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As auxiliares de guerra da “Nação Armada” (1942-1945)

The War Auxiliaries of the “Armed Nation” (1942-1945)

Resumo

Este artigo é uma análise sobre a criação de grupos militarizados auxiliares de guerra, compostos por mulheres, que atuaram nas cidades de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro, no período de 1942-1945. Utilizando periódicos, fotografias e fonte orais, discuto o lugar das auxiliares de guerra perante a chamada política da Nação Armada de um Brasil em Guerra. Inexistentes na História oficial do Exército Brasileiro, militarizadas, porém, desprovidas do status de militares, cerca de três mil mulheres se apropriaram de diversos conhecimentos militares e executaram atividades militarizadas no período de 1942-1945. A presença convocada de um “feminino militar” só viria a se repetir no Brasil em fins da década de 1980. Em meio ao uso político da guerra pelo varguismo, essas mulheres simultaneamente eram invocadas como maternais cuidadoras e parte significativa da corajosa retaguarda da nação. As mulheres, em geral, como propaganda política, foram peça central no tecer da nação, para além do espaço privado/doméstico. As auxiliares de guerra, em específico, foram patrioticamente militarizadas e alçadas ao lugar de destemidas e responsáveis pela cidade e sua população.

Palavras-chave:
guerra; militarismo; mulheres

Abstract

This article analyses the creation of militarized auxiliary war groups, composed by women, who worked in the cities of Santos, São Paulo and Rio de Janeiro in the period of 1942-1945. Using news papers, photographs and oral sources I discuss the place of war auxiliaries within the politics of the Armed Nation. Excluded from the official History of the Brazilian Army, and devoid of military status, about 3000 women gaigned military knowledge and performed such activities in that period. The evocation of a certain “military female” would only be repeated in Brazil in the late 1980s. In the midst of the political use of the war by the varguismo, these women were simultaneously invoked as caregivers and as a significant part of the nation’s brave rearguard. Women, in general, as political propaganda, were a centerpiece in weaving the nation beyond the private and the domestic spheres. The war auxiliaries, in particular, were patriotically militarized and characterized as fearless women, who were responsible for the city and its population.

Keywords:
war; militarism; women

Vá que a mulher triumphe em matéria de direitos políticos, vá que ella chegue a ser deputado, senador, cabo eleitoral. Nunca cabo das fileiras marciaes. (...) O sexo forte não suportaria tamanha afronta aos seus brios... Não. Para a mulher ficarão reservadas as batalhas do amor, do afecto, da bondade. (...) O encanto, a seducção que irradia do perfil luminoso da mulher, reside justamente na sua incapacidade para os arduos labores. (...) No dia em que ella, como soldado, formar ao lado do homem, nesse dia então o mundo não terá mais poesia. Tudo desmoronará: ambição, sonho de glória, vertigem das alturas, tudo desabará ao choque violento do desânimo. O homem não será mais homem. (Gastão Faria citado por Cyntia Roncaglio, Pedidos e recusas: mulheres, espaço público e cidadania, 1996RONCAGLIO, Cyntia. Pedidos e recusas: mulheres, espaço público e cidadania. Curitiba: Pinha, 1996. , p. 107)

Quando eu vestia aquela farda, sabe o que que eu fazia? Eu andava no estribo do bonde. Eu não ia sentar ali no banco que nem uma mulher comum. Eu era uma OFag! (Elsa Quadros Rutz, em entrevista concedida a Rosemeri Moreira, Curitiba, 11 out. 2018)

O jornalista curitibano Gastão Farias, em 1917, deixava explícito o pavor sobre a possível perda de uma masculinidade constituída pela dicotomia masculinidade/guerra versus feminilidade/paz, vista como hegemônica em alguns períodos históricos, contudo não sem idas e vindas na história. As percepções e identificações contemporâneas relativas à(s) feminilidade(s) e à(s) masculinidade(s) passam por diversos parâmetros que vão além da junção simbólica da masculinidade com a virilidade e a capacidade para o combate. Percebidos, no mais das vezes, de forma a-histórica e naturalizada, os termos masculinidade e virilidade foram, somente ao longo do século XIX, considerados como imbricados e quase sinônimos (AUDOIN-ROUZEAU, 2013AUDOIN-ROUZEAU, Stéphane. A Grande Guerra e a história da virilidade. In: COURBIN, Alan et al. História da Virilidade. O triunfo da virilidade no século XIX. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 503-512.), sentido que ainda encontra ressonância em sociedades contemporâneas. Ser masculino, paulatinamente, foi relacionado a ser viril, o que, por sua vez, foi plasmado à ação guerreira e militar, inventando a virilidade moderna (MOSSE, 2000MOSSE, George. La Imagen del hombre: la creacíon de la moderna masculinidad. Madrid: Talasa, 2000. ). No século seguinte, a inclusão oficial de mulheres na atividade militar adquiriu contornos reais, mesmo que ainda limitados e controversos. Aos 92 anos, a Sra. Elsa Rutz rememora a felicidade pueril e orgulhosa de uma jovem de 18 anos, ao fazer parte da chamada Organização Feminina Auxiliar de Guerra, a OFag.

Este artigo é uma discussão sobre a criação e as atividades desenvolvidas pelos grupos de auxiliares de guerra criados em São Paulo e Santos, as “OFags”, e o Corpo de “Voluntárias de Defesa Passiva” do Rio de Janeiro, os quais, militarizados, existiram de 1942 a 1945. Para isso, dedico-me à análise dos lugares ocupados por esse feminino militarizado e as percepções de ex-Fags (Feminino Auxiliar de Guerra)1 1 Foi mantido como legenda o manuscrito que consta nas fotografias. Neste caso, foi escrito pela Sra. Ruth Pereira Karbstein. sobre patriotismo, a guerra e a aquisição de conhecimentos militares por um grupo de mulheres.

As OFags (paulistanas e santistas) e as Voluntárias da Defesa Passiva Antiaérea (cariocas) foram organizadas aos moldes dos grupos auxiliares de guerra compostos por mulheres das nações beligerantes dos países aliados (CAIRE, 2002CAIRE, Raymond. A Mulher militar: das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Biblex, 2002.; QUETÉL, 2009QUETÉL, Claude. Mulheres na Guerra: 1939-1945. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009.), embora sem o mesmo vigor. Diferente da vasta literatura estrangeira sobre essas organizações, no caso brasileiro as auxiliares de guerra não constam na historiografia e tampouco na memória institucional do Exército Brasileiro.2 2 Nomenclatura do Regulamento Interno para as auxiliares de Guerra, criado em 1943.

Entre 2008 e 2011, pesquisando no acervo da Biblioteca e Museu de Polícia da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP),3 3 Em publicação de julho de 2017, a Revista Verde Oliva apresentou “A trajetória da mulher no Exército Brasileiro” a partir de uma série 10 reportagens em que as auxiliares de guerra não são mencionadas. Os textos do periódico apresentam, com várias e amplas fotografias, mulheres ocupando diversas funções, quadros, postos e patentes militares. A reportagem “Guerreiras brasileiras”, escrita pela Major Elza Cansanção Medeiros, enfermeira da FEB, contém uma lista descritiva de heroínas militares que participaram de conflitos, marcos da história do exército. De Guararapes à Segunda Guerra Mundial, passando pela Revolução Farroupilha, Guerra do Paraguai e luta pela independência, as mulheres são simultaneamente combatentes, esposas e mães exemplares que auxiliaram heroicamente os homens no fazer a guerra (REVISTA VERDE OLIVA, ano XLIV, n. 237, jul. 2017, p. 7-14). encontrei o Regulamento Interno para OFag e Legionárias (R.I.O.), o Regulamento de Continências, e os assentos funcionais da Fag Ruth Pereira. Os documentos foram produzidos pela 2ª R.M e doados ao museu, junto com o uniforme das Fags, pela Sra. Ruth Pereira Karbstein, no ano de 2000. Além disso, em outras fontes, já havia encontrado a informação de que a primeira comandante da Polícia Feminina, Hilda Macedo, assim como a subcomandante, Eurydice da Silva Costa, pertenceram à OFag, de São Paulo.

Sobre a ausência de fontes em arquivos militares, é importante assinalar que diante da documentação a prática historiográfica busca compreender e analisar, além do documento em si, a concretude de sua existência, sua função, seu suporte, sua distribuição, trajetória e os locais onde se encontram. Isso por compreender que museus, bibliotecas e arquivos se configuram como instâncias de consagração, conservação, seleção e classificação do que merece ser lembrado e transmitido e, também, do que não merece.4 4 Pesquisa sobre a criação da chamada “Polícia Feminina”, publicada como livro em 2017: MOREIRA, Rosemeri. Sobre mulheres e polícias: a construção do policiamento feminino em São Paulo (1955-1964). Guarapuava: EDUNI, 2017. Os museus e arquivos, lugares de consagração de um passado, produzem discursos sobre o mundo social colocando os/as intelectuais - arquivistas e/ou pesquisadores (as) - como sujeitos situados no interior de uma lógica específica do campo intelectual.

É preciso deixar em evidência que as condições de produção da pesquisa, ocultadas e/ou esquecidas, não podem ser postas como separadas do produto pensado. Na busca por documentação sobre as auxiliares de guerra, no acervo do Arquivo Histórico do Exército (AHEx), foram consultados os Boletins da Secretaria Geral do Ministério da Guerra, de 1941-1945, e os Relatórios do Ministro da Guerra do mesmo período.5 5 O poder de negar ou possibilitar aos bens simbólicos, sua existência ou visibilidade (BOURDIEU, 2004, p. 117).

Contrastando com o apagamento institucional, a vontade de ser lembrado(a), por parte de sujeitos históricos, encontra-se explícita na doação de documentação referente à OFag de São Paulo, no acervo da PMESP. Além disso, devido à menção das OFags em tese de doutoramento, fui contatada - via redes sociais - pela Sra. Ruth Kasbstein, doadora da documentação que, por telefone, peremptória, solicitou: “Venha logo, eu preciso falar. Eu preciso te contar!”.6 6 No arquivo da 1ª R.M. (Rio de Janeiro) fui informada de que não havia boletins sobre o período solicitado, devido a um alagamento ocorrido em fins dos anos 1970. Também não obtive acesso ao arquivo da 2ª R.M (São Paulo), mesmo após solicitação por e-mail, telefonemas e ofício. Esses dois últimos arquivos, é preciso constar, não são considerados públicos. Além desses, busquei documentação no museu e arquivo da FEB (Rio de Janeiro) e também no Centro de Documentação da Aeronáutica (Rio de Janeiro), não obtendo sucesso. O CENDOC foi procurado devido à informação de jornais que as Voluntárias da Defesa Passiva - RJ, respondiam ao Major Aviador Alcides Neiva. Em pesquisas anteriores, utilizando a fonte oral, pude observar em mulheres a mesma disposição política de serem lembradas, inclusive disponibilizando documentação e apresentando flexibilidade de horários e locais para entrevistas, além de doação aos arquivos policiais (PMPR e PMESP) de fardamento, carteiras funcionais, fotografias de cursos de formação, formaturas, atividades na rua, entre outros. Ou seja, é latente o desejo dessas mulheres - que foram obliteradas na produção do conhecimento pelas instituições - de narrar, de pertencerem à História, de sair do esquecimento e desfrutar de reconhecimento.

Com a Sra. Ruth Karbstein foram realizadas duas entrevistas, uma em dezembro de 2016 e outra em abril de 2018.7 7 KARBSTEIN, Ruth. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 10 set. 2016. Também, via redes sociais, consegui o contato da Sra. Elsa Rutz, de 92 anos, ex-Fag em Santos, entrevistada em Outubro de 2018.8 8 KARBSTEIN, Ruth. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016 e 06 abr. 2018. Ruth Pereira Karbstein nasceu em 06 nov. 1923, na cidade de Sorocaba, São Paulo. Após participar da OFag, onde fez o curso de dactiloscopia, desvendou um crime, comparando a perícia que ela fizera, com a base de dados do Estado. Em razão disso, foi convidada para integrar a Polícia Civil do Estado de São Paulo ocupando o cargo de Pesquisador Dactiloscópico Policial, uma das primeiras no Brasil. No governo de Jânio Quadros (1955-1959) foi efetivada, permanecendo até se aposentar. Após a aposentadoria, ministrou aula de educação religiosa na rede pública do Estado, ao mesmo tempo em que iniciou um trabalho comunitário, na periferia de São Paulo. Integrou o GAP (Grupo de Assessoria e Participação do Palácio do Governo) durante o governo de Paulo Maluf. Presidiu o CONSEG Guaianases (Conselho Comunitário de Segurança) por 16 anos, tendo a imprensa nacional se interessado pela diminuição da violência naquele bairro em comparação com os demais. Foi candidata à vereadora de São Paulo pelo PRONA. Casou-se aos 20 anos de idade com o expedicionário da FEB Bruno Francisco Karbstein, com quem teve sete filhos: Yara, Bruno Yrapuan, Bruno Junior, Ytaboray, Ybiracy, Aicy e Franklin. Segundo ela, os nomes indígenas dos/as filhos/as foram motivados por seu fervor nacionalista e patriótico, entendendo ser importante a afirmação das bases étnicas do povo brasileiro. Atualmente, aos 95 anos é considerada a primeira dama dos CONSEGs de São Paulo. Além da percepção da importância da participação como Fag, é comum a ambas uma postura patriótica em relação à rememoração vivenciada na entrevista, bem como em relação à polarização política do Brasil contemporâneo.

Além de entrevistas com as duas ex-Fags, voltei-me ao acervo da Hemeroteca Nacional Digital e ao acervo digital da Folha de São Paulo onde, enfim, localizei notícias, reportagens, notas breves, avisos e fotografias sobre as auxiliares de guerra. Em termos metodológicos passei a coletar as fontes como uma história pinçada: em busca, simultaneamente, de comprovação da existência - apagada ou obliterada - e de uma cronologia mínima, pinçada em diversos jornais e revistas, que auxiliasse a compreensão do contexto de criação, das atividades realizadas pelas OFags e do fim desses agrupamentos.9 9 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018. A Sra. Elsa, proveniente de uma família de seis filhos, aos 94 anos, orgulhosamente se declara socialista e ativista política. É filha do líder sindicalista comunista Eustáchio Quadros e de Enedina Quadros. Casou-se aos 20 anos de idade, logo após o término das FAGs, com Aron Rutz, curitibano, bancário e com ascendência alemã. Fez o curso de Línguas anglo-saxãs e foi professora de História do Brasil por muitos anos. Teve duas filhas e um filho.

As notas e notícias em que aparecem as auxiliares de guerra foram encontradas com mais frequência nos seguintes periódicos: Diário de Notícias (RJ), Jornal de Notícias (SP), Folha da Manhã (SP), Correio Paulistano (SP), A Manhã (RJ), O Jornal (RJ), Folha da Manhã (SP), A Noite (RJ), Gazeta de Noticias (RJ), O Cruzeiro (RJ), Jornal das Moças (RJ), Revista Doméstica (RJ) e Sino Azul (RJ). Entretanto, são poucas as reportagens e notícias específicas sobre elas. No mais das vezes as Fags aparecerem, sobretudo, nas franjas e beiradas de notícias relacionadas aos assuntos diversos: desfiles e solenidades militares e civis, jantares de autoridades, missas, funerais, e inaugurações. Elas estão, geralmente, no final de uma longa lista de autoridades (masculinas) e instituições, presentes nos eventos e nas solenidades oficiais, próximas ou após as integrantes da Legião Brasileira de Assistência (LBA). A partir dessas publicações foi possível traçar, minimamente, o que elas faziam, onde circulavam e, principalmente, a importância simbólica da presença dessas mulheres, uniformizadas e militarizadas, em solenidades oficiais.

As inúmeras notas curtas existentes nos jornais são relativas aos avisos de inscrição, formaturas ou convocação das Fags, em que constam os dias, horários e locais dos treinamentos e das atividades. Esses avisos frequentes condizem com a obrigatoriedade de publicação, em jornais e revistas, de comunicados referentes às atividades do estado de guerra, previstos no Decreto-lei de criação da Defesa Passiva Antiaérea, em fevereiro de 1942.

A discussão deste texto se ancora no cruzamento das fontes orais com os regulamentos das OFags e Legionárias (Interno e de Continência) e com as publicações em periódicos em que as Fags e as Voluntárias da Defesa Passiva aparecem de forma direta ou indireta. Além disso, ao analisar a aparição das auxiliares de guerra nos periódicos, é preciso ter em mente que a imprensa estava sob observância do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em dezembro de 1939 por Getúlio Vargas. O DIP controlava todos os serviços de propaganda e publicidade do governo: ministérios, departamentos e entidades autárquicas, configurando-se como porta-voz do ideário estadonovista e órgão coercitivo da imprensa, cinema, rádio e teatro do período.

Se por um lado é evidente o apagamento/esquecimento das auxiliares de guerra na história oficial da instituição, atestado pela ausência (ou não acesso) de documentação pertinente à temática em arquivos militares e na historiografia produzida no Brasil, por outro lado salta aos olhos o desejo de ser lembrada por parte das ex-Fags. O desejo de lembrar é partilhado por parte de pesquisadores(as), motivados pela perspectiva de que o fazer acadêmico ainda tem negligenciado a necessidade de “[...] não apagar - não se assemelhar aos que procuram a todo custo apagar aquilo que pode trair, em seu saber, o lugar de onde olham, o momento em que estão, o partido que tomam, o incontornável de sua paixão” (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2005. , p. 30).

A NAÇÃO ARMADA E AS MULHERES

Sabe o sangue da pessoa que ama sua terra? O sangue numa hora dessa, quando nossa terra tá sendo atacada, ele parece que ferve dentro de nós. (Ruth Pereira Karbstein, em entrevista concedida a Rosemeri Moreira, São Paulo, 09 dez. 2016).

Eu queria ir pra Itália, eu queria brigar, eu queria fazer guerra (Elsa Quadros Rutz, em entrevista concedida a Rosemeri Moreira, Curitiba, 11 out. 2018).

Antes mesmo da entrada do Brasil no conflito, a guerra na Europa trouxe ao cotidiano nacional, através dos periódicos, a preocupação com a chamada defesa passiva e a presença de mulheres no conflito, seja pelo cinema, seja pela participação nos corpos auxiliares de guerra europeus e estadunidenses. A partir da leitura cronológica dos periódicos consultados é possível observar como a guerra, paulatinamente, foi tomando conta das publicações. O verbete “defesa passiva” (variante defeza passiva) aparece 7.195 vezes no período de 1940-1949, em 273 jornais e revistas. Na década anterior, aparecem 812 menções, em 399 jornais.

Um exemplo recorrente é o de Mary Churchill, filha mais jovem do 1º Ministro britânico, a qual trabalhou na Cruz Vermelha e depois no Auxiliary Territorial Service (ATS) durante a 2ª Guerra (MELLO, 2015MELLO, Ana Claudia de Rezende Costa Dutra e. As Mulheres de Churchill: análise da participação feminina na Marinha e Aeronáutica britânicas durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, Rio de Janeiro, 2015. ). Ela aparece diversas vezes, ora com uniforme solene prestando continência, ora com fardamento de guerra,11 10 Nesses acervos busquei os seguintes verbetes: mulheres e/na guerra, defesa passiva, defesa passiva antiaérea (grafia do período), OFag, Fags, Feminino Auxiliar de Guerra, Organização Feminina Auxiliar de Guerra, auxiliares de guerra. O recorte temporal utilizado foi o de 1940 a 1949 e também de 1950 a 1959, a fim de localizar notícias anteriores e posteriores ao período de existência desses grupos. lavando vidros ou trocando pneus. Desde 1940 foram publicadas notícias em periódicos nacionais sobre mulheres europeias e estadunidenses atuando em corpos auxiliares da defesa passiva. As publicações sobre esses grupos, em geral, mostravam o cotidiano do chamado home front em que as mulheres aparecem realizando diversas atividades, tal como Mary Churchill. Contudo, no mais das vezes, com a advertência confortadora: “Na Inglaterra, as mulheres assumem todos os deveres militares, menos o de combater”.11 11 Termo que designa o uniforme utilizado para exercícios físicos e/ou de trabalho pesado. Nos principais periódicos nacionais, de 1940-1949, existem 98 notícias sobre ela nos periódicos da Hemeroteca Nacional Digital. De qualquer forma, no cotidiano dos periódicos nacionais, mulheres militarizadas já faziam parte da estética visual da guerra, antes da entrada do Brasil no conflito.

A defesa passiva nacional passou a ser organizada de forma oficial no início de 1942. Com base no princípio da Nação Armada, discutido na sequência, foi criado o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea atribuído, a princípio, ao Ministério da Aeronáutica. O decreto da Defesa Nacional Antiaérea preconizava que “a ele estão sujeitos brasileiros e estrangeiros: residentes ou em trânsito no país, de ambos os sexos, maiores de 16 anos”,12 12 REVISTA A SEMANA, Rio de Janeiro, n. 52, jan. 1941, p. 5. Nessa edição, em específico, a revista publicou fotografias com os quatro tipos de uniformes das mulheres da defesa passiva da Inglaterra, em reportagem intitulada “As fardas usadas pelas mulheres na Inglaterra”. prevendo a mobilização desse grupo etário por um período de, no máximo, dez dias úteis do ano para as tarefas de proteção contra gases, remoção de pessoas intoxicadas, serviços de enfermagem, de vigilância do ar, de prevenção e de extinção de incêndios, de limpeza pública, de desinfecção, de policiamento e de fiscalização na execução das ordens. É focando nessas atividades que, na sequência, foram criados os grupos de Voluntárias de Defesa Passiva-antiaérea. No final de 1942, alguns desses grupos passaram a ser denominados de “Organização Feminina Auxiliar de Guerra”, como é o caso de São Paulo. No Rio de Janeiro, foi mantida a primeira denominação e permaneceu como uma seção da LBA, mas sob orientação de militares.

No Relatório do Ministro de Guerra de 1941, além de assinalar problemas relativos ao recrutamento militar e mobilização civil,13 13 O Decreto-Lei n. 4098, de 06 fev. 1942, criou o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea atribuído, a princípio, ao Ministério da Aeronáutica. Em agosto de 1942, quando ocorreu o ingresso efetivo do país na guerra, um novo decreto transferiu para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores a responsabilidade pela organização do Serviço de Defesa Passiva em território nacional. o Gen. Eurico Gaspar Dutra apresenta uma longa explanação, traçando o percurso dos sistemas de guerra, até chegar no que define de “sistema da Nação Armada”. Em suas palavras, esse sistema teria o: “princípio justo por distribuir equitativamente os encargos e as responsabilidades pela defesa nacional, a todos os cidadãos, sem distinção de credos ou nem de sexos, na mais admirável de tôdas as compreensões dos deveres morais, cívicos e sociais”14 14 Uma vez que, para ele, a chamada Guerra moderna, também denominada de guerra de material, exigia que militares tivessem as mais variadas especializações, devido à complexidade das funções e da “preponderância dos armamentos sobre os efetivos e das máquinas sobre os homens” e à complexidade das armas que exigiam poucas pessoas para operá-las, mas várias para mantê-las, conservá-las, etc. (BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 130) (grifo meu). A indistinção imperativa na responsabilização pela defesa nacional - “ou nem de sexos” - está ancorada em dois argumentos. Primeiro:

Nada justifica que determinado grupo de homens se exponha a toda sorte de perigos, arrisque a vida e o sossego de suas famílias, enquanto outros de tudo se aproveitam e sossegadamente se locupletem do bem-estar da sociedade, por cuja paz nada fizeram, nada deram, nem sacrifício algum consentiram para sua manutenção, instrumento ou organização geral.15 15 BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133.

Para além do que previa a Constituição Federal de 1934, em que as Forças Armadas “Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei”,16 16 BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133. o general defendia como uma questão de justiça distribuir a todos/as os perigos, os riscos e o sacrifício pela manutenção do bem-estar da sociedade. Outro ponto que completa o argumento de Dutra se coaduna ao que os/as historiadores/as denominam de Guerra Total: característica dos conflitos mundiais da 1ª metade do século XX, cuja mortalidade em massa, inaugurada pela possibilidade técnica, acontece paradoxalmente em nome da vida e da sobrevivência da população nacional. Essa concepção de um inimigo que necessita ser exterminado enseja o desaparecimento da fronteira entre combatentes e civis. Gen. Dutra assinala:

Hoje há guerra de povos, que provocam violento desencadeamento de todas as forcas nacionais, politicas, econômicas, industriais, sociais e as que atuam segundo as leis do puro determinismo. (...) E nessa espécie de guerra é impossível distinguir onde existe o limite entre Forca Armada e o povo. Todos lutam, consoantes suas especialidades e capacidades, todos indistintamente correm os mesmos perigos, afrontam as mesmas necessidades e fazem os mesmos sacrifícios. (...) A guerra total não visa, pois, apenas os exércitos, mas, também o povo. (...) Não existe distinção funcional entre exército ativo e de reserva e, muito menos, distinção entre civil e militar. (Grifo meu).17 17 BRASIL.Constituição(1934). Art. 162. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm >. Acesso em: 10 jan. 2018.

O conhecimento militar do Ministro da Guerra, que apontava a complexidade da guerra de materiais, a diluição do front e a ameaça derradeira a toda população, exigia que a nação se levantasse e estivesse preparada para o conflito, até mesmo as mulheres. Ele conclui essa parte do relatório pedindo urgência na adoção do princípio da nação armada, em que o home front tem função crucial.

Um dos principais temores de militares e das populações, sem dúvida, era o bombardeio aéreo,18 18 BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133. o qual é sentido como uma realidade inevitável na 2ª Guerra e estava estampado no cotidiano dos jornais do período, com relatos e imagens que exibiam vítimas e escombros de grandes cidades. De qualquer forma, antes mesmo do primeiro decreto que criava a defesa passiva no país, há notícias sobre a criação da defesa passiva antiaérea em países vizinhos e também já aparece uma primeira turma de mulheres voluntárias da defesa passiva que estaria se formando em São Paulo, organizada pela Cruz Vermelha.19 19 O avião já havia sido usado na Primeira Guerra Mundial, mas de forma ainda parcial - muito mais para o transporte de armamento e víveres. A partir do início de 1942, a cada dia surgiam nos periódicos cada vez mais menções à necessidade de exercícios de blackout, que se tornariam uma das atividades das auxiliares de guerra.

Antes mesmo do Brasil entrar em estado de beligerância, o que viria acontecer somente em agosto do mesmo ano, crepitam notícias sobre inscrições, instruções e formaturas de cursos de defesa passiva antiaérea em vários estados: Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, etc. Entretanto, não consta quem estava organizando os cursos e também não está claro se são cursos para homens, mulheres ou para ambos. Nos periódicos transparece a movimentação referente à possibilidade de guerra: criação da defesa passiva antiaérea; iniciativas da Cruz Vermelha; início de cursos de defesa passiva e início de exercícios de blackout nas principais cidades do nordeste brasileiro: Recife, Olinda (PE), Natal (RN) e Salvador (BA). Não consta a informação sobre a presença de mulheres na execução dos exercícios de blackout.

A partir do cruzamento das fontes, em relação a São Paulo, está claro que a organização de grupos de mulheres de defesa passiva antiaérea se deu a partir dos militares da 2ª RM, sob comando do Gen. Mauricio Cardoso20 20 ENTREGUE ontem em São Paulo certificados da primeira turma de defesa passiva. A Manhã, Rio de Janeiro, 1 jan. 1942. Nota, p. 4; ORGANIZA-SE defesa passiva no Uruguai. A Noite, Rio de Janeiro, 10 jan. 1942, p. 14. e que, no final de 1942, esses grupos foram organizados como OFag, grupo paramilitar sob comando de militares. Em relação ao Rio de Janeiro, as Voluntárias da Defesa Passiva Antiaérea, mesmo com treinamentos e instruções de militares, estavam subordinadas à presidência da LBA.21 21 Comandante da 2ª RM, São Paulo, de 1939 a 1942. Assumiu no ano seguinte o comando da 1ª RM, Rio de Janeiro. Em dez. 1942 foi designado para substituir o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro na chefia do Estado-Maior do Exército - EME (ABREU, 2001). As atividades gerais do voluntariado feminino estavam a cargo da LBA, em todo o país (BARBOSA, 2017BARBOSA, Michele Tupich. Legião brasileira de assistência (LBA): o protagonismo feminino nas políticas de assistência em tempos de guerra (1942-1946). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. ). Entretanto, em São Paulo, as atividades específicas da defesa passiva foram capitaneadas pelo Exército no estado, o que definiu as OFags como paramilitares.22 22 A LBA foi criada em 28 ago. 1942, seis dias após Vargas decretar o estado de beligerância, em 22 ago. A declaração de guerra contra Alemanha e Itália é de 31 ago. 1942.

De qualquer forma, nas cidades de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro, esses grupos de mulheres foram militarizados e passaram a realizar atividades previstas no decreto-lei citado. Entre abril e maio de 1942 foram instalados postos de instrução contra ataques aéreos na cidade do Rio de Janeiro (no Palácio Tiradentes, no edifício da Estrada de Ferro Central do Brasil, no edifício do jornal A Noite e na Praça Mauá), com a finalidade de distribuir à população folhetos com instruções de defesa passiva.23 23 É preciso pesquisa mais aprofundada para compreensão dos caminhos diferenciados das OFags paulistas e as Voluntarias da Defesa Passiva do Rio de Janeiro. Ainda em abril foi publicado o livro “Alerta! Catecismo da Defesa Passiva Civil Antiaérea” que foi, nas palavras do Correio Paulistano, “elaborado e oferecido à nação pelo Cel. Orozimbo Martins Pereira”, diretor do Serviço Nacional de Defesa Passiva.24 24 A MANHÃ, Rio de Janeiro, 08 mai. 1942, p. 2. O texto se tornou “um guia para estruturar a nação num possível ataque das forças do Eixo” (SCHURSTER, 2013SCHURSTER, Karl. O “inverno do descontentamento” na propaganda de preparação para Segunda Guerra em Recife. Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil, v. 9, n. 17, p. 42-58, 2013. , p. 47). A partir das recomendações contidas no Relatório do Ministro da Guerra, de 1941, a defesa passiva antiaérea passou a ser organizada oficialmente sob comando de militares da reserva e da ativa e, de forma voluntariosa, com o protagonismo de mulheres movidas pelo fervor patriótico.

Na eminência do decreto do estado de beligerância, por iniciativa do Gen. Mauricio Cardoso, em 10 de agosto de 1942, foi iniciado o curso do “1º Batalhão de Voluntários de Defesa Passiva Antiaérea de São Paulo” (grifo meu) para mulheres, em cerimônia solene que contou com a presença de diversas autoridades militares e civis junto de suas esposas, além de, como traz a reportagem, “numerosas senhoras e senhoritas da sociedade paulistana”.25 25 CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 03 abr. 1942, p. 2. O Serviço de Defesa Passiva Antiaérea foi instituído pelo decreto-lei n. 4.098, de 13 de maio de 1942. Na ocasião, o general afirmou que já existiam mais de 600 mulheres inscritas “demonstrando, tal fato, a perfeita compreensão da mulher no que diz respeito aos destinos da pátria”26 26 CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 11 ago. 1942, p. 2. . Ao fim da cerimônia, o Cap. Sílvio de Magalhães Padilha,27 27 INICIADO o curso prático de defesa passiva Anti-aerea. Correio Paulistano, São Paulo, 11 ago. 1942, p. 2. diretor geral do curso, exaltou as qualidades da mulher brasileira e terminou seu discurso com um, enfático, “VOLUNTÁRIAS, SENTIDO!”, a se considerar a caixa alta usada pelo jornal.

Através de algumas reportagens, das entrevistas com as duas ex-Fags e também do Regulamento Interno das OFags do Estado de São Paulo,28 28 Não foi possível precisar se o referido Cap. Sílvio (segundo o jornal), se trata de Sylvio de Magalhaes Padilha, major, atleta olímpico e ex-militar desde 1940. é possível saber que na capital paulista foram formados três batalhões atuando como Fags, totalizando cerca de 1.600 mulheres. Em Santos, foram criados dois batalhões. Sobre a cidade do Rio de Janeiro não consta essa informação em periódicos. O voluntariado de auxiliares de guerra se estendia às mulheres entre 17 e 50 anos de idade, conforme o Regulamento Interno (1943). Sobre o chamamento para compor esses grupos, a Sra. Elsa Rutz, Fag em Santos, rememora:

Na ocasião, eu morava em Santos, e lembro que naquele dia soaram as sirenes e tudo anunciando que o Brasil havia declarado Guerra ao Eixo. Nós, eu com 18 anos, minha irmã com quase 17, nos entusiasmamos. Imagine, estamos em guerra. A gente não sabia o que era guerra. Guerra é até meio romântico, a gente vê nos filmes, né? [risos]. (...) A gente não tinha menor ideia. Mas, quando no jornal santista, A Tribuna, uma notícia de que havia um voluntariado para mulheres pra formar uma legião (...), uma defesa passiva. Declarou guerra. Bom, estamos em Guerra, vamos cumprir a nossa missão: vamos nos inscrever. Vamos lutar, vamos defender o Brasil!29 29 EXÉRCITO BRASILEIRO. Regulamento Interno das Organizações Femininas Auxiliares de Guerra. Voluntárias e Legionárias. São Paulo: Oficina Tipográfica do Quartel General da 2ª. Região Militar, 1943. Pasta OFag. Acervo Biblioteca e Museu de Polícia - PMESP.

Conclamadas como sujeitos imprescindíveis à defesa da nação - nação armada - pela elite política e militar do período, mulheres responderam com fervor patriótico. Nas rememorações das duas entrevistadas, ao mesmo tempo em que transparece a seriedade da situação, é observável também a percepção do encanto pessoal com a função de defensoras da nação. Um lugar quase fílmico, carregado de certo glamour de um Brasil em Guerra.

No Regulamento Interno da OFag, consta que os serviços auxiliares de guerra abrangiam as atividades que, “por sua natureza, interessam à vida da Nação em guerra e em que as mulheres possam substituir os homens convocados para o serviço militar”30 30 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018. (Grifo meu). Seguindo esses preceitos, os cursos de defesa passiva antiaérea duravam cerca de seis meses e estavam divididos em três categorias: fundamental, facultativo e especialidades. O curso fundamental, realizado por todas as inscritas, trazia noções básicas de defesa passiva antiaérea, abrangendo ações que deveriam ser tomadas em caso de bombardeio aéreo, além de Ordem Unida e aprendizado básico sobre hierarquia e disciplina militar. Dentro dessa mesma categoria de curso havia um nível mais aprofundado de Ordem Unida, o qual era facultativo, indicado somente àquelas que desejavam participar das paradas militares e solenidades oficiais. A Ordem Unida se refere ao treinamento dos tipos de marchas executadas em desfiles militares comemorativos, a continência, as posições de sentido, descansar, etc., além das honras à bandeira, hinos e gritos de guerra. O aprendizado da Ordem Unida, focado no deslocamento em marcha, possui a eficácia de internalizar respostas imediatas e padronizadas no corpo, uma vez que o militarismo abrange uma série de gestuais, posturas corporais e frases padronizadas que exacerbam a relação hierárquica entre seus integrantes.

O curso facultativo era relativo à educação física. Na categoria de especialidades havia as seguintes formações: Socorros Urgentes; Ligações e Transmissões (telefonia, telegrafia, radiotelefonia, radio telegrafia e colombofilia);31 31 EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento Interno da Organização Feminina Auxiliar de Guerra. 28 jul. 1943, 20 p. Pasta OFAG. Acervo BMP/PMESP. Policiamento de trânsito; Vigilância do Ar e Trânsito; Socorros de Incêndio; Trânsito e Condução de Veículo; Datiloscopia, além de Geografia e Estatística. Após a carga horária prescrita para cada curso, as inscritas realizavam avaliações escritas e práticas, podendo repetir os exames caso não fossem aprovadas.

A Sra. Elsa Rutz fez a especialidade de Ligações e Transmissões e, orgulhosamente relatou ainda lembrar-se do código Morse, auditivo e visual. A Sra. Ruth Karbstein, Fag em São Paulo, fez o curso de datiloscopista e de Policiamento de Trânsito, o que lhe valeu a entrada na Polícia Civil, após a guerra. Nos treinamentos, para elas, um dos pontos altos parece ter sido o momento de simulação de bombardeio aéreo. A Sra. Elsa Rutz relata:

foi organizado pelos oficiais, nossos comandantes, com a presença do ilustríssimo Sr. General Mascarenhas de Moraes, comandante supremo da FEB, que na época ainda não havia partido. Fizemos um exercício no campo do Santos Futebol Clube com bombardeiros. Então havia um bombardeiro: Ele, o avião [risos], dava aquele mergulho e atirava sacos de areia no campo. E um saco daquele na cabeça, cê já viu, né? [risos]. [Tinha] que correr pra todo lado porque a cidade estava sendo bombardeada. Olha, o que corria de gente naquele campo, cada uma dentro de sua função. Por infelicidade, o meu [risos] luminoso... não me lembro mais o nome daquilo... pifou. Não sei se queimou, não sei o que aconteceu. E eu desesperada pra passar a mensagem por quartel pra acionar lá, acionar lá, acionar lá... Foi tudo acionado. (...) E eu fiquei atordoada: o que é que eu faço agora? Minha luz não quer piscar. Passei a mão no documento e saí correndo por aquele campo, atravessei aquele campo que nem uma bala. Pra botar esse documento na mão lá do comando que ia determinar o que fazer. Consegui correr... Porque metade já estava trêmula, já estava excitada, a gente estava nervosa. Era o dia. O General estava ali olhando, né?! Estava “assim” de milico no campo, assistindo. Aquele exercício foi muito bonito, a cidade de Santos estava completa ali no campo, muitos oficiais, muitos... Fomos muito aplaudidas. A gente achou que fez bonito... Fizemos bonito.32 32 Modalidade desportiva de corrida de pombos correio. No Brasil, foi iniciada pelo Exército para fins de comunicação.

Cumprir com esmero as funções designadas, “fazer bonito”, superar o imprevisto, controlar a excitação nervosa, a presença dos instrutores, os olhares avaliativos de militares, do ilustríssimo general, da imprensa, da população e da cidade completa, junto à correria desencadeada por uma situação limite, mesmo que simulada, parece ter dado às entrevistadas amplitude na crença de suas capacidades, principalmente físicas. Sobre as proezas físicas, a Sra. Elsa relembra, com franco entusiasmo, que a irmã, na função de bombeira, foi a primeira a descer de uma manga de salvação. Também relatou que uma enfermeira conseguiu atravessar o campo com uma pessoa, o dobro de seu peso, nos ombros. Sobre a mesma situação, realizada em São Paulo, a Sra. Ruth Karbeinst rememora:

Havia treinamento de várias especialidades militares. Como enfermeira fiz treinamento de bombardeios no centro de São Paulo, na Rua Abílio Soares, e, no Batalhão de Cavalaria, tivemos o treinamento de bombardeio. Havia treinamento para, pelo ronco dos motores da aeronave, descrever qual tipo de aeronave estava fazendo o sobrevoo. Então era dado alerta de bombardeio. As sirenes eram acionadas e tocadas. Fomos bombardeadas com festim no treinamento. Primeiro veio avião de caça fazendo folha seca, essas coisas. Os soldados ficavam com metralhadoras atirando nos aviões, alguns deles fingiam serem alvejados e vinham para que nós os atendêssemos. As aeronaves davam rasantes para fingir o bombardeio. As OFags que eram treinadas para o policiamento de trânsito, ao toque da sirene, deviam levar a população em pânico para os abrigos antiaéreos. As OFags do trânsito tinham que trabalhar primeiro no caso de bombardeio, para apaziguar, acalmar as pessoas em pânico e levar ao abrigo. Nós, que estávamos no policiamento de trânsito, se não desse tempo de nos abrigar e os civis que também não conseguíssemos abrigar, deveríamos nos jogar rente ao meio-fio da calçada, para tentar evitar os estilhaços das bombas. As que eram treinadas para enfermagem, deveriam atender as pessoas que seriam feridas no próprio campo de bombardeio, no meio da rua, fazendo o pronto atendimento. As componentes estavam muito bem treinadas para um evento qualquer de ataque da nossa capital, ou através de cruzador ou de sobrevoo para bombardeio.33 33 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.

Mais do que o olhar de outrem (militares e população), a Sra. Ruth rememora o aprendizado das Fags: tipificar as aeronaves a partir da audição dos motores; cuidar dos feridos; conduzir a população em pânico; controlar o trânsito em meio ao tumulto, além de orientações para proteção individual. Essas atividades demandam um controle de si perante o pânico e a desordem da circunstância. A crença na capacidade de ordenamento e de controle de situações as mais adversas, a partir de uma estética da previsão e da retidão, é uma das características atribuídas aos militares (homens). Naquele momento, era requerida à população como um todo, conforme indicado de forma explícita nas falas do general Dutra, citado anteriormente. Para as auxiliares de guerra são exigidos o controle de si e a estética da retidão.

O uniforme das OFags foi inspirado no uniforme das auxiliares de guerra europeias e estadunidenses. Na figura 01, única fotografia colorida obtida na pesquisa, observamos a presença das Fags de Santos, em desfile militar do Dia do Soldado.

Figura 1
Desfile Dia do Soldado, 25 ago. 1943

O uniforme é descrito pelas entrevistadas como farda cinza-azulado, saia-calça cinza-claro, meias cinza-claro, sapato preto, dólmã cinza- escuro (a Sra. Ruth fala em cinza azulado), camisa branca, gravata preta e bibico.34 34 KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016. Ele era adquirido pelas Fags mediante pagamentos parcelados.35 35 Quepe (cobertura para militares) feito de pano em forma de navio, de costura única e reta, fazendo dois bicos - bibico. Utilizado por militares das forças armadas, com um uniforme especial, até início dos anos 1980. As entrevistadas mostraram-se sensibilizadas ao falarem da farda, termo usado por elas e negado no regulamento interno, mesmo com todo o militarismo impregnado nessa veste - nas costuras, pregas, cores, nomenclatura (dolmã, bibico, insígnias), etc. Nesse caso, a separação e diferenciação entre fardamento e uniforme é mais simbólica do que material. Além disso, o uniforme das Fags era composto por um apito, distintivo e insígnia. Essa última era abençoada em cerimônia religiosa no momento da formatura.36 36 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.

O uniforme das Voluntárias da Defesa Passiva diferenciava-se do das Fags pelo uso de uma bolsa preta e retangular, posta de forma trans versal, além da não variação de cor no dólmã e na saia-calça. Assim como as congêneres estrangeiras, a adoção da saia-calça para as auxiliares de guerra corresponde à flexibilização no vestuário de mulheres, em curso desde a virada do século. São roupas mais leves, mais curtas e consideradas práticas, em comparação ao vestuário de mulheres de fins do século XIX. A saia-calça satisfaz a manutenção da feminilidade de uniforme militarizado e também da capacidade de mobilidade, em comparação com a saia propriamente dita. Os trajes bifurcados, as calças, mesmo já fazendo parte do vestuário de mulheres urbanas, ainda não estavam completamente popularizados no país. Diferente das auxiliares de guerra europeias e estadunidenses, as brasileiras não tiveram calças na composição de seu uniforme.

Emocionada, a Sra. Elsa Rutz demonstra todo o apreço ao se reconhecer de uniforme: “Foi um período muito agradável da minha vida (...). Quando eu vestia aquela farda, sabe o que eu fazia? [pausa] Eu andava no estribo do bonde [risos]. Eu não ia sentar ali no banco que nem uma mulher comum. Eu era uma OFag!”.37 37 O CRUZEIRO, n. 24, 10 abr. 1943, p. 5. A satisfação ostensiva e a valentia pueril em portar um uniforme são, na sequência, contrastados: “Desde que o capitão não visse, né?”. A Sra. Ruth doou seu uniforme ao Museu e Biblioteca de Polícia da PMESP, entretanto, não estava em exposição nos períodos em que visitei o referido museu (dez. 2016; nov. 2017; mar. 2018).

As lembranças da juventude, cuidadosamente preservadas entre cantoneiras (Figura 2), além da altivez pelo uso do uniforme, indicam o desejo de apresentar para o futuro o patriotismo devotado ao país, compartilhado orgulhosamente com os homens militares da Força Expedicionária Brasileira (FEB). As fotografias representam construções discursivas portadoras de estratégias persuasivas, em que estética e ideologia se entremeiam (KOSSOY, 2007KOSSOY, Boris. Os Tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.)..As vestimentas, o posicionamento das pessoas e o motivo da foto são reveladores de um contexto cultural bastante amplo. O olhar firme à objetiva, a ausência de sorrisos, a constrição dos rostos, as pernas fechadas e as mãos juntas ou próximas correspondem à responsabilidade da posição de Fag. O uso do uniforme as colocava no centro de uma estética visual, reconhecida e acolhida pela população: “Éramos muito conhecidas [pausa]. Diziam ‘Ih, lá vem uma OFag, olha lá, ó’”.38 38 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.

Figura 2
“Da esquerda para direita: Mafalda Bocaletti, (expedicionários), Rute, Yolanda (?), Yolanda Santos”39 39 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.

A proximidade entre propaganda e fotografia documental encontra-se manifesta nos registros fotográficos da presença de Fags em diversas solenidades, as quais demonstram determinação, disciplina e garbo militar ao mesmo tempo em que não se distanciam de forma arriscada de uma feminilidade exigida.

Sobre a classe social das integrantes das OFags, as entrevistadas responderam que havia mulheres as mais diversas: da alta classe às empregadas domésticas. Pelo Regulamento Interno (Art. 6), elas estavam divididas hierarquicamente em três círculos: círculo especial (chefes de batalhão); círculo de Oficiais (1º, 2º e 3º oficial); e círculo de Fags, por sua vez divididas em Fags graduadas, Fags prontas no ensino e Fags recrutas. A declarada não hierarquia entre elas, o apagamento das diferenças sociais e a responsabilização por igual de todas as mulheres para o esforço de guerra são enfatizadas pela chefe de batalhão, Fag Tereza Castro Lima, segundo reportagem d’O Jornal:

Comove ver operárias modestas e senhoras de mais idade, ou funcionárias públicas dedicadas à aprendizagem, forçando os seus horários em benefício dos cursos ou sacrificando horas de justo descanso as obrigações militares. Na organização, segue ela (...) todas as diferenças desaparecem. O tratamento é simples e abreviado. Diz-se, por exemplo, Fag Castro Lima, Fag Monteiro, etc. e está tudo compreendido. 40 40 DEFESA ANTIAÉREA, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3.

Entretanto, eram as esposas e filhas de militares e da elite política do período que compunham os círculos superiores. Tereza, por exemplo, era esposa do Cel. Aviador Naval Antonio Azevedo Castro Lima, comandante da base de Santos.41 41 No jornal em que consta essa entrevista, em nenhum momento é mencionado seu primeiro nome e Tereza é descrita como senhora Aviador Castro Lima. Ao que tudo indica, a hierarquia ocupada pelos maridos (pais, irmãos) militares era reproduzida entre as Fags, tal como observa Celso Castro ao discutir a categoria “família militar” (CASTRO, 2018CASTRO, Celso. A tradicional família militar: autobiografias de mulheres militares. In: CASTRO, Celso (Org.). A Família militar no Brasil. Transformações e permanências. Rio de Janeiro: FGV , 2018. p. 15-29.). Sobre a disciplina, a contenção de si e a responsabilidade perante o uso do uniforme de Fag, transparecem na fala da entrevistada:

Uma vez eu saí da sede, em frente ao Martinelli, e estava um temporal muito forte. E eu tive que ficar pra fora, ali onde tem a estação, os prédios. Ali tinha barzinho, tinha tudo em frente ao colégio São Bento. Então eu fiquei no ponto lá pra esperar o bonde, fiquei no ponto o tempo todo e estava naquele dia, não sei por que, tivemos que comparecer fardada, não lembro, estava com o ponche, porque não era pra estar com ponche, como gaúcho, e aí lã, aquilo pesa. Eu fiquei tão molhada que não tinha uma roupa no corpo que não tivesse molhada, mas nós não podíamos entrar no bar.42 42 KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.

No Regulamento Interno das OFags da 2ª RM não existe menção à proibição de entradas em bares ou demais lugares que poderiam ser vistos, no período, como impróprios às mulheres, uniformizadas ou não. Ao que parece, a elas era exigido o mesmo pundonor militar que regulava os homens, mesmo que a elas não se aplicasse de forma oficial o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). Aos militares, frequentar fardados bares e demais locais de lazer poderiam ser enquadrado como transgressão a “honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe; contra os preceitos sociais e as normas da moral”.43 43 BRASIL. REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO (RDE). Decreto n. 8.835, 23 fev. 1942.

A criação e atuação dos grupos auxiliares de guerra colocaram mulheres frente ao mundo dos militares, a exemplo das organizações dos países aliados. Mundo em que diversos rituais simbólicos e conhecimentos práticos foram com elas compartilhados. O militarismo apreendido pelas Fags, mesmo que distante da ideia de militar/combate, é aquele cuja hierarquia e disciplina são postas sobre o controle de si e do corpo. Entende-se o militarismo como uma economia dos gestos, uma política dos detalhes e que incidem diretamente sobre o corpo (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes , 1987.). Esse militarismo é compartido pelos inúmeros regulamentos que hierarquizam e esquadrinham os corpos, tais como no diálogo possível, prescrito disciplinarmente, entre as Fags, os militares homens e seus superiores hierárquicos:

Se o superior quando for saudado pela subordinada pela primeira vez, desejar-lhe “bom dia”, “boa tarde”, etc. além de lhe retribuir a continência, a subordinada responderá: “Viva o Brasil, Sr. Capitão!”. (...) Se o superior, ao se retirar disser - “Até logo” ou “Até Amanhã”, a voluntária ou legionária responderá “Tudo pelo Brasil!”.44 44 EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento das Continências Para as Organizações Femininas Auxiliares de Guerra. Voluntárias e Legionárias. Cap. III. Da continência Individual. Local de impressão: Oficina Tipográfica do Quartel General da 2ª. Região Militar, ano. p. 8. Pasta OFAG. Acervo BMP/PMESP.

A exaltação do nacionalismo, uma das características do ideário do Estado Novo, encontra nos regulamentos e diante da guerra um lugar de consagração. O “Viva o Brasil!” aproxima mulheres e homens pela obrigação cívica compartida e, simultaneamente, busca o distanciamento pela normatização de gestos e falas.

Após aprovação nos cursos - fundamental e de especialidades -, ministrados por militares do oficialato (com exceção da Educação Física), algumas das Fags prestavam serviços diários como secretárias, telefonistas e datilógrafas. É o caso da Sra. Ruth, a qual trabalhou na “separata de apresentação de reservistas”. Entretanto, todas as Fags e Voluntárias da Defesa Passiva cumpriam as atividades relativas à defesa passiva antiaérea, propriamente dita, conforme eram convocadas. Blackouts, censo para o racionamento de gêneros alimentícios,45 45 Para Roney Cytrynovicz (2000, p. 24), a escassez que atingiu as classes médias e as elites de São Paulo foi mais um álibi para instituir um clima de privação coletiva de forma a tornar a guerra uma experiência coletiva, que deveria unir todos os brasileiros, independentemente de distinções sociais, a fim de organizar a sociedade nos moldes estadonovistas. orientação em escolas ou postos específicos sobre a defesa perante bombardeios aéreos. Todas eram tarefas das auxiliares de guerra, além das participações em solenidades e desfiles militares.

Nos exercícios de blackout, munidas de apito e lanterna, patrulhavam as ruas instruindo o trânsito e as pessoas. Chegavam, inclusive, a bater à porta das casas onde havia alguma luz acesa e pediam a quem estava na rua que se recolhesse e/ou apagasse o cigarro, etc. Os exercícios de blackout duravam de trinta minutos até uma hora. Além do apagamento total das luzes, a população precisava permanecer onde estava até o final do exercício, buscando proteção em marquises ou permanecendo dentro dos veículos. Por alto falante, sirenes e sinos de igrejas, soavam o sinal de “ALERTA” e, depois, o sinal indicando que estava “tudo limpo”. Somente na cidade do Rio de Janeiro, em janeiro de 1943, foram realizados cinco exercícios de blackout - três à noite e dois durante o dia. Segundo um instrutor militar, o mais importante era: “o povo não perder, em hipótese alguma, o controle dos nervos, pois a experiência militar ensina que a falha principal de qualquer organização de defesa passiva antiaérea é o pânico porventura emergente no seio da população”.46 46 HUSS, Pierre citado por Defesa Passiva. Correio Paulistano, São Paulo, 19 ago. 1942. p. 4. Os exercícios de blackout e, sobretudo, a ação das auxiliares de guerra, tinham a função pedagógica de acalmar um possível pânico da população, encontrando, algumas vezes, resistência. Menos pelo pânico e mais pela indiferença, ou ainda pela pilhéria e chacota. No final de janeiro de 1943, o Cel. Orozimbo Martins Pereira fazia, via jornais, a solicitação de:

cooperação do povo em geral para a repressão as atitudes de indiferença, depreciativas ou pilhéricas daqueles cujos sentimentos anti-patrióticos, e muitas vezes a soldo de agentes estrangeiros, pretendem levar a população a imprevidência, sabotando-lhe assim o ânimo e a disposição de espírito que deve manter por se encontrar a Pátria em guerra. (...) O quinta-colunismo, a sabotagem e a imprevidência serão combatidos sem desanimo, sem que seja descurada a vigilância sobre as medidas relativas aos exercícios que devem ser postas em prática integralmente.47 47 VILA ISABEL, Maracanã, Grajaú, Engenho Velho. O Jornal, Rio de Janeiro, 26 jan. 1943, p. 2.

A indignação do Cel. Orozimbo, mesmo que beirando a fantasia no que tange à ação de agentes estrangeiros, não parece ser desprovida de razões em relação ao comportamento da população. Sobre os blackouts, para a Sra. Ruth: “Ninguém ligava. O negócio da guerra tava do outro lado, eles [pausa] não importava tanto [pausa]. Nas revoluções eu era criança, as pessoas andavam normalmente nas revoluções”.48 48 KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016. Esse “ninguém ligava” refere-se à possível resistência e insatisfação da população, a qual devia cessar todas as atividades, apagar todas as luzes, abrigar-se e paralisar o trânsito. Insatisfação da população que incidia diretamente sobre as auxiliares de guerra.

Além da participação nos exercícios de blackout, as auxiliares de guerra instruíam a população sobre o que deveria ser feito em caso de bombardeios. Essas instruções eram feitas em escolas, postos de saúde, praças e também nas sedes das OFags: em São Paulo, no 22º andar do edifício Martinelli, e na cidade do Rio de Janeiro, no 10º andar do edifício Marechal Deodoro.49 49 Na Avenida Graça Aranha, n. 81, instalada a partir de junho de 1943 (O JORNAL, Rio de Janeiro, 18 jun. 1943, p. 12). Elas ainda foram as responsáveis, no caso de São Paulo, pelo recenseamento da população para o racionamento dos gêneros de consumo em apoio ao Serviço de Racionamento da Coordenação da Mobilização Econômica, realizado a partir de Junho de 1943. O recenseamento era aos domingos e a população formava extensas filas em mais de 108 estabelecimentos de ensino, onde foram instalados os postos censitários.50 50 RECENSEAMENTO da população paulista para o racionamento dos gêneros de consumo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 27 jun. 1943, p. 12; O RACIONAMENTO em São Paulo. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 29 jun. 1943; RECENSEADA a população de S. Paulo para o racionamento. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 29 jun. 1943, p. 10.

Nos periódicos ainda constam convocações para instruções de Ordem Unida, mesmo após a conclusão dos cursos, para preleções sobre história militar e sessões de filmes no consulado britânico, etc.51 51 ORGANIZAÇÃO Feminina de Auxiliares de Guerra. Visita e aprendizagem a Estação de Santos. Revista Sino Azul, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 23. Convocações para ouvir sobre a Batalha do Riachuelo, por exemplo, indicam a importância dos militares em partilhar e/ou desenvolver nas Fags uma memória relativa à glória militar.

Além de preleções pedagógicas, as auxiliares de guerra aparecem nos jornais visitando instalações e participando de missas e funerais (Figura 3 e 4).52 52 ORGANIZAÇÃO Feminina de Auxiliares de Guerra. Visita e aprendizagem a Estação de Santos. Revista Sino Azul, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 23. Pelas mãos do Pe. Hélder Câmera,53 53 Declarado Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos, Lei 13.581, 26 dez. 2017. na matriz da Candelária, as diplomadas pelo curso de Defesa Passiva Antiaérea recebiam a benção das insígnias durante celebração de missa, um dos rituais da formatura. No Rio de Janeiro, esse curso estava vinculado à Escola Técnica de Serviço Social e à LBA. Entretanto, em diversas notícias, são mencionados diretores militares coordenando as atividades dessas mulheres.54 54 O Major Alcides Neiva foi designado, em janeiro de 1943, diretor militar das Voluntárias da Defesa Passiva da LBA, pelo Ministro da Aeronáutica (CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 23 jan. 1943, p. 5).

Figura 3
Missa para benção das insígnias em frente à Igreja da Candelária

Figura 4
LBA - Missa encomendada à alma dos reservistas mortos em torpedeamento. Igreja São Francisco de Paula - São Paulo/SP

A aderência ao catolicismo, presente na concepção de assistência social do período, também está naturalizada no pensamento militar. As cerimônias religiosas (católicas) são lugares em que as Voluntárias da Defesa Passiva Antiaérea circulavam amplamente, assim como os militares e autoridades políticas em geral. Acompanhando a primeira dama (Figura 4), as auxiliares de guerra não só participaram da cerimônia religiosa como a promoveram. A relação mulheres, estado e religião, avivada no primeiro damismo justamente por Darcy Vargas e as ações da LBA, teve um lugar de ampla expressão (SIMILI, 2008SIMILI, Ivana Guilherme. Mulher e Política: A trajetória da Primeira Dama Darcy Vargas (1930-1945). São Paulo: Editora UNESP, 2008. ).

As Fags de São Paulo e as Voluntárias legionárias do Rio de Janeiro mantiveram contato entre si. Uma das diretoras da Defesa Passiva Anti aérea, Aracy Jardim Wright, após uma viagem de visitação e estudos na OFag de São Paulo, afirmou:

Trago de S. Paulo as mais vivas impressões do progresso e aperfeiçoamento nos vários serviços especializados das voluntárias, mormente no que se refere ao alto grau de instrução militar que as mesmas atingiram. Essa preparação constitui mais uma prova do quanto pode a mulher brasileira, quando estão em jogo os interesses supremos da Pátria.55 55 A MULHER paulista na guerra. Impressões de D. Aracy Jardim Wright. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 31 mar. 1943, p. 7.

As auxiliares de guerra paulistanas são enaltecidas como mais militarizadas diante da percepção da legionária do Rio de Janeiro. A Fag santista, Tereza Castro Lima, também indica de forma laudatória que: “Em São Paulo, o instrutor ensinou cinquenta e quatro posições diferentes e manobras diferentes, para serem cumpridas com absoluta convicção marcial” (grifo meu) na execução da Ordem Unida.56 56 DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3. Além disso, a Sra. Elsa Rutz relembra que, embora não fizessem uso de armas, aprenderam posições com armamento para os desfiles. Ainda sobre a relação com os homens e o militarismo, é importante mencionar o relato da Sra. Ruth Karbstein:

estávamos fardadas, pois estávamos indo pra nossa sede, e aí passou uns da reserva. Cada um com uma mocinha. Talvez com a namorada, né? Aí, muitas pessoas [pausa], quando viu pensou que era oficial, se perfilaram e bateram continência. Eu não bati continência. Conheci que era CPOR.57 57 Curso do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). Que o CPOR, ele era um 3º sargento tal qual eu era [pausa]. E eu continuei [inaudível]. Parte do mais educado, né?! Quando ele viu que as outras, que estavam comigo, se perfilaram para ele, veio chamar minha atenção e eu falei: ‘Não. Eu não sou obrigada. O senhor também podia ter batido a continência primeiro para mim. A continência é o cumprimento, parte do… mais educado. O senhor está no… o senhor é 3º Sargento tal qual eu sou’.58 58 KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.

Na execução das atividades práticas, as auxiliares de guerra estavam em contato somente com militares oficiais, distanciadas de praças e das tropas em geral. A partir das regras de hierarquia, autoridade e subordinação, os detalhes do Regulamento de Continências impõem, acima de tudo, a impessoalidade e o afastamento entre mulheres e homens. A atitude da jovem Ruth não se configura como desprezo ou negação da hierarquia e do militarismo. Ao contrário, é aquiescência e defesa de suas regras.

Além da ação das auxiliares de guerra em atividades diversas aqui discutidas, talvez a mais importante em termos simbólicos tenha sido a participação frequente em desfiles e cerimoniais militares. Tudo indica que, devido ao afã de incluir mulheres na política da nação armada, em setembro de 1942, em São Paulo, 600 primeiras voluntárias, em roupas civis, desfilaram junto aos militares “com garbo e a decisão de verdadeiros soldados”.59 59 ENCERRADAS as cerimônias da Semana do Serviço Militar. Correio Paulistano, São Paulo, 15 set. 1942, p. 10. O mesmo texto foi publicado na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1942, p. 4. Para Sra. Elsa Rutz:

Havia muito desfile pra embelezar mesmo, né? Com mulheres. Todas já uniformizadas, uma Ordem Unida. Nossa Ordem Unida era bonita... nós fazíamos um desfile impecável. Sabe, sabia a hora de virar pra esquerda, pra direita, para acertar a arma... embora não usássemos armas, aprendemos gestos com as armas.60 60 RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Pereira. Curitiba, 11 out. 2018.

Abrindo o desfile da fundação da cidade, à frente da Infantaria, da Cavalaria e da Artilharia, as Fags, participando em “luzida formatura excederam em beleza e magnitude as quantas que se realizaram anteriormente”, conforme o texto que acompanha a Figura 5. A grandi loquência dessa presença, tanto nos desfiles quanto em reportagens e notícias repetidas nos periódicos, distingue-as como o liame entre estado, guerra, militares e população.

Figura 5
Desfile na Avenida São João no 389º aniversário da fundação de São Paulo

Mesmo que a concepção de Nação Armada (guerra total) tenha sido uma característica de guerras da primeira metade do século XX, a fotografia de temática militar já havia incorporado elementos populares como responsáveis pela nação.61 61 Para André Toral, com o costume dos militares em permitir serem fotografados fardados - de soldados ao imperador - visível a partir da Guerra do Paraguai, é que “a guerra deixava de ser uma causa do governo e passava a ser um problema de todos, fazendo parte da construção de imagens de cidadania” (TORAL, 2001, p. 147), uma vez que as vítimas passavam a ter rostos e expressões. Eram modestos soldados, muitos quase adolescentes, ex-escravos e indígenas, imagens de homens com características físicas da população e que seriam amplamente utilizadas pela imprensa ilustrada do período como heróis, destoando da nobre heroicidade anterior. A participação do Brasil na Segunda Guerra aprofundou esse processo, incorporando na iconografia militar, além dos homens pobres, pretos e indígenas, discutidos por André Toral (2001)TORAL, André Amaral. Imagens em desordem. A Iconografia da Guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas / FFLCH / USP, 2001., também as mulheres.

Sobre o chamado Desfile da Juventude em que as Fags ocuparam lugar de destaque (Figura 6), é importante assinalar que, desde fins do século XIX, o foco sobre o corpo, a preocupação com exercícios físicos e a crença na melhoria da raça embalavam as políticas de estado em todo o ocidente. No Brasil estadonivista, essa preocupação é aprofundada e a educação física passou a ser pensada como um projeto de segurança nacional (MELLO, 2007MELLO, Victor Andrade de. A Educação Física e o Estado Novo (1937-1945): a Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Lecturas: Educacíon Física y Deportes, Buenos Aires, v. 12, n. 115, dez. 2007. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd115/a-educacao-fisica-e-o-estado-novo.htm . Acesso em: 01 jul. 2020.
https://www.efdeportes.com/efd115/a-educ...
, p. 3). A constituição física da juventude, dos jovens como representantes da raça da nação, faz parte da celebração política. O dia do Trabalho (1º de maio), a Semana da Raça e da Pátria (setembro), a Revolução de 1930 (3 de outubro), o aniversário da implantação do Estado Novo (10 de novembro), além de inaugurações grandiosas (Estádio do Pacaembu, em 1940), configuraram-se como espetáculos políticos, cuja presença da população em geral e das auxiliares de guerra, em específico, era parte fundamental.

Figura 6
O desfile da Juventude na Avenida Rio Branco, em 05 set. 1943

Para Semiramis Nahes, os amplos eventos públicos promovidos no Estado Novo buscavam “disseminar as realizações do governo e instituir um clima de comunhão coletiva” (NAHES, 2007NAHES, Semiramis. Revista FON-FON: a imagem da mulher no Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Arte & Ciência, 2007. , p. 62-63). As comemorações ocorriam em estádios ou grandes avenidas, lugares onde seria possível a presença de milhares de pessoas: estudantes, operários, militares, além de bandas e revoada de pombos. As autoridades, principalmente o presidente, eram o centro do espetáculo e a população atuava como coadjuvante (NAHES, 2007; CAPELATO, 2009CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: UNESP, 2009.). As auxiliares de guerra compõem como militares essa figuração. No caso específico do “dia da raça” são os/as jovens, a mocidade, o futuro, que desfilam (Figura 6). Prestando continência, cumprimento exclusivo de militares, a fotografia corresponde ao momento da passagem perante o palanque de autoridades.

Para além da multidão em cena que acompanhava esses rituais cívicos, os desfiles e eventos (militares e civis) ganhavam amplitude com as fotorreportagens e fotografias veiculadas em jornais e revistas. A reprodução de imagens e textos sobre os espetáculos políticos reverberavam em diversos meios de comunicação, dando continuidade e extensão a essa pedagogia cívica. As mulheres em geral e as auxiliares de guerra são parte fundamental da chamada Parada da Raça:

Alcançou um brilho invulgar a “Parada da Raça”, realizada no dia 5 do corrente, na Avenida Rio Branco, em homenagem ao presidente Getúlio Vargas. Quinze mil escolares, de todos os estabelecimentos públicos e particulares da capital da Republica (...). A Formatura da Juventude Brasileira foi um exemplo vivo e expressivo do preparo da nossa mocidade, integrada, hoje, nos princípios de renovação que o Estado Nacional estabeleceu dentro dos mais sadios postulados de civismo. (...) foi, sem duvida, um magnifico espetáculo de fé e de confiança nos destinos do Brasil e a certeza de que as gerações hodiernas estão decididas a dar à Pátria, sem poupar sacrifícios, os melhores de seus esforços.” (Grifo meu).62 62 O DESFILE da juventude. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 18 set. 1943, p. 4 e 8.

A reportagem enfatiza a ordem do imponente desfile cujas mulheres aparecem como “decididas a dar à Pátria, sem poupar sacrifícios, os melhores de seus esforços” e as Legionárias da Defesa Passiva que “constituíram nota de relevo no agrupamento”. Também descritos no texto, os 15 mil estudantes perfilados são a promessa, a garantia e a esperança na grandiosidade da nação futura. A mesma fotografia foi publicada na revista Sino Azul, seguida do texto:

Os panoramas apresentados nestas páginas são de molde a encher de orgulho os brasileiros que neles vislumbram o engrandecimento da pátria, evidenciado no garbo demonstrado nas formaturas da juventude, das forças armadas e na demonstração do preparo bélico, que o Brasil já possue (sic) em sua defesa.63 63 COMEMORAÇÕES da semana da Pátria. Sino Azul, Rio de Janeiro, set. 1943, p. 3.

Para Capelato (2009)CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: UNESP, 2009., a inserção da população - massa - no Estado Novo se dava com a intensa manipulação do imaginário e do simbólico através da construção do novo e da proposta de um futuro radiante, cujo nacionalismo vinculava nação e raça brasileira, em que acrescento a dicotomia do gênero. O espetáculo político, dos quais as auxiliares de guerra faziam parte, buscava promover a unidade nacional e transmitir a esperança de um sonho em um futuro idealizado. Capelato enfatiza a constante exaltação à bandeira brasileira, assim como demais símbolos nacionais e a própria figura do presidente.

As Fags santistas, tendo à frente a “Sra. Cel. Aviador Castro Lima”, estão em marcha após receberem o pavilhão nacional das mãos da autoridade católica em “comovente cerimônia cívica, de que participou o povo da grande cidade bandeirante. Calorosas palmas saudaram a formação que desfilava, marcialmente, através das ruas e praças, em cadência impecável”.64 64 DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3. Recebidas como militares, os fardados em frente à arquibancada prestam continência à passagem delas e da Bandeira.

Figura 7
Desfile em São Paulo, 1943

Interessante contrapor essa imagem de uma mulher militarizada, determinada, competente, corajosa, marchando, “impressionando o mundo”, segundo a Fag Castro Lima na mesma reportagem, com o ideal feminino do Estado Novo descrito por Semiramis Nahes (2007)NAHES, Semiramis. Revista FON-FON: a imagem da mulher no Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Arte & Ciência, 2007. . Nahes observa que as lutas sufragistas e reivindicações das mulheres operárias dos anos 1920 sofreram uma pausa e até retrocesso no período do Estado Novo, “uma vez que à política tradicionalista e à ditadura do Estado Novo interessava, sobremaneira, manter a mulher presa ao lar, a cuidar da prole sem visível interferência no caos político que se anunciava.” (NAHES, 2007NAHES, Semiramis. Revista FON-FON: a imagem da mulher no Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Arte & Ciência, 2007. , p. 28). Para Nahes, uma das bases ideológicas da Era Vargas, principalmente no Estado Novo, era o desejo de retirada das mulheres do espaço público e um pretenso retorno ao lar, em contraste com as lutas sufragistas dos anos 1920 e as reivindicações da mulher operária, no Brasil e no mundo ocidental (SAMARA, 1986SAMARA, Eni de Mesquita. A Família brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.).

O ano de 1932 havia sido um marco para a conquista de direitos sociais e políticos pelas mulheres brasileiras: direito de voto, concessão do direito à licença-maternidade, proibição do trabalho da mulher grávida durante quatro semanas antes e após o parto, direito de descanso diário em período de aleitamento, direito a repouso em caso de aborto natural, proibição do trabalho feminino em atividades insalubres, igualdade salarial no desempenho das mesmas funções, proibição do trabalho noturno (OSTOS, 2012OSTOS, Natascha Stefania Carvalho de. A questão feminina: importância estratégica das mulheres para a regulação da população brasileira (1930-1945).Cadernos Pagu, Campinas, n. 39, p. 313-343, jul.-dez. 2012. , p. 327-328). Entretanto, como aponta Natascha Ostos, as medidas de proteção às mulheres trabalhadoras “revelavam uma intencionalidade que ultrapassava o mero desejo de consolidar a presença da população feminina no mundo do trabalho” (2012, p. 323). A proibição do trabalho noturno estabelecia uma reserva de mercado aos homens, pais de família, além de ter um caráter moralizante em relação à circulação de mulheres à noite. O Estado Novo aprofunda o discurso de que o futuro do país dependia da disponibilidade das mulheres para o cuidado físico e moral da família.

As Fags e as Voluntárias da Defesa Passiva, à revelia das justificativas simbólicas voltadas à ideia de cuidado natural com o outro (família, sociedade), complexificam o ideal de feminino estadonovista. Não se pode negar uma brecha nessa idealização com a existência de mulheres uniformizadas, realizando atividades diversas nas ruas das grandes cidades, durante o dia e a noite, e desfilando marcialmente junto a militares, incorporadas à estética da guerra.65 65 Mesmo que a dicotomia feminino/masculino esteja de certa forma conservada no uso da imagem das FagGs e das Voluntárias da Defesa Passiva, através de representações que conservam/preservam atribuições e qualificações ditas naturais, a leitura usual que classifica os acontecimentos e processos históricos através da polarização entre rupturas versus permanências não me parece convir, uma vez que estão sobrepostas. Esse posicionamento contrasta, por exemplo, com a ótica de Pierre Bourdieu, para o qual a manutenção da ideia de extensão do privado nas ações desenvolvidas na esfera pública pelas mulheres é tida como um dos princípios práticos da permanência da prevalência do masculino na sociedade (BOURDIEU, 2007, p. 112-113).

Além da participação das auxiliares de guerra em espetáculos cívicos de caráter nacional, alguns eventos foram criados especialmente em torno delas, como é o caso da entrega às Fags de São Paulo de uma bandeira bordada a ouro, pela Associação Paulista de Propaganda, “querendo testemunhar a sua grande simpatia pelo 2º Batalhão da Organização Feminina Auxiliar de Guerra”.66 66 A MULHER brasileira coopera dedicadamente para o esforço da guerra. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 63. Em uma reportagem de quatro páginas, a Revista Vida Doméstica se dedicou a enaltecer a participação de mulheres na guerra como um todo. Parte significativa do texto enfoca o recebimento da luzida bandeira pelas Fags, as quais estavam acompanhadas de banda de música militar e um Batalhão de Tiro de Guerra, além da presença do Comte. da 2ª RM, Gen. Mascarenhas de Moraes. A cerimônia foi realizada no dia oito de agosto de 1943, dois dias antes da nomeação oficial desse general como comandante da FEB. Após o recebimento da bandeira, as Fags desfilaram pelo Parque Anhangabaú, segundo a revista, “recebendo as mais entusiásticas manifestações de carinho do povo paulistano, que olha com desvelo as denotadas patrícias que já tão assinalados serviços prestaram ao Brasil.” Em posição de sentido, as Fags se tornam guardiães do símbolo máximo do nacionalismo.

No início de março de 1944, foi realizada outra solenidade de entrega do Pavilhão Nacional com ativa participação das auxiliares de guerra. Neste caso, as Fags e as socorristas da Cruz Vermelha entregaram duas bandeiras aos soldados da FEB. Pelas mãos de mulheres, Gen. Dutra recebeu as “bandeiras que iriam figurar nos exércitos da vitória”.67 67 BANDEIRAS que irão figurar nos exércitos da vitória. A Manhã, Rio de Janeiro, 08 mar. 1944, p. 3 Nas palavras dele: “Vim unicamente receber das senhoras de São Paulo as bandeiras do Brasil, que a nossa tropa honrará nos campos de batalha. Posso assegurar que voltarão com glória”.68 68 BANDEIRAS que irão figurar nos exércitos da vitória. A Manhã, Rio de Janeiro, 08 mar. 1944, p. 3 A promessa dos homens, e do general, perante as mulheres, estabiliza o sentido da masculinidade viril como protetora da Pátria, da bandeira, do feminino.

Além de imponente desfile, a cerimônia contou com a entrega de flores aos soldados, revoada de cinco mil pombos e seis bandas de música. Além disso, centenas de mulheres foram convocadas a bordar as bandeiras, as quais ficaram em exposição no Teatro Municipal de São Paulo, “visitadíssima”, segundo A Manhã, para depois serem conduzidas pelas Fags até o evento da entrega aos militares em partida. Sobre a confecção dessas bandeiras, a Sra. Ruth Karbstein, orgulhosamente, relembra:

eu bordei aquela bandeira que desfilou. Então... Eram as mulheres brasileiras, paulistas..., mas não interessava, podia ser de qualquer lugar da grande São Paulo. Nosso amor, nosso coração pertence àquele estado (...). E eu bordei. E eu cheguei a bordar um tanto assim [risos e gestual].69 69 KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.

Assim como as filhas de Benjamin Constant, imortalizadas no quadro “A Pátria” (1909), todas as mulheres brasileiras deveriam tecer, enlaçar e resguardar, nos pontos do bordado, a Pátria, a religião, o significado da própria guerra, o lugar dos homens e o futuro da nação.

Para Fernando Lerma, existe na cultura ocidental uma fascinação pela estética militar, a qual “se manifesta na cultura visual e popular através de diversas formas de expressão: o militar e a guerra estão presentes na cultura”70 70 Trad. livre da autora: “se manifiesta en la cultura visual y popular a través de muy diversas formas de expresión: lo militar y la guerra están presentes en la cultura”. (2010, p. 36), e o exercício da violência é assumido socialmente como um fato estético. A essa estética visual de um Brasil em guerra, de uma nação armada, as mulheres foram militarmente incorporadas. As destemidas, elegantes e visibilizadas auxiliares de guerra são a expressão da política em marcha, da política como continuidade da guerra, e no feminino.

Assim como as congêneres europeias e estadunidenses, no fim da guerra, essas organizações foram extintas e paulatinamente caíram no esquecimento, a ponto de sequer constarem como parte da história oficial do Exército, no caso brasileiro. Militarizadas, mesmo não sendo consideradas oficialmente militares no período da guerra, foram reconhecidas como combatentes por terem prestado serviços em áreas consideradas zonas de guerra, a partir da Lei 5.315/67, assinada pelo Gen. Costa e Silva. A Sra. Elsa Rutz exibiu com orgulhoso carinho a carteira militar de combatente, cuidadosamente preservada por 53 anos.

Com o compromisso de “se preciso for, sacrificar minha própria vida”,71 71 EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento Interno da Organização Feminina Auxiliar de Guerra. Art. 54. 28 jul. 1943. para as auxiliares de guerra brasileiras não houve regularmente nenhum auxílio financeiro. Entretanto, essa experiência, assim como as enfermeiras da FEB, configurou-se como um primeiro ensaio da participação de mulheres em rituais e atividades militares no país, o que só seria possível como carreira nas duas últimas décadas do século XX.

As subjetividades de mulheres, possivelmente refeitas nessa experiência, são perceptíveis nas posições políticas presentes, de forma explícita ou sub-reptícia, em algumas falas, tais como a resposta de Ana Amélia Queiróz Carneiro de Mendonça, do conselho consultivo da LBA, quando questionada sobre qual seria o papel da mulher após o conflito: “queremos participar da ordem futura, não com reivindicações absurdas, mas, se cooperamos para esmagar a guerra, cremo-nos no direito de sermos ouvidas na paz”.72 72 A MOBILIZAÇÃO da mulher brasileira para a guerra. Revista Cultura Política, Rio de Janeiro, 23 ago. 1943, p. 264. A Fag Tereza Castro Lima, peremptória, declarou com firme convicção que, mesmo sendo treinadas como auxiliares de guerra, “ninguém recuaria face a [sic] necessidade de luta”.73 73 DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3. Em relação às ex-Fags entrevistadas, também é possível perceber como a experiência de auxiliar de guerra, se não definidora, certamente influenciou suas escolhas profissionais e pessoais posteriores. Matriarcas, as entrevistadas se apresentam lúcidas, destemidas e com firmes posicionamentos políticos.

Mesmo que a ideologia do Estado Novo tenha valorizado sobre maneira a mulher dona de casa, como a literatura acadêmica tem enfatizado, as mulheres da nação armada são peça central no tecer a nação (a bandeira, a pátria) para além do espaço privado/doméstico. As auxiliares de guerra, em específico, para além do estereótipo da feminilidade doméstica, são patrioticamente militarizadas, responsáveis e destemidas em relação à cidade, à população e suas funções. De forma inequívoca, como modelo de feminino parecem ser a resposta possível do projeto estadista que se fundou frente à Intentona de 1935, em que elas permanecem a meio do caminho onde sucumbiu Olga Prestes e germinou Darcy Vargas.

  • 1
    Foi mantido como legenda o manuscrito que consta nas fotografias. Neste caso, foi escrito pela Sra. Ruth Pereira Karbstein.
  • 2
    Nomenclatura do Regulamento Interno para as auxiliares de Guerra, criado em 1943.
  • 3
    Em publicação de julho de 2017, a Revista Verde Oliva apresentou “A trajetória da mulher no Exército Brasileiro” a partir de uma série 10 reportagens em que as auxiliares de guerra não são mencionadas. Os textos do periódico apresentam, com várias e amplas fotografias, mulheres ocupando diversas funções, quadros, postos e patentes militares. A reportagem “Guerreiras brasileiras”, escrita pela Major Elza Cansanção Medeiros, enfermeira da FEB, contém uma lista descritiva de heroínas militares que participaram de conflitos, marcos da história do exército. De Guararapes à Segunda Guerra Mundial, passando pela Revolução Farroupilha, Guerra do Paraguai e luta pela independência, as mulheres são simultaneamente combatentes, esposas e mães exemplares que auxiliaram heroicamente os homens no fazer a guerra (REVISTA VERDE OLIVA, ano XLIV, n. 237, jul. 2017, p. 7-14).
  • 4
    Pesquisa sobre a criação da chamada “Polícia Feminina”, publicada como livro em 2017: MOREIRA, Rosemeri. Sobre mulheres e polícias: a construção do policiamento feminino em São Paulo (1955-1964). Guarapuava: EDUNI, 2017.
  • 5
    O poder de negar ou possibilitar aos bens simbólicos, sua existência ou visibilidade (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004. , p. 117).
  • 6
    No arquivo da 1ª R.M. (Rio de Janeiro) fui informada de que não havia boletins sobre o período solicitado, devido a um alagamento ocorrido em fins dos anos 1970. Também não obtive acesso ao arquivo da 2ª R.M (São Paulo), mesmo após solicitação por e-mail, telefonemas e ofício. Esses dois últimos arquivos, é preciso constar, não são considerados públicos. Além desses, busquei documentação no museu e arquivo da FEB (Rio de Janeiro) e também no Centro de Documentação da Aeronáutica (Rio de Janeiro), não obtendo sucesso. O CENDOC foi procurado devido à informação de jornais que as Voluntárias da Defesa Passiva - RJ, respondiam ao Major Aviador Alcides Neiva.
  • 7
    KARBSTEIN, Ruth. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 10 set. 2016.
  • 8
    KARBSTEIN, Ruth. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016 e 06 abr. 2018. Ruth Pereira Karbstein nasceu em 06 nov. 1923, na cidade de Sorocaba, São Paulo. Após participar da OFag, onde fez o curso de dactiloscopia, desvendou um crime, comparando a perícia que ela fizera, com a base de dados do Estado. Em razão disso, foi convidada para integrar a Polícia Civil do Estado de São Paulo ocupando o cargo de Pesquisador Dactiloscópico Policial, uma das primeiras no Brasil. No governo de Jânio Quadros (1955-1959) foi efetivada, permanecendo até se aposentar. Após a aposentadoria, ministrou aula de educação religiosa na rede pública do Estado, ao mesmo tempo em que iniciou um trabalho comunitário, na periferia de São Paulo. Integrou o GAP (Grupo de Assessoria e Participação do Palácio do Governo) durante o governo de Paulo Maluf. Presidiu o CONSEG Guaianases (Conselho Comunitário de Segurança) por 16 anos, tendo a imprensa nacional se interessado pela diminuição da violência naquele bairro em comparação com os demais. Foi candidata à vereadora de São Paulo pelo PRONA. Casou-se aos 20 anos de idade com o expedicionário da FEB Bruno Francisco Karbstein, com quem teve sete filhos: Yara, Bruno Yrapuan, Bruno Junior, Ytaboray, Ybiracy, Aicy e Franklin. Segundo ela, os nomes indígenas dos/as filhos/as foram motivados por seu fervor nacionalista e patriótico, entendendo ser importante a afirmação das bases étnicas do povo brasileiro. Atualmente, aos 95 anos é considerada a primeira dama dos CONSEGs de São Paulo.
  • 9
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018. A Sra. Elsa, proveniente de uma família de seis filhos, aos 94 anos, orgulhosamente se declara socialista e ativista política. É filha do líder sindicalista comunista Eustáchio Quadros e de Enedina Quadros. Casou-se aos 20 anos de idade, logo após o término das FAGs, com Aron Rutz, curitibano, bancário e com ascendência alemã. Fez o curso de Línguas anglo-saxãs e foi professora de História do Brasil por muitos anos. Teve duas filhas e um filho.
  • 10
    Nesses acervos busquei os seguintes verbetes: mulheres e/na guerra, defesa passiva, defesa passiva antiaérea (grafia do período), OFag, Fags, Feminino Auxiliar de Guerra, Organização Feminina Auxiliar de Guerra, auxiliares de guerra. O recorte temporal utilizado foi o de 1940 a 1949 e também de 1950 a 1959, a fim de localizar notícias anteriores e posteriores ao período de existência desses grupos.
  • 11
    Termo que designa o uniforme utilizado para exercícios físicos e/ou de trabalho pesado. Nos principais periódicos nacionais, de 1940-1949, existem 98 notícias sobre ela nos periódicos da Hemeroteca Nacional Digital.
  • 12
    REVISTA A SEMANA, Rio de Janeiro, n. 52, jan. 1941, p. 5. Nessa edição, em específico, a revista publicou fotografias com os quatro tipos de uniformes das mulheres da defesa passiva da Inglaterra, em reportagem intitulada “As fardas usadas pelas mulheres na Inglaterra”.
  • 13
    O Decreto-Lei n. 4098, de 06 fev. 1942, criou o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea atribuído, a princípio, ao Ministério da Aeronáutica. Em agosto de 1942, quando ocorreu o ingresso efetivo do país na guerra, um novo decreto transferiu para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores a responsabilidade pela organização do Serviço de Defesa Passiva em território nacional.
  • 14
    Uma vez que, para ele, a chamada Guerra moderna, também denominada de guerra de material, exigia que militares tivessem as mais variadas especializações, devido à complexidade das funções e da “preponderância dos armamentos sobre os efetivos e das máquinas sobre os homens” e à complexidade das armas que exigiam poucas pessoas para operá-las, mas várias para mantê-las, conservá-las, etc. (BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 130)
  • 15
    BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133.
  • 16
    BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133.
  • 17
    BRASIL.Constituição(1934). Art. 162. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm >. Acesso em: 10 jan. 2018.
  • 18
    BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório Ministro da Guerra, Gen. Eurico Gaspar Dutra. 1941, p. 133.
  • 19
    O avião já havia sido usado na Primeira Guerra Mundial, mas de forma ainda parcial - muito mais para o transporte de armamento e víveres.
  • 20
    ENTREGUE ontem em São Paulo certificados da primeira turma de defesa passiva. A Manhã, Rio de Janeiro, 1 jan. 1942. Nota, p. 4; ORGANIZA-SE defesa passiva no Uruguai. A Noite, Rio de Janeiro, 10 jan. 1942, p. 14.
  • 21
    Comandante da 2ª RM, São Paulo, de 1939 a 1942. Assumiu no ano seguinte o comando da 1ª RM, Rio de Janeiro. Em dez. 1942 foi designado para substituir o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro na chefia do Estado-Maior do Exército - EME (ABREU, 2001ABREU, Alzira A. de et al (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/cardoso-mauricio-jose>. Acesso em: 24 jun. 2020.
    http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionari...
    ).
  • 22
    A LBA foi criada em 28 ago. 1942, seis dias após Vargas decretar o estado de beligerância, em 22 ago. A declaração de guerra contra Alemanha e Itália é de 31 ago. 1942.
  • 23
    É preciso pesquisa mais aprofundada para compreensão dos caminhos diferenciados das OFags paulistas e as Voluntarias da Defesa Passiva do Rio de Janeiro.
  • 24
    A MANHÃ, Rio de Janeiro, 08 mai. 1942, p. 2.
  • 25
    CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 03 abr. 1942, p. 2. O Serviço de Defesa Passiva Antiaérea foi instituído pelo decreto-lei n. 4.098, de 13 de maio de 1942.
  • 26
    CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 11 ago. 1942, p. 2.
  • 27
    INICIADO o curso prático de defesa passiva Anti-aerea. Correio Paulistano, São Paulo, 11 ago. 1942, p. 2.
  • 28
    Não foi possível precisar se o referido Cap. Sílvio (segundo o jornal), se trata de Sylvio de Magalhaes Padilha, major, atleta olímpico e ex-militar desde 1940.
  • 29
    EXÉRCITO BRASILEIRO. Regulamento Interno das Organizações Femininas Auxiliares de Guerra. Voluntárias e Legionárias. São Paulo: Oficina Tipográfica do Quartel General da 2ª. Região Militar, 1943. Pasta OFag. Acervo Biblioteca e Museu de Polícia - PMESP.
  • 30
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 31
    EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento Interno da Organização Feminina Auxiliar de Guerra. 28 jul. 1943, 20 p. Pasta OFAG. Acervo BMP/PMESP.
  • 32
    Modalidade desportiva de corrida de pombos correio. No Brasil, foi iniciada pelo Exército para fins de comunicação.
  • 33
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 34
    KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.
  • 35
    Quepe (cobertura para militares) feito de pano em forma de navio, de costura única e reta, fazendo dois bicos - bibico. Utilizado por militares das forças armadas, com um uniforme especial, até início dos anos 1980.
  • 36
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 37
    O CRUZEIRO, n. 24, 10 abr. 1943, p. 5.
  • 38
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 39
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 40
    DEFESA ANTIAÉREA, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3.
  • 41
    No jornal em que consta essa entrevista, em nenhum momento é mencionado seu primeiro nome e Tereza é descrita como senhora Aviador Castro Lima.
  • 42
    KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.
  • 43
    BRASIL. REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO (RDE). Decreto n. 8.835, 23 fev. 1942.
  • 44
    EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento das Continências Para as Organizações Femininas Auxiliares de Guerra. Voluntárias e Legionárias. Cap. III. Da continência Individual. Local de impressão: Oficina Tipográfica do Quartel General da 2ª. Região Militar, ano. p. 8. Pasta OFAG. Acervo BMP/PMESP.
  • 45
    Para Roney Cytrynovicz (2000, p. 24)CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem Guerra: mobilização e cotidiano em São Paulo durante a segunda guerra mundial. São Paulo: EDUSP, 2000., a escassez que atingiu as classes médias e as elites de São Paulo foi mais um álibi para instituir um clima de privação coletiva de forma a tornar a guerra uma experiência coletiva, que deveria unir todos os brasileiros, independentemente de distinções sociais, a fim de organizar a sociedade nos moldes estadonovistas.
  • 46
    HUSS, Pierre citado por Defesa Passiva. Correio Paulistano, São Paulo, 19 ago. 1942. p. 4.
  • 47
    VILA ISABEL, Maracanã, Grajaú, Engenho Velho. O Jornal, Rio de Janeiro, 26 jan. 1943, p. 2.
  • 48
    KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.
  • 49
    Na Avenida Graça Aranha, n. 81, instalada a partir de junho de 1943 (O JORNAL, Rio de Janeiro, 18 jun. 1943, p. 12).
  • 50
    RECENSEAMENTO da população paulista para o racionamento dos gêneros de consumo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 27 jun. 1943, p. 12; O RACIONAMENTO em São Paulo. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 29 jun. 1943; RECENSEADA a população de S. Paulo para o racionamento. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 29 jun. 1943, p. 10.
  • 51
    ORGANIZAÇÃO Feminina de Auxiliares de Guerra. Visita e aprendizagem a Estação de Santos. Revista Sino Azul, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 23.
  • 52
    ORGANIZAÇÃO Feminina de Auxiliares de Guerra. Visita e aprendizagem a Estação de Santos. Revista Sino Azul, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 23.
  • 53
    Declarado Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos, Lei 13.581, 26 dez. 2017.
  • 54
    O Major Alcides Neiva foi designado, em janeiro de 1943, diretor militar das Voluntárias da Defesa Passiva da LBA, pelo Ministro da Aeronáutica (CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 23 jan. 1943, p. 5).
  • 55
    A MULHER paulista na guerra. Impressões de D. Aracy Jardim Wright. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 31 mar. 1943, p. 7.
  • 56
    DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3.
  • 57
    Curso do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).
  • 58
    KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.
  • 59
    ENCERRADAS as cerimônias da Semana do Serviço Militar. Correio Paulistano, São Paulo, 15 set. 1942, p. 10. O mesmo texto foi publicado na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1942, p. 4.
  • 60
    RUTZ, Elsa Quadros. Entrevistadora: Rosemeri Pereira. Curitiba, 11 out. 2018.
  • 61
    Para André Toral, com o costume dos militares em permitir serem fotografados fardados - de soldados ao imperador - visível a partir da Guerra do Paraguai, é que “a guerra deixava de ser uma causa do governo e passava a ser um problema de todos, fazendo parte da construção de imagens de cidadania” (TORAL, 2001TORAL, André Amaral. Imagens em desordem. A Iconografia da Guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas / FFLCH / USP, 2001., p. 147), uma vez que as vítimas passavam a ter rostos e expressões. Eram modestos soldados, muitos quase adolescentes, ex-escravos e indígenas, imagens de homens com características físicas da população e que seriam amplamente utilizadas pela imprensa ilustrada do período como heróis, destoando da nobre heroicidade anterior.
  • 62
    O DESFILE da juventude. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 18 set. 1943, p. 4 e 8.
  • 63
    COMEMORAÇÕES da semana da Pátria. Sino Azul, Rio de Janeiro, set. 1943, p. 3.
  • 64
    DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3.
  • 65
    Mesmo que a dicotomia feminino/masculino esteja de certa forma conservada no uso da imagem das FagGs e das Voluntárias da Defesa Passiva, através de representações que conservam/preservam atribuições e qualificações ditas naturais, a leitura usual que classifica os acontecimentos e processos históricos através da polarização entre rupturas versus permanências não me parece convir, uma vez que estão sobrepostas. Esse posicionamento contrasta, por exemplo, com a ótica de Pierre Bourdieu, para o qual a manutenção da ideia de extensão do privado nas ações desenvolvidas na esfera pública pelas mulheres é tida como um dos princípios práticos da permanência da prevalência do masculino na sociedade (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. A Dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. , p. 112-113).
  • 66
    A MULHER brasileira coopera dedicadamente para o esforço da guerra. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro, out. 1943, p. 63.
  • 67
    BANDEIRAS que irão figurar nos exércitos da vitória. A Manhã, Rio de Janeiro, 08 mar. 1944, p. 3
  • 68
    BANDEIRAS que irão figurar nos exércitos da vitória. A Manhã, Rio de Janeiro, 08 mar. 1944, p. 3
  • 69
    KARBSTEIN, Ruth Pereira. Entrevistadora: Rosemeri Moreira. São Paulo, 09 dez. 2016.
  • 70
    Trad. livre da autora: “se manifiesta en la cultura visual y popular a través de muy diversas formas de expresión: lo militar y la guerra están presentes en la cultura”.
  • 71
    EXÉRCITO BRASILEIRO. 2ª Região Militar. Regulamento Interno da Organização Feminina Auxiliar de Guerra. Art. 54. 28 jul. 1943.
  • 72
    A MOBILIZAÇÃO da mulher brasileira para a guerra. Revista Cultura Política, Rio de Janeiro, 23 ago. 1943, p. 264.
  • 73
    DEFESA anti-aerea, transmissões de rádio, condução de veículos e serviço de tráfego - A Organização Feminina Auxiliar de Guerra e o que realiza o Batalhão de Santos. O Jornal, Rio de Janeiro, 29 out. 1943, p. 3.

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    » http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/cardoso-mauricio-jose
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2019
  • Revisado
    06 Abr 2020
  • Aceito
    17 Abr 2020
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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