Resumos
O objetivo deste trabalho foi investigar as condições de trabalho e a qualidade de vida dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atuam na região sul do município de Londrina, no estado do Paraná, Brasil, em 2009. Trata-se de um estudo descritivo, transversal e quantitativo. A população pré-selecionada era composta por 77 funcionários, destes, 73 responderam a um instrumento abordando aspectos sociodemográficos, de saúde e de trabalho e a outro denominado World Health Organization Quality of Life, versão abreviada (WHOQOL-Bref). A maioria dos ACS era do gênero feminino (63 - 86,3%); média de idade de 33,5 ± 9,2 anos; 49 (67,1%) tinha ensino médio completo; e predomínio de casados 35 (47,9%). As condições de trabalho eram precárias e produtoras de sofrimento e, além disso, os ACS recebiam baixa remuneração. Houve avaliação positiva para as questões que compõem a qualidade de vida geral e para os domínios físico, psicológico, relações sociais e avaliação intermediária para o domínio meio ambiente. É necessário oferecer atenção a estes trabalhadores a fim de proporcionar o cuidado em saúde adequado à população, às famílias e às comunidades.
condições de trabalho; qualidade de vida; agente comunitário de saúde; estratégia de saúde da família; saúde do trabalhador
This paper presents a descriptive, transversal, quantitative study that investigated work conditions and quality of life of Community Health Agents (CHA) in Londrina, Paraná, Brazil, in 2009. The pre-selected population consisted of 77 workers. Seventy three of them answered a questionnaire involving socio-demographic, health, and work aspects, and also a short version of World Health Organization Quality of Life Instrument (WHOQOL-Bref). Sixty-three workers were women (86,3%) with 33,5 ± 9,2 years of age. Forty-nine(67,1%) had finished secondary school, and thirty-five were married (47,9%). CHA' salaries were low, and their work conditions were precarious and caused suffering. Positive assessment was obtained for Quality of General Life questions, and for physical health, psychological, and social relationship domains. For the environment domain, the outcome was of intermediary level. Closer attention to these workers is necessary in order to assure that appropriate care will be delivered by them to population, family, and community.
working conditions; quality of life; community health agent; family health strategy; occupational health
ARTIGO
O Agente Comunitário de Saúde na Estratégia de Saúde da Família: uma investigação das condições de trabalho e da qualidade de vida* * Artigo elaborado com base no trabalho de conclusão de Bárbara Lyrio Ursine, apresentado ao Curso de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Londrina, intitulado O agente comunitário de saúde na estratégia de Saúde da Família: uma investigação das condições de trabalho e qualidade de vida, sob orientação de Celita Salmaso Trelha e co-orientação de Elisabete de Fátima Polo Almeida Nunes.
The Community Health Agent within the Family Health Strategy - an investigation on work conditions and quality of life
Bárbara Lyrio UrsineI; Celita Salmaso TrelhaII; Elisabete de Fátima Polo Almeida NunesIII
IFisioterapeuta, especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual de Londrina
IIFisioterapeuta, Doutora em Medicina e Ciências da Saúde, Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Estadual de Londrina
IIIEnfermeira, Doutora em Saúde Coletiva, Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina
Contato
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi investigar as condições de trabalho e a qualidade de vida dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atuam na região sul do município de Londrina, no estado do Paraná, Brasil, em 2009. Trata-se de um estudo descritivo, transversal e quantitativo. A população pré-selecionada era composta por 77 funcionários, destes, 73 responderam a um instrumento abordando aspectos sociodemográficos, de saúde e de trabalho e a outro denominado World Health Organization Quality of Life, versão abreviada (WHOQOL-Bref). A maioria dos ACS era do gênero feminino (63 - 86,3%); média de idade de 33,5 ± 9,2 anos; 49 (67,1%) tinha ensino médio completo; e predomínio de casados 35 (47,9%). As condições de trabalho eram precárias e produtoras de sofrimento e, além disso, os ACS recebiam baixa remuneração. Houve avaliação positiva para as questões que compõem a qualidade de vida geral e para os domínios físico, psicológico, relações sociais e avaliação intermediária para o domínio meio ambiente. É necessário oferecer atenção a estes trabalhadores a fim de proporcionar o cuidado em saúde adequado à população, às famílias e às comunidades.
Palavras-chave: condições de trabalho; qualidade de vida; agente comunitário de saúde; estratégia de saúde da família; saúde do trabalhador
ABSTRACT
This paper presents a descriptive, transversal, quantitative study that investigated work conditions and quality of life of Community Health Agents (CHA) in Londrina, Paraná, Brazil, in 2009. The pre-selected population consisted of 77 workers. Seventy three of them answered a questionnaire involving socio-demographic, health, and work aspects, and also a short version of World Health Organization Quality of Life Instrument (WHOQOL-Bref). Sixty-three workers were women (86,3%) with 33,5 ± 9,2 years of age. Forty-nine(67,1%) had finished secondary school, and thirty-five were married (47,9%). CHA' salaries were low, and their work conditions were precarious and caused suffering. Positive assessment was obtained for Quality of General Life questions, and for physical health, psychological, and social relationship domains. For the environment domain, the outcome was of intermediary level. Closer attention to these workers is necessary in order to assure that appropriate care will be delivered by them to population, family, and community.
Keywords: working conditions; quality of life; community health agent; family health strategy; occupational health
Introdução
No Brasil, a reforma do setor saúde decorreu de intensa mobilização social. Algumas mudanças ocorreram desde a Reforma Sanitária que por fim se legalizaram e normatizaram a saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde definiu que a Atenção Básica deve ser a porta de entrada preferencial do SUS, sendo uma das prioridades para reorganização do modelo de saúde, tendo como foco a Estratégia de Saúde da Família (ESF).
A inserção dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na Atenção Básica vem alcançando destaque cada vez maior pelo importante papel desempenhado na equipe de saúde da família, revelando, em grande parte dos estudos, impactos positivos nos indicadores em saúde e satisfação da população (KLUTHCOVSKY; TAKAYANAGUI, 2006). Em 2009, 32.512 equipes de saúde da Família e 3.442 equipes de ACS atuavam nos municípios brasileiros, sendo que os ACS totalizavam 238.549 trabalhadores (BRASIL, 2009). A categoria ACS é nova no campo profissional da saúde e sua presença tem sido investigada por vários estudos que contribuíram para o melhor entendimento, para a valorização e a promoção de qualidade de vida no trabalho (CAMELO; ANGERAMI, 2004; FERRAZ; AERTS, 2005; GESSNER, 2006; KLUTHCOVKY, 2005; LUNARDELO, 2004; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008).
O ACS é um profissional conhecedor da realidade local, pois reside na comunidade em que trabalha. Ele realiza a adscrição de famílias em uma base geográfica definida, sendo os aspectos de solidariedade e liderança fundamentais no desenvolvimento das suas atividades (BRASIL, 2006a). O ACS pode ser chamado de trabalhador sui generis, uma vez que se trata de um trabalhador genérico, de identidade comunitária, que desenvolve atividades não apenas restritas ao setor da saúde, diferentemente do que ocorre com os outros profissionais de saúde da equipe (NOGUEIRA et al., 2000).
Na proposta de atuação do ACS, são identificados dois polos principais: um estritamente técnico e outro mais político. O primeiro, polo técnico, está relacionado à assistência à saúde aos indivíduos e às famílias e à intervenção para prevenção de agravos ou para monitoramento de problemas específicos. Diferentemente desse, o pólo político pode ser caracterizado pela solidariedade à população, pela inserção da saúde em seus determinantes e pela organização da comunidade para transformação dessas condições. Cita-se também a dimensão de assistência social que é observada na prática, apesar de não ser regulamentada na legislação (SILVA; DALMASO, 2002).
No cotidiano, os ACS sofrem inúmeras situações de tensão. Pelo fato de residirem nas áreas onde trabalham, eles vivem o cotidiano da comunidade, com seus aspectos positivos ou negativos, seguramente, com mais intensidade do que os outros membros da equipe de saúde (KLUTHCOVSKY; TAKAYANAGUI, 2006). Theisen (2004) problematiza a contradição entre a proposta de promover saúde e prevenir doença à comunidade e a produção de sentimentos negativos, incapacidade e adoecimento nos ACS. Camelo e Angerami (2004) evidenciaram que a presença de trabalhadores estressados pode causar ineficiência nas atividades, problemas na comunicação, desorganização do trabalho e diminuição da produtividade nas equipes de saúde da família.
O tema qualidade de vida tem sido investigado por profissionais de diversas áreas por ser amplo e abrangente nos diferentes aspectos e momentos da vida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define qualidade de vida como: "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (FLECK et al., 2000, p. 179). Sendo assim, qualidade de vida é conceituada como subjetiva e multidimensional, com dimensões positivas e negativas.
Neste estudo, entende-se que o trabalho é uma atividade humana realizada em diferentes situações e condições, o qual pode favorecer tanto o bem-estar, quanto o adoecimento. As reações dos sujeitos são consequências da organização, do contexto e da maneira como o trabalho é realizado, as quais afetam o jeito, o agir e o pensar dos mesmos. Para as autoras deste artigo, a expressão condições de trabalho refere-se aos fatores físicos, sociais e administrativos que afetam o ambiente de trabalho e o trabalhador.
Em função da qualidade do trabalho dos ACS ser um fator importante para consolidação da ESF, este estudo teve como objetivo investigar as condições de trabalho e a qualidade de vida dos ACS na região sul de Londrina, no Estado do Paraná, Brasil.
Método
Trata-se de um estudo descritivo, transversal e com abordagem quantitativa (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2003). No tocante à organização da assistência à saúde, o município em que a pesquisa foi realizada é referência regional e estadual. Londrina está na modalidade de Gestão Plena do SUS. Iniciou-se, em 2001, a implantação das primeiras Equipes de Saúde da Família na área urbana do município. Em 2006, eram 102 equipes de saúde da família atendendo 76% da população, em 52 Unidades de Saúde da Família (USF), sendo 13 na área rural e 39 na zona urbana. Esta última é subdivida em cinco regiões: centro, leste, norte, oeste e sul. Em 2008, o município implantou 10 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos por nutricionista, farmacêutico, psicólogo, fisioterapeuta e educador físico (LONDRINA, 2008).
Atualmente, o município dispõe de 358 ACS atuando em 85 equipes de saúde da família (BRASIL, 2009). Quanto às condições de trabalho, os ACS estão contratados como trabalhadores celetistas por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), mediante convênio com a Autarquia Municipal de Saúde. Sua jornada de trabalho diária é de oito horas, de segunda à sexta, e sua renda mensal de um salário mínimo nominal, no valor vigente de R$ 465,00 (DIEESE, 2009).
Neste trabalho, os critérios para seleção dos sujeitos consistiram na aceitação voluntária da pesquisa e na atuação como ACS nas oito USF localizadas na região sul do município. Escolheu-se tal região para estudo pela homogeneidade de suas características sociodemográficas, elevado risco social da população atendida e grande concentração dos sujeitos da pesquisa na respectiva região. Os critérios de exclusão do estudo foram: não exercer a função de ACS, estar de férias ou afastado/licença e recusa em participar da pesquisa.
A população pré-selecionada era composta por 77 funcionários. Desses, quatro foram excluídos da pesquisa pelos seguintes motivos: afastamento do trabalho por doença (1) e licença-maternidade (1); desvio para função administrativa exclusiva (1); recusa à participação (1). Sendo assim, o grupo de estudo foi composto por 73 ACS, ou seja, 94,8% da população pré-selecionada.
Foi realizado estudo piloto, em junho de 2009, com seis ACS, em uma USF da região central do município, que não relataram dificuldades para responder o instrumento. Em julho de 2009, os dados foram coletados por meio de dois questionários estruturados, auto-aplicáveis e individuais. O instrumento foi elaborado utilizando-se o questionário para caracterização do perfil do ACS e o Instrumento Abreviado de Qualidade de Vida [World Health Organization Quality of Life Instrument Bref - WHOQOL-Bref (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996)].
O questionário para caracterização do perfil do ACS abordou condições sociodemográficas, de saúde e de trabalho. Foi desenvolvido pelas pesquisadoras, baseando-se em estudos publicados na área de saúde do trabalhador sobre o ACS (CAMELO; ANGERAMI, 2004; FERRAZ; AERTS, 2005; KLUTHCOVKY, 2005; LUNARDELO, 2004; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008). Neste estudo, investigaram-se as seguintes variáveis: gênero; idade; escolaridade; estado civil; religião; renda familiar; ocupação anterior; motivo para se tornar ACS; tempo de atuação e satisfação na função; local de residência; participação em atividades na comunidade; problemas de saúde; realização de tratamento de saúde; prática de exercício físico.
A coleta de dados da variável prática de exercício físico foi realizada por meio de uma questão fechada com duas possibilidades de resposta - sim ou não. Caso o entrevistado respondesse que praticava exercício físico, deveria responder as três questões abertas, subsequentes, a respeito da frequência semanal, duração diária e modalidade esportiva.
O segundo instrumento de coleta de dados foi escolhido pelas suas qualidades. Primeiramente, deveu-se ao fato de o WHOQOL-bref ter sido traduzido para a língua portuguesa, mostrando características psicométricas satisfatórias na população brasileira (FLECK et al., 2000). Outro critério refere-se a duas características do questionário: abrangente e de rápida aplicação.
O WHOQOL-Bref é multidimensional e autoexplicável, além de utilizar as respostas tendo como referência as últimas duas semanas. O questionário é composto por 26 questões, das quais as duas primeiras são gerais - avaliam a qualidade de vida de modo geral e a satisfação com a própria saúde - e as outras 24 questões são distribuídas em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente (FLECK et al., 2000). As respostas às questões do WHOQOL-bref apresentam escalas do tipo Likert, com cinco níveis cada uma e pontuação que pode variar de um a cinco. A qualidade de vida geral e os domínios são medidos em direção positiva. Assim, escores mais altos indicam melhor avaliação. Os escores dos domínios foram calculados para cada sujeito e o desempenho coletivo, calculado pelo agrupamento das respostas, conforme as facetas e os domínios numa escala de 0 a 100 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996).
O conteúdo do instrumento de coleta foi organizado em um banco de dados no programa computacional Epi Data, versão 3.1. A análise dos achados foi descritiva, sendo os mesmos apresentados segundo sua frequência absoluta e relativa e medidas de tendência central e dispersão.
O projeto de pesquisa foi aprovado, parecer nº. 266/08, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pela Autarquia Municipal de Saúde de Londrina. Os participantes foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo e o destino dos dados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa atendeu às orientações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Caracterização da amostra e condições de trabalho
Os 77 ACS estavam distribuídos em oito USF e constituíam 18 equipes de saúde da família que assistiam cerca de 85.990 pessoas (LONDRINA, 2008). Em uma das USF estudadas, havia apenas 7 trabalhadores, distribuídos em três equipes de saúde da família, que juntas assistiam cerca de 11.000 habitantes.
Dos 73 ACS estudados, 63 (86,3%) eram do gênero feminino. A idade dos ACS variou de 19 a 59 anos, com média de 33,5 anos + 9,2. Quanto à escolaridade, 49 (67,1%) referiram apresentar ensino médio completo, seguido de 10 (13,7%) com o nível médio incompleto (Tabela 1). Identificou-se que 33 (45,2%) ACS fizeram ou fazem algum curso técnico, sendo que, desses, 17 (23,3%) relataram o curso de técnico de enfermagem, seguidos de sete (9,6%) com o curso de auxiliar de enfermagem.
No que se refere ao estado civil, verificou-se que a maior parte era casada (35 - 47,9%), seguida pelos solteiros (21 - 28,7%) (Tabela 1). Em relação à religião, 37 (50,7%) afirmaram ser católicos, 33 (45,2%) evangélicos e 2 (2,7%) tinham outra religião. A renda familiar mensal referida variou de um salário mínimo a 13,9 salários mínimos. A média foi de 3,13 salários mínimos. Identificou-se que 14 (19,2%) exerciam, paralelamente, outra ocupação.
Antes de trabalhar como ACS, a maioria tinha ocupação (66 - 90,4%) e negou ter experiência no setor de saúde (60 - 82,2%). As razões, em ordem decrescente, que mais os motivaram a ser ACS foram: 37 (50,7%) visualizaram uma oportunidade de emprego, mesmo não sabendo muito bem o que iriam fazer; 19 (26%) por gostarem da área de saúde; 19 (26%) por gostarem de trabalhar com pessoas; 11 (15%) por colaborarem para melhorar a saúde da comunidade onde vivem; quatro (5,5%) tiveram outros motivos.
Quanto à moradia, 67 (91,8%) referiram residir na área de abrangência em que atuam. O tempo médio de residência no local onde exerciam a função foi de 16,1 anos ± 9,2. O tempo de atuação como ACS variou de 0,5 a 9 anos, com média de 4 anos ± 2,8.
Dos entrevistados, 67 (91,8%) referiram estar satisfeitos em trabalhar como ACS e 66 (90,4%) conseguem conciliar bem o trabalho e a vida particular, embora 36 (49,3%) tenham citado que eram solicitados, fora do seu horário de trabalho, pelos usuários do serviço de saúde em que atuavam. Quanto ao apoio da equipe de saúde da família, 50 (68,5%) sentiam-se apoiados quando traziam informações da microárea, e 20 (27,5%) não relataram apoio.
Em relação à participação nas atividades da comunidade, 52 (71,2%) relataram participar de três tipos: 46 (63%) na igreja ou comunidade religiosa; cinco (6,8%) na associação de bairro; um (1,4%) no Conselho Local de Saúde.
Dos ACS entrevistados, 42 (57,5%) negaram ter problemas de saúde e 26 (35,7%) relataram ter doença(s). A hipertensão arterial foi o agravo de saúde mais frequente referido por 6 (8,2%) entrevistados, seguida de doenças cardíaca e renal, relatada por três (4,1%) participantes cada um dos agravos. Apenas 17 (23,3%) faziam tratamento de saúde. Em relação à prática de exercício físico, identificou-se que 39 (53,4%) ACS não faziam exercício físico e 32 (43,8%) relataram algum tipo de prática. A caminhada foi a modalidade de esporte mais citada por 22 (30%), seguida da referência à academia e à dança por 2 (2,7%) ACS em cada uma das modalidades.
Qualidade de vida
O tempo médio de preenchimento dos questionários foi de 9,4 minutos ± 5,3. Os escores de cada domínio e da Qualidade de Vida Geral (QVG) foram padronizados em escala de 0 a 100. Entre os domínios do WHOQOL-Bref, o físico apresentou maior escore médio, seguido pelos domínios relações sociais e psicológico. O domínio que apresentou menor escore médio foi o do meio ambiente (Tabela 2).
A QVG refere-se à média entre a primeira questão que avalia a percepção sobre a qualidade de vida (Q1) e a segunda que avalia a satisfação com a própria saúde (Q2). Por não fazerem parte dos cálculos dos domínios, estas duas questões foram analisadas separadamente. Observou-se que 56 (76,8%) relataram ter "boa" e "muito boa" qualidade de vida e 49 (67,1%) apontaram estar "satisfeitos" ou "muito satisfeitos" com sua saúde.
No domínio físico, obteve-se o escore médio de 74. Identificou-se que 68 (93,1%) sujeitos consideraram sua mobilidade (Q15) "muito boa" ou "boa" e 63 (86,2%) entrevistados dependiam "nada" ou "muito pouco" de tratamento e medicamentos para levar sua vida (Q4). Na faceta energia e fadiga (Q10), 46 (61,7%) entrevistados referiram "muita" ou "completamente" energia suficiente para seu dia a dia. Apenas 44 (60,3%) ACS eram "satisfeitos" ou "muito satisfeitos" com seu sono e repouso (Q16) (Tabela 3).
O escore médio do domínio relações sociais foi 71,5. Nas três questões que o compõe, mais de 71% dos entrevistados responderam estarem "muito satisfeitos" ou "satisfeitos" a respeito das relações pessoais, das atividades sexuais e do suporte e apoio social (Tabela 4).
O domínio psicológico obteve escore médio de 71,5. Na faceta de espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais (Q6), 65 (89,1%) respondentes escolheram "bastante" ou "extremamente" apegados. Quanto aos sentimentos negativos (Q26), 58 (79,5%) entrevistados relataram "nunca" ou "algumas vezes" tê-los. Na questão que avalia habilidades cognitivas (Q7), 47 (64,4%) ACS responderam "bastante" e 21 (28,8%) escolheram "mais ou menos". Quanto aos sentimentos positivos (Q5), 44 (60,2%) optaram pela resposta "bastante e extremamente" e 18 (24,7%) pela resposta "mais ou menos". Em relação à autoestima (Q19), 54 (74%) sujeitos referiram estar "satisfeitos" e "muito satisfeitos" e 15 (20,5%) referiram estar "nem satisfeitos, nem insatisfeitos" (Tabela 4).
O menor escore médio foi no domínio meio ambiente. Nas questões 23 (ambiente no lar) e 25 (transporte) mais de 63% dos entrevistados responderam estar "satisfeitos" ou "muito satisfeitos" e cerca de 20% "mais ou menos satisfeitos". Na faceta segurança física e proteção (Q8), 46 (63,1%) ACS optaram pela resposta "bastante" e "extremamente" e 20 (27,4%), pela resposta "nem satisfeito, nem insatisfeito". Em relação ao ambiente físico saudável (Q9), 37 (50,8%) ACS relataram ser "mais ou menos" e 21 (28,7%) relataram ser "bastante". Na questão sobre oportunidade de aprender (Q13), 43 (58,9%) sujeitos optaram por "médio" e 22 (30,1%) por "muito" e "completamente". Quanto aos recursos financeiros (Q12), 30 (41,1%) respondentes avaliaram como "nada" ou "muito pouco" e 40 (54,8%) avaliaram como "médio". Na faceta oportunidade de recreação e de lazer (Q14), 25 (34,3%) respondentes escolheram "nada" ou "muito pouco" e 30 (41,1%) escolheram "médio" (Tabela 5).
Discussão
O desenvolvimento de trabalhos administrativos na USF que não contemplam as atribuições dos ACS ocupam o tempo e prejudicam seu desempenho. Neste estudo, a maioria dos sujeitos referiu dedicar-se a essas atividades, porém um ACS referiu desenvolver, exclusivamente, esta atividade e foi excluído deste estudo. A descaracterização e a burocratização do papel do ACS dentro da equipe de saúde da família, em Porto Alegre, também foram constatadas por Ferraz e Aerts (2005).
Neste estudo, o tipo de vínculo trabalhista com contratação no regime celetista por uma OSCIP corrobora com o proposto por Nogueira et al. (2000). Porém, segundo BRASIL (2006a), o ACS deve ser inserido em cargo ou emprego público por meio de processo seletivo público, ficando proibida sua contratação temporária ou terceirizada. Esse tipo de vínculo dos ACS desta pesquisa prejudica a qualidade de vida e, além disso, para Figueiredo et al. (2009), a ocupação de cargos não estáveis deixam os ACS insatisfeitos com a instabilidade no emprego. Nogueira, Silva e Ramos (2000) advertem que a profissão de ACS surge num contexto de desproteção legal do trabalho, e os gestores de saúde, mesmo quando reconhecem que as garantias trabalhistas devam ser concedidas, têm dificuldades em institucionalizá-las.
Em geral, a renda mensal do ACS é baixa se comparada com o salário mínimo necessário, cujo valor é superior à R$ 2.000,00 (DIEESE, 2009). Essa condição desencadeia o sentimento de desvalorização do trabalho, descrito por Nunes et al. (2002), em que se identifica a incompatibilidade entre suas complexas atribuições e a "mínima" remuneração financeira. Tal insatisfação é agravada quando se compara o seu baixo salário com o de outros membros da equipe. Em outros estudos, os ACS também se queixaram da questão salarial (FERRAZ; AERTS, 2005; PEDROSA; TELES, 2001). Esse contexto pode influir negativamente na esfera psicológica dos ACS, como sofrimento e adoecimento.
Ainda a respeito das condições de trabalho, destaca-se o fato de haver escassez de trabalhadores em termos quantitativos e existência de áreas descobertas pela ESF na cidade de Londrina. Ferraz e Aerts (2005) também identificaram que a maioria dos ACS tem um número elevado de famílias sob sua responsabilidade. O número de ACS deve ser suficiente para oferecer cobertura completa, sendo o limite máximo de 750 pessoas por ACS (BRASIL, 2006b). Os ACS deste estudo desenvolviam suas atividades na sua microárea e nas outras microáreas descobertas, diante do aumento do volume de trabalho. Sugere-se que houve prejuízo na qualidade e na abrangência da atenção à saúde.
A predominância de mulheres na profissão foi demonstrada em outros estudos com ACS (BERNARDES, 2008; FERRAZ; AERTS, 2005; GESSNER, 2006; KLUTHCOVKY, 2005; NOGUEIRA; SILVA; RAMOS, 2000; SILVA; DALMASO, 2002; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008). Diferentemente de Nogueira, Silva e Ramos (2000), a maioria dos entrevistados negou ter como função de ACS sua primeira oportunidade de trabalho remunerado. Semelhante ao estudo de Silva e Dalmaso (2002), ser agente comunitário de saúde foi uma oportunidade para o retorno ao mercado de trabalho para muitos. Destaca-se que a falta de experiência dos ACS deste estudo no setor saúde é mais um aspecto que os diferencia dos demais integrantes da equipe de saúde da família e, inclusive, pode dificultar o desempenho de suas atribuições.
No contexto em que as atividades dos ACS envolvem o cuidado e a dedicação, o exercício predominante de mulheres nesta profissão implica a discussão de questões de gênero. Wai (2007) identificou que o ACS do gênero masculino apresentava dificuldade no desenvolvimento de suas tarefas ao estabelecer o vínculo, entrar no domicílio no qual só havia uma mulher e orientar quanto aos cuidados em saúde da mulher. Theisen (2004) constatou que as próprias ACS reconhecem este trabalho como sendo do instinto feminino e da mulher por exigir características que socialmente são atribuídas à mulher. As autoras deste artigo, todavia, defendem que a atitude de cuidar não seja atribuição exclusiva de uma categoria profissional nem do gênero feminino.
A expansão do trabalho feminino acontece de maneira precária, caracterizada pela informalidade e a remuneração salarial inferior à do homem, além de realização de jornadas de trabalho mais longas (ANTUNES, 1999). Em geral, a mulher realiza dupla jornada de trabalho, dentro e fora do lar, inclusive a ACS (WAI, 2007), e ao fazê-lo, além da duplicidade do ato do trabalho, ela é duplamente explorada pelo capital - trabalho doméstico e externo ao lar (ANTUNES, 1999). Diante das condições de trabalho que extrapolam as suas expectativas e sua formação profissional, os ACS do gênero feminino estão mais vulneráveis para sofrer prejuízos, doença e sofrimento consequentes da emancipação feminina com a saída do ambiente doméstico (THEISEN, 2004). Neste estudo, foi constatada a lógica que rege a organização e as relações de trabalho em que os trabalhadores se submetem a condições de trabalhos precárias, baixa remuneração e produtoras de sofrimento.
O fato de a maior parte dos ACS residir na área da comunidade em que atuam atende aos requisitos estabelecidos na legislação. O longo tempo de moradia dos ACS no local em que trabalham corrobora com Vasconcelos e Costa-Val (2008) e Ferraz e Aerts (2005). Entretanto, alguns estudos apontam as desvantagens de o ACS morar no bairro em que trabalha (THEISEN, 2004; WAI, 2007). Para Camelo e Angerami (2004), os ACS estão mais vulneráveis às manifestações de estresse do que outros membros da equipe devido à sua proximidade e ao vínculo constante com a comunidade.
No entanto, a finalidade de escolher moradores dos próprios bairros para desempenhar a função de ACS é aumentar a eficácia das ações de educação em saúde (NUNES et al., 2002). Bonstein e Stotz (2008) encontraram na literatura que o papel do ACS, como mediador, é muito referenciado tanto no que diz respeito à mediação entre o serviço de saúde e a comunidade, como no que se trata à mediação de saberes. Essa mediação implica contradições que significam, por um lado, prestígio e poder junto à comunidade de sua área de atuação e, por outro, desgaste ao absorver pressões da população insatisfeita com o serviço ou que procuram conseguir favorecimentos em termos de acesso (NUNES et al., 2002).
Além do tempo de moradia que pode aumentar o vínculo entre a comunidade e o trabalhador, deve-se avaliar a qualidade da relação entre esses sujeitos (FERRAZ; AERTS, 2005). Por exemplo, sua empatia com a população pode facilitar a integração desta com o serviço de saúde. Neste estudo, o tempo de exercício na profissão foi superior ao observado por Vasconcelos e Costa-Val (2008) e semelhante aos outros estudos (BERNARDES, 2008; FERRAZ; AERTS, 2005), concluindo-se que houve baixa rotatividade dos trabalhadores. No entanto, o tempo médio de trabalho como ACS coincide com o tempo de uma gestão de governo municipal - 4 anos. Pode-se inferir que estes ACS estão vulneráveis a deixar o trabalho conforme a vontade política vigente.
A grande participação do ACS em atividades na comunidade reforça seu perfil profissional que é caracterizado, segundo Nogueira, Silva e Ramos (2000), por sua liderança e desenvolvimento de trabalhos na comunidade. Porém, critica-se a pequena participação dos ACS nos espaços de decisões políticas, como o conselho de saúde, que repercutem no fortalecimento ou no enfraquecimento da ESF. Neste estudo, observou-se o paradigma semelhante ao apresentado por Silva e Dalmaso (2002) em que o ACS possuía uma atuação maior nas questões técnicas e mais frágil quanto à dimensão de atuação política.
A maioria dos entrevistados possuía escolaridade superior ao estabelecido pela Lei nº 11.350/2006. Esse achado corrobora outros estudos (BERNARDES, 2008; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008; KLUTHCOVKY, 2005). De acordo com Ferraz e Aerts (2005), quanto mais anos de estudos o ACS tem, mais condições ele terá de aprender e orientar as famílias. Cerca de metade dos ACS fizeram um curso técnico, sendo a maioria na área de enfermagem. Segundo Nogueira, Silva e Ramos (2000), uma das interpretações para o perfil profissional do ACS o aproxima do campo da enfermagem. A tendência de profissionalização no campo de atuação da enfermagem também foi observada por Silva e Dalmaso (2002). Nota-se que o ACS inclina-se mais para o polo técnico, conforme afirmam Silva e Dalmaso (2002). Por outro lado, para Reis (2005), a estratégia de superação das dificuldades cotidianas do trabalho foi a mudança de profissão em que o ACS faz o curso técnico-profissionalizante a fim de obter o reconhecimento social e a valorização salarial.
A faixa etária de adultos jovens foi a mais prevalente tanto neste estudo, quanto em estudos sobre ACS (BERNARDES, 2008; FERRAZ; AERTS, 2005; KLUTHCOVKY, 2005; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008). Observou-se o predomínio de ACS casados o que também foi verificado em outros estudos (BERNARDES, 2008; KLUTHCOVKY, 2005; FERRAZ; AERTS, 2005; GESSNER, 2006).
A crença religiosa foi afirmada pela maioria absoluta dos participantes deste estudo, bem como na pesquisa de Vasconcelos e Costa-Val (2008). As autoras deste trabalho concordam com Ferraz e Aerts (2005) sobre a importância da religião para o ACS sob a justificativa de que as crenças pessoais influenciam sua relação com a população e o desempenho do seu papel. Além disso, os valores culturais e religiosos podem influenciar na concepção de saúde do indivíduo (SCLIAR, 2007). A religiosidade pode favorecer a adoção de hábitos saudáveis, a integração e valorizar a percepção que o indivíduo tem de si mesmo, compreendendo-se como parte de um propósito maior. Além disso, possibilita um enfrentamento frente a situações de sofrimento e de desafios vivenciadas com frequência por esses trabalhadores.
Quase a totalidade dos entrevistados relatou estar satisfeita em atuar como ACS. Contrário aos resultados de Vasconcelos e Costa-Val (2008), uma parte importante dos participantes afirmou ter problemas de saúde. O resultado do presente estudo é semelhante ao de Bernardes (2008) e Kluthcovky (2005). Os achados de Lunardelo (2004) foram confirmados no que se refere à exposição dos ACS a problemas de saúde, porém a desmotivação e a insatisfação no trabalho não foram identificadas no presente estudo. Semelhante a Silva e Dalmaso (2002), os entrevistados encontraram-se satisfeitos com o trabalho, motivados pelo sentimento de solidariedade, resolutividade, de reconhecimento do trabalho e ampliação do campo de conhecimento. No entanto, as autoras alertam que a satisfação não elimina as situações de angústias e sofrimento.
Neste estudo, os tipos de patologias apresentadas pelos entrevistados confirmam a tendência de transição da morbimortabilidade do trabalhador apontada por Lacaz (2003). Segundo esse autor, trata-se de uma mudança no perfil do adoecimento em que o mal-estar difuso acomete, precocemente, os indivíduos por patologias comuns na população em geral. Sendo assim, diminuem-se as doenças profissionais e as relacionadas ao trabalho e tornam-se mais prevalentes as doenças crônicas não transmissíveis.
Theisen (2004) também observou que os fatores de sofrimento e adoecimentos, num primeiro momento, não são visíveis, porque eles estão subjacentes a alguns valores e crenças socialmente aceitos como naturais. Segundo a pesquisadora, os riscos aos quais as ACS se expõem estão produzindo efeitos a longo prazo, porque de imediato são invisíveis, provocando desgaste de forma cumulativa. Os fatores de riscos citados são: o fato de morar no mesmo local em que trabalha, o contato direto com pessoas com dificuldades e/ou patologia graves e a precarização do trabalho.
A prática de atividade física é benéfica à saúde a fim de prevenir ou controlar as doenças crônico-degenerativas e melhorar a qualidade de vida (NAHAS, 2003). Apesar disso, na população em geral, observa-se a diminuição da prática de atividade física que, gradualmente, é subsituída por atividades mais passivas. Os ACS contrariam essa tendência de comportamentos sedentários, pois o desenvolvimento de suas atividades laborais exige bastante aptidão e capacidade física, uma vez que necessitam caminhar. Ainda assim, deve-se estimular que mais ACS reservem alguns minutos da semana para realização de exercício físico.
No que diz respeito ao WHOQOL-Bref, o tempo médio para seu preenchimento observado neste estudo está de acordo com o Grupo WHOQOL-Bref e com outros estudos (GESSNER, 2006; KLUTHCOVKY, 2005; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008). A média dos escores acima de 50 pontos indica avaliações médias boas, no que se referem à QVG e aos domínios, que também foram encontradas em outros estudos (BERNARDES, 2008; KLUTHCOVSKY, 2005; GESSNER; 2006; VASCONCELOS; COSTA-VAL, 2008). A ordem decrescente dos domínios do WHOQOL-Bref foi igual ao estudo de Vasconcelos e Costa-Val (2008). O melhor e o pior escore, nos domínios físico e meio ambiente, respectivamente, também foram observados por Bernardes (2008), sendo que o menor escore médio concorda com os resultados de Kluthcovky (2005) e Gessner (2006).
Os achados da QVG deste estudo estão compatíveis com a literatura (BERNARDES, 2008; KLUTHCOVSKY, 2005; GESSNER; 2006). No entanto, Vasconcelos e Costa-Val (2008) encontraram um percentual muito superior de satisfação com a saúde. Considera-se preocupante o fato de 24 (32,8%) ACS, apesar de serem profissionais da equipe de saúde da família, avaliarem sua satisfação com a própria saúde de forma intermediária ou negativa. Ainda assim, esse percentual pode ser superior, uma vez que se observa a tendência de selecionar os "trabalhadores sadios" em atividade, enquanto aqueles que estão doentes estão afastados ou demitidos, segundo Kluthcovsky (2005).
Neste estudo, nas facetas dor e mobilidade, destaca-se a ótima capacidade para o trabalho, uma vez que a profissão de ACS está diretamente relacionada com a condição física. Suas atividades não devem ser desenvolvidas dentro do serviço de saúde, mas sim na comunidade (BRASIL, 2006b).
Uma boa locomoção é fundamental para cumprir suas atribuições, especialmente caminhar, meio mais econômico para realizar as visitas domiciliares, sendo que alguns locais são distantes e o acesso pode ser dificultado por barreiras geográficas. No entanto, na faceta transporte, foi identificada menor satisfação, que pode ter relação com o desgaste físico dos ACS, descrito por Reis (2005), e a ausência de recebimento de auxílio financeiro para se deslocar. Além disso, observou-se que, no domínio físico, houve menor satisfação na faceta energia e fadiga tanto no presente estudo, quanto na pesquisa de Kluthcovsky (2005). As autoras deste trabalho sugerem que ocorram melhorias na locomoção dos ACS, no desenvolvimento de suas atividades, pois desta forma poderia aumentar a satisfação dos mesmos e, consequentemente, promover qualidade de vida.
O fato de o domínio relações sociais ser composto por menor número de questões (três) implica menos representação no número de questões, sendo assim, torna-se menos estável sob análise da psicometria (FLECK, 2000). As autoras deste estudo avaliaram como positivo o resultado da faceta suporte e apoio social e o relacionaram com as atribuições dos ACS, pois eles devem conhecer e orientar sobre os recursos sociais existentes na comunidade para que sejam utilizados corretamente.
O alto escore na faceta relações sociais está compatível com as atribuições dos ACS, que envolvem a produção de relação com a comunidade e a equipe de saúde da família, como é o caso do acolhimento e do vínculo. Dessa forma, os ACS utilizam tecnologias leves ou leve-duras na produção do cuidado que se referem a um conjunto de conhecimentos e agires dispersos nas experiências e nos modos singulares de cada profissional de saúde (FERREIRA et al., 2009)
O baixo escore no domínio meio ambiente merece atenção, pois um trabalho que proporciona oportunidades restritas de criação e escolha da maneira de realizar a tarefa pode ser perigoso à saúde dos trabalhadores (DEJOURS et al., 1993). Para Reis (2005), não é o cargo de ACS que gera sofrimento, mas sim suas condições de trabalho. Devem-se criar espaços democráticos de escuta e acolhimento que possibilitem trocas entre a comunidade, os trabalhadores e os gestores de saúde para que encontrem, coletivamente, estratégias para melhorias de suas condições de trabalho e da qualidade do cuidado em saúde à população (SANTOS-FILHO, 2007).
As condições de insegurança física e de falta de proteção remetem às situações descritas por Fortes e Spinetti (2004), nas quais os ACS, além de cuidarem das questões complexas de saúde e doença, tornam-se cúmplices de informações sigilosas capazes de os colocarem em risco de morte e convivem com a violência organizada por gangues e narcotráfico. As avaliações intermediárias e negativas para os cuidados de saúde e socais de 32 (43,9%) entrevistados são alarmantes pelo fato destes serem profissionais integrantes da equipe de saúde da família e terem maior acesso aos conhecimentos em saúde, à prevenção e ao tratamento de doenças. Esperava-se um maior percentual de avaliações positivas.
Os resultados incipientes sobre oportunidade de recreação e lazer são preocupantes, uma vez que possuem implicações tanto na sua própria saúde e qualidade de vida, quanto na de outros indivíduos. Além da ampliação do conceito de saúde, deve-se considerar a ressignificação e a ampliação daquilo que tradicionalmente se definia como práticas em saúde (LUZ, 2000). Os entrevistados parecem estar distantes dessas mudanças de sentidos em que atividades lúdicas, de esporte e recreação são consideradas como atividades de saúde. Pode-se afirmar que 86,3% dos entrevistados são mulheres de classes subalternas, ou seja, trata-se do segmento social que mais sofre os efeitos negativos do capitalismo em que há instabilidade no vínculo de emprego, condição precária de moradia, má qualidade da educação, restrita oportunidade de lazer e participação nas atividades culturais, transporte público ruim, aumento da violência e insatisfatória atenção à saúde (CANTON, 2008). Segundo essa pesquisadora, as mulheres são mantidas dentro de suas casas e seus espaços de lazer ficam restritos ao ambiente doméstico ou a áreas coletivas da comunidade.
Este estudo possibilitou uma avaliação sobre as condições de trabalho e a qualidade de vida geral de um grupo de ACS, além de um melhor entendimento sobre o tema. No entanto, uma das limitações do estudo refere-se ao momento de instabilidade política, caracterizado pela mudança na gestão da Autarquia Municipal de Saúde e seus impactos no processo de trabalho, que pode ter influenciado na qualidade de vida e nas respostas dos participantes. Sugere-se que outros estudos utilizem métodos que investiguem a subjetividade dos ACS e a organização do seu processo de trabalho, que repercutem diretamente na qualidade de vida e podem levar ao sofrimento ou promover saúde.
Considerações finais
Apesar das condições de trabalho serem precárias e promotoras de sofrimento aos ACS, houve avaliação positiva para as questões que compõem a QVG e para os domínios físico, psicológico e relações sociais. A avaliação foi intermediária para o domínio meio ambiente. Destaca-se que o menor escore neste domínio revela necessidades não apenas dos ACS, mas das comunidades. A qualidade de vida e a melhoria das condições de saúde da população brasileira dependem da participação social, do modelo de gestão adotado pelo Estado e de um conjunto de ações desenvolvidas pelos profissionais na área da saúde. Diante disto, faz-se necessário estabelecer compromissos mútuos entre os trabalhadores, os gestores e a comunidade, pois o papel dos ACS é importante para a consolidação do modelo de saúde centrado no cuidado dos indivíduos, das famílias e da comunidade.
Agradecimentos
Obrigada a todos que contribuíram, diretamente e indiretamente, para este trabalho. A realização deste estudo foi possível graças à colaboração dos atores envolvidos na Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Londrina e na Autarquia Municipal de Saúde de Londrina. Agradecemos, especialmente, aos Agentes Comunitários de Saúde pela participação.
Contribuições de autoria
As três autoras construíram o projeto de pesquisa, coletaram e analisaram os dados e contribuíram para a redação do artigo.
Contato:
Bárbara Lyrio Ursine
Rua Bom Despacho, 337, Santa Tereza
Belo Horizonte-MG.
CEP: 31010-390
E-mail: baursine@yahoo.com.br
Recebido: 13/01/2010
Revisado: 27/05/2010
Aprovado: 21/06/2010
- ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.
- BERNARDES, K. A. G. Qualidade de vida de agentes comunitários de saúde de um município da região oeste do estado de São Paulo 2007. 79 f. Dissertação (Mestrado)-Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.
- BONSTEIN, V. J.; STOTZ, E. N. Concepções que integram a formação e o processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: uma revisão na literatura. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 285-268, jan./fev. 2008.
- BRASIL. Lei nº 11.350, 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial da União Brasília, DF, out. 2006a.
- _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica Brasília, DF, 2006b.
- _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Disponível em: <http://cnes.datasus.gov.br/>. Acesso em: 28 de nov. 2009.
- CAMELO, S. H. H.; ANGERAMI, E. L. S. Sintomas de estresse nos trabalhadores atuantes em cinco núcleos de saúde da família. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, n. 1, p. 14-21, jan./fev. 2004.
- CANTON, G. A. M. O lazer como uma das possíveis estratégias de promoção da saúde nas classes subalternas: um estudo de caso na Zona Leste de São Paulo. 2008. 197 f. Tese (Doutorado em Serviço Social)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
- DEJOURS, C. et al. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise de relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1993.
- DIEESE. Salário mínimo nominal e necessário Disponível em: <http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml>. Acesso em: 7 nov. 2009.
- FERRAZ, L.; AERTS, D. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde no PSF em Porto Alegre. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 347-355,/ abr./jun. 2005.
- FERREIRA, V. S. C. et al. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4,/ p. 898-906, abr. 2009.
- FIGUEIREDO, I. M. de. et al. Qualidade de vida no trabalho: percepções dos agentes comunitários de equipes de saúde da família. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 262-267, abr./jun. 2009.
- FLECK, M.P.A. et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida "WHOQOL-bref". Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 178-183, abr. 2000.
- FORTES, P. A. C.; SPINETTI, S. R. O agente comunitário de saúde e a privacidade das informações dos usuários. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5,/ p. 1328-1333, set./out. 2004.
- GESSNER, C. L. S. Qualidade de vida das equipes de Saúde da Família no município de Timbó-SC 2006. 94 f. Dissertação (Mestrado)-Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2006.
- KLUTHCOVSKY, A. C. G. C. Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná. 2005. 118 f. Dissertação (Mestrado)-Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005.
- KLUTHCOVSKY; A. C. G. C.; TAKAYANAGUI, A. M. M. O trabalho do agente comunitário de saúde. Revista Brasiliera Médica Famacêutica e Comunitária, Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, p. 23-29, abr./jun. 2006.
- LACAZ, F. A. C. L. Qualidade de vida no trabalho e saúde do trabalhador: uma visão crítica. In: GOLDENBERG, P. (Org.). O clássico e o novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 413-429.
- LONDRINA. Prefeitura do Município. Secretaria Municipal de Saúde. Plano municipal de saúde 2008-2011 Londrina: Organização Margaret Shimiti, 2008.
- LUNARDELO. S. R. O trabalho do agente comunitário de saúde nos Núcleos de Saúde da Família em Ribeirão Preto - São Paulo 2004. 156 f. Dissertação (Mestrado)-Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2004.
- LUZ, M. La salud em forma y las formas de la salud: superando paradigmas y racionalidades. In: BRICEÑO-LEÓN, R. et al. (Coord.). Salud y equidad: uma mirada desde las ciencias sociales. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 25-39.
- NAHAS, M. V. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceito e sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf, 2003.
- NOGUEIRA, R. P.; SILVA, F. B. da.; RAMOS, Z. do. V. O. A vinculação institucional de trabalhador sui generis - o agente comunitário de saúde. Texto para discussão n. 735. Rio de Janeiro, 2000. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2000/td0735.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2009.
- NUNES, M. O. et al. O agente comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 6, p. 1639-1646, nov./dez. 2002.
- PEDROSA, J. I. S.; TELES, J. B. M. Consenso e diferenças em equipes do Programa Saúde da Família. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 303-311,/ jun. 2001
- ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia e saúde 6. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2003.
- REIS, L. B. Uma análise de dimensão ético-política do trabalho de agentes comunitários de saúde do município de Vitória 2005. 224 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)-Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2005.
- SANTOS-FILHO, S. B. Um olhar sobre o trabalho em saúde nos marcos teóricos-políticos da saúde do trabalhador e do humaniza SUS. In: SANTOS-FILHO, S. B.; BARROS, M. E. B. (Org.). Trabalhador da saúde: muito prazer. Ijuí: Unijuí, 2007. p. 73-96.
- SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1,/ p. 29-41, abr. 2007.
- SILVA, J.; DALMASO, A. S. W. Agente comunitário de saúde: o ser, o saber, o fazer. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002.
- THEISEN, N. I. S. Agentes comunitários de saúde (ACS): condições de trabalho e sofrimento psíquico. 2004. 160 f. Dissertação (Mestrado)-Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2004.
- VASCONCELLOS, N. P.; COSTA-VAL, R. Avaliação da qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde de Lagoa Santa-MG. Revista APS, Juiz de Fora, v. 11, n. 1, p. 17-28, jan./mar. 2008.
- WAI, M. F. P. O trabalho do agente comunitário de saúde na estratégia de saúde da família: fatores de sobrecarga e mecanismo de enfrentamento. 137 f. 2007. Dissertação (Mestrado)-Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007.
- WORLD HEALTH ORGANIZATION. The Whoqol Group. WHOQOL-Bref: introduction, administration, scoring and generic version of the assessment. Geneva, 1996.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jun 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2010
Histórico
-
Revisado
27 Maio 2010 -
Recebido
13 Jan 2010 -
Aceito
21 Jun 2010