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CRIAÇÃO, INSTITUCIONALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS NÚCLEOS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E DESAFIOS

CREATION, INSTITUTIONALIZATION AND FUNCTIONING OF TECHNOLOGICAL INNOVATION IN BRAZIL: CHARACTERISTICS AND CHALLENGES

CREACIÓN, INSTITUCIONALIZACIÓN Y FUNCIONAMIENTO DE LOS NÚCLEOS DE INNOVACIÓN TECNOLÓGICA EN BRASIL: CARACTERÍSTICAS Y DESAFÍOS

RESUMO

A retomada da política industrial como pauta do governo brasileiro no início dos anos 2000 traz grande destaque à promoção da relação universidade-empresa. Em 2004, é assinada a Lei de Inovação, que busca flexibilizar o aparato burocrático para promoção destas parcerias e estabelece a obrigatoriedade de criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas instituições públicas de pesquisa. O objetivo deste trabalho é apresentar esse marco político e os instrumentos de apoio criados, a configuração dos NITs no Brasil, para se discutir os obstáculos e desafios presentes ao seu funcionamento, e identificar possíveis aprendizados para as políticas públicas. Para isso, são analisados os resultados do Formulário para Informações sobre a Política de Propriedade Intelectual das Instituições Científicas e Tecnológicas (2007-2015), à luz dos resultados de uma pesquisa de campo realizada entre 2014 e 2015 e da literatura sobre o tema. Conclui-se que, apesar do crescimento do número de NITs por todo o país, os desafios a sua atuação ainda são enormes, assim como, a necessidade de apoio para seu desenvolvimento.

Relação universidade-empresa; Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs; Política Pública; Brasil

ABSTRACT

The resumption of industrial policy to the agenda of the Brazilian government in the early 2000s brings great emphasis to the promotion of the industry-university relationship. In 2004, the Innovation Law was signed, which seeks to make the bureaucratic apparatus more flexible in order to promote these partnerships and establishes the obligation to create Technology Transfer Offices (TTOs), or the Technological Innovation Nuclei (NITs), as called in the Law, in public research institutions. The objective of this paper is to present this policy framework and the instruments of support created, the configuration of NITs in Brazil, to discuss the obstacles and challenges present in its operation and to identify possible learning for public policies. For this, the results of the Ministry of Science, Technology and Innovation survey on NITs (2007-2015) are analyzed, in the light of the results of a field research conducted between 2014 and 2015 and the literature on the subject. It is concluded that, despite the growth of NITs throughout the country, the challenges to their performance are still enormous, as is the need for support for their development.

Industry-University Interaction; Technology Transfer Offices (TTOs; Public Policy; Brazil

RESUMEN

La reanudación de la política industrial a la agenda del gobierno brasileño a partir de los años 2000 destaca la promoción de la relación universidad-empresa. En 2004, se firma la Ley de Innovación, que busca flexibilizar el aparato burocrático para promover estas alianzas y establece la obligatoriedad de creación de Núcleos de Innovación Tecnológica (NIT) en las instituciones públicas de investigación. El objetivo de este trabajo es presentar ese marco político y los instrumentos de apoyo creados, la configuración de los NIT en Brasil, para discutir los obstáculos y desafíos presentes en su funcionamiento y identificar posibles aprendizajes para las políticas públicas. Para ello, se analizan los resultados del Formulario para Información sobre la Política de Propiedad Intelectual de las Instituciones Científicas y Tecnológicas (2007-2015), a la luz de los resultados de un trabajo de campo realizado entre 2014 y 2015 y de la literatura sobre el tema. Se concluye que, a pesar del crecimiento del número de NITs por todo el país, los desafíos a su actuación todavía son enormes, así como, la necesidad de apoyo para su desarrollo.

Relación universidad-empresa; Núcleos de Innovación Tecnológica (NITs; Política Pública; Brasil

INTRODUÇÃO

No entendimento do sistema nacional de inovação, a relação entre universidades e empresas tem três eixos principais: (1) educação e treinamento de pessoal qualificado para o trabalho em empresas inovadoras; (2) atuação como instituições externas e contratáveis de pesquisa e pesenvolvimento (P&D), com um conjunto de infraestrutura e pessoal com competência para o desenvolvimento de projetos inovadores; e (3) provimento de novas técnicas e novos conhecimentos aplicados à indústria, além de, ocasionalmente, apresentar invenções iniciais para a formatação de novas plataformas tecnológicas (NELSON, 1990NELSON, R. R. Capitalism as an engine of progress. Research Policy, v. 19, p. 193-214, 1990.; LUNDVALL, 2007)LUNDVALL, B.-Å. Higher education, innovation and economic development. Artigo apresentado no World Bank ́s Regional Bank Conference on Development Economics. Beijing, 16-17 jan, 2007..

Nelson (1990)NELSON, R. R. Capitalism as an engine of progress. Research Policy, v. 19, p. 193-214, 1990. destaca, adicionalmente, que o desenvolvimento de ciência e tecnologia (C&T) pública tende a ter uma influência mais direta sobre a inovação da indústria para os setores de ciência aplicada, como engenharias, biotecnologia, química, materiais, tecnologia da informação e comunicações. Por este motivo, nesses setores haverá maior conexão da indústria com as universidades e institutos de pesquisa, com aportes de financiamento privado nas atividades de P&D nessas organizações.

As políticas de estímulo à relação entre universidades e empresas remontam a década de 1970, quando diversos países desenvolvidos, imersos na chamada economia moderna baseada em conhecimento, iniciaram ações de promoção da aproximação entre estes dois atores, entendendo que a universidade é fonte essencial de conhecimento básico e, também, industrial. As primeiras iniciativas tinham objetivo de promover o desenvolvimento econômico local, a partir do conhecimento gerado nas universidades, com a introdução de incubadoras de empresas, parques tecnológicos e fundos públicos de capital semente (MOWERY; SAMPAT, 2005MOWERY, D, SAMPAT, B. Universities in National Innovation Systems. In: FARGERBERG, J. et al. (Ed.). The Oxford handbook of innovation. New York: Oxford University Press, 2005.).

No início dos anos de 1980, os EUA, posteriormente copiados por outros países, alteraram sua legislação com a implementação do Bayh-Dole Act5 5 O Bayh-Dole Patent and Trademark Amendments Act permitiu que pesquisadores de pesquisas financiadas com recursos federais pudessem requisitar patentes para o resultado da pesquisa e receber licenças pelo uso destas patentes, incluindo licenças exclusivas. e do Stevenson-Wydler Technology Innovation Act6. Tais modificações foram vistas como forte incentivo à interação universidade-empresa, tendo como um dos seus principais dispositivos a criação de escritórios de transferência de tecnologia (ETT) (MOWERY; SAMPAT, 2005MOWERY, D, SAMPAT, B. Universities in National Innovation Systems. In: FARGERBERG, J. et al. (Ed.). The Oxford handbook of innovation. New York: Oxford University Press, 2005.). Ainda que, no Reino Unido, os ETTs já existissem em diversas universidades desde a década de 1960 (GONÇALVES NETO, 1988GONÇALVES NETO, C. As unidades de relacionamento universidade indústria no Reino Unido. RAUSP- Revista de Administração, v. 23, n. 2, p. 67-73, abr-jun, 1988.), as alterações institucionais e regulatórias nos EUA, que incluíram a ampliação dos objetos de patenteamento e das formas de financiamento de ativos intangíveis (ORSI; CORIAT, 2006ORSI, F, CORIAT, B. The new role and status of Intellectual Property Rights in contemporary capitalism, Competition & Change, v. 10, n. 2, 162-179, 2006.), levaram a um maior destaque deste país na questão do uso econômico e lucrativo do conhecimento científico pelas empresas. Bozeman et al. (2014)BOZEMAN, B, et al. The Evolving State-of-the-Art in Technology Transfer Research: Revisiting the Contingent Effectiveness Model, Research Policy, v. 44, n. 1, p. 24-49, 2014. analisam algumas atividades de instituições científicas dos EUA e seu impacto na transferência de tecnologia. O resultado mostra que o número de licenciamentos para as empresas está positivamente relacionado ao momento de criação dos ETTs e ao aumento dos níveis de financiamento das atividades de P&D. Além disso, identificaram que o tamanho dos ETTs está relacionado ao montante das receitas provenientes de licenciamento de tecnologias, ao aumento de financiamento de P&D e à geração de spin-offs.

Etzkowitz e Leydesdorff (2000)ETZKOWITZ, H., LEYDESDORFF, L. The dynamics of innovation: from National Systems and “Mode 2” to a Triple Helix of university – industry – government relations, Research Policy, v. 29, n. 2, p. 109–123, 2000. afirmam que a não proteção do conhecimento das universidades poderia dificultar o estímulo à transferência de tecnologia. Por outro lado, Orsi e Coriat (2006)ORSI, F, CORIAT, B. The new role and status of Intellectual Property Rights in contemporary capitalism, Competition & Change, v. 10, n. 2, 162-179, 2006. contestam que a apropriação do conhecimento científico pode atrapalhar o desenvolvimento da inovação, por impedir o fluxo natural de novas pesquisas sobre bases de conhecimento comuns. O desafio para os governos está na criação de políticas que estimulem a interação entre universidades e empresas sem interferir na liberdade e na criação e difusão do conhecimento das primeiras (ROSENBERG; NELSON, 1994ROSENBERG, N., NELSON, R. American universities and technical advance in industry. Research Policy (23), p. 323–348, 1994.; WELSH et al., 2008WELSH, R., GLENNA, L., LACY, W., BISCOTTI, D. Close enough but not too far: assessing the effects of university–industry research relationships and the rise of academic capitalism. Research Policy 37, p. 1854–1864, 2008.).

Para que isso seja possível, é importante o entendimento sobre as características deste relacionamento. De Fuentes e Dutrénit (2012)DE FUENTES, C., DUTRÉNIT, G. Best channels of academia–industry interaction for long-term benefit. Research Policy, v. 4, n. 9, p. 1666–1682, 2012. observaram que são três os fatores principais que afetam essa relação universidade-empresa, sendo eles: estímulo para a interação, canais de interação e os resultados auferidos. Entre os canais de interação, os autores sugerem que os mais relevantes para o estabelecimento de relacionamentos de longo prazo entre universidades e empresas são o licenciamento de propriedade industrial7 7 As universidades e institutos de pesquisa são reconhecidamente uma das principais fontes do capital intelectual e da propriedade intelectual (CARDOZO; ARDICHVILI; STRAUSS, 2011). , o desenvolvimento conjunto de projetos e a absorção pelas empresas de recursos humanos advindos da universidade.

No estabelecimento das parcerias ganham destaque os ETTs, que foram analisados e tiveram destacadas suas características e formas de atuação em diversos estudos. Siegel et al. (2007)SIEGEL, D. S., VEUGELERS, R., WRIGHT, M. Technology transfer offices and commercialization of university intellectual property: performance and policy implications. Oxford Review of Economic Policy, 23(4), p. 640–660, 2007. sugerem que as universidades devem adotar estratégias de comercialização de tecnologia, estabelecendo prioridades e os objetivos de longo prazo da interação com empresas. Essa estratégia deve incluir: 1) a alocação de recursos para facilitar o licenciamento, dado que o estágio da pesquisa afeta o interesse das empresas, pois, quanto mais avançado o estágio, menor o risco percebido pela indústria; 2) os modos adotados de comercialização, escolhendo entre licenciamento, cessão, criação de spin-offs, ou desenvolvimento conjunto de projetos tecnológicos; e 3) áreas técnicas disponíveis para a interação, dado que há diferença no escopo e na profundidade da pesquisa em diferentes campos da ciência em cada instituição. Hewitt-Dundas (2012)HEWITT-DUNDAS, N. Research intensity and knowledge transfer activity in UK universities. Research Policy, v. 41, n. 2, p. 262–275, 2012., no entanto, alerta que o estabelecimento indiscriminado de ETTs somente devido à disponibilidade de recurso público e de forma absolutamente desalinhada da vocação institucional das universidades não é eficaz e compromete, desnecessariamente, o pessoal da universidade.

O Brasil absorveu estas políticas ativas de estímulo à relação universidade-empresa de forma bastante tardia. Somente no início dos anos 2000, no contexto da retomada das políticas industriais e tecnológicas, foi implementada a Lei da Inovação (10.973/2004) que tinha como objetivo a promoção e flexibilização das regras de funcionamento das instituições científicas e tecnológicas (ICTs) públicas para interação com o setor empresarial. Tal movimento pautou-se, em grande parte, no forte sistema de C&T existente no país para promoção da inovação e do desenvolvimento econômico e social.

Conforme afirma Sutz (2000)SUTZ, J. The university-industry-government relations in Latin America. Research Policy, v. 29, n. 2, p. 279-290, 2000., em países em desenvolvimento, grande parte da geração de conhecimento tecnológico está localizada em ICTs públicas, dado que as atividades de P&D desenvolvidas por empresas são baixas e há pouco foco no desenvolvimento interno de conhecimento como estratégia de competição. No caso do Brasil, o estabelecimento de relacionamento entre ICTs e empresas torna-se uma alternativa para o setor produtivo entrar em contato com o desenvolvimento (ou aquisição) de insumos intangíveis, importante para a geração de capacidade tecnológica, devido aos baixos esforços inovadores da indústria nacional (RAPINI, 2007RAPINI, M. Interação Universidade-Empresa no Brasil: Evidências do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Estudos Econômicos, v. 37, n. 1, p. 211-233, 2007.).

No entanto, muitos desafios estão postos à cooperação entre ICTs e empresas como problemas relacionados a indefinição em questões de direitos de propriedade intelectual (PI), dificuldades de comunicação, entraves burocráticos, déficit de pessoal especializado para o desenvolvimento de pesquisa, falta de financiamento e culturas diferente nas ICTs e empresas, em termos de atividades de P&D. Contudo, por conta da intensificação dessas parcerias, há a necessidade de estabelecimento de mecanismos institucionais que respondam por essa interação para transferência de conhecimento e tecnologia (RAPINI, 2007RAPINI, M. Interação Universidade-Empresa no Brasil: Evidências do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Estudos Econômicos, v. 37, n. 1, p. 211-233, 2007.). No Brasil, o movimento de criação de ETTs, incubadoras de empresas e parques tecnológicos também é iniciado na década de 1980 (LAHORGUE, 2004)LAHORGUE, M. Pólos, parques e incubadoras: instrumentos de desenvolvimento do século XXI. Brasília: Anprotec, 2004.. Porém, foi na implementação da Lei de Inovação que se deu a obrigatoriedade de criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas ICTs públicas com a função inicial e primordial de zelar pelo conhecimento e a PI produzidos nestas, e o intuito de simular a criação dos ETTs da década de 1980 nos EUA. Devido à obrigatoriedade da Lei e ao estabelecimento de políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) houve um fortalecimento e crescimento dos NITs no Brasil.

A partir deste contexto, os objetivos neste trabalho são apresentar o marco político e de apoio ao estabelecimento dos NITs, descrever a configuração e características dos NITs hoje existentes no Brasil, discutir os obstáculos presentes ao seu funcionamento e identificar possíveis aprendizados para as políticas públicas de promoção da relação universidade-empresa.

O artigo está dividido em quatro seções, além desta Introdução e da Conclusão. Na primeira seção, é apresentada a metodologia do artigo que inclui revisão da literatura e de documentos de políticas, levantamento de dados e pesquisa de campo. Na segunda seção, são apresentados o marco político e os instrumentos de apoio à criação e estruturação dos NITs. Na terceira seção, são apresentados dados secundários que permitem a caracterização dos NITs. Na quarta seção, os resultados são discutidos e analisados a partir da pesquisa de campo e da literatura.

1 METODOLOGIA

O estudo foi realizado em duas etapas. Na primeira, foi feito um levantamento das políticas industriais e de CT&I e dos instrumentos para a promoção da relação universidade-empresa no país entre 2003 a 2016 de modo a identificar qual o papel dos NITs definido nestes documentos. Foram levantados os instrumentos de ação para estabelecimento e desenvolvimento dos NITs através dos editais de apoio de fundações de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Finep – Inovação e Pesquisa, e três Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por serem estados com NITs de referência para o país, entre os anos de 2012 e 2016. Foram então descritos os recursos financeiros disponibilizados em termos de valor absoluto e por projeto, os itens financiáveis e não-financiáveis, a periodicidade de lançamento e outros itens associados. A pesquisa foi feita com as palavras-chave NIT, ICT, interação e inovação nas respectivas bases de editais.

Na segunda etapa, foram levantados, tratados e analisados os dados do Formulário para Informações sobre a Política de Propriedade Intelectual das ICTs (Formict), que é respondido anualmente pelas ICTs sobre seus NITs ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)8 8 O MCTI foi fundido com o Ministério das Comunicações (MC) em 2016, sendo hoje o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). Como os dados são de antes de 2016, manteve-se no texto a sigla original. . Foram analisados os formulários de 2007 a 20159 9 Note que o questionário foi sendo modificado e ampliado durante os anos e, com isso, algumas respostas não compreendem todo o período mencionado, aparecendo apenas a partir do ano em que a nova pergunta foi inserida. Além disto, os dados disponíveis são agregados, não sendo possível realizar análise setorial. Para isto, seria necessário fazer levantamentos de dados primários individuais, modificando o escopo da análise. . Utilizou-se as informações sobre as atividades das ICTs ligadas à promoção do relacionamento com empresas, às suas políticas de inovação, à implantação de NITs, à proteção do conhecimento e à transferência de tecnologia.

Para finalizar o entendimento sobre os NITs e a identificação de facilitadores e obstáculos ao seu fortalecimento, foram utilizados na análise os resultados de cinco entrevistas realizadas entre 2014 e 2015 sobre a visão das parcerias, o funcionamento dos NITs, a atuação na interação e os contratos ativos com empresas. Os códigos utilizados para identificação dos entrevistados dizem respeito à ordem de realização das entrevistas. Estas foram feitas com coordenadores e agentes de inovação dos NITs de uma universidade estadual, três universidades federais e uma universidade privada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Todas as entrevistas foram presenciais, gravadas e baseadas em um roteiro com perguntas abertas. A realização da pesquisa de campo visa ampliar e aprofundar os conhecimentos de fatos recentes e complexos, conforme afirma Yin (2005)YIN, R. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman. 3ª. Ed., 2005..

2 MARCO POLÍTICO E INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA

2.1 POLÍTICAS INDUSTRIAIS E DE CT&I

A retomada das políticas industriais e de CT&I no início dos anos 2000, no Brasil, é realizada tendo a promoção do relacionamento universidade-empresa como um dos seus pilares. Este processo inicia-se com a promulgação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), em 2003, com foco na melhoria da eficiência produtiva, aumento da capacidade inovativa de empresas nacionais e expansão das exportações, sendo a interação universidade-empresa apontada como fundamental para o processo. Buscava-se estruturar um sistema nacional de inovação capaz de articular os agentes do processo de inovação do setor produtivo – as empresas, centros de pesquisa, instituições de fomento ao desenvolvimento tecnológico, de apoio à metrologia, PI, gestão tecnológica e do conhecimento e instituições de apoio à difusão tecnológica (BRASIL, 2003)BRASIL. MDIC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior. Brasília: MDIC, 2003..

No âmbito da PITCE, foi estabelecida uma política de C&T, o Programa de Aceleração do Crescimento de Ciência e Tecnologia (PAC de C&T), que reforça a importância da interação entre ICTs e empresas e detalha de forma mais estruturada as ações necessárias para sua promoção, em especial, gerando orientações e estímulos para as ICTs do sistema de C&T expandirem suas atividades com o sistema produtivo. Primeiramente, a formação e capacitação de recursos humanos para a área de CT&I foi incentivada, tendo como uma das metas estimular a parceria entre ICTs e empresas através do “Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES”. Posteriormente, houve a criação do “Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico, Tecnológico e de Inovação” com o fim de apoiar a geração de conhecimento por meio de incentivo à pesquisa básica, aplicada e ao desenvolvimento tecnológico de novos produtos e processos. Também foi determinada a criação de um instrumento para estimular a criação e as atividades dos grupos de pesquisa, o programa “CNPq – Programa de Pesquisa Tecnológica ou de Inovação para Pequenas Empresas”, que consistiu do lançamento de editais para realização de projetos de pesquisa em associação com pequenas empresas de base tecnológica. Foram apresentados programas setoriais cujas metas envolviam a promoção da interação entre ICTs e empresas (BRASIL, 2007BRASIL. MCTI. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional - Plano de Ação 2007-2010. Brasília: MCTI, 2007.).

Em 2008, foi lançada uma nova política industrial, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), responsável pela manutenção do ciclo expansivo que o Brasil vivia à época por meio da superação de quatro desafios: ampliação da capacidade de oferta, controle do balanço de pagamentos, elevação da capacidade inovativa e fortalecimento de micro e pequenas empresas. Essa política não faz menções à promoção das parcerias entre o setor produtivo e ICTs (BRASIL, 2008BRASIL. MDIC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Política de Desenvolvimento Produtivo. Brasília: MDIC, 2008.). Em 2011, uma nova política industrial é estabelecida, o Plano Brasil Maior (PBM), com o objetivo de apoiar o setor produtivo e melhorar sua competitividade de forma sustentável e inclusiva. A interação universidade-empresa é citada no “Plano Nacional de Plataformas de Conhecimento”, cujos objetivos determinados foram a promoção da solução de problemas técnicos por meio da obtenção de produtos ou processos inovadores que envolvam risco tecnológico; e incentivo à parceria entre ICTs e empresas. Esse plano foi desenvolvido em articulação com políticas específicas para CT&I previstas na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) (ABDI, 2016ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Plano Brasil Maior – Balanço Executivo 2 anos. Disponível em: http://www.abdi.com.br. Acesso em: 13 de set. 2016.
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).

A ENCTI, estabelecida em 2012, foi a política de CT&I com maior foco nas parcerias entre ICTs e empresas do ponto de vista da criação de programas e instrumentos de incentivo, como o programa para “Promoção da Inovação na Empresa”, que visava ampliar a participação empresarial no desenvolvimento inovativo e criar a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) com o objetivo ampliar parcerias entre ICTs e empresas para acelerar o desenvolvimento tecnológico. Foi também apontada a necessidade de reformar as universidades, uma tendência internacional balizada pelo aumento da colaboração interinstitucional, mas foi reforçado que, o fomento à pesquisa e o aumento da dotação orçamentária das ICTs, apesar de importantes, não levam ao resultado desejado se forem esforços isolados. Entre suas estratégias principais figurava também a consolidação dos NITs para a gestão da política de inovação nas ICTs.

Percebe-se, portanto, que a relação universidade-empresa vem sendo destaque nas políticas de CT&I, ficando no âmbito das políticas industriais somente o reconhecimento como uma atividade fundamental para o desenvolvimento industrial, tecnológico e inovativo do país. No entanto, esta sutil diferença sobre o âmbito da política que promove a interação reforça a ideia de que as parcerias entre universidades e empresas devem ser iniciadas e orientadas pela ICT. Esta lógica difere do entendimento da abordagem sistêmica da inovação, que entende a ICT como parceira da empresa no processo inovativo. Neste sentido, o ator central que busca os parceiros para o desenvolvimento da inovação, deve ser a empresa (LUNDVALL, 2002LUNDVALL, B.-Å. The university in the learning economy. DRUID Working Paper, n. 6, 2002.; MOWERY; SAMPAT, 2005)MOWERY, D, SAMPAT, B. Universities in National Innovation Systems. In: FARGERBERG, J. et al. (Ed.). The Oxford handbook of innovation. New York: Oxford University Press, 2005.

2.2 INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO DOS NITS

Após a obrigatoriedade de criação dos NITs definida na Lei de Inovação, foram criados mecanismos de financiamento a sua criação e estruturação. Na esfera federal, Finep e CNPq foram os principais apoiadores, e no âmbito regional, as FAPs dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais também se destacaram na criação de editais de apoio aos NITs das ICTs locais. Os detalhes destes editais são sistematizados no Quadro 1.

Quadro 1
Sistematização dos editais de apoio aos NITs (2006 a 2016)

O primeiro edital lançado pela FINEP, já em 2006, teve como objetivo selecionar propostas de apoio financeiro a projetos de criação e fortalecimento de NITs nas ICTs. O segundo, favorecido pela experiência anterior, apresenta algumas diferenças importantes. O edital, lançado em 2008, teve como objetivo selecionar propostas para apoio financeiro para capacitação dos NITs na gestão da política de inovação das ICTs e apoiar a promoção de eventos e iniciativas que difundam a inovação como instrumento para melhorar a competitividade. Diferente do primeiro, houve divisão dos projetos em linhas de modo a ter um tratamento diferenciado entre ICTs que pretendiam implantar um NIT e outras que já haviam passado dessa fase e buscavam consolidá-los. O segundo edital aumenta em R$ 3 milhões o valor total do edital de 2006 e muda os detalhes de itens financiáveis, conforme descrito no Quadro 3. Outro diferencial do edital de 2008 é a inclusão de passagens e diárias, representando o reconhecimento que a participação em eventos e reuniões é fundamental, o que é defendido principalmente do ponto de vista da capacitação de pessoal. Nota-se também que as bolsas foram mais especificadas, podendo ser usado um máximo de 40% do valor do projeto nas modalidades Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI); Iniciação Tecnológica e Industrial (ITI); e Especialista Visitante (EV), entendendo que tais bolsas são essenciais para a constituição dos NITs10 10 As bolsas continuam a ser importantes formas de atração de pessoal para os NITs, mas dado que são válidas durante o período de execução do projeto, acabam gerando grande rotatividade de pessoal. .

A chamada do CNPq, cinco anos após o segundo edital da Finep, apresenta um valor global de R$ 14.700.00,00, subdivido nas categorias de estruturação, consolidação e implantação e consolidação de arranjos de NITs, para ser executado em dois anos. As bolsas, nas modalidades DTI, EV e Apoio Técnico em Extensão no País, poderiam ter participação máxima de 50% do orçamento disponível. A ICT teria a obrigação de gastar no mínimo 20% dos recursos com capacitação.

A partir de 2012, foi possível identificar editais de apoio aos NITs nas FAPs estaduais. A FAPEMIG tem três editais (2013, 2014 e 2016), todos com estrutura distinta da dos entes federais, mas a mesma entre si. São pouco detalhados, com poucas especificações, não havendo diferenciação entre despesas correntes e capitais, consequentemente sem uma proporção a ser gasta com cada categoria, o que permite grande flexibilidade para os NITs usarem os recursos de acordo com suas necessidades. Os dois primeiros são iguais em toda a sua formulação, sendo o de 2014 apenas uma nova rodada de apoio financeiro para criação, estruturação, manutenção e capacitação das equipes dos NITs. Os valores globais são menores do que os federais, mas também incluem bolsas que auxiliam na formação das equipes – bolsas nas modalidades de Iniciação Científica e Tecnológica e Gestão em Ciência e Tecnologia e taxas de inscrição referentes às capacitações e a eventos realizados no Brasil para a área de Propriedade Intelectual e Inovação, importantes para capacitação das equipes.

Na FAPERJ, foram identificados quatro editais (2012, 2013, 2014 e 2016). Todos foram novas rodadas de financiamento do mesmo edital e parte do Programa de Apoio à Criação e Implementação de NIT no Estado do Rio de Janeiro. Os valores totais ficam em torno de R$ 1 milhão, mas exige-se uma proporção de gastos de 50% para custeio e 50% para capital, o que dificulta o aproveitamento dos recursos pelos NITs já criados e que precisam de apoio para sua estruturação e desenvolvimento. Permite-se pagamento de diárias e passagens, mas excluindo participação em reuniões científicas; um limitante para a capacitação da equipe. A diferença do edital de 2014 foi a concessão de uma bolsa de treinamento e capacitação técnica (TCT) não renovável e de até 12 meses e o fim da proporção de gastos entre custeio e capital.

O edital de 2016 já foi lançado com estrutura um pouco diferente, apesar de ainda ser o mesmo programa. O valor global foi de R$ 2 milhões com a divisão em três estágios de desenvolvimento dos NITs: em fase de projeto, em implantação e em operação ou rede de NITs. Os recursos são parcelados em duas vezes, com a segunda parcela a ser liberada um ano depois do início do projeto e condicionada à aprovação de um relatório técnico parcial. A forma de solicitação de bolsas também foi modificada. Cada projeto pode solicitar três bolsas TCT de forma explícita nas propostas, com planos de trabalho específicos, mas sem essas serem computadas no valor final do projeto. Mesmo com algumas flexibilidades incluídas, percebe-se uma diferença para a FAPEMIG, que publica editais abertos e mais flexíveis. A FAPERJ desenvolve modelos de editais semelhantes aos do CNPq do ponto de vista de especificidade, detalhamento e limitações de uso dos recursos.

Por fim, a FAPESP apresenta um programa voltado para inovação e que contempla a estruturação de NITs desde o ano 2000, portanto antes da obrigatoriedade estipulada pela Lei de Inovação. Este é chamado Programa de Apoio à Propriedade Intelectual e foi criado por conta da percepção da necessidade de proteger a PI e licenciar os direitos sobre os resultados de pesquisas financiadas pela FAPESP. Suas atividades são executadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia, que foi criado com o fim de apoiar o registro e licenciamento de direitos de PI.

É separado em duas modalidades: de capacitação e institucional. A primeira promove o apoio à melhoria do conhecimentos técnico-científicos dos NITs de São Paulo por meio do financiamento de estudos e intercâmbio em instituições estrangeiras com reconhecimento na área de transferência de tecnologia. Após essa primeira fase, os NITs poderão submeter projetos de pesquisa nas áreas de gestão, valoração e transferência de tecnologias. Na modalidade Institucional, ICTs de São Paulo recebem apoio através do registro e licenciamento de PI criado a partir dos resultados de pesquisas financiadas pela FAPESP. São Paulo apresenta, portanto, o instrumento de ação mais diferente em comparação aos outros estados e aos entes federais. O programa tem caráter contínuo, prevê um período prévio de capacitação de pessoal e, somente depois, de desenvolvimento de projetos sem estipulação de editais fixos determinando valores e/ou formas de utilização dos recursos.

3 CARACTERIZAÇÃO DOS NITs EM OPERAÇÃO NO BRASIL

A partir da promulgação da Lei de Inovação, cresce de forma estável o número de NITs no Brasil, tendo atingido 264 ao final de 2014. São maioria entre as instituições da esfera federal e públicas (Gráfico 1) e localizadas, principalmente, no Sudeste, Sul e Nordeste (Gráfico 2). Ainda assim, cerca de 10% das ICTs que respondem ao Formict não têm seus NITs instalados e cerca de 20% estão com os NITs em fase de implementação. Isto significa que mesmo passados 13 anos da implementação da Lei de Inovação, muitas ICTs ainda não conseguiram instalar seus NITs, implementar sua política de inovação e organizar-se no sentido da promoção da transferência de tecnologia e interação com o setor produtivo.

Gráfico 1
Número de NITs por natureza jurídica da instituição

Gráfico 2
Distribuição regional das ICTs respondentes

Os NITs ganham importância nas ICTs, mas sua estruturação ainda é difícil. Conforme mostra o Gráfico 3, o número de funcionários médio dos NITs é baixo (cerca de oito funcionários). Há maioria de servidores, mas a participação de bolsistas, estagiários e terceirizados também é grande, o que gera muita rotatividade e dificuldade de retenção de mão de obra qualificada. Nota-se também uma troca de tipo de vínculo da mão-de-obra entre estagiários e bolsistas a partir de 2010.

Gráfico 3
Média de pessoas trabalhando em NIT

É significativo o número de ICTs com suas políticas de inovação implementadas, que já chega a 200. As demais, estão com a implementação em curso ou ainda não foram implementadas. A política de inovação consiste em uma documentação institucional formal que contenha as diretrizes gerais para a atuação em ações ligadas à inovação, à proteção da PI11 11 Não há levantamento de dados sobre a evolução de pedidos de patentes de modo geral no Brasil, de modo que seria necessária a realização de uma pesquisa de maior proporção para conseguir esta informação. e à transferência de tecnologia. O fato de a grande maioria ter avançado neste item já demonstra a importante atuação dos NITs nestas ICTs, que são, desde 2004, por lei, os responsáveis pela gestão das políticas de inovação nas ICTs12 12 Ainda que a obrigatoriedade da implementação destas políticas só tenha sido introduzida na Lei 13.243 em 2016. .

Nota-se nos dados o destaque de certas atividades nas políticas de inovação das ICTs: desenvolvimento de projetos de cooperação com terceiros, confidencialidade e acordos de parcerias estão presentes em cerca de 90% dos casos. Ganharam importância durante os anos, com o aumento da incidência em um maior número de ICTs, as atividades de ensino em temas correlacionados à inovação, alianças estratégicas, contratos prevendo a titularidade da PI e participação nos resultados e prestação de serviços, passando de 70% para 80%.

Percebe-se, no entanto, que pouco mudou em termo do padrão de frequência de incidência das atividades mencionadas nas políticas de inovação das ICTs, a não ser pela atividade de compartilhamento de instalações, que teve um crescimento abrupto em 2011. É importante notar também que as atividades mais comuns estão relacionadas ao estabelecimento de parcerias com terceiros (empresas ou outras ICTs), e as atividades menos frequentes são as relacionadas aos pesquisadores/criadores.

A ampliação do estabelecimento dos NITs e das políticas de inovação nas ICTs muda o patamar e a dinâmica da gestão da PI, elevando também o número de Instituições com depósito de pedidos de proteção de PI13 13 Vale ressaltar a possibilidade de grande discrepância entre as ICTs no número de depósitos de patentes, podendo haver grande concentração em determinadas ICTs com maior cultura, tradição de proteção da PI e, possivelmente, melhor estruturação do NIT. A tese de Querido (2011) faz um levantamento entre 26 universidades e mostra a grande concentração de depósitos de patentes entre 1983 e 1997 da Universidade Estadual de Campinas (108) e a Universidade de São Paulo (90). A terceira é a Universidade Federal do Rio de Janeiro que tem 27 depósitos. . Eram 100 ICTs em 2010 e 161 em 2014 (60% da amostra), um crescimento de 61%. Cresce em 60% o número de ICTs que não possuem pedido de proteção, mas cresceu em 60% a amostra de ICTs respondentes do Formict, o que demonstra que o crescimento tanto das ICTs com e sem pedidos de PI está influenciado pelo crescimento da amostra. Se considerarmos que a Lei de Inovação foi introduzida em 2004, e que seu principal foco no que tange as diretrizes de atuação dos NITs é a de zelar pela proteção do conhecimento das ICTs, ainda é alto o número de ICTs que não possui pedido de proteção de PI.

Ressalta-se, porém, que o número de depósitos não é suficiente para a análise da capacidade de interação e transbordamento das ICTs. É importante considerar a capacidade de transferência de tecnologia14 14 O termo transferência de tecnologia é utilizado de forma abrangente, incluindo tanto contratos de licenciamento ou cessão de direitos de PI, acordos de parceria de pesquisa, desenvolvimento e inovação, acordos de transferência de material biológico, como contratos ou convênio de permissão de utilização de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e instalações por empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa (MCTI, 2007 a 2015). e, neste quesito, os resultados ainda são muito incipientes. Conforme apontado no Gráfico 4, a grande maioria das ICTs (216) respondeu não possuir contratos de transferência de tecnologia.

Gráfico 4
Possui Contratos de Transferência de Tecnologia?

Cresceu menos de 30%, entre 2010 (ano que a pergunta foi incluída no questionário) e 2014, o número em ICTs com contratos de transferência de tecnologia. Em 2014, estas ICTs representaram 22% (48) do total das ICTs da amostra (Gráfico 4).

Tais contratos renderam em média R$ 7 milhões de reais15 15 Valores nominais a cada ano. para cada ICT em 2014, dado o valor total de R$ 338,5 milhões, apresentado na Tabela 1. Estes valores tiveram um crescimento bastante significativo durante o período analisado, cerca de 68% em relação a 2007, quando o total foi de R$ 4,95 milhões. Em 2010, percebe-se uma mudança de patamar nos valores destes contratos, que alcançam R$ 500 milhões em 2012, com participação importante das outras formas16 16 Os contratos indicados como “outras formas” são aqueles que não envolvem tecnologia submetida a qualquer tipo de proteção. de transferência de tecnologia (84%), um resultado atípico em relação a todos os outros anos. Em relação aos contratos, os sem exclusividade historicamente apresentam valores mais elevados do que os com exclusividade. Contratos de tecnologia com exclusividade referem-se àquelas negociações em que a ICT não pode negociar a mesma tecnologia com outras empresas, enquanto que os sem exclusividade permitem negociação da tecnologia com mais de uma empresa.

Tabela 1
Distribuição, de acordo com a exclusividade, dos contratos de tecnologia em ICTs (em milhões de reais)

4 OS DESAFIOS DOS NITs NA FORMALIZAÇÃO DA INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA

Como forma de ampliar o entendimento do papel dos NITs na relação universidade-empresa, foram realizadas entrevistas com coordenadores e agentes de inovação de cinco NITs distribuídos entre as regiões Sudeste e Sul, as duas regiões com maior concentração de NITs, conforme os dados apresentados acima. Buscou-se variar a amostra em termos de natureza jurídica, incluindo ICTs públicas – federais e estaduais – e privadas. No entanto, nenhum padrão de características específicas foi identificado entre os tipos de natureza jurídica das ICTs. O que se pode perceber entre os NITs entrevistados são diferenças de características entre os mais antigos e mais recentes, ou seja, de acordo com seu tempo de funcionamento. Os NITs mais antigos estão mais estruturados, melhor inseridos na ICT, possuem maior número de pessoal e melhor capacitação.

A partir das evidências primárias identificadas na pesquisa de campo, foi possível levantar hipóteses sobre os resultados apresentados na seção 3, devido ao melhor entendimento e aprofundamento sobre a realidade e os desafios impostos aos NITs.

Todos os entrevistados acham importante a definição de criação dos NITs pela Lei de Inovação para o fortalecimento das parcerias entre ICTs e empresas. O forte crescimento do número de ICTs com NIT é, sem dúvida, um resultado da imposição da Lei, mas também do espraiamento do entendimento da importância da estruturação das ICTs para essas parcerias. Isto fica evidente ao ver-se o crescimento de NITs nas ICTs privadas (que não são obrigadas por Lei), nos dados do Formict, e na estruturação do NIT da ICT privada que participou da pesquisa de campo.

No entanto, os entrevistados ressaltaram que as dificuldades enfrentadas para o estabelecimento e funcionamento dos NITs ainda são enormes. O dado de que 30% das ICTs ainda estão sem o NIT estruturado ou em estruturação, reforça a posição dos entrevistados. A fala de um entrevistado é bastante representativa neste sentido, pois ressalta a dificuldade de entendimento das próprias ICTs da importância dos NITs:

Eu acho extremamente importante a criação dos NITs, porque, dentro do arcabouço da Lei de Inovação, precisava mesmo que tivesse uma estrutura diferenciada dentro das ICTs que pudesse fazer essa interface com a indústria. Agora, [...] só o fato de estar na Lei não é suficiente. Eu acho que a Lei foi um grande indutor, mas a gente ainda não conseguiu atingir um nível no Brasil de que os NITs sejam efetivamente considerados necessários dentro da instituição (NIT5_2015).

O fato dos NITs precisarem de financiamento externo para sua estruturação e funcionamento confirma que o entendimento da importância dos NITs dentro das ICTs ainda não é completo. Resultado também encontrado por Machado, Sartori e Crubellate (2017)MACHADO, H.; SARTORI, R.; CRUBELLATE, J.M. Institucionalização de núcleos de inovação tecnológica em instituições de ciência e tecnologia da região sul do Brasil. Revista Eletrônica de Administração, v. 23, n. 3, set./dez., p.5-31, 2017.. No entanto, não só dentro da ICT, mas também no governo, dentro dos Ministérios envolvidos (da Educação, da Ciência, Tecnologia e Inovação, e, principalmente, do Planejamento), que não abrem vagas de concurso para agentes de inovação nas ICTs públicas, e no Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação, que parou de realizar editais de apoio aos NITs nas suas agências, FINEP e CNPq, como mostrado na seção 2. Neste sentido, os NITs das ICTs privadas têm a vantagem de serem financiados pela própria instituição, quando esta resolve criá-lo. O fato de não haver obrigatoriedade nestes casos ajuda, pois a ICT que entende a importância do NIT vai criá-lo e apoiar seu funcionamento. No caso das ICTs públicas é diferente, pois não só os NITs são obrigatórios como estas instituições são extremamente heterogêneas dependendo, especialmente, da esfera à qual respondem e da região do país na qual estão localizadas.

No âmbito estadual, em especial de São Paulo, a situação é um pouco diferente, há possibilidade de concurso com vagas para especialistas para o NIT, por exemplo. Isto possivelmente ocorre pelo número de ICTs ser menor, permitindo assim uma proximidade maior entre o governo e a gestão da ICT que consegue apresentar suas necessidades de forma mais fácil. A seguir, as falas dos entrevistados, o primeiro de uma ICT federal e o segundo privada, corroboram as hipóteses levantadas acima.

[A Lei de Inovação] foi importante para criar [...] mas, junto com isso, tem que vir políticas e apoio para o NIT ser realmente o NIT. Não basta criar o NIT, ter três pessoas, e mesmo essas três pessoas, você não conseguir segurar no quadro, porque você não consegue contratar, você não consegue ter um concurso para a área. Fica muito no papel. Então, é importante, mas tem que funcionar de fato. Tem que ter infraestrutura, tem que ter políticas claras. (NIT1_2014)

O NIT aqui é todo mantido pela [ICT]. É claro que, quando têm editais, a gente sempre aplica. (NIT5_2015)

O tempo de criação parece ser um fator bastante positivo para uma melhor estruturação dos NITs. Isto também é verdade para o número de pessoas que nele trabalham. Apesar da média do Formict ser de oito pessoas trabalhando por NIT, sendo cerca de cinco servidores, quando olhados os dados dos NITs da pesquisa de campo percebe-se a imensa discrepância entre eles. Enquanto um NIT recém-criado tem dois funcionários, os mais antigos têm 62 e 8017 17 Neste caso, o entrevistado informou o número de funcionários do NIT e da incubadora que funcionam em conjunto. , conforme Tabela 2. Isto demonstra que casos específicos podem variar bastante em relação à média nacional apresentada no Formict, que acaba por não refletir as grandes diferenças de pessoal ocupado que ocorre entre as diversas ICTs. Os dados do Formict também subestimam a participação de bolsistas e estagiários. Nos NITs maiores e mais antigos que participaram da pesquisa de campo, o número de bolsistas e estagiários chega a ser maior do que de servidores ou funcionários. Estudos realizados por Querido (2011)QUERIDO, A. Destino das patentes das universidades brasileiras e mapeamento das atividades dos núcleos de inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal/Centro de Ciências da Saúde/UFRJ. (Tese de Doutorado), 2011. e Torkomian (2009)TORKOMIAN, A. L. V. Panorama dos Núcleos de Inovação Tecnológica no Brasil. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. p.21-37. também apontaram estes problemas de reduzido número de funcionário, ausência de política de vagas e grande número de estagiários.

Tabela 2
Pessoal dos NITs por categoria (2015)

Esta característica representa um dos principais obstáculos para o funcionamento dos NITs, que é a dificuldade de retenção de pessoal. Isto porque as bolsas disponíveis nos editais de financiamento das agências de fomento duram somente o período de execução do projeto (dois a três anos). Com o fim do recurso, e consequentemente da bolsa, o NIT perde aquele bolsista que foi treinado durante o período do projeto e somente após novo edital poderá contratar outra pessoa para fazer novamente o treinamento, e assim sucessivamente. Vale ressaltar que alguns dos serviços prestados pelos NITs, especialmente no que tange a proteção de conhecimento gerado nas ICTs, como a redação dos contratos e parceria e divisão da PI, por exemplo, são extremamente técnicos, o que torna a alta rotatividade muito prejudicial para a continuidade da prestação desses serviços. Além disso, o fato de haver grande utilização de mão de obra sem vínculo empregatício (frequentemente bolsistas) faz com que ofertas de emprego no mercado de trabalho sejam mais atrativas e aumentem ainda mais a alternância de pessoal. Esta rotina leva a uma rotatividade muito grande no quadro de pessoal dos NITs, o que gera a perda de competências internas e de criação de rotinas eficientes. Um entrevistado falou sobre a importância da capacitação do pessoal do NIT e o estabelecimento de processos para facilitar a interação.

Também é importante, por outro lado, que os NITs tenham pessoas qualificadas e que entendam também a realidade da empresa [...] porque não adianta nada você ter um NIT que não tem pessoa qualificada e que entenda, que você consiga falar. Cada vez mais você [precisa] ter processos ágeis e dinâmicos na universidade para facilitar essa interação (NIT1_2014).

Apesar das limitações, os editais de financiamento são importantes fontes de recursos para os NITs, iniciais ou não; as bolsas permitem a ampliação do quadro de pessoal, o apoio a eventos e a treinamentos ajuda na capacitação da equipe, e os recursos de capital possibilitam a estruturação dos escritórios. Resultado também encontrado em Torkomian (2009)TORKOMIAN, A. L. V. Panorama dos Núcleos de Inovação Tecnológica no Brasil. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. p.21-37.. Portanto, é prejudicial que Finep e CNPq não estejam mais abrindo editais para os NITs. Ultimamente, tais editais estão presentes somente nas FAPs, que acabam por oferecer recursos com valores mais baixos por projeto e, em geral, com maiores restrições para proporção de despesas de custeio e capital.

Apesar das dificuldades de estruturação, os NITs mostram-se extremamente importantes na gestão da PI das ICTs e importantes facilitadores da relação universidade-empresa, pois se apresentam como uma porta de entrada na ICT.

Um dos grandes avanços aí que a gente teve após a Lei de Inovação foi justamente a criação dos NITs porque anteriormente as empresas não tinham um ponto de contato dentro da universidade, um órgão especializado na matéria que gerisse a política de inovação para estar tendo esse contato. Tudo isso o NIT proporcionou tanto para a comunidade acadêmica, quanto também para o meio empresarial (NIT1_2014).

No entanto, apesar da parcela significativa de ICTs com políticas de inovação (mesmo antes da obrigatoriedade) e pedidos de proteção intelectual, o licenciamento das tecnologias ainda é limitado. Segundo um entrevistado, a própria Lei de Inovação não promove o licenciamento, só a proteção: “a Lei de Inovação só pensou na proteção, ela esqueceu de pensar no licenciamento também” (NIT3_2015). Somado a isso, há morosidade na alteração das práticas da Administração Pública, especialmente no que tange a avaliação de documentos relativos à interação com empresas pelas Procuradorias (Federais e Estaduais). No entanto, é importante notar ainda que o licenciamento não depende somente das ICTs, cuja organização certamente é importante, mas ele depende fortemente também da demanda de empresas inovadoras. O mesmo entrevistado falou sobre a baixa cultura inovativa das empresas brasileiras: “Entretanto, minha opinião, eu acho que apesar [dos editais para parcerias], [...] a questão [é] que essa cultura de inovação é incipiente nas empresas” (NIT1_2014). Esta característica das empresas brasileiras é um grande obstáculo às parcerias com ICTs, conforme apresentado por Rapini (2007)RAPINI, M. Interação Universidade-Empresa no Brasil: Evidências do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Estudos Econômicos, v. 37, n. 1, p. 211-233, 2007..

Outro obstáculo do relacionamento e da transferência de tecnologia ressaltado pelos entrevistados são as diferenças entre o mundo acadêmico e o empresarial, que ainda leva a grandes dificuldades apesar dos esforços dos NITs. Segundo um entrevistado, “Aquele empresário que consegue tirar/extrair, o que a universidade tem de melhor e entender como ela funciona, ele tem êxito. Então essa questão do profissional capacitado e que já teve contato com o mundo acadêmico é essencial” (NIT1_2014). O entrevistado ressalta a importância de a empresa conhecer o funcionamento do ambiente acadêmico. Por outro lado, um segundo entrevistado destaca as dificuldades dos profissionais do NIT conhecerem o ambiente empresarial e o mercado: “...a falta de pessoal técnico qualificado no NIT, a meu ver, esse é o principal. Sem esse básico, sem conhecer a tecnologia, a gente não tem como [levá-la] para o mercado” (NIT3_2015). Falta de competências e habilidades do pessoal dos NITs para tratar de transferência de tecnologia foi o segundo obstáculo identificado no estudo de Torkomian (2009)TORKOMIAN, A. L. V. Panorama dos Núcleos de Inovação Tecnológica no Brasil. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. p.21-37., ficando atrás somente dos problemas de contratação de pessoal. O que mostra que, após sete anos18 18 A pesquisa de Torkomian (2009) foi realizada entre 2007 e 2008 e a pesquisa de campo deste artigo entre 2014 e 2015. , os principais problemas dos NITs permanecem.

Reforça ainda mais estas diferenças, a imaturidade das tecnologias geradas pelas ICTs, pois estas tecnologias em geral não estão submetidas às etapas de prova de conceito e prototipagem. Isso afasta as empresas que, como já dito acima, têm baixa cultura inovadora, o que em geral está ligado a uma aversão a risco que desestimula a aceitação de tecnologias imaturas. Falta uma política de fomento orientada para a maturação das tecnologias ofertadas pelas ICTs, ou um melhor relacionamento dessas com o ambiente industrial para captação das necessidades do setor produtivo nacional.

CONCLUSÃO

A literatura internacional sobre a relação universidade-empresa mostra que a implementação nas ICTs de departamentos especializados na realização das parcerias são importantes promotores da aproximação entre o setor acadêmico e o empresarial. Conforme visto, no Brasil, buscou-se seguir esta tendência a partir do estabelecimento da obrigatoriedade dos NITs nas ICTs públicas, tendo várias ICTs privadas seguido a orientação.

Tal experiência traz aprendizados e contribuições interessantes a esta literatura. A partir da análise do caso brasileiro de implementação dos NITs (ou ETTs, como são chamados na literatura) é possível identificar alguns elementos relevantes à literatura da relação universidade-empresa: 1) o contexto local importa, ou seja, as características das ICTs, das empresas, das instituições, das políticas, etc., afetam a efetividade de criação e funcionamento destes atores intermediários; 2) o entendimento da ICT de que a interação com o setor empresarial é positivo é essencial para a boa estruturação e funcionamento dos NITs. Neste sentido, a política de cima para baixo (top down) enfrentará fortes limitações; 3) os funcionários dos NITs precisam, em grande parte, ser integrantes do quadro de funcionários das ICTs para evitar rotatividade e permitir a construção de maiores capacidades internas; 4) as regras de funcionamento e a estrutura das ICTs devem ser flexíveis o suficiente para não gerar obstáculos às interações e ao estabelecimento de contratos de parceria e licenciamento; 5) é positivo que o escopo da interação universidade-empresa e da atuação dos NITs não seja limitado à transferência de tecnologia por meio do licenciamento da propriedade intelectual, em especial, em países em desenvolvimento onde o avanço tecnológico, em geral, é mais atrasado, e as ICTs podem colaborar de forma mais ampla com as empresas.

Em síntese, como apresentado neste artigo, no Brasil, o relacionamento universidade-empresa entrou na pauta do governo juntamente com o tema da inovação como forma de viabilizar o desenvolvimento inovativo das empresas brasileiras a partir do forte sistema de C&T estabelecido no país. Dessa forma, o tema é incluído nas políticas industriais e de CT&I. O aparato político foi estabelecido e foram apresentadas alternativas de financiamento, mas as dificuldades de estabelecimento e funcionamento dos NITs permanecem.

Os dados mostram o crescimento em número de NITs e sua distribuição pelo país, e é relevante a ampliação de políticas de inovação das ICTs, mas é nítido também o baixo número de ICTs com contratos de transferência de tecnologia. Estes resultados demonstram que a Lei está sendo cumprida pelas ICTs ao criarem os seus NITs, mas os obstáculos ainda são enormes para que eles consigam desenvolver suas principais funções – gestão da PI e transferência de tecnologia da ICT. Vale notar aqui, que estes dados apresentam um entendimento restrito das parcerias universidade-empresa ao considerar somente os elementos de PI e transferência de tecnologia. Além de uma visão linear do processo inovativo, no qual o conhecimento é desenvolvido e transferido para às empresas para a geração de inovação. Pode-se argumentar então que outras atividades que não envolvem a PI e que estabelecem uma interação mais profícua entre ICTs e empresas poderiam estar sendo desenvolvidas, mas não contabilizadas por esta metodologia. Por exemplo, o estudo de D’Este e Patel (2007)D’ESTE, P., PATEL, P. University–industry linkages in the UK: what are the factors underlying the variety of interactions with industry? Research Policy, v. 36, p. 1295–1313, 2007. apresenta um mapeamento dos canais de interação, para além do licenciamento de tecnologia, mais importantes na relação entre universidades e empresas e concluíram que os mais frequentes eram reuniões e conferências, consultoria e contratos, desenvolvimento conjunto de projetos, treinamento e criação de novas infraestruturas, como spin-offs.

No caso brasileiro, quando ampliado o entendimento sobre estas atividades, os dados secundários disponíveis do Censo de 2016 do Diretório de Pesquisa do CNPq mostram que somente um terço dos 37.640 grupos de pesquisa do Censo de 2016 declaram interação com empresas (CNPq, 2017CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Súmula estatística 2016. Disponível em: www.lattes.cnpq.br. Acesso em: 06 out. 2017.
www.lattes.cnpq.br...
). Destaca-se, porém, que a pesquisa foi a principal atividade realizada em parceria e a transferência de tecnologia a quarta atividade em termos de número de grupos que realizaram a atividade.

Na pesquisa de campo de Machado, Sartori e Crubellate (2017MACHADO, H.; SARTORI, R.; CRUBELLATE, J.M. Institucionalização de núcleos de inovação tecnológica em instituições de ciência e tecnologia da região sul do Brasil. Revista Eletrônica de Administração, v. 23, n. 3, set./dez., p.5-31, 2017., p. 19) com NITs da região sul do Brasil, foi identificado que alguns NITs já vão além da gestão da PI no seu rol de atividades, promovendo também: assessoria para captação de recursos para pesquisa, desenvolvimento e inovação; coordenação de projetos de assessoria empresarial para indústrias; realização de eventos para capacitação de empreendedores; realização de eventos acadêmicos sobre inovação e propriedade intelectual, bem como premiação para projetos inovadores.

Neste sentido, apesar da interação ainda ser incipiente, é válida a reflexão sobre a avaliação e a atuação dos NITs focada na PI, que se mostra uma visão restrita do relacionamento universidade-empresa. Cabe destacar, porém, que a inclusão de novas atividades à atuação dos NITs deve vir combinada à destinação de recursos específicos que as viabilizem.

A origem dos obstáculos da relação universidade-empresa é variada, desde as características de investimento em inovação das empresas brasileiras até o funcionamento, regras e cultura das ICTs. No que tange o escopo deste artigo, ressalta-se que os editais em âmbito federal formam muito poucos (três) e espaçados no tempo (2006, 2008 e 2013). A partir de 2012 (sete anos após a regulamentação da Lei de Inovação), ganham frequência os editais no âmbito estadual (FAPERJ e FAPEMIG), aproximando-se da ação da FAPESP (desde 2000). Porém, em muitos casos, os valores por projetos eram bastante inferiores aos das chamadas em âmbito federal, reduzindo sua capacidade de resultados dada a pulverização de recursos. É frequente a presença das bolsas para contratação de pessoal, que apresenta um lado positivo pela possibilidade de complementação da equipe fixa dos NITs (que costuma ser pequena), mas tem também um lado negativo, pois gera muita rotatividade de pessoal e perda frequente de capacitação nos NITs. Em síntese, falta apoio financeiro para o estabelecimento, funcionamento e capacitação de pessoal dos NITs.

Certamente, os obstáculos ao relacionamento universidade-empresa vão muito além da atuação dos NITs. No entanto, é importante que as políticas e ações do governo para este fim atentem para o bom estabelecimento, estruturação e funcionamento dos NITs, pois eles podem ser atores de mudança dentro das ICTs e importantes facilitadores das parcerias, na divulgação da pesquisa das ICTs para a sociedade e na aproximação das empresas às ICTs.

Espera-se que a análise das políticas e dos dados com foco na relação universidade-empresa e atuação dos NITs, e as informações colhidas na pesquisa de campo, contribuam para o melhor entendimento e elaboração de ações de apoio à estruturação dos NITs e às parcerias entre o setor empresarial e acadêmico.

Vale ressaltar a importância do marco legal de criação e regulação do funcionamento dos NITs, em especial, a Lei de Inovação (Lei 10.973/2004) e o Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016) que não foram tratados de forma aprofundada neste artigo, visto que os dados do Formict e as entrevistas datam de antes da aprovação da nova Lei em 2016. Estes elementos deverão ser tratados em pesquisas futuras com dados e pesquisa de campo específica.

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  • SUTZ, J. The university-industry-government relations in Latin America. Research Policy, v. 29, n. 2, p. 279-290, 2000.
  • TORKOMIAN, A. L. V. Panorama dos Núcleos de Inovação Tecnológica no Brasil. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. p.21-37.
  • WELSH, R., GLENNA, L., LACY, W., BISCOTTI, D. Close enough but not too far: assessing the effects of university–industry research relationships and the rise of academic capitalism. Research Policy 37, p. 1854–1864, 2008.
  • YIN, R. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman. 3ª. Ed., 2005.
  • 5
    O Bayh-Dole Patent and Trademark Amendments Act permitiu que pesquisadores de pesquisas financiadas com recursos federais pudessem requisitar patentes para o resultado da pesquisa e receber licenças pelo uso destas patentes, incluindo licenças exclusivas.
  • 6
    O Stevenson-Wydler Technology Innovation Act determinou a criação de escritórios de transferência de tecnologia e a reserva de 0,05% do orçamento das pesquisas para atividades de transferência de tecnologia.
  • 7
    As universidades e institutos de pesquisa são reconhecidamente uma das principais fontes do capital intelectual e da propriedade intelectual (CARDOZO; ARDICHVILI; STRAUSS, 2011CARDOZO, R.; ARDICHVILI, A.; STRAUSS, A. Effectiveness of university technology transfer: An organizational population ecology view of a maturing supplier industry. Journal of Technology Transfer, v. 36, n. 2, p. 173-202, 2011.).
  • 8
    O MCTI foi fundido com o Ministério das Comunicações (MC) em 2016, sendo hoje o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). Como os dados são de antes de 2016, manteve-se no texto a sigla original.
  • 9
    Note que o questionário foi sendo modificado e ampliado durante os anos e, com isso, algumas respostas não compreendem todo o período mencionado, aparecendo apenas a partir do ano em que a nova pergunta foi inserida. Além disto, os dados disponíveis são agregados, não sendo possível realizar análise setorial. Para isto, seria necessário fazer levantamentos de dados primários individuais, modificando o escopo da análise.
  • 10
    As bolsas continuam a ser importantes formas de atração de pessoal para os NITs, mas dado que são válidas durante o período de execução do projeto, acabam gerando grande rotatividade de pessoal.
  • 11
    Não há levantamento de dados sobre a evolução de pedidos de patentes de modo geral no Brasil, de modo que seria necessária a realização de uma pesquisa de maior proporção para conseguir esta informação.
  • 12
    Ainda que a obrigatoriedade da implementação destas políticas só tenha sido introduzida na Lei 13.243 em 2016.
  • 13
    Vale ressaltar a possibilidade de grande discrepância entre as ICTs no número de depósitos de patentes, podendo haver grande concentração em determinadas ICTs com maior cultura, tradição de proteção da PI e, possivelmente, melhor estruturação do NIT. A tese de Querido (2011)QUERIDO, A. Destino das patentes das universidades brasileiras e mapeamento das atividades dos núcleos de inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal/Centro de Ciências da Saúde/UFRJ. (Tese de Doutorado), 2011. faz um levantamento entre 26 universidades e mostra a grande concentração de depósitos de patentes entre 1983 e 1997 da Universidade Estadual de Campinas (108) e a Universidade de São Paulo (90). A terceira é a Universidade Federal do Rio de Janeiro que tem 27 depósitos.
  • 14
    O termo transferência de tecnologia é utilizado de forma abrangente, incluindo tanto contratos de licenciamento ou cessão de direitos de PI, acordos de parceria de pesquisa, desenvolvimento e inovação, acordos de transferência de material biológico, como contratos ou convênio de permissão de utilização de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e instalações por empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa (MCTI, 2007 a 2015).
  • 15
    Valores nominais a cada ano.
  • 16
    Os contratos indicados como “outras formas” são aqueles que não envolvem tecnologia submetida a qualquer tipo de proteção.
  • 17
    Neste caso, o entrevistado informou o número de funcionários do NIT e da incubadora que funcionam em conjunto.
  • 18
    A pesquisa de Torkomian (2009)TORKOMIAN, A. L. V. Panorama dos Núcleos de Inovação Tecnológica no Brasil. In: SANTOS, M. E. R.; TOLEDO, P. T. M.; LOTUFO, R. A. (Orgs.). Transferência de Tecnologia: Estratégias para a estruturação e gestão de Núcleos de Inovação Tecnológica. Campinas: Komedi, 2009. p.21-37. foi realizada entre 2007 e 2008 e a pesquisa de campo deste artigo entre 2014 e 2015.
  • As autoras agradecem ao CNPq pelo financiamento da pesquisa (edital 41/2013) e ao assistente de pesquisa do GEI/IE/UFRJ e mestrando do PPED/IE/UFRJ, Eduardo Mercadante, pelo apoio na realização e transcrição das entrevistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2018
  • Aceito
    31 Jul 2018
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