Vitória Correa Maciel, por conta da câmara, "o que tudo sucedeu em dezembro de 1780". Quando Isabel enjeitou Bernardo, ele estava envolto "com uma fralda grossa em vez de toalha, com duas camisinhas e um ou dois côvados de baeta amarela". Conforme depoimento do poeta e inconfidente Cláudio Manuel da Costa, "passados alguns tempos lhe meteram uma carta por baixo da porta no que lhe diziam que aquele menino era da casa do padre Francisco Palhares".

Diante dos fatos, o juiz de órfãos, Antônio de Castro Peixoto, procurou averiguar a fundo os acontecimentos, porque "não se pode duvidar que a liberdade é coisa amável para se reduzir ao cativeiro da escravidão". Procedeu-se, assim, a uma inquirição com pessoas diretamente envolvidas ou que conhecessem a escrava. A parda forra Ana Maria de Jesus, de 25 anos, costureira, confirmou a história do padre e acrescentou que Isabel, assim que tivera o filho, contara pessoalmente para a testemunha que havia enjeitado a criança, fato que ela sabia também "por notícia certa de várias outras pessoas". Ana Maria, todavia, deixou claro que Isabel "havia lhe pedido segredo" e que só o tornava público por estar sendo intimada. Outras testemunhas também atestaram o relato: Maria Cecília, 30 anos, parda, vivia na casa de sua mãe; Antônia Gomes Ribeiro, 48 anos, crioula forra, casada com Antônio João; o licenciado Joaquim Coelho Pereira, 24 anos, homem branco, farmacêutico; Vitoriana Correa Maciel, 30 anos, parda, esposa de Joaquim da Silva Guerra, casal que recebera a criança do dito juiz ordinário, ressaltou que nada sabiam sobre o enjeite; Cláudio Manuel da Costa, 53 anos, cavaleiro professo na Ordem de Cristo, advogado.

O último e mais importante depoimento foi o de Isabel, 21 anos, a própria mãe. A escrava sustentou o acontecido, esclareceu que "no mesmo ato de sua parição" enjeitara o menino, "pelas quatro horas da manhã", na casa do doutor Cláudio Manuel da Costa e depois teve notícia de que Bernardo tinha sido dado a criar a Joaquim da Silva Guerra e sua esposa. Feitas todas as diligências, ouvidas todas as testemunhas, o exposto escravo foi reintegrado ao seu dono, o padre Francisco de Palhares, em 18 de janeiro de 1783.

Casos como os de Vila Rica, naturalmente, foram encontrados nas pesquisas feitas para Mariana, São João del Rei, Rio de Janeiro, Salvador, por exemplo (Souza, 1999SOUZA, Laura de Mello. Norma e Conflito. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999., p.63-79; Brügger, 2006BRÜGGER, Sílvia Maria Jardim. Crianças expostas: um estudo da prática do enjeitamento em São João del Rei, séculos XVIII e XIX. Topoi, vol. 7, n. 12, p.116-146, jan./jun. 2006., p.121-123; Marcílio, 2006MARCÍLIO, Maria Luíza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 2006., p.267-276; Franco, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.107-110). Em Mariana, em 1762, o exposto José, depois de dois anos de criação pelo senado da câmara, foi devolvido ao dono: "sem efeito esse termo por sair dono a este enjeitado" (apud Souza, 1999SOUZA, Laura de Mello. Norma e Conflito. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999., p.76); em Salvador, em 1782, a Misericórdia anotou no assento de uma enjeitada: "fica esta Santa Casa livre de pagar sua criação, por fugir a mãe da casa do dito seu senhor e parir fora, pela confissão que a dita fez".15 15 Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Salvador (doravante, AHSCMS), Livro 6º dos expostos, 1777-1783, 20 jan. 1783. Agradeço à profa. Maria Luíza Marcílio, que gentilmente cedeu-me essa documentação.

Tudo indica que para conseguir êxito o abandono dos filhos das escravas deveria ser assunto restrito a poucas pessoas; tarefa difícil, especialmente para mulheres que dependiam do trabalho e não poderiam se recolher no interior das casas. Além disso, um desentendimento qualquer dava motivos para tornar pública a história de um escravo enjeitado. Em suma, era preciso que abandono de recém-nascidos fosse um privilégio de livres e tudo indica que efetivamente o foi. O controle feito por denúncias cotidianas, resultado de desentendimentos ou antipatias pessoais, era mais eficaz que medidas extremas por parte de instituições.

O destino dos enjeitados poderia também, ao contrário do que se previa, levar à escravização. Tal como houve denúncias de escravos enjeitados, frequentemente surgiam histórias de enjeitados cativos. Embora, a cor certamente fosse um facilitador para a escravização, em Vila Rica, o curioso caso de uma enjeitada "branca" indica que o destino dos expostos tinha muito de sorte: secretamente tomada a criar por uma escrava, Cipriana, "branca", herdou da suposta mãe a condição de cativa (Franco, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.23-24). De todo modo, neste aspecto, parece se tratar de um exemplo muito específico e pouco representativo: os casos de enjeitados mestiços e escravizados foram mais frequentes.

Em maio de 1758, em Salvador, o pardinho Antônio da Conceição foi deixado na roda com um escrito de que o pai voltaria para buscá-lo, mas tão logo o pegou para criar, sua ama o vendeu para outra mulher.16 16 AHSCMS, Livro 3º dos expostos, 1757-1763, 20 jan. 1783. Em Guarapiranga, termo de Mariana, a enjeitada Floriana Maria, "parda forra", na época com 21 anos, desde a sua infância vivia na mesma casa, trabalhando no serviço doméstico e na roça. Em 1771, pediu ajuda ao comandante do distrito, porque, embora livre por direito, era castigada, maltratada e presa em ferros, como se fosse escrava.17 17 APM. Seção Colonial, Cód. 186, 40-40v.

Um dos mais representativos relatos de escravização de expostos mestiços veio do provedor da Misericórdia de Lisboa, em 1779. Recentemente no cargo, José António Castilho Furtado de Mendonça dera início a uma escrituração separada para os enjeitados pretos e pardos que chegavam à roda de Lisboa para facilitar o encontro das matrículas dos mesmos, porque, embora raros, estavam sendo escravizados. Ao provedor parecia impossível - a escravidão era uma instituição em declínio no Portugal continental desde 1773 -,18 18 Em 19 de setembro de 1761, foi proibida a entrada de novos escravos em Portugal; em 16 de janeiro de 1773, definiu-se que os escravos cuja condição de cativos viesse de mães e avós permaneceriam no cativeiro até a morte, sem o transmitir a seus descendentes; os que tivessem herdado a escravidão das bisavós, porém, ficariam livres, assim como os que nascessem a partir de então. RAMOS, 1971, p.169-178. mas sucedia muitas vezes de enjeitados pretos e pardos perderem a liberdade vendidos pelas famílias criadeiras, fazendo "gemer toda a vida nos grilhões do cativeiro os mesmos inocentes que o privilégio da roda faz livres e outros que já o eram".19 19 PAIVA, José Pedro; LOPES, Maria Antónia (coord.). Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 7: sob o signo de mudança - de D. José I a 1834. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2008, p.552-560. Ver, especialmente, o artigo de BRAGA, 2011, p.223-247.

Na América portuguesa, onde os recém-nascidos mestiços não eram raros e a escravidão estava na ordem do dia, os expostos de cor ficavam, seguramente, mais próximos da escravização. Mas o resultado de grande indignação por parte de autoridades veio mesmo do temor - retórico - do abandono indiscriminado dos filhos das escravas. Em pelo menos três localidades - Mariana, Vila Rica e Recife - a discussão sobre selecionar expostos a partir da cor procurou redefinir as noções de pobreza, merecimento, necessidade e caridade.

Fronteiras da caridade: cor, honra e merecimento

Prevista em lei, especialmente na América portuguesa, a criação dos expostos foi frequentemente negligenciada pelas municipalidades. A resistência em implantar benefícios universais, ainda que à custa das comunidades, pode estar intimamente ligada ao público beneficiário, virtualmente composto, em sua maioria, de descendentes de escravos. Como tinha por pressuposto preservar o anonimato dos pais, o abandono era, em tese, uma prática disponível a todos os setores da população. Não era raro que as câmaras reclamassem outras prioridades em detrimento do atendimento regular, especialmente porque, uma vez implantado o auxílio, as taxas de enjeitamento tendiam a crescer.20 20 Para Vila Rica, na paróquia de Nossa Senhora do Pilar, o abandono de recém-nascidos em relação à população livre: 5,46% (1740-1749), 8,75% (1750-1759), 7,67% (1760-1769), 11,65% (1770-1779), 16,06% (1780-1789), 15,83% (1790-1799), 19,3% (1800-1809). FRANCO, 2014, p.71. Para a paróquia de Antônio Dias: 5,1% (1740-1749), 7,4% (1750-1759), 7,8% (1760-1769), 14,2% (1770-1779), 12,4% (1780-1789), 14,4% (1790-1799), 12,2% (1800-1809). COSTA, 1979, apêndice estatístico. Para Mariana, Damasceno não calculou os índices a partir dos assentos de batismo, mas é possível acompanhar o considerável aumento das taxas a partir do número de criadores. DAMASCENO, 2011, p.71, p.73, gráficos 8 e 11. Embora Alcileide Nascimento não faça um levantamento comparativo entre legítimos, ilegítimos e expostos, é possível perceber o aumento de abandonados na Casa da Roda, a partir de 1790. Para o Recife, ver: NASCIMENTO, 2008, p.124. Esse era o caso de, por exemplo, Mariana e Vila Rica: com percentuais pequenos na primeira metade do XVIII, as duas localidades viram seus índices aumentarem exponencialmente na segunda metade do mesmo século.

Em setembro de 1748, os vereadores de Mariana lançaram um edital ordenando aos oficiais de vintena que notificassem toda mulher suspeita de estar grávida, porque os recursos da câmara estavam muito mal governados pelos "muitos enjeitados que neste senado vinham pedir a criação".21 21 Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana (doravante, AHCMM), Termos e acórdãos, série I, vol. 660, f. 107v. O auxílio havia sido regulamentado em 1737 e, até 1750, Mariana era a única câmara mineira que pagava pela criação dos expostos (Damasceno, 2011DAMASCENO, Nicole de Oliveira Alves. Ser exposto: "a circulação de crianças" no termo de Mariana (1737-1828). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2011., p.60). Em Vila Rica, o subsídio foi regularizado em 1750, na ouvidoria de Caetano Costa Matoso. A proximidade entre as vilas deve ter favorecido também a regulamentação dos auxílios em Vila Rica e, a partir de 1750, as duas câmaras se apoiariam mutuamente na tentativa de reduzir o público merecedor aos considerados brancos.

Em Vila Rica, uma vez consentido subsídio regular aos criadores de expostos, uma verdadeira onda de pedidos começara a reivindicar o pagamento previsto nas Ordenações. Em outubro de 1750, José Antônio de Martins recorreu ao ouvidor para que obrigasse a câmara a pagar pela criação de uma enjeitada que havia tido o seu custeio rejeitado. Segundo os camaristas, em resposta ao ouvidor, o senado de Vila Rica não admitia despesas para "mulatos enjeitados". Àquela altura, o argumento era também matemático: se a câmara aceitasse a enjeitada mulata abriria precedente para que os muitos criadores de expostos mestiços requisitassem a mesma paga, o que endividaria o concelho.22 22 "dando o senado aresto para semelhantes enjeitados serão poucas as suas rendas para essa alimentação e pelos muitos que se constam nesta Vila na roda do ano". APM, CMOP, Av., Cx 26, Doc 24. Se a ascendência mestiça era um entrave, a brancura passou a ser uma alegação positiva: em fevereiro de 1751, Josefa Maria de Jesus pediu pagamento pela criação de José: "o menino exposto (...) é branco como Vossas Mercês se poderão informar e ver quando sejam servidos, e não deve arbitrar se lhe menos do que do que se arbitra a outros que têm mescla de sangue".23 23 APM, CMOP, Av., Cx 24, Doc 27. O pedido vinha com um parecer do procurador da câmara: "o enjeitado é branco que o conheço por ser de minha vizinha".24 24 APM, CMOP, Av., Cx 24, Doc 27.

Ainda em 1750, na solicitação de pagamento da enjeitada Antônia, o advogado Luiz Henrique de Freitas se negou a cumprir uma das novas exigências: jurar que a ascendência do exposto era desconhecida. O bacharel procurou ser categórico: "não sabia e ainda que muito soubesse não havia de dar o juramento". Certamente Antônia era mestiça, porque entre os documentos do seu processo, havia também um parecer do procurador da câmara: "se se faculta este requerimento sem mais averiguação, fica aresto para todos os mais enjeitados, não só brancos, como mulatos e crioulos".25 25 APM, CMOP, Av., Cx 26, Doc 38. Em fevereiro de 1751, outro pedido solicitava a retirada da obrigação de jurar sobre os Evangelhos, porque isso colocaria em perigo o crédito das pessoas.26 26 Cópia do termo de agravo contido no processo de Josefa Maria de Jesus. APM, CMOP, Av., Cx. 24, Doc. 27.

Na correição de 1752, os vereadores reclamaram do aumento das despesas e propuseram não se admitisse "tão detestada casta e condição de sangue e assim se escusasse as crianças expostas que conhecidamente fossem mulatas, cabras ou pretas da mesma forma que não se admitiam na câmara de Mariana".27 27 APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 02 nov. 1752. De fato, a correição de Mariana havia seguido na mesma direção reclamando da injustiça de se gastar a renda do concelho com enjeitados de pouca qualidade, "antes mais inferiores". Por isso, os camaristas sugeriam, contra as leis do reino, que os enjeitados maiores de sete anos, ficassem "dali em diante obrigados a servirem dez anos às pessoas que os criaram até aquela idade".28 28 AHCMM, Correição do ano de 1752, códice 176, fl. 38 - 38 v. Citado a partir de DAMASCENO, 2011, p.67.

Em 1753, os trechos das correições que tratam dos expostos são praticamente idênticos nas câmaras de Mariana e de Vila Rica. Os principais argumentos tinham duas orientações: o atendimento irrestrito compactuaria com a imoralidade geral dos cativos e descendentes, além de trazer prejuízo aos senhores de escravos. Para as câmaras, como o abandono servia para conservar a honra das mães, o financiamento não deveria ser dado a mulatas, porque não tinham honra para conservar;29 29 "(...) sendo maior fundamento para esta credulidade a lassidão com que neste país não se faz caso, que as mulatas cheguem a pejar; pois, ou sejam escravas ou forras, nenhum descrédito se segue a semelhante casta de gente de se lhe saber do sucesso de sua leviandade e assim não sendo por esta causa, menos pode obrigar para o enjeite a razão da pobreza porque para a primeira criação bastante é a natural criação das mães, principalmente não sendo estas da qualidade de que trata a Ordenação, livro primeiro, título 87, parágrafo 11". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14 dez. 1753. AHCMM, Cód. 176, Livro de Receita e Despesa, 1752-1762. além disso, escravas enjeitavam seus filhos atacando o direito de propriedade dos donos. Por essas razões, daquele ano em diante, estava oficialmente proibido o pagamento pela criação de negros e mulatos em Mariana e Vila Rica.30 30 "E em caso nenhum se praticará esta providência com os enjeitados mulatos e pretos, que mando que se não aceitem, evitando-se também assim o prejuízo público considerado na maliciosa cautela com que as mães comumente escravas ocultam os fetos, e os expõem como enjeitados por ficarem libertos...". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14 dez. 1753. AHCMM, Cód. 176, Livro de Receita e Despesa, 1752-1762.

Desde o princípio, as câmaras vinham tentando várias medidas para conter o acesso irrestrito de crianças: do empenho da palavra dando fé do desconhecimento da ascendência, passando por tentativas de limitar o auxílio aos financeiramente pobres, até a interdição aberta aos enjeitados mulatos e crioulos. Em todos os casos, a câmara de Vila Rica teve suas pretensões fracassadas por embargos jurídicos da população local (Franco, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.135-148). Enquanto os criadores reivindicavam o dever legal e irrestrito do senado, a câmara via no auxílio uma forma institucional de caridade e, portanto, seletiva de um público de atendidos, definido por parâmetros estabelecidos ao sabor das necessidades do momento. As tentativas de restrição das câmaras a partir de critérios étnicos e sociais definiam um grupo específico de necessitados - os enjeitados "brancos" - e estabeleciam as fronteiras da noção de pobreza a ser auxiliada. É inevitável relacionar essas formas de discriminação à secular diferença estabelecida havia séculos entre pobres "merecedores" e "não merecedores" de ajuda, pela qual se pautaram os sistemas de auxílio da Europa moderna, especialmente a partir do século XVI (Geremek, 1986GEREMEK, Bronislaw. A piedade e a forca - história da miséria e da caridade na Europa. Lisboa: Terramar, 1986.; Woolf, 1987WOOLF, Stuart. The poor in western Europe in the eighteenth and nineteenth centuries. London/New York: Methuen, 1987.; Jütte, 1994JÜTTE, Robert. Poverty and deviance in early modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.; Leeuwen, 2000LEEUWEN, Marco H. D. van. The logic of charity, Amsterdam, 1800-1850. London: Macmillan Press Lts, 2000.).

Na Europa, os sistemas de caridade estavam habituados a estabelecer critérios que se fundavam questões morais e de nascimento. Nesse mesmo sentido, o grande empenho das câmaras de Mariana e de Vila Rica era justamente reduzir o público "merecedor". Essa não era exatamente uma inovação colonial, mas era a consequência da visão hierárquica que ordenava as sociedades do Antigo Regime: especialmente nas instituições, entre os pobres "merecedores", a prioridade de ajuda estava dada aos brancos, cristãos, legítimos. Os descendentes de africanos permaneceram à margem, secundarizados pela presença de uma população branca, ainda que financeiramente mais remediada.

A partir de 1753, em Mariana, algumas matrículas vinham com a advertência: "a todo o tempo que se declarar ser o dito enjeitadinho mulato e não branco lhe não correrá o dito estipêndio" (apud Souza, 1999SOUZA, Laura de Mello. Norma e Conflito. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999., p.74-76). Em Vila Rica, desde então, exigia-se um atestado de brancura, emitido por médicos licenciados, para ser aceito na folha dos expostos (Russell-Wood, 1968RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manuel Francisco Lisboa - Juiz de ofício e filantropo. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 1968., p.31-32). Em janeiro de 1757, Miguel Borges, alegando ser pobre, não ter ama de leite, requereu pagamento para um enjeitado "branco" e, logo em seguida, o procurador respondeu "deve o suplicante fazer certo ser branco e inocente por meios probatórios, pois só mostrando-se ser branco é que o suplicante deve requerer e não só pelo seu dizer". Essa era uma considerável inovação nas tentativas de restringir o abandono porque tinha a pretensão de estabelecer destinos particulares para cada criança a partir da aparência física. Os dois profissionais da câmara emitiram certificado de exame do exposto Silvério e atestaram sua brancura "pelos sinais com que a este manda se conheçam semelhantes crianças, achamos pelos ditos sinais ser branco, por lhe faltarem os que o contrário indicam o que afirmamos."31 31 APM, CMOP, Av., Cx. 34, Doc. 02.

Enquanto a guerra entre criadores e câmaras se mostrava cada vez mais polarizada, os assentos de batismo permaneceram lacunares sobre a cor das crianças. De diferentes formas, os senados tentaram conter o abandono, ameaçando fintar os povos, pedindo averiguações e recomendando delações, mas perderam todas as tentativas: por um lado os criadores conseguiram substantivas vitórias via Tribunal da Relação, no Rio de Janeiro, por outro lado, as taxas de abandono continuavam crescentes e sem inovações na dinâmica. No entanto, a correição realizada em 1759, em Vila Rica, trouxe expressiva diferença de visão dos discursos anteriores. A câmara argumentou que a despesa com os enjeitados era excessiva pelo grande número deles "assim brancos, como mulatos e negros e que os rendimentos da câmara não poderão suprir a tanto".32 32 APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 13 maio 1759. Pela primeira vez em anos, o concelho reconheceu que o abandono de crianças não dizia respeito somente a negros e mulatos, afinal, apesar de seu duro controle, a exposição manteve taxas médias ascendentes ao longo de toda a década de 1750.

Dessa vez, o ouvidor Manoel Fonseca Brandão respondeu ao concelho enfaticamente: "quanto aos enjeitados, não há necessidade de providência mais do que a dada na lei que se deve observar", afinal não era possível "deixar de se observar e cumprir a disposição da lei em favor de criaturas humanas deixadas e desamparadas até das próprias mães".33 33 APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 13 maio 1759. Os atestados de brancura desapareceram dos processos a partir desse período. Para admissão, era requerido o termo de juramento com testemunhas, apresentação do enjeitado e cópia da ata de batismo. Para os recebimentos exigia-se apresentação do exposto, ou atestado de bom tratamento, emitido pelo pároco ou pessoa de importância reconhecida, dando fé de que a criança estava bem alimentada e vestida.

Travados pelo ouvidor, os camaristas recorreram ao governador: em 22 de novembro de 1759, o senado de Vila Rica requereu a diminuição dos preços das mensalidades dos enjeitados e a diferenciação entre mulatos, crioulos e brancos.34 34 Arquivo Histórico Ultramarino (doravante, AHU), Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44. Essa representação não obteve resposta imediata e na correição de 1761 a câmara reclamou do alto e crescente custo dos expostos. Em um tom ligeiramente mais moderado, os camaristas diziam que "a maior parte dos enjeitados procede de algumas mulheres pardas e pretas solteiras" que expunham os filhos a fim de conseguirem rendas com o abandono; ademais, pretas e pardas solteiras não eram pessoas que tinham reputação a zelar.35 35 "achavam ser justo dar alguma providência para que as ditas mulheres criem seus filhos por não serem pessoas em que perigue a reputação". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 1761.

Na correição de 1761, foram propostas novas diligências para conter os enjeitamentos. Dessa vez, o concelho de Vila Rica sugeriu a permissão "conforme a lei, de inspetores jurados nos distritos e ruas que lhe parecerem desta Vila para que sejam obrigados dar parte a esta câmara das qualidades de semelhantes mulheres que andarem prenhes e se saber das crianças que pariram". Os inspetores de Vila Rica seriam obrigados jurar sob pena de prisão e multa de seis mil réis por negligência. O ouvidor aprovou tal solução e estendeu a obrigação aos juízes de vintena do termo.36 36 APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 1761. A medida tomada em Vila Rica assemelhava-se substancialmente àquela deliberada em Mariana, em 1748.

Especialmente a partir da correição de 1761, os camaristas passaram a generalizar o discurso sobre os enjeitados, distribuindo as responsabilidades entre o povo, ainda que carregando as tintas com os mestiços. Era preciso encontrar alternativas de conter o abandono sem infringir as normas prescritas nas Ordenações. Em março de 1763, o concelho lançou editais responsabilizando o aumento da exposição às "meretrizes públicas". Além disso, exortou a população a denunciar tais mulheres sob pena de lançar finta a todas as pessoas.37 37 "ordenamos a todas as pessoas de nossa jurisdição que caso saibam no seu distrito ou vizinhanças acham algumas das referidas mulheres meretrizes públicas que tenham exposto ou enjeitado algumas crianças e estas estejam fazendo despesas a este senado o façam a saber a tal câmara ou a seu procurador". APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 02 mar. 1763. Nenhum grande efeito: o número de abandonados seguiu crescente.

As utilidades dos enjeitados mulatos

Escrita em 1759, uma representação dos camaristas de Vila Rica propunha que os enjeitados mulatos e crioulos ficassem a serviço do senado "outro tanto tempo que foi o da criação", compensando assim o ônus financeiro que vinham tendo com as crianças.38 38 AHU, Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44. Em 1763, a câmara de Mariana engrossou o coro de protestos e escreveu ao monarca reclamando do endividamento provocado pelo aumento dos expostos, "por enjeitarem mulatos e negros, os quais por serem de tão baixa esfera não padecem suas mais infâmias e menos correm riscos de vida".39 39 AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20. Esse argumento vinha se repetindo em diferentes ocasiões e localidades, sinalizando uma percepção comum a vários espaços: o atendimento aos expostos era uma caridade cujo propósito fundamental era guardar a honra das mães, mas, como mestiças não possuíam honra, era preciso redefinir as fronteiras da assistência prestada.

Apesar de ter suas demandas negadas em 1766 pelo governador, a câmara de Vila Rica, em 1772, retomou o argumento dos camaristas de Mariana. O número excessivo de enjeitados brancos, mulatos e crioulos eram frutos da liberdade de muitas mulheres que mesmo não sendo recatadas, chegavam a enjeitar seus filhos só para não criá-los.40 40 AHU, Minas Gerais, Cx. 103, Doc. 47. A caritativa lei dos expostos se via subvertida porque, em Vila Rica, "chegam a expor não só os filhos de mulheres brancas, mas os de mulatas e negras; não só os filhos daquelas que vivem recolhidas e perigaria a sua vida e crédito se os criasse, mas também os nascidos de mulheres livres e com possibilidade de os criarem sem maior nota".41 41 APM, CMOP, Cód. 86, Registro de uma carta que esta câmara escreveu a Sua Majestade Fidelíssima, 28 nov. 1772.

Em 1799, o bispo Azeredo Coutinho - um dos membros da junta que governou a capitania de Pernambuco entre 1798 e 1802 - escrevia ao secretário de estado da marinha e ultramar, d. Rodrigo de Sousa Coutinho, utilizando o argumento invocado em Minas Gerais, décadas antes: criadas para salvar as inocentes vidas dos que de outro modo seriam sacrificados por suas mães "para conservarem o seu crédito e a sua reputação", a casa dos expostos do Recife vinha sofrendo abusos de mulatas, negras e escravas.42 42 AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109. Transcrito e publicado em: CARDOSO, Manoel. Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, Governador Interino e Bispo de Pernambuco, 1798-1802. (Alguns documentos elucidativos do Arquivo Histórico Ultramarino). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 282, p.3-45, jan./mar. 1969, p.13-14. As referidas mulheres não tinham crédito, nem honra a salvar e tampouco castigos a temer, "vendo por outra parte que seus filhos são criados à custa do público; ou se vão oferecê-los para criá-los recebendo dinheiro em paga do seu mesmo crime, ou se vão descartar deles para ficarem mais desembaraçadas para continuarem na sua depravada vida".43 43 AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.

A semelhança dos argumentos nas três localidades vale um rápido cotejo dos discursos: em Mariana, em 1763, "se tem alcançado que as mesmas mulatas e negras vagabundas" enjeitassem os filhos de um lugar para o outro "só a fim de ficarem mais aptas e desimpedidas para continuarem nas ofensas de Deus". Pior, muitas eram cativas: "encobrindo suas barrigas e mandando-os expor só a fim de serem forros, ficando seus senhores no prejuízo de perderem seus escravos".44 44 AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20. Em Vila Rica, em 1772, a câmara se via sobrecarregada porque custeava a criação de filhos de cativas, "com notável prejuízo de seus senhores".45 45 APM, CMOP, Cód. 86, Registro de uma carta que esta câmara escreveu a Sua Majestade Fidelíssima, 28 nov. 1772. No Recife, em 1799, segundo Azeredo Coutinho, as mulatas, e as negras escravas eram piores, porque "vendo que seus filhos vão a ser forros, de propósito os lançam na roda dos expostos enganando a seus senhores e dizendo-lhes que morreram ou tiveram maus sucessos".46 46 AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.

Para os camaristas de Mariana, a subversão do abandono só poderia ter algum limite "se Vossa Majestade mandar que os expostos que legitimamente não forem brancos fiquem sujeitos pela criação à mesma câmara" para, assim, recompensarem todos os gastos.47 47 AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20. A despeito da negativa dada pelo Conselho Ultramarino à proposta de Mariana em 1764, a câmara de Vila Rica sugeriu, em 1772, que os enjeitados mulatos e crioulos ficassem sujeitos ao senado, podendo utilizar-se deles até os 25 anos, pois "só assim se poderá coibir a lassidão com que as mães os enjeitam e se diminuirá a despesa que com eles se faz".48 48 AHU, Minas Gerais, Cx. 103, Doc. 47. Embora improvável, Azeredo Coutinho parecia ter lido os escritos das câmaras de Vila Rica e Mariana. Segundo o bispo, que visitara a casa dos expostos do Recife, o maior percentual de crianças era certamente composto por negros e mulatos e "uma muito pequena parte de brancos". Esse abuso só poderia ser contido caso "todos os negros e mulatos ficassem escravos da mesma casa dos expostos", tal como fora praticado pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.49 49 AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.

É preciso ressaltar que nos trabalhos feitos sobre os expostos, não há nenhuma referência à seleção explícita de crianças mestiças na Misericórdia do Rio de Janeiro (Venâncio, 1999VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas - assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. São Paulo: Papirus, 1999., p.50). Caso não fosse um argumento retórico de Azeredo Coutinho, a prática de discriminar enjeitados era silenciosa. Entretanto, ainda de acordo com o bispo, ele ouvira dizer que a escravização de expostos mestiços no Rio de Janeiro "teve todo o seu bom efeito", porque doravante não havia mais "negros, nem mulatos expostos, ou, ao menos, têm sido muito poucos". Para ele, a razão da diminuição era clara: as mães forras e libertas não queriam que os seus filhos passassem a ser escravos; por sua vez, para as escravas, era preferível que os filhos, ainda que cativos, permanecessem por perto, podendo em algum momento da vida ajudá-las, amparando-as em caso de necessidade.50 50 AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109. Convém lembrar, mais uma vez, o esforço da Misericórdia de Lisboa, em 1779, no sentido de coibir os exemplos de escravização de expostos mestiços, na direção contrária da verificada nos casos coloniais.51 51 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 7, p.552-560.

O trabalho de enjeitados não era exatamente uma novidade, nem tampouco uma arbitrariedade. Após sete anos, caso as famílias não os quisessem mais, os expostos eram remetidos a lares que pagavam por seus serviços ("dados por soldada"), ou, como era mais habitual, que os acolhiam em troca de comida e vestuário.52 52 PINTO, Antônio Joaquim Gouveia. Exame crítico e histórico sobre os direitos estabelecidos pela legislação antiga e moderna, tanto pátria como subsidiária, e das nações mais vizinhas e cultas relativamente aos expostos ou enjeitados. Lisboa: Typographia da Academia Real de Sciências, 1828, p.43-46. Nas propostas de Mariana, Vila Rica e Recife, a inovação ficou por conta da ascendência africana e da proposta de escravização temporária: essa sim, uma substancial modificação, porque, uma vez aprovada, deixaria de ser apenas uma infração cometida por particulares, para ser tornar uma inovação legal, institucionalmente regulamentada.

Das sugestões de escravização temporária endereçadas ao rei, a primeira negativa veio para a carta enviada pela câmara de Mariana. No ano seguinte, em 1764, o Conselho Ultramarino respondeu com três pareceres taxativos: no primeiro, a sugestão foi avaliada como "temerária e dissonante"; no segundo parecer, lembrava-se que os expostos eram livres, ainda que fossem filhos de escravas; por fim, no terceiro parecer, classificou-se a proposta como "escandalosa" e "dissonante", alheia a obra tão católica e pia, devendo a câmara tão somente aumentar o rigor sobre as grávidas.53 53 AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20.

Em 1766, o governador Luís Diogo Lobo da Silva respondeu à demanda da câmara de Vila Rica, datada de novembro de 1759, e seguiu a mesma orientação do Conselho Ultramarino, dois anos antes, na avaliação feita para a proposta dos camaristas de Mariana. Segundo o governador, as Ordenações não diferenciavam nem a qualidade, nem a condição dos enjeitados e também autorizava, caso faltassem verbas, lançar fintas sobre a população "cuja piedade se deve tanto exercitar com os expostos brancos, como com os mulatos e crioulos, porque no desamparo em que os deixam os próprios pais que os geraram são de tanta atenção uns como os outros". Ademais, era duvidosa a afirmação de que os enjeitados mestiços fossem filhos de cativas, pois não era "verossímil que uma escrava depois de nove meses pejada à vista" fizesse dos seus filhos livres. Era necessário fazer diligências para controlar melhor as mulheres grávidas, mas não convinha que se reduzisse à escravidão, ainda que por tempo limitado, "uma criatura que a natureza e o desprezo dos pais fez livre".54 54 AHU, Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44.

Em Vila Rica, a decisão do governador de apoiar a entrada de enjeitados negros e mulatos colocou em xeque a administração até então. A partir dali, todos, irrestritamente, teriam o direito formal de serem inscritos na folha de pagamentos da câmara. O argumento utilizado na correição de 1768, por exemplo, era de que os pais expunham a prole nas mesmas casas onde tinha nascido com a intenção de receberem pela criação dos próprios filhos. A solução seria fazer diligências entre as mulheres da vila, com o cuidado de não infamar pessoa alguma que merecesse "conservar a reputação".55 55 APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 12 dez. 1768. Se o argumento de que mestiças não tinham honra a zelar tiver permanecido nos mesmos moldes, pouco ou nada havia mudado nas maneiras de controlar o aumento de expostos, ou seja, as diligências seriam feitas apenas entre as crianças mestiças.

A promulgação do alvará pombalino de janeiro de 1775 deve ter contribuído para desencorajar discursos acintosos de natureza discriminatória. Naquele momento, pode ter funcionado como um ponto final jurídico nas querelas sobre escravização de expostos, razão pela qual as propostas de contenção do abandono a partir da qualidade desapareceram da correspondência do entre os camaristas e o Conselho Ultramarino. Contudo, como referido, os argumentos utilizados em Mariana e Vila Rica eram bastante semelhantes aos de Azeredo Coutinho, já no início do século XIX. Lembrado por seu empenho pessoal na criação de instituições de educação em Pernambuco, Coutinho encabeçou também um movimento para moralizar o abandono de crianças na casa da roda do Recife. Em março de 1800, o bispo conseguiu aprovar um edital comunicando que os enjeitados pretos e pardos passariam a pertencer à casa dos expostos "para esta os poder empregar o trabalho ainda mesmo das roças, engenhos".56 56 AHU, Pernambuco, Cx. 216, Doc. 14597.

O fundamento do edital aproximava-se da solução efetivada pelo senado de Vila Rica, quando, na década de 1750, passou a exigir como condição para o financiamento o atestado de brancura emitido por médicos licenciados. Em Recife, o texto estava baseado prioritariamente na aparência física, definidora de destinos distintos a partir das características "raciais". O edital estabelecia, a partir da cor, normas específicas: se os expostos pretos e pardos deveriam se encarregar de trabalhar nas roças, as meninas mestiças, quando atingissem a idade apropriada, iriam se casar com os enjeitados mestiços; os expostos brancos deveriam saber ler, escrever e contar, aprendendo também ofícios mais necessários para o emprego na tropa e na marinha; por sua vez as enjeitadas brancas saberiam como coser, fiar e tecer algodão grosseiro em benefício da casa dos expostos e não sairiam da tutela institucional sem estarem casadas, ou com os enjeitados brancos, ou com sujeitos que tivessem ofícios.57 57 "estas e outras semelhantes desordens, sendo presentes a Sua Alteza Real, foi o mesmo Senhor servido ordenar que os enjeitados pretos e pardos fique de hoje em diante pertencendo à Casa dos Expostos, para esta os poder empregar o trabalho ainda mesmo das roças, engenhos e da mesma sorte as pretas e pardas as quais em chegando a idade competente, deverão casar com os mesmos enjeitados e as brancas deverão aprender a coser, fiar e tecer algodão grosseiro em benefício da mesma casa que as criou e não sairão da tutela dela sem serem casadas, ou com os enjeitados, ou com sujeitos que tenham ofícios; e os brancos deverão ser empregados na tropa, e na marinha, logo que tiverem a idade competente, e para que melhor se possa executar este projeto, principalmente a respeito dos brancos, será necessário que na menoridade deles se lhe mande ensinar a ler, escrever e contar e aos ofícios de que mais necessitam a tropa e a marinha, pois ainda que quando não sirvam para soldados, ou marinheiros, servirão, ao menos para os ofícios de que uma ou outra mais necessitam". AHU, Pernambuco, Cx. 216, Doc. 14597.

Era mais uma inovação substancial aos destinos dados aos expostos, porque o destino pré-estabelecido partia da ascendência das crianças. Em boa medida, os órfãos filhos de lavradores, por exemplo, seguiam os caminhos traçados pelos pais: o juiz dos órfãos deveria preferir tutores lavradores para órfãos de lavradores, tutores oficiais para órfãos de oficiais.58 58 Ordenações Filipinas, livro 1, título 88, parágrafos 11 e s.s., p.210-213. Mas, de acordo com o edital do Recife, os expostos mestiços estariam submetidos a uma dupla orientação herdada de uma ascendência desonrosa: além da escravização temporária, lavoura para homens, serviços domésticos para as mulheres.

O documento da junta governativa do Recife fez referência à anuência do rei. Era um direcionamento que soa um tanto estranho porque legalizava a seleção dos expostos segundo critérios étnicos depois da intransigente defesa da monarquia no sentido de garantir o auxílio universal, cujo mais representativo documento foi o alvará de 1775. Na documentação do Conselho Ultramarino, a correspondência de Pernambuco não mereceu resposta ou qualquer advertência. Em Recife, os índices de exposição, de fato, diminuíram a partir do início do século XIX. Diante do silêncio legislativo, não é possível saber quais foram os rumos tomados pela Casa dos Expostos de Pernambuco (Nascimento, 2008NASCIMENTO, Alcileide Cabral do. A sorte dos enjeitados: o combate ao infanticídio e a institucionalização da assistência às crianças abandonadas no Recife (1789-1832). São Paulo: Annablume , 2008., p.165, p.222).

Em Vila Rica, as referências aos mestiços desapareceram das reclamações camarárias e das matrículas, a partir da década de 1770. Apenas a correição de 1768 abria espaço para uma diligência seletiva feita entre as mulheres grávidas, cuidando sempre de não indagar quem perigasse honra. Silenciados os maiores embates havia décadas, em junho de 1815, o ouvidor da comarca do Ouro Preto foi repreendido por permitir o tratamento diferenciado dos expostos a partir da cor: em Mariana, enquanto os brancos eram aceitos sem problema, uma criança parda foi submetida a diligências para saber quem era seu pai e, assim, formalmente devolvê-la ao responsável. O monarca instava o ouvidor: "fui servido ordenar-lhe que recebesse, matriculasse e mandasse criar todas as crianças que lhe fossem expostas sem diferença ou atenção à diversidade de cor, porque todas elas têm direito à Minha Real Proteção".59 59 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (doravante, ANRJ), Mesa do Desembargo do Paço, Cód. 19, vol. 1, f. 117v. No mesmo dia, foi enviada uma carta de igual teor à câmara de Mariana.60 60 ANRJ, Mesa do Desembargo do Paço, Cód. 19, vol. 1, f. 118.

Naturalmente, esse não era um ponto final para as questões envolvendo raça, qualidade e abandono, porque o controle era difícil e os abusos muito fáceis de serem cometidos. Logo após a independência, em 22 de fevereiro de 1823, d. Pedro I voltava à questão dos expostos de cor relembrando a liberdade garantida pelo acolhimento da roda, nos mesmos moldes do alvará pombalino de 1775.61 61 ANRJ, Série Saúde, IS31. Segundo o monarca, no Rio de Janeiro era comum que, depois de criados pela Misericórdia, os enjeitados pretos ou pardos fossem reivindicados por supostos donos. Mais uma vez, argumentos seculares foram lembrados: recém-nascidos enjeitados pelos pais eram juridicamente livres. Até 1823, a repetição periódica desse princípio de liberdade universal parecia sinalizar que os efeitos não estavam saindo como o esperado.

Considerações finais

Em diferentes sociedades coloniais, a refração aos mestiços aumentou a partir de fins do século XVII (Boxer, 1967BOXER, Charles Ralph. Relações raciais no império colonial português, 1415-1825. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1967.; Raminelli, 2015RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo - Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: FGV, 2015., p.207-239) e nos espaços ibéricos a associação entre ascendência escrava e falta de qualidade (Dutra, 2010DUTRA, Francis A. Ser mulato em Portugal nos primórdios da época moderna. Tempo. 30, p.101-114, 2010., p.101-114) procuraram reordenar as hierarquias sociais majorando, nos discursos administrativos, visões catastróficas sobre a ordem social. Especialmente a partir da segunda metade do século XVIII, a retórica de que a população era composta por ociosos, vadios e vagabundos que desagregavam o corpo político e social, na América portuguesa, responsabilizou marcadamente os descendentes de africanos (Souza, 1986SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro - a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.; Schwartz, 1996SCHWARTZ, Stuart. Brazilian ethnogenesis: mestiços, mamelucos e pardos. In: GRUZINSKI, Serge; WACHTEL, Nathan (orgs.). Le nouveau monde, mondes nouveaux: l'experience américaine. Paris: Éditions Recherche sur les Civilisations, 1996. p.07-27.). Nesse sentido, as ações que procuravam reduzir o número de auxiliados poderiam se valer de visões cada vez mais restritivas sobre os mestiços.

Por outro lado, sobretudo a partir do século XVIII, os expostos se tornaram presença fácil nas vilas e arraiais de quaisquer comunidades. Na Europa católica, e no caso português em particular, os enjeitados representavam um ascendente contingente populacional que vinha sendo suportado por municipalidades, frequentemente associadas a Misericórdias locais. Esse modelo pressupôs o universal acolhimento como forma de salvar vidas e preservar a honra das mães que, por pobreza, ou por recato, não poderiam criar os filhos. Contudo, nas regiões coloniais, o horizonte de atendimento irrestrito passou por adaptações.

O caso de Goa parece ser paradigmático: acolhidos no hospital dos pobres e financiados pela câmara desde o século XVI, os expostos indianos, a partir de 1755, não seriam mais aceitos, restringindo o benefício às crianças brancas (Sá, 1995SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul - o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian/JNICT, 1995., p.109-110). Não era uma inverdade quando se afirmava que, caso o abandono permanecesse indistinto, o custo financeiro aumentaria em razão do grande número de mestiços de quaisquer lugares da América portuguesa. Entretanto, até onde se sabe, não há relatos de seleção de crianças nas rodas de Portugal continental. Naturalmente, esse tema foi mais controverso nas regiões coloniais, fossem portuguesas ou espanholas.

Ademais, o princípio de restrição não se pautava exclusivamente sobre as questões financeiras: tanto na América portuguesa, quanto na América espanhola, as autoridades estavam seguras de que o auxílio caritativo e certos espaços sociais deveriam se pautar pela qualidade das pessoas. Em 1772, um magistrado do Conselho das Índias afirmava categoricamente que o benefício da dúvida, costumeiramente dado aos expostos, não deveria ser extensivo a todos os da América, em virtude da "grande variedade de castas que se tem produzido com a introdução de negros e a mescla deles com os naturais do país". Como boa parte provinha das classes mais baixas, os expostos "mulatos e outras castas igualmente indecorosas para a hierarquia eclesiástica" não deveriam ser ordenados sacerdotes. Dali em diante, salvo casos específicos, o rei autorizara a restrição à entrada indiscriminada de enjeitados na carreira eclesiástica (apud Stolcke, 2009STOLCKE, Verena. Los mestizos no nacen sino que se hacen. Avá, n. 14, jul. 2009. Disponível em: http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1851-16942009000100002&lng=es&nrm=iso; Acesso em: 16 set. 2015.
http://www.scielo.org.ar/scielo.php?scri...
).

Especialmente a partir da segunda metade do século XVIII, as crianças abandonadas faziam parte de um grupo particular de auxílio que ganhava importância na esteira da valorização do princípio ilustrado de utilidade dos povos. As novas sensibilidades em relação ao destino dos enjeitados reafirmaram a legitimidade do abandono e centraram forças nas tradicionais formas de acolhimento e educação, chancelando um destino desastroso para milhares de recém-nascidos que só seria lentamente revisto, a partir da segunda metade do século XIX (Marcílio, 2006MARCÍLIO, Maria Luíza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 2006., p.196-201). Em 1783, o intendente de polícia da corte portuguesa, Pina Manique, lançou uma circular conclamando todas as localidades do império a estabelecerem rodas dos enjeitados, que, até aquele momento, morriam a esmo, enquanto poderiam ser úteis nas milícias, nos ofícios, e diversas outras ocupações.62 62 "Sendo o aumento da população um dos objetos mais interessantes e próprios de uma bem regulada polícia por consistirem as riquezas de um Estado na multidão dos habitantes, se acha este tão esquecido neste Reino que em algumas terras dele se veem inteiramente fechadas e sem gente uma grande parte das casas sem haver quem as habite; e sendo a origem, entre outras, de uma tão sensível diminuição, os reiterados infanticídios que estão acontecendo todos os dias e em todas as terras em que não há rodas ou berços para os enjeitados, que sendo expostos de noite às portas dos particulares, a quem faltam os meios, ou a vontade para os mandar criar, são sacrificados como inocentes vítimas da indolência, com que os povos veem perecer tantos cidadãos que poderiam ser úteis ao Estado, e de glória para a Nação" (apud PINTO, 1828, p.213-215).

Também foi nessa direção que Carlos IV, em 1794, lançou uma cédula, válida em todo o império espanhol, equiparando os expostos - "filhos do rei" - aos legítimos, tornando proscrita toda a legislação precedente. O texto normativo lamentava o indecoroso estado dos enjeitados, negligenciados pelas amas e pelas famílias, necessitados da compaixão paternal do monarca. Como o decreto régio não fazia menção à raça, o efeito imediato, nas regiões coloniais, foi a reivindicação de fidalguia para os enjeitados, postulando, inclusive, a isenção de tributos. Naturalmente, apesar de concebido como um grupo homogêneo, o tratamento dos expostos coloniais variou localmente (Milton, 2007MILTON, Cynthia E. The many meanings of poverty: colonialism, social compacts, and assistance in eighteenth-century Ecuador. Stanford: Stanford University Press, 2007., p.141-148).

Para os casos apresentados, no entanto, há pelo menos uma particularidade: o auxílio aos expostos de Mariana, Vila Rica e Recife era compreendido, em tese, como um gesto de caridade, utilizado para socorrer, de forma irrestrita, as pobres crianças desamparadas. Certamente, as realidades locais não se limitaram aos desejos dos camaristas: o abandono era um fenômeno popular, cuja dinâmica dependia do silêncio comunitário. Mas convém sublinhar um aspecto pouco lembrado: na medida em que restringiam o público de atendíveis, as autoridades redefiniam também a ideia de pobreza, limitando o acesso a uma comunidade imaginada, cujas fronteiras eram estabelecidas a partir da noção de qualidade e, por vezes, de raça. Enquanto parte da população se considerava no direito incontestável de abandonar seus filhos, a outra seria recorrentemente repreendida em termos morais, tributários de sua natureza étnica, marcadamente africana. O que estava em jogo, ao menos nos discursos administrativos, era o mau uso do auxílio. Não era o abandono que estava em xeque, mas sim a obrigação de pagar pela criação de expostos mestiços.

  • 1
    "Porém se alguns órfãos que não forem de legítimo matrimônio forem filhos d'alguns homens casados ou de solteiros, em tal caso, primeiramente, serão constrangidos seus pais, que os criem; e não tendo eles por onde os criar, se criarão à custa das mães; e não tendo uns nem outros por onde os criar, sejam requeridos seus parentes que os mandem criar; e não o querendo fazer ou sendo filhos de religiosos, ou frades, ou freiras ou de mulheres casadas, por tal que as crianças não morram por míngua de criação, os mandarão criar à custa dos bens dos hospitais, ou albergarias, se os houver na cidade, vila ou lugar ordenados para criação dos enjeitados; e não havendo aí tais hospitais ou albergarias, se criarão à custa das rendas do concelho; e não tendo o concelho rendas por onde se possam criar, se lançará fintas por aquelas pessoas que nas fintas, e encarregos do concelho hão de pagar, a qual lançarão os oficiais da câmara.". Ordenações Manuelinas. Reprodução em fac-símile da edição de 1512-1513. Lisboa: Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002 [1512-1513]. Livro I, título 67, parágrafo 10, p.482.
  • 2
    Ordenações Filipinas. Rio de Janeiro: Edição de Cândido Mendes de Almeida, 1870 [1603]. Livro 1, título 88, parágrafo 11, p.210-211.
  • 3
    Ordenações Filipinas, livro 1, título 66, parágrafo 41, p.151.
  • 4
    Ver também: PINTO, Antônio Joaquim Gouveia. Compilação das providências, que a bem da criação, e educação dos expostos ou enjeitados que se tem publicado. Lisboa: Impressão Régia, 1820.
  • 5
    Segundo BLUTEAU, "Ingênuo chamavam os antigos romanos àquele que era filho de pais livres e honrados". BLUTEAU, Rafael. Vocabulário português e latino. Lisboa: Joseph Antonio da Silva, 1728, p.131-132. No dicionário de Antonio de Moraes Silva, ingênuo é definido como "entre os latinos, era o filho de pai libertino, ou cidadão romano. Sincero, singelo, sem dobres, não refolhado". SILVA, Antônio Morais da. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa: Oficina de S. T. Ferreira, 1789, p.161. É preciso esclarecer ainda que, de acordo com Moraes Silva, "libertino", neste contexto, significava, "entre os romanos, o filho do liberto, daquele que sendo cativo, se forrara" (SILVA, 1789SILVA, Jonathan Fachini da. Os filhos do destino - a exposição e os expostos na freguesia de Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1837). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2014., p.221).
  • 6
    "Artigo VII - Mando que estando completos os sete anos de idade de cada exposto e sendo logo na forma acima entregue ao juiz de órfãos a que tocar, se haja por desobrigado o Hospital e a Mesa da Misericórdia de mais cuidar dele, ficando por este motivo sem privilégio algum da referida casa, como se nela nunca tivera existido, porque Hei por extintos e de nenhum efeito em Juízo ou fora dele, ficando reduzidos a uns simples órfãos, como outros quaisquer dos povos. Exceto, porém aqueles privilégios que pertencem à ingenuidade e habilitação pessoal dos mesmos órfãos; porque destes ficarão gozando sem quebra ou restrição alguma". Disponível em: http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=109&id_normas=33643&accao=ver; Acesso em: 16 jun. 2015.
  • 7
    A prescrição do batismo "debaixo de condição" foi observada nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). Estudo crítico e edição de Bruno Feitler e Evergton Sales Souza. São Paulo: Edusp, 2010, p.150.
  • 8
    "E havendo algum enjeitado que se haja de batizar, a que se não saiba pai ou mãe, também se fará no assento a dita declaração, e do lugar e dia, e por quem foi achado" (VIDE, 2010, p.156-157).
  • 9
    Sobre a cor dos expostos, ver: MARCÍLIO, 2006MARCÍLIO, Maria Luíza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 2006., p.230-236; VENÂNCIO, 1999VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas - assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. São Paulo: Papirus, 1999., p.47-50; CAVAZZANI, 2005CAVAZZANI, André Luiz Moscaleski. Um estudo sobre a exposição e os expostos na Vila da Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005., p.117; BRUGGUER, 2006, p.119-127; PAULA, 2009PAULA, Thiago do Nascimento Torres de. Teias de caridade e o lugar social dos expostos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação - Capitania do Rio Grande do Norte, século XVIII. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2009., p.141; FARIA, 2010FARIA, Sheila Siqueira de Castro. A propósito das origens dos enjeitados no período escravista. In: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história do abandono de crianças - de Portugal ao Brasil, séculos XVIII-XX. São Paulo/Belo Horizonte: Alameda/PUC-MG, 2010. p.81-98., p.81-98; DAMASCENO, 2011DAMASCENO, Nicole de Oliveira Alves. Ser exposto: "a circulação de crianças" no termo de Mariana (1737-1828). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2011., p.103-107; FRANCO, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.82; SILVA, 2014SILVA, Jonathan Fachini da. Os filhos do destino - a exposição e os expostos na freguesia de Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1837). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2014., p.127-128.
  • 10
    Arquivo Público Mineiro (doravante, APM), Câmara Municipal de Ouro Preto (doravante, CMOP), Av., Cx. 67, Doc. 32.
  • 11
    Banco de Dados referente às séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, séculos XVIII e XIX, coordenado pela Profa. Dra. Adalgisa Arantes Campos, contendo as atas de batismo da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (CNPq, Fapemig); id. 5354.
  • 12
    Para uma discussão sobre as causas do abandono, ver: SÁ, 1995SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa do Sul - o caso dos expostos do Porto no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian/JNICT, 1995., p.12-22; MARCÍLIO, 2006MARCÍLIO, Maria Luíza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 2006., p.257-266; VENÂNCIO, 1999VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas - assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. São Paulo: Papirus, 1999., p.85-94; FRANCO, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.62-74.
  • 13
    Banco de dados referente às séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, séculos XVIII e XIX, Batizado em 07 jan. 1760, id. 9313.
  • 14
    "(...) quer que pela sua idade e qualidade interina de exposto, vulgarmente enjeitado e liberdade em que se acha que Vossa Mercê, como juiz dos órfãos e menores de semelhante figura lhe dê e nomeie curador". APM, CMOP, Av., Cx. 58, Doc. 04.
  • 15
    Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Salvador (doravante, AHSCMS), Livro 6º dos expostos, 1777-1783, 20 jan. 1783. Agradeço à profa. Maria Luíza Marcílio, que gentilmente cedeu-me essa documentação.
  • 16
    AHSCMS, Livro 3º dos expostos, 1757-1763, 20 jan. 1783.
  • 17
    APM. Seção Colonial, Cód. 186, 40-40v.
  • 18
    Em 19 de setembro de 1761, foi proibida a entrada de novos escravos em Portugal; em 16 de janeiro de 1773, definiu-se que os escravos cuja condição de cativos viesse de mães e avós permaneceriam no cativeiro até a morte, sem o transmitir a seus descendentes; os que tivessem herdado a escravidão das bisavós, porém, ficariam livres, assim como os que nascessem a partir de então. RAMOS, 1971RAMOS, Luís Alberto de Oliveira. Pombal e o esclavagismo. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n. 2, p.169-178, 1971. Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/7680; Acesso em: 21 set. 2015.
    http://repositorio-aberto.up.pt/handle/1...
    , p.169-178.
  • 19
    PAIVA, José Pedro; LOPES, Maria Antónia (coord.). Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 7: sob o signo de mudança - de D. José I a 1834. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2008, p.552-560. Ver, especialmente, o artigo de BRAGA, 2011BRAGA, Isabel Maria Ribeiro Mendes Drumond. Fugindo dos "Grilhões do Cativeiro": os expostos pretos e pardos na casa da roda da Misericórdia de Lisboa (1780-1807). Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 11, p.223-247, 2011., p.223-247.
  • 20
    Para Vila Rica, na paróquia de Nossa Senhora do Pilar, o abandono de recém-nascidos em relação à população livre: 5,46% (1740-1749), 8,75% (1750-1759), 7,67% (1760-1769), 11,65% (1770-1779), 16,06% (1780-1789), 15,83% (1790-1799), 19,3% (1800-1809). FRANCO, 2014FRANCO, Renato. A piedade dos outros - o abandono de recém-nascidos em uma vila colonial, século XVIII. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014., p.71. Para a paróquia de Antônio Dias: 5,1% (1740-1749), 7,4% (1750-1759), 7,8% (1760-1769), 14,2% (1770-1779), 12,4% (1780-1789), 14,4% (1790-1799), 12,2% (1800-1809). COSTA, 1979COSTA, Iraci del Nero da. Vila Rica: população (1719-1826). São Paulo: IPE-USP, 1979., apêndice estatístico. Para Mariana, Damasceno não calculou os índices a partir dos assentos de batismo, mas é possível acompanhar o considerável aumento das taxas a partir do número de criadores. DAMASCENO, 2011DAMASCENO, Nicole de Oliveira Alves. Ser exposto: "a circulação de crianças" no termo de Mariana (1737-1828). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2011., p.71, p.73, gráficos 8 e 11. Embora Alcileide Nascimento não faça um levantamento comparativo entre legítimos, ilegítimos e expostos, é possível perceber o aumento de abandonados na Casa da Roda, a partir de 1790. Para o Recife, ver: NASCIMENTO, 2008NASCIMENTO, Alcileide Cabral do. A sorte dos enjeitados: o combate ao infanticídio e a institucionalização da assistência às crianças abandonadas no Recife (1789-1832). São Paulo: Annablume , 2008., p.124.
  • 21
    Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana (doravante, AHCMM), Termos e acórdãos, série I, vol. 660, f. 107v.
  • 22
    "dando o senado aresto para semelhantes enjeitados serão poucas as suas rendas para essa alimentação e pelos muitos que se constam nesta Vila na roda do ano". APM, CMOP, Av., Cx 26, Doc 24.
  • 23
    APM, CMOP, Av., Cx 24, Doc 27.
  • 24
    APM, CMOP, Av., Cx 24, Doc 27.
  • 25
    APM, CMOP, Av., Cx 26, Doc 38.
  • 26
    Cópia do termo de agravo contido no processo de Josefa Maria de Jesus. APM, CMOP, Av., Cx. 24, Doc. 27.
  • 27
    APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 02 nov. 1752.
  • 28
    AHCMM, Correição do ano de 1752, códice 176, fl. 38 - 38 v. Citado a partir de DAMASCENO, 2011DAMASCENO, Nicole de Oliveira Alves. Ser exposto: "a circulação de crianças" no termo de Mariana (1737-1828). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2011., p.67.
  • 29
    "(...) sendo maior fundamento para esta credulidade a lassidão com que neste país não se faz caso, que as mulatas cheguem a pejar; pois, ou sejam escravas ou forras, nenhum descrédito se segue a semelhante casta de gente de se lhe saber do sucesso de sua leviandade e assim não sendo por esta causa, menos pode obrigar para o enjeite a razão da pobreza porque para a primeira criação bastante é a natural criação das mães, principalmente não sendo estas da qualidade de que trata a Ordenação, livro primeiro, título 87, parágrafo 11". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14 dez. 1753. AHCMM, Cód. 176, Livro de Receita e Despesa, 1752-1762.
  • 30
    "E em caso nenhum se praticará esta providência com os enjeitados mulatos e pretos, que mando que se não aceitem, evitando-se também assim o prejuízo público considerado na maliciosa cautela com que as mães comumente escravas ocultam os fetos, e os expõem como enjeitados por ficarem libertos...". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 14 dez. 1753. AHCMM, Cód. 176, Livro de Receita e Despesa, 1752-1762.
  • 31
    APM, CMOP, Av., Cx. 34, Doc. 02.
  • 32
    APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 13 maio 1759.
  • 33
    APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 13 maio 1759.
  • 34
    Arquivo Histórico Ultramarino (doravante, AHU), Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44.
  • 35
    "achavam ser justo dar alguma providência para que as ditas mulheres criem seus filhos por não serem pessoas em que perigue a reputação". APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 1761.
  • 36
    APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 1761.
  • 37
    "ordenamos a todas as pessoas de nossa jurisdição que caso saibam no seu distrito ou vizinhanças acham algumas das referidas mulheres meretrizes públicas que tenham exposto ou enjeitado algumas crianças e estas estejam fazendo despesas a este senado o façam a saber a tal câmara ou a seu procurador". APM, CMOP, Cód. 77, Edital de 02 mar. 1763.
  • 38
    AHU, Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44.
  • 39
    AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20.
  • 40
    AHU, Minas Gerais, Cx. 103, Doc. 47.
  • 41
    APM, CMOP, Cód. 86, Registro de uma carta que esta câmara escreveu a Sua Majestade Fidelíssima, 28 nov. 1772.
  • 42
    AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109. Transcrito e publicado em: CARDOSO, Manoel. Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, Governador Interino e Bispo de Pernambuco, 1798-1802. (Alguns documentos elucidativos do Arquivo Histórico Ultramarino). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 282, p.3-45, jan./mar. 1969, p.13-14.
  • 43
    AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.
  • 44
    AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20.
  • 45
    APM, CMOP, Cód. 86, Registro de uma carta que esta câmara escreveu a Sua Majestade Fidelíssima, 28 nov. 1772.
  • 46
    AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.
  • 47
    AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20.
  • 48
    AHU, Minas Gerais, Cx. 103, Doc. 47.
  • 49
    AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.
  • 50
    AHU, Pernambuco, Cx. 207, Doc. 14109.
  • 51
    Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 7, p.552-560.
  • 52
    PINTO, Antônio Joaquim Gouveia. Exame crítico e histórico sobre os direitos estabelecidos pela legislação antiga e moderna, tanto pátria como subsidiária, e das nações mais vizinhas e cultas relativamente aos expostos ou enjeitados. Lisboa: Typographia da Academia Real de Sciências, 1828, p.43-46.
  • 53
    AHU, Minas Gerais, Cx. 81, Doc. 20.
  • 54
    AHU, Minas Gerais, Cx. 88, Doc. 44.
  • 55
    APM, CMOP, Cód. 22, Correição de 12 dez. 1768.
  • 56
    AHU, Pernambuco, Cx. 216, Doc. 14597.
  • 57
    "estas e outras semelhantes desordens, sendo presentes a Sua Alteza Real, foi o mesmo Senhor servido ordenar que os enjeitados pretos e pardos fique de hoje em diante pertencendo à Casa dos Expostos, para esta os poder empregar o trabalho ainda mesmo das roças, engenhos e da mesma sorte as pretas e pardas as quais em chegando a idade competente, deverão casar com os mesmos enjeitados e as brancas deverão aprender a coser, fiar e tecer algodão grosseiro em benefício da mesma casa que as criou e não sairão da tutela dela sem serem casadas, ou com os enjeitados, ou com sujeitos que tenham ofícios; e os brancos deverão ser empregados na tropa, e na marinha, logo que tiverem a idade competente, e para que melhor se possa executar este projeto, principalmente a respeito dos brancos, será necessário que na menoridade deles se lhe mande ensinar a ler, escrever e contar e aos ofícios de que mais necessitam a tropa e a marinha, pois ainda que quando não sirvam para soldados, ou marinheiros, servirão, ao menos para os ofícios de que uma ou outra mais necessitam". AHU, Pernambuco, Cx. 216, Doc. 14597.
  • 58
    Ordenações Filipinas, livro 1, título 88, parágrafos 11 e s.s., p.210-213.
  • 59
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (doravante, ANRJ), Mesa do Desembargo do Paço, Cód. 19, vol. 1, f. 117v.
  • 60
    ANRJ, Mesa do Desembargo do Paço, Cód. 19, vol. 1, f. 118.
  • 61
    ANRJ, Série Saúde, IS31.
  • 62
    "Sendo o aumento da população um dos objetos mais interessantes e próprios de uma bem regulada polícia por consistirem as riquezas de um Estado na multidão dos habitantes, se acha este tão esquecido neste Reino que em algumas terras dele se veem inteiramente fechadas e sem gente uma grande parte das casas sem haver quem as habite; e sendo a origem, entre outras, de uma tão sensível diminuição, os reiterados infanticídios que estão acontecendo todos os dias e em todas as terras em que não há rodas ou berços para os enjeitados, que sendo expostos de noite às portas dos particulares, a quem faltam os meios, ou a vontade para os mandar criar, são sacrificados como inocentes vítimas da indolência, com que os povos veem perecer tantos cidadãos que poderiam ser úteis ao Estado, e de glória para a Nação" (apud PINTO, 1828, p.213-215).

Agradecimentos

O autor integra o grupo de pesquisa Companhia das Índias (CNPq/UFF). Agradece as leituras e sugestões de Isabel dos Guimarães Sá, Higor Camara, Jonathan Fachini e Ronald Raminelli.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Revisado
    10 Jan 2016
  • Aceito
    15 Jan 2016
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