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TRABALHO E SAÚDE NO SETOR BANCÁRIO: RESGATE DO PENSAMENTO CRÍTICO MARXISTA DA MEDICINA SOCIAL LATINO-AMERICANA

LABOUR AND HEALTH IN THE BANKING SECTOR: RETAKING THE MARXIST CRITICAL THINKING OF LATIN AMERICAN SOCIAL MEDICINE

TRABAJO Y SALUD EN EL SECTOR BANCÁRIO: RESCATE DEL PENSAMIENTO CRÍTICO MARXISTA DE LA MEDICINA SOCIAL LATINOAMERICANA

RESUMO

Objetivou-se analisar os elementos da determinação do processo de trabalho do setor financeiro brasileiro nas manifestações de saúde-doença dos seus trabalhadores e das suas trabalhadoras sob a reprodução ampliada do capital. O resgate do pensamento desenvolvido pela Medicina Social Latino-Americana (MSLA), particularmente o da Escola de Xochimilco, que agregou pesquisadoras e pesquisadores marxistas no debate da relação trabalho e saúde nas décadas de 1970 e 1980, permitiu analisar os dados quantitativos e qualitativos coletados na pesquisa. Entrevistas e análises documentais de relatórios foram utilizadas para identificar, nas funções do dinheiro no sistema capitalista, o germe do caráter adoecedor do setor. É dele que se desenvolve a necessidade da digitalização dos processos de trabalho, a consequente intensificação da gestão por metas e a constituição de cargas digitais. Concluímos que a luta pela saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras do setor bancário passa necessariamente por superar as condições concretas que sustentam o fetichismo do dinheiro.

Palavras-chave:
Saúde Coletiva Latino-Americana; Processo de Trabalho; Saúde do Trabalhador; Fetichismo do Dinheiro; Setor Financeiro

The objective was to analyze the determination elements of the work process in the Brazilian financial sector inside the manifestations of health-disease of its workers in the expanded reproduction of capital. The recovery of the Latin American Social Medicine (MSLA) thinking, specially developed by the so-called Xochimilco School, which brought together the Marxist debate about the relationship between work and health in the 1970s and 1980s, made it possible to analyze the quantitative and qualitative data collected in the research. Interviews with workers and analysis of reports were used to identify in the money functions for the capitalist system the germ of the unhealthy character in the sector. It is from these functions that comes the need of the work processes digitizations and its consequent management intensification by develops goals and digital loads. We conclude that the for the health of workers struggle in the banking sector necessarily involves overcome the concrete conditions that sustain the money fetishism of money.

Keywords:
Latin American Public Health; Work process; Worker's health; Money Fetishism; Financial sector


El objetivo fue analizar los elementos de la determinación del proceso de trabajo del sector financiero brasileño en las manifestaciones de salud-enfermedad de sus trabajadores bajo la reproducción ampliada del capital. La recuperación del pensamiento desarrollado por la Medicina Social Latinoamericana (MSLA), en particular el de la Escuela Xochimilco que reunió a investigadores marxistas sobre la relación entre trabajo y salud en las décadas de 1970 y 1980, permitió analizar los datos cuantitativos y cualitativos recogidos en la investigación. Se utilizaron entrevistas y análisis documental de informes para identificar en las funciones del dinero el germen del carácter enfermizo del sector. Es a partir de ellas que se desarrolla la necesidad de la digitalización de los procesos de trabajo, la consecuente intensificación de la gestión por objetivos y la constitución de cargas digitales. Concluimos que la lucha por la salud de los trabajadores del sector bancario pasa necesariamente por la superación de las condiciones concretas que sustentan el fetichismo del dinero.

Palabras clave:
Salud Pública Latinoamericana; Proceso de trabajo; Salud del trabajador; Fetichismo del dinero; Sector financiero


INTRODUÇÃO

As bases técnicas dos processos de trabalho têm sido revolucionadas segundo a necessidade do próprio processo de valorização, como já indicava Marx (2013)MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. A partir da década de 1970, a inserção das tecnologias eletrônicas no processo de produção-troca-circulação-consumo impulsionou a automatização de maquinários e mudanças na organização do processo de trabalho, impondo significativas alterações também no modo de consumo da força de trabalho e seu desgaste-reprodução, conforme demonstram os estudos desenvolvidos pela Medicina Social Latino-Americana (MSLA).

A conhecida Escola de Xochimilco, uma das vertentes da MSLA, formada por pesquisadoras e pesquisadores marxistas no Centro de Ciências em Saúde Coletiva da Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), do México, lançou as bases teórico-metodológicas para a produção de um conhecimento que demonstre as manifestações da saúdedoença como expressões de um padrão de desgaste da força de trabalho, determinado pela combinação entre as implicações dos elementos do processo de produção sobre as resistências e os enfrentamentos dos trabalhadores no bojo da luta de classes. Os estudos dessa escola têm como momento histórico o desenvolvimento do capitalismo no México das décadas de 1970 e 1980. Embora haja singularidades no caso mexicano e brasileiro, há também aproximações no que tange à inserção tardia no capitalismo mundial sob as bases de relações capitalistas4 4 A América Latina cumpriu papel de grande importância para a universalização do modo de produção capitalista. Primeiro como fornecedora de riqueza para os centros nascentes do capitalismo, tomando parte da assim chamada “acumulação primitiva”, por meio de uma produção baseada na escravização de pessoas; e depois, ao ingressar de forma subordinada no mercado mundial sob relações sociais tipicamente capitalistas. . A simbiose entre os distintos modelos de combinação dos elementos do processo de trabalho, segundo seus diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico submetidos ao capital, marca a história do Brasil e do México (LAURELL; NORIEGA, 1989LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.; OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.).

No Brasil, a atividade de serviço financeiro é o setor que mais tem investido em tecnologia, visando a digitalização dos processos de trabalho (MACIEL et al., 2021MACIEL, J. et al. O setor bancário brasileiro: Centralização de capitais e alterações na composição orgânica do capital. Novos Estudos - CEBRAP, v. 40, n. 1, p. 127–151, 2021.), e são vastos os estudos que tratam da relação entre trabalho e saúde dessa categoria profissional ocupada pelo capital financeiro, como os de Seligmann-Silva et al. (2010)SELIGMANN-SILVA, E. et al. O mundo contemporâneo do trabalho e a saúde mental do trabalhador. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 35, n. 122, p. 187–191, 2010., Pertali et al. (2015), Appio Frizon et al. (2020)APPIO FRIZON, J.; BRUM, F. F.; WELTER WENDT, G. Como o avanço tecnológico afeta o trabalho no setor bancário? Um estudo empírico. Caderno de Administração, v. 28, n. 1, p. 64–79, 1 set. 2020. e Moronte e Albuquerque (2021)MORONTE, E. A.; ALBUQUERQUE, G. S. C. DE. Organização do trabalho e adoecimento dos bancários: uma revisão de literatura. Saúde em Debate, v. 45, n. 128, p. 216–233, 2021.. A partir deles, compreendemos as manifestações imediatas do adoecimento, porém não há avanços significativos quanto à apreensão dos elementos determinantes do processo de trabalho que as produzem, tampouco foi demonstrada a relação necessária entre tal processo de trabalho adoecedor e a reprodução ampliada do capital.

Oliveira et al. (2021)OLIVEIRA, P. R. A. DE et al. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP): risco das sete atividades econômicas e condições incapacitantes mais frequentes, Brasil, 2000-2016. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 5, 2021. resgataram a concepção do instrumento Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário5 5 O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário é um instrumento previdenciário que utiliza o dimensionamento estatístico do diagnóstico individual dos acidentes e adoecimentos do trabalho na Classificação Nacional de Atividade (CNAE). Destaca-se que os dados apresentados podem estar subnotificados por se basearem em duas grandes bases de natureza previdenciária. para a análise estatística dos acidentes e adoecimentos envolvidos em todas as atividades econômicas discriminadas no Brasil entre os anos 2000 e 2016. Os dados apresentados corroboram a necessidade de perscrutarmos os elementos da determinação do processo de trabalho que fizeram com que os trabalhadores do setor financeiro tivessem, respectivamente, 2,1 e 3,56 vezes mais chances de desenvolverem transtornos de humor e transtornos neuróticos, manifestações de saúde mental; e 2,57 vezes mais chances de desenvolverem transtornos de tecidos moles, manifestações de acometimento no grupo das lesões por esforços repetitivos e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, do que os demais trabalhadores com vínculo ativo em outras atividades profissionais.

A análise das produções científicas das relações entre saúde e trabalho dos trabalhadores bancários realizada por Moronte e Albuquerque (2021)MORONTE, E. A.; ALBUQUERQUE, G. S. C. DE. Organização do trabalho e adoecimento dos bancários: uma revisão de literatura. Saúde em Debate, v. 45, n. 128, p. 216–233, 2021. identificaram, nos estudos de predominância transversal, significativas modificações do trabalho bancário nas últimas décadas pela incorporação de novas tecnologias. Para eles, a precarização e a intensificação do trabalho estão relacionadas ao que chamaram de “efeitos negativos” para a saúde dos trabalhadores, resumidas ao adoecimento do sistema musculoesquelético e ao sofrimento psíquico com abertura ao suicídio somada à elevada medicação utilizada por essa fração de trabalhadores. Apesar da robusta revisão integrativa da literatura, os autores reconheceram que o estudo da organização do trabalho na sua relação com o adoecimento dos bancários “encontrase insuficiente, exigindo maior investigação. Diversos fatores de risco são identificados, porém, sem o estabelecimento das relações de determinação que se estabelecem com a estrutura econômica da sociedade” (MORONTE; ALBUQUERQUE, 2021 p. 229MORONTE, E. A.; ALBUQUERQUE, G. S. C. DE. Organização do trabalho e adoecimento dos bancários: uma revisão de literatura. Saúde em Debate, v. 45, n. 128, p. 216–233, 2021.). Desta lacuna, advém a relevância de reassumirmos as experiências e as teorizações da produção compartilhada do conhecimento da Escola de Xochimilco e o reposicionamento da ciência na luta da classe trabalhadora pela sua saúde, em particular, neste estudo da fração bancária.

Perscrutar as novas combinações concretamente efetivadas nos processos de trabalho após a última revolução da base técnica de matriz digital, segundo as contribuições desta escola no bojo da saúde coletiva latino-americana é, portanto, o movimento necessário para apreender os padrões de desgaste-reprodução da força de trabalho, base material das manifestações de saúde-doença vivenciada pelos indivíduos trabalhadores e trabalhadoras segundo a divisão técnica do trabalho do setor financeiro. Neste estudo, objetivou-se analisar os elementos determinantes do processo de trabalho do setor financeiro brasileiro nas manifestações de saúde-doença dos seus trabalhadores e trabalhadoras na reprodução ampliada do capital.

Ainda que o setor financeiro não tenha sido alvo do trabalho de investigação da Escola de Xochimilco na luta pela saúde, não se ignora que o processo de produção é a unidade entre produção, circulação, troca e consumo (MARX, 2011MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.). Logo, todas as considerações realizadas pelas autoras sobre os modos de investigar os padrões de desgaste-reprodução dos trabalhadores empregados pelo capital produtivo, se estendem para as outras formas que o capital assume (comercial e financeiro) no processo de exploração da força de trabalho. Neste sentido, partindo da contribuição do pensamento de Asa Cristina Laurell, Margarita Márquez e Mariano Noriega6 6 Uma vez que são referenciadas um número maior de autoras neste estudo, utilizaremos a flexão de gênero no feminino para nos referirmos às pesquisadoras e aos pesquisadores dessa escola de forma genérica. (integrantes da Escola de Xochimilco) e do acúmulo marxiano sobre as relações capitalistas de produção, analisamos os dados coletados na pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Críticos Trabalho e Marxologia (Nec-TraMa7 7 Agradecemos às mestras Jéssica Alves e Bárbara Biondini, integrantes do TraMA, pela colaboração na coleta de dados e nas discussões realizadas no decorrer da pesquisa. ) nos últimos quatro anos.

As análises e sínteses apresentadas neste texto estão estruturadas de modo que, no próximo item, propomos reflexões sobre a teorização da Escola de Xochimilco, sustentando a possibilidade de as categorias apresentadas expressarem também o processo de adoecimento dos trabalhadores e das trabalhadoras do setor financeiro e comercial de base tecnológica, preponderantemente, digital. Apresentamos, em seguida, os procedimentos metodológicos que apreenderam as condições de trabalho no setor financeiro. A exposição das análises segue a orientação do materialismo histórico. Os resultados das investigações foram teorizados a partir da exposição das categorias mais simples em seu movimento de enriquecimento concreto. Por fim, oferecemos considerações sobre a contribuição deste pensamento crítico, sobre a saúde no capitalismo, para a organização e a luta dos trabalhadores em geral.

1 PROCESSO DE PRODUÇÃO E SAÚDE NO PENSAMENTO DA MEDICINA SOCIAL LATINO-AMERICANA: CONSIDERAÇÕES DA ESCOLA DE XOCHIMILCO

Na contramão do pensamento hegemônico no campo da saúde coletiva de viés, preponderantemente, epidemiológico, em especial dos estudos sobre a saúde e a segurança no trabalho de cariz positivista mono ou multicausal das doenças, as contribuições do grupo de pesquisadores da Escola de Xochimilco, Laurell (1982)LAURELL, A. C. La salud-enfermedad como proceso social. Cuadernos Médicos Sociales, v. 19, p. 1–11, 1982., Laurell e Márquez (1983)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983., Laurell (1989)LAURELL, A. C. La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Primera parte. Em: LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. (Eds.). La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Colección Problemas de México. 1a ed ed. México, D.F: Ediciones Era, p. 11–94, 1989. e Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.8 8 O trabalho de Laurell e Noriega foi publicado em 1989 no México sob o título La salud em la Fábrica e no Brasil com o título “Processo de Produção e Saúde: trabalho e desgaste operário”. A edição mexicana está dividida em duas partes. A primeira parte é assinada apenas por Laurell; e a segunda, por ambos autores. No Brasil, a distinção de autoria não foi mantida pela editora. Para sermos fiéis a contribuição deles, citaremos no corpo deste texto a versão em espanhol, atribuindo a devida autoria. Nas notas de rodapé, transcreveremos a citação traduzida utilizando a versão brasileira e referenciando ambos autores. , colocam no centro das investigações sobre a situação de saúde do trabalhador e da trabalhadora a apreensão dos elementos concretos que conformam a determinação do processo saúde e doença, bem como sobre as formas de resistência e enfrentamento dos trabalhadores em defesa de sua saúde.

Segundo as autoras, a saúde e a doença são categorias sociais e históricas cujas manifestações respondem ao grau de desenvolvimento das forças produtivas e das formas de organização da sociedade. Assumindo o materialismo histórico, Laurell e Noriega (1989, p. 103)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. demonstram o processo de trabalho como categoria importante para o estudo e intervenção sobre a expressão do processo de produção capitalista na corporeidade humana. Defendem o objeto nexo biopsíquico, em inquestionável ruptura com o propósito médico centrado na doença, para a identificação da “Historicidad de los procesos biopsíquicos humanos” (LAURELL, 1989, p. 66LAURELL, A. C. La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Primera parte. Em: LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. (Eds.). La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Colección Problemas de México. 1a ed ed. México, D.F: Ediciones Era, p. 11–94, 1989.)9 9 “historicidade dos processos biológicos e psíquicos humanos” (LAURELL; NORIEGA 1989, p. 100). , em correspondência às formas específicas sob as quais se dá a relação entre o humano e a natureza e os movimentos de classe que moldam as relações sociais.

A afirmação das autoras parte da observação da realidade da produção capitalista mexicana e das contribuições realizadas por Marx (2009)MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução: Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.. Nos “Manuscritos econômicosfilosóficos”, o autor demonstra que é na relação prática do humano com a natureza externa a ele que se desenvolvem as capacidades físicas e espirituais (psíquicas) do seu gênero. O ser humano se apropria do objeto externo e pela prática modifica-o segundo uma intencionalidade que é expressão de sua subjetividade, formada por meio de práticas já vivenciadas. Nesse processo, modifica-se também enquanto sujeito da prática. O gênero humano, pela atividade sensível, modifica seus cinco sentidos e também seus sentidos práticos, como o amor, os desejos etc. A constituição histórica do corpo humano humanizado (objetividade biológica-psíquica), portanto, tem suas raízes no processo de trabalho enquanto atividade de autorreprodução humana; processo de trabalho como fator da humanização do ser humano.

Ao trazer a categoria nexo biopsíquico como resultado do metabolismo social na corporeidade humana (LAUREL, 1989; LAURELL; NORIEGA, 1989LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.), as pesquisadoras da Escola de Xochimilco, além de identificarem a raiz dos processos saúde-doença nas condições dos processos de trabalho e superar a cisão clássica da ciência moderna entre corpo e mente assumidas pelas ciências médicas, demonstram a subsunção do biológico ao social “Lo que es lo mismo, a la produción social de las formas biológicas humanas10 10 “ou a produção social das formas biológicas humanas.” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 102). (LAUREL, 1989, p. 67). Na esteira do pensamento marxiano, a autora destaca que o processo de trabalho possui particularidades históricas, estando nelas os elementos que determinam as constituições dos nexos biopsíquicos, segundo o que denominam de processos de adaptação, “Clave para entender la historicidad de la biología humana.”11 11 “chave para se entender a historicidade da biologia humana” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 101). (LAUREL, 1989, p. 66). Mas, adverte que adaptação é

[…] lo que esta involucrado es la capacidad del cuerpo responder con plasticidad antes sus condiciones específicas de desarrollo, lo que se traduce em cambios específicos em los procesos corporales que se expresan como formas biológicas características […] muchos de los procesos de adaptación no sólo significan la sobrevivencia em condiciones corporales precarias, sino que, incluso, pueden convertirse em su contrario, o sea, en destructores de la integridad corporal. (LAURELL , 1989, p. 66-67LAURELL, A. C. La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Primera parte. Em: LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. (Eds.). La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Colección Problemas de México. 1a ed ed. México, D.F: Ediciones Era, p. 11–94, 1989.)12 12 “[…] capacidade do corpo de responder com plasticidade diante de suas condições específicas de desenvolvimento, o que se traduz em mudanças específicas nos processos corporais, que se expressam como formas biológicas características. […] Muitos dos processos de adaptação não somente significam a sobrevivência em condições corporais precárias, como também, até, podem se converter em seu contrário, ou seja, em destruidores da integridade corporal” (LAURELL: NORIEGA, 1989, p. 10).

Assim, estudar a saúde-doença que se desenvolve nos grupos humanos demanda investigar a concretude dos processos de trabalho segundo suas particularidades históricas. Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. e Laurell e Márquez (1983)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983. colocam em foco a particularidade do processo de trabalho enquanto meio de processo de valorização ou, em outras palavras, a extração de mais-valor (MARX, 2013MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.).

Como apresentado por Marx, os elementos do processo de trabalho estão distribuídos na sociedade capitalista de tal modo que formam a base material da constituição das classes, ou seja: por um lado, um grupo social proprietário dos meios de produção e das matérias-primas; por outro, indivíduos apartados dos meios de produção e dos meios de subsistência, tendo, portanto, que apresentar no mundo das trocas a sua capacidade de trabalho enquanto mercadoria e força de trabalho. E “assim que, por meio de sua venda, a força de trabalho é posta em contato com os meios de produção, ela se transforma numa parte constitutiva do capital […] de seu comprador, tanto quanto os meios de produção” (MARX, 2014, p. 113MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro II. O processo de circulação do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014.).

O processo de trabalho é ao mesmo tempo um processo de valorização que se manifesta em seu caráter técnico, social e econômico, uma vez que não se trata apenas de identificar qual é o objeto de trabalho, mas em que condições esse objeto se torna matéria-prima. ou de reconhecer os meios de trabalho como produto de um desenvolvimento técnico-científico resultante da luta de classes que constitui uma ciência para o capital. E, nas palavras de Laurell e Márquez (1983, p. 17)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983. “O consumo da força de trabalho ao realizar o trabalho, sintetiza as características do objeto, dos instrumentos e uma determinada correlação de força entre capital e trabalho, e se expressa sob formas concretas de desgaste do trabalhador”.13 13 “El consumo de la fuerza de trabajo al realizarse el trabajo, finalmente, sintetiza las características del objeto, de los instrumentos y una determinada correlación de fuerza entre capital y trabajo, y se expresa bajo formas concretas de desgastes obreros” (LAURELL e MÁRQUEZ, 1983, p. 17).

Assim, a forma em que os elementos do processo de trabalho estão combinados nos processos singulares de produção na interação com a corporeidade do trabalhador e da trabalhadora moldam as cargas de trabalho.

La categoría 'carga laboral' pretende lograr una conceptualización más precisa de lo que hemos consignado hasta ahora con la prenoción de 'condiciones ambientales' em lo que se refiere al proceso laboral. De esta manera busca resaltar em el análisis del proceso laboral a los elementos de éste que interactúan dinámicamente entre sí y con el cuerpo obrero, generando aquellos procesos de adaptación que se traducen em desgaste, entendido como pérdida de la capacidad corporal y psíquica potencial y/o efectiva. Es decir, el concepto de carga posibilita un análisis del proceso laboral que extrae y sintetiza los elementos que determinan importantemente el nexo biopsíquico de la colectividad obrera y le confieren a ésta un modo histórico específico de 'andar por la vida'.14 14 A categoria “carga de trabalho” pretende alcançar uma conceituação mais precisa do que temos consignado até o momento com a pré-noção de “condições ambientais” no que diz respeito ao processo de trabalho. Dessa forma busca-se ressaltar na análise do processo de trabalho os elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador, gerando aqueles processos de adaptação que se traduzem em desgaste, entendido como perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica. Vale dizer, o conceito de carga possibilita uma análise do processo de trabalho que extrai e sintetiza os elementos que determinam de modo importante o nexo biopsíquico da coletividade operária e confere a esta um modo histórico de “andar na vida” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 110). (LAURELL, 1989, p. 73LAURELL, A. C. La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Primera parte. Em: LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. (Eds.). La salud en la fábrica: estudio sobre la industria siderúrgica en México. Colección Problemas de México. 1a ed ed. México, D.F: Ediciones Era, p. 11–94, 1989.)

Para a Escola de Xochimilco, o estudo das manifestações de saúde-doença na classe trabalhadora deve perscrutar o desenvolvimento das forças produtivas, envolver as mudanças na base técnica dos meios de produção, na organização dos processos de trabalho e nas relações de trabalho, pois essas impõem os modos de consumo da força de trabalho.

As bases técnicas do processo de trabalho são constantemente revolucionadas, segundo uma necessidade do próprio processo de valorização, como já indicava Marx (2013)MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. A inserção das tecnologias digitais no processo produtivo impulsionou a automatização impondo alterações no modo de consumo da força de trabalho. O caso dos trabalhadores por aplicativos e dos processos de trabalho cuja gestão vale-se de softwares de controle instalados em smartphones são particularidades do processo de produção hodierno nas quais a interação dos trabalhadores e trabalhadoras com as maquinarias digitais tende a constituir também alterações nos padrões de desgastes. Isso ocorre tanto por expandir os limites de espaço-tempo do processo de trabalho antes impostos pelas tecnologias analógicas quanto por expor o corpo do trabalhador e da trabalhadora às ondas luminosas, que trazem consequência para a qualidade do sono, e também às ondas eletromagnéticas, cujos danos em longo prazo ainda não são totalmente conhecidos. Como apontam Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. a interação entre os elementos do processo de trabalho constituem as cargas de trabalho e, nesse caso, as alterações da base técnica apontam para a existência das cargas digitais que se somam às cargas já encontradas nos estudos dos autores. O movimento de exploração da força de trabalho constitui o nexo biopsíquico às suas intencionalidades de consumo máximo dessa mercadoria para a produção e realização do mais-valor, exigindo da classe trabalhadora distintas formas de adaptação, cujos movimentos de resistência e enfrentamento conformam também os padrões de desgaste.

Os diferentes processos de adaptação do nexo biopsíquico humano não ocorrem apartados dos movimentos da classe trabalhadora na conjuntura da sua exploração. Daí que a luta de classes se estabelece como elemento determinante do nexo biopsíquico humano na ordem do capital – na medida em que as amálgamas do capital podem ser cindidas pelos movimentos organizados da classe trabalhadora – e dos limites dos padrões de desgaste da força de trabalho – a ponto de a classe trabalhadora anular as implicações dos elementos do processo de trabalho sobre a sua capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica.

Nas palavras de Laurell e Márquez (1983, p. 16)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.:

El proceso laboral, así, no es más que un medio del proceso de valorización del capital, que le impone su lógica. Estudiar el proceso laboral, entonces, equivale a descubrir bajo qué formas concretas el capital consigue extraer y maximizar la plusvalía. Este problema está indisolublemente ligado a la lucha de clases, dado que el capitalista no sólo persigue valorizar su capital sino que está obligado a hacerlo de cara a la resistencia obrera. (LAURELL; MÁRQUEZ, 1983, p. 16LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.)15 15 O processo de trabalho, assim, não é mais do que um meio do processo de valorização do capital, que o impõe uma lógica. Estudar o processo de trabalho, então, equivale a descobrir sob que formas concretas o capital consegue extrair e maximizar o mais-valor. Este problema está indissoluvelmente ligado à luta de classes, dado que o capitalista não somente persegue valorizar seu capital como também está obrigado a fazê-lo enfrentando a resistência operária (LAURELL; MÁRQUEZ, 1983, p. 16).

Essa apreensão da Escola de Xochimilco emergiu dos estudos da economia mexicana, nos idos anos de 1980. As autoras identificaram as combinações dos elementos do processo de trabalho que compunham a matriz produtiva do país e, rechaçaram a ideia da existência de uma dualidade entre moderno-atrasado que preponderava no pensamento econômico latino-americano em meados do século passado. Afirmaram elas que o desenvolvimento econômico do México estava determinado pela coexistência simbiótica de setores econômicos marcadamente sustentados em processos produtivos que combinam a cooperação simples e manufatura – onde há o predomínio da extração do mais-valor absoluto –, e de setores produtivos sustentados em processos de trabalho caracterizados pelo maquinismo simples, pelo taylorismo-fordismo com sua automatização de fluxo contínuo (de transformação físicoquímica) e de autonomização discreta (de transformação mecânica). Neste último grupo, há o predomínio da extração de mais-valor relativo.

Mas a identificação destas diferentes formas de combinação dos elementos do trabalho, determinadas pela própria base tecnológica, teve como objetivo desnudar em que condições ocorria o desgaste da classe trabalhadora e como o padrão de desgaste emergia destas condições. E é nesse sentido que as autoras indicaram um conjunto de elementos a serem observados pelos estudiosos interessados em compreender as manifestações de saúde-doença, a saber: extensão da jornada de trabalho, ritmo de trabalho, autonomia no processo de trabalho, monotonia da tarefa, qualificação da força de trabalho, divisão do trabalho, salário e formas de controle (LAURELL; MARQUÉZ, 1983LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.). Neste estudo, a combinação desses elementos permitiu que as autoras cercassem a determinação das condições em que a classe trabalhadora se reproduzia, chamando, assim, a atenção para a existência de um processo de estabelecimento de padrões de desgaste-reprodução de classe.

As autoras advertem que aqueles elementos não esgotam os aspectos a serem observados nos dias atuais. Ao contrário, é na investigação dos processos de trabalho em sua concretude que se revelarão estes e outros elementos que determinam os padrões de desgastereprodução dos respectivos estratos da classe trabalhadora. Ademais, não se trata apenas de identificar o modo de existência de cada um desses elementos, mas de apreender como a interação entre eles compõem as cargas de trabalho em movimento permanente para sustentar um nexo biopsíquico da força de trabalho em resistência à ordem do capital.

Brevemente, sob o ponto de vista metodológico, Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. destacam que um dos passos necessários é a identificação com os trabalhadores das cargas de trabalho em seus tipos específicos. As cargas físicas, químicas, biológicas e mecânicas sintetizam a mediação entre elementos do processo de trabalho externos sujeitas ao trabalhador; já as fisiológicas e psíquicas só ganham materialidade no e por meio do corpo do trabalhador. Por adquirirem materialidade nos processos corporais transformados, as cargas fisiológicas podem ser observadas, por exemplo, em posições de trabalho pouco ergonômicas ou no trabalho por turnos, que se manifestam na corporeidade dos trabalhadores por meio de dores de coluna ou distúrbios do sono. Já as cargas psíquicas, podem ser exemplificadas em estratégias gerenciais que envolvem cobrança excessiva, pressão psicológica, monotonia ou no questionamento acerca das tarefas realizadas, que se manifestam na corporeidade como sofrimento psíquico (estresse, ansiedade…). Ademais, as cargas, conforme Laurell e Márquez (1983)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983., podem se manifestar como sobrecarga ou como uma subcarga no corpo do trabalhador, tendo em vista que a divisão técnica do trabalho tende a atrofiar determinadas qualidades humanas. Na palavra das autoras:

O fracionamento do processo de trabalho, a desqualificação do trabalhador, a perda do controle sobre o trabalho são os elementos substanciais da subcarga qualitativa, que se completa com a sobrecarga quantitativa. Esta guarda relação estreita com os ritmos do trabalho, que dado uma determinada maquinaria, determinam o volume da produção. Os mecanismos concretos para incrementá-los variam de processo a processo. (LAURELL; MÁRQUEZ, 1983, p. 111LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.)

Outro movimento importante no processo de investigação é encontrar a lógica de interação entre as cargas no solo do processo de trabalho enquanto processo de produção de valorização do valor que determina, então, a perda da capacidade efetiva e/ou potencial da força de trabalho, ou seja, o processo de desgaste e como este se expressa em seu nexo biopsíquico.

Ainda, as reflexões teóricas da Escola de Xochimilco não se encontram apartadas de uma proposta metodológica que convoca pesquisadores e pesquisadoras a produzirem conhecimento com os trabalhadores e as trabalhadoras e para a classe trabalhadora. Os diferentes instrumentos de pesquisa são acionados pelos grupos de investigação – compostos por trabalhadores das categorias profissionais pesquisadas e trabalhadores da ciência – a fim de reunir informações sobre as realidades dos processos de trabalho e de reprodução da força de trabalho, com o objetivo de reconhecer as ofensivas do capital e as possibilidades de resistência da classe trabalhadora em defesa da saúde enquanto um aspecto inegociável da vida.

Afinal, como nos lembra Marx (2013)MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

[… ] o capital não tem, por isso, a mínima consideração pela saúde e duração da vida do trabalhador, a menos que seja forçado pela sociedade a ter essa consideração. Às queixas sobre a degradação física e mental, a morte prematura, a tortura do sobretrabalho, ele responde: deveria esse martírio nos martirizar, ele que aumenta nosso gozo (o lucro)? (MARX, 2013, p. 342MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.)

Em nível individual, a resistência se manifesta de múltiplas formas, mas em última instância, é apenas uma luta – nem sempre vencida, como veremos expressos no número de afastamentos do trabalho – para que a perda da capacidade biopsíquica não alcance o ponto de impossibilitar a venda da força de trabalho do indivíduo; enquanto, em coletividade, o enfrentamento pode assumir formas que vão desde reivindicações que freiam o desgaste até a intencionalidade da superação da contradição capital-trabalho, isto é, a intenção de colocar o processo de trabalho como meio de desenvolvimento das capacidades humanas, e não como meio de deteriorá-las em nome do desenvolvimento da acumulação privada da riqueza socialmente produzida que caracteriza a sociabilidade capitalista. É nesse sentido que Laurell e Márquez (1983)LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983. reafirmam que os padrões de desgastes são explicados pela heterogeneidade tecnológica – combinação entre os diferentes elementos do processo de trabalho segundo suas diferentes complexidades – como estratégia para exploração da força de trabalho, mas também pelo contexto político e social permeado pela luta dos trabalhadores e das trabalhadoras pela sua saúde, sobretudo quanto a potência da organização sindical enquanto instrumento revolucionário ou reformista e para o papel do Estado enquanto agente facilitador do avanço do capital. O contexto social, por sua vez, refere-se a aspectos pouco tratados pela Escola de Xochimilco, ainda que por ela reconhecidos, uma vez que estão diretamente relacionados com as questões da reprodução da força de trabalho.

Como já exposto, as manifestações de saúde-doença da e na classe trabalhadora são apreendidas pelo estudo dos padrões de desgaste-reprodução que ela manifesta. A Escola de Xochimilco construiu com trabalhadores e trabalhadoras organizados imprescindível teorização acerca da determinação do capital no processo saúde e doença de coletividades a partir da identificação dos padrões de desgaste, porém muito ainda é necessário realizar no entendimento sobre os padrões de reprodução. Para isso, perscrutar os chamados aspectos sociais é fundamental, pois eles são expressões das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras no momento em que não estão tendo sua força de trabalho consumida pelo capital, em outras palavras, nos momentos em que estão livres para se produzirem enquanto proprietários de força de trabalho.

Isso implica estudar, vis-à-vis ao estudo do processo de trabalho, a dinâmica dos grupos de indivíduos que compartilham o cotidiano (chamada de um modo geral de família) e as condições de moradia, de alimentação, de acesso ao lazer, de deslocamento… pois, não há de se duvidar que, por exemplo, o padrão de reposição da energia física-psíquica de mulheres ocupadas com a tripla jornada é distinta do padrão de reposição da energia física-psíquica dos homens desresponsabilizados socialmente das tarefas domésticas. Bechara-Maxta (2019)BECHARA-MAXTA, B. S. Processo de produção, trabalho e saúde. Anais I Encontro Inovação na Organização do Trabalho e Estudos Organizacionais. Governador Valadares: Sociedade Brasileira de Estudos Organizacionais, 2019. indica que atentar para o desgaste-reprodução enquanto categoria que expressa elementos envolvidos na constituição do nexo biopsíquico da classe trabalhadora é uma tarefa colocada para os estudiosos da saúde do trabalhador. Sobretudo, quando o desenvolvimento das forças produtivas escancara a existência de novas recombinações dos elementos do trabalho a partir de uma base tecnológica que tem criado as condições para recolocar a preponderância da extração de mais-valor absoluto, não nos termos de um retrocesso à cooperação simples, mas sobre as bases de um processo de produção cujo momento de avanço é dado pela extração de mais-valor relativo.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

A pesquisa desenvolvida pelo grupo de pesquisa Nec-Trama se apresenta como uma primeira etapa para tal reposicionamento. Ela seguiu os preceitos do materialismo histórico na apreensão do objeto de investigação em sua totalidade. Tais princípios são também compartilhados com a Escola de Xochimilco, que alerta para a necessidade de apreender do processo imediato de trabalho as suas particularidades, porém, sem apartá-lo do movimento geral de valorização do valor e da luta de classe que a ele subjaz.

Torna-se fundamental, nesse sentido, conforme sinalizado por Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989., o primeiro passo da investigação, que corresponde à decomposição e agrupamento das cargas de trabalho sob os elementos particulares dos processos de trabalho bancário, seguido do exercício analítico que consiste na reconstrução das cargas de trabalho por meio da análise da interação entre elas no marco das resistências dos trabalhadores e das trabalhadoras. A análise das cargas de trabalho nos permite investigar o desgaste da força de trabalho para reconstruir uma representação coerente da relação entre o nexo biopsíquico e o processo de produção capitalista. A apreensão destas categorias com os trabalhadores do setor nos permite chegar mais próximo da compreensão do movimento entre os múltiplos elementos presentes na realidade concreta do trabalho, a exemplo das alterações permanentes dos processos de trabalho bancário sob a organização e a resistência contraofensiva dos trabalhadores, que, então, determinam as manifestações da situação de saúde no setor. Os acidentes, os adoecimentos e as mortes são as situações aparentes colocadas à saúde da intensidade do capital na exploração da força de trabalho nos movimentos das lutas de classe (LAURELL; NORIEGA, 1989LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).

Neste processo de investigação, nos aproximamos de dois trabalhadores e de duas trabalhadoras (E1, E2, E3, E4), com experiência em distintos bancos, visando apreender as singularidades e as particularidades dos seus respectivos processos de trabalho. Por meio de entrevistas semiestruturadas, dialogamos sobre os modos de consumo da força de trabalho e os aspectos quantitativos e qualitativos das cargas de trabalho e como se manifesta o desgaste pela experiência dos trabalhadores. Destes, dois possuíam vínculo ativo e dois estavam em afastamento devido ao adoecimento no trabalho. Todos os entrevistados tinham mais de quatro anos de experiência no setor. Cabe destacar que a pesquisadora que realizou as entrevistas também é trabalhadora bancária, com mais de cinco anos de experiência, o que possibilitou aprofundar o diálogo, explorando elementos para além das primeiras respostas a cada uma das questões do roteiro.

Utilizou-se de pesquisa documental para identificar dados e informações acerca da incorporação de novos meios e da organização para a realização do trabalho em si. Em linhas gerais, os relatórios provenientes do Banco Central do Brasil (2019)BANCO CENTRAL DO BRASIL. Quantidade de correspondentes do segmento bancário no Brasil. Departamento de Promoção da Cidadania Financeira, 2022. Disponível em: <https://dadosabertos.bcb.gov.br/dataset/activity/24945-quantidade-de-correspondentes-do-segmento-bancario-no-brasil>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://dadosabertos.bcb.gov.br/dataset/...
apresentam dados sobre a evolução anual do sistema financeiro, a composição de ativos do setor, de controle de capital, sua carteira de clientes e dados cadastrais. A pesquisa recente da Federação Brasileira de Bancos (2021)FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS. Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária. Comitê de Inovação e Tecnologia da FEBRABAN, 2021. Disponível em: <https://portal.febraban.org.br/pagina/3106/48/pt-br/pesquisa>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://portal.febraban.org.br/pagina/31...
ofereceu aspectos das tecnologias aplicadas pelo setor. Também foram utilizados dados econômicos e financeiros divulgados pelas próprias instituições bancárias (BANCO DO BRASIL, 2019BANCO DO BRASIL. Central de resultados. 2019. Disponível em: <https://ri.bb.com.br/informacoes-financeiras/central-de-resultados>. Acesso em: Acesso em: 5 mai. 2019.
https://ri.bb.com.br/informacoes-finance...
; FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS, 2019; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2019CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Central de resultados. 2019. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/relacoes-com-investidores/central-resultados/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 5 mai. 2019.
http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/re...
; ITAÚ UNIBANCO, 2019ITAÚ UNIBANCO. Central de resultados. 2019. Disponível em: <https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/resultados-e-relatorios/central-de-resultados/>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://www.itau.com.br/relacoes-com-inv...
; SANTANDER, 2019SANTANDER. Divulgação de resultados. 2019. Disponível em: <https://www.santander.com.br/ri/resultados>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://www.santander.com.br/ri/resultad...
). Dados sobre a saúde do trabalhador bancário foram identificados nos estudos do setor, realizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, 2017DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Indicadores da Saúde do Trabalhador com base na Rais. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro7_Saude.pdf>. Acesso em: 4 mar. 2017.
https://www.dieese.org.br/anuario/2017/L...
); nas bases de dados do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho da Previdência Social (DATAPREV, 2021DATAPREV. Dados estatísticos – Saúde e Segurança do Trabalhador. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/dados-de-acidentes-do-trabalho>. Acesso em: 4 mar. 2022.
https://www.gov.br/trabalho-e-previdenci...
(Esta data não consta nas referências.)); e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde entre os anos 2007 a 2019 na correlação entre os acidentes e as atividades econômicas do setor, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas 2.0 (BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). 2021. Acesso em: 5 mai. 2021.). Sobre os dados primários da saúde foi assumida a compilação, codificação e a análise descritiva dos dados, particularmente um estudo de frequência e variação percentual, utilizando a ferramenta estatística R (R CORE TEAM, 2021R CORE TEAM. R: a language and environment for statistical computing. Viena. R Foundation for Statistical Computing, 2021. Disponível em: <https://www.R-project.org>
https://www.R-project.org...
). Os documentos examinados são de domínio público e de acesso irrestrito.

Como expresso por Marx (2011)MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011., o processo de exposição diferencia-se do processo de investigação. Neste, o pensamento parte do real imediato, perscruta-o em busca dos determinantes que constituem a unidade do concreto e os traduz no pensamento na forma de categorias; então, retorna ao real enriquecendo-o segundo a lógica interna do objeto que se realiza em sua diversidade de manifestações. Assim, o processo de exposição não segue o da investigação, mas parte da categoria mais essencial já apreendida e explicita o processo real de seu enriquecimento. Por isso, iniciamos a exposição das análises sobre a relação do processo de trabalho e saúde explicitando a natureza da esfera capitalista que explora a força de trabalho em foco, natureza determinada pelas diferentes funções assumidas pelo dinheiro na sociedade capitalista e que atua como germe dos padrões de desgaste que assola os trabalhadores e as trabalhadoras do setor bancário.

3 ELEMENTOS DA DETERMINAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO BANCÁRIO PRODUTORES NA SAÚDE DAS TRABALHADORAS E DOS TRABALHADORES

Como é colocado pelas estudiosas da Escola de Xochimilco, ao capital interessa a extração de mais-valor. O capital depende da realização de mais-valor. A realização do valor sob o comando de um capital comercial particular revela a autonomização de uma das fases de metamorfose do valor que ocorre na esfera da circulação: a fase M'- D'. O dinheiro (D) necessariamente assume a função de ser capital ao ser trocado por meios de produção e força de trabalho. É a compra dessas mercadorias específicas que impõe ao dinheiro sua função de capital. O valor nele representado deve percorrer o processo cíclico D - M … P … M' - D' a fim de obter um valor valorizado ao final desse ciclo, isto é, quantitativamente superior ao que iniciou o percurso (MARX, 2017) (Não consta nas referências.). Segundo Marx (2014)MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro II. O processo de circulação do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014., D' nada mais é do que o valor presente no Capital Monetário (D) que inicia o processo de produção acrescido de tempo de trabalho não pago (d), ou seja, D' (=D+d) é a expressão, na forma de dinheiro, do processo de extração de mais-valor, independentemente da autonomização das atividades necessárias à circulação do valor e da mercadoria.

A autonomização da fase M'- D' sob capitais particulares (capital do comércio de mercadorias) expressa a autonomização do capital comercial em relação ao capital produtivo (…P…) e é oportunizada porque “D” e “d” podem circular de modo distintos pelo processo cíclico de reprodução do capital. A própria realização completa de “d” pode somente ocorrer após inúmeros processos de troca da M' (capital mercadoria: a mercadoria prenha de maisvalor). Os inúmeros processos de compra e venda de mercadorias sob diferentes capitalistas comerciais indica o quantum de vezes em que o mais-valor foi partilhado entre a classe de capitalistas.

A circulação do dinheiro, lembrando que este é também uma mercadoria – embora com o caráter especial de ser equivalente geral –, pode ser operado pelo Capital Comercial. Sob essa esfera não se produz mercadorias. As atividades fazem o dinheiro circular, entrar em processos de troca, cuja função não é atuar como Capital, mas cumprir operações técnicas do dinheiro: como meio de troca, meio de pagamento ou moeda de conta [(MARX, 2017) (Não consta nas referências.). Com o desenvolvimento do comércio de dinheiro e sua centralização sob a mãos de capitalistas particulares, vis-à-vis ao desenvolvimento das forças produtivas que passa a exigir um capital (D) cada vez maior para dar início aos ciclos produtivos, tem-se as condições materiais para a intensificação da alavanca do capitalismo: o sistema de crédito de dinheiro e de capital portador de juros. Este se torna cada vez mais imprescindível às engrenagens da produção capitalista, e sua circulação passa a ser administrada e assumida como função especial dos negociantes de dinheiro.

De acordo com Marx, o capital portador de juros consiste numa “forma especial do capital monetário”|(MARX, 2017, p. 391) (Não consta nas referências.) que, diferentemente das formas do capital comercial, não está relacionado às metamorfoses que o capital realiza na esfera da circulação (M'- D'). No capital portador de juros, o próprio capital, enquanto capital em potência, torna-se uma mercadoria (MARX, 2017) (Não consta nas referências.) e o movimento do dinheiro adquire, além das funções de meio de compra e meio de pagamento, aquele valor de uso adicional. No interior do ciclo dessa forma do capital, há um duplo desembolso de dinheiro que deverá corresponder, da mesma forma, a um duplo refluxo. E, assim, a fórmula D-D' que expressa o movimento do capital portador de juros esconde o processo de valorização efetivo ocorrido no processo produtivo. Na aparência das relações sociais, os juros advêm da circulação do dinheiro. Eis aqui uma das manifestações do fetiche do dinheiro: a crença de que dinheiro produz dinheiro.

Assim, o setor financeiro comanda um quanto de trabalho social que simultaneamente opera a circulação do dinheiro, o comércio de dinheiro e de capital portador de juros. Vale ainda destacar que há diferenças entre o sistema de crédito que faz circular dinheiro para que este entre na esfera da circulação, cumprindo funções de dinheiro – meio de troca, meio de pagamento, moeda de conta, ou seja, entrando na circulação simples das mercadorias –, e sistema de crédito que faz circular dinheiro para que opere como capital – capital portador de juros. No primeiro caso, por exemplo, tem-se os chamados empréstimos pessoais, em que o dinheiro que retornar ao setor financeiro provém da renda dos trabalhadores e estes acessam o dinheiro com o fim de fazer uso de suas operações técnicas. No segundo caso, como já dito, o refluxo é de capital monetário valorizado, portanto, de mais-valor, posto que o dinheiro (capital monetário) tomado emprestado tem necessariamente que operar primeiro como capital produtivo para que o capital monetário valorizado (d') flua para o setor financeiro na forma de juros.

O comando de um mesmo capitalista, ou grupo de capitalistas, sobre o trabalho social empregado no setor financeiro não equipara as distintas funções – de capital de comércio de dinheiro e de capital portador de juros –, mas oportuniza intensificar a centralização do dinheiro e potencializar o crédito de capital portador de juros. Com isso, no setor financeiro, não se trata de trabalhos produtivos, produtores de valor, mas trabalhos improdutivos sob o ponto de vista do valor. Como trabalho improdutivo, o capital investido na compra da força de trabalho (capital variável) é um custo inerente ao processo de valorização do valor e, enquanto tal, influencia na repartição de mais-valor entre a classe de capitalista. Em decorrência disso, como indica Ferraz et al. (2021)FERRAZ, D. L. DA S.; FRANCO, D. S.; MACIEL, J. A. Desvelando o prosumption: o produtor-consumidor, as plataformas digitais e o movimento do capital. REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 27, n. 2, p. 519–546, ago. 2021., a necessidade do controle do uso da força de trabalho e o conflito em torno do salário se dá no setor financeiro em função da mesma necessidade que a do setor produtivo: apropriar-se de mais-valor, ainda que neste ele seja produzido e, no primeiro, ele seja refluxo.

Ao investigarmos as manifestações de saúde-doença entre os trabalhadores desse setor nos termos postos pelas estudiosas da Escola de Xochimilco, encontramos os elementos da determinação do processo de produção da saúde-doença emergindo das funções do dinheiro na sociedade capitalista.

O processo de trabalho no setor financeiro envolve atividades vinculadas às funções que o dinheiro assume na sociabilidade capitalista. Em última instância, cabe ao trabalhador deste setor executar quatro grandes grupos de atividades: i) quando dinheiro atua “como meio de pagamento”, por exemplo, compensam-se boletos; ii) quando opera como “moeda de conta”, desenvolve-se atividades chamadas de tesouraria; iii) quando atua “como meio de troca”, vende-se produtos como seguros, títulos de capitalização, consórcios, empréstimos pessoais etc.; e iv) quando o dinheiro opera como “capital portador de juros”, cabe aos trabalhadores controlar os empréstimos aos capitalistas produtivos e comerciais. Ademais, tal como no setor produtivo, a colaboração entre os trabalhadores opera um aumento na capacidade produtiva do trabalho e potencializar essa colaboração é atividade assumida pelos gestores em seus diferentes níveis por meio de múltiplas técnicas de gestão (PAÇO-CUNHA, 2018PAÇO-CUNHA, E. Ontogênese e formas particulares da função de direção: introdução aos fundamentos históricos para a crítica marxista da administração. Em: PAÇO-CUNHA, E.; FERRAZ, D. L. DA S. (Eds.). Crítica marxista da administração. Rio de Janeiro: Rizoma, p. 15–62, 2018.).

Pela natureza desse processo de trabalho necessário ao processo de reprodução ampliada do capital, destacam-se duas características que determinam as especificidades da atividade desses trabalhadores, a saber: as normativas do setor, que delimitam, sobretudo, como opera a circulação do dinheiro no cumprimento de sua função de moeda de conta e de meio de pagamento; e o contato direto com o consumidor possuidor do dinheiro ou carente deste, quando então, a função do dinheiro como meio de troca é determinante. A relação entre trabalhadores do setor financeiro e o consumidor tem como objetivo último fazer fluir o dinheiro para o seu empregador. Essas duas características apresentam modos distintos de cargas de trabalho; porém, é, como apontado pela Escola de Xochimilco, na combinação entre elas no processo de trabalho e com o trabalhador que se determinam os padrões de desgaste da força de trabalho e as manifestações de adoecimentos apresentadas pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores, como veremos a seguir.

4 AS ATIVIDADES RELACIONADAS AO DINHEIRO COMO MEIO DE PAGAMENTO E MOEDA DE CONTA: MONOTONIA, BAIXA AUTONOMIA, REDUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO EMPREGADA E INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO

O direito contratual administrativo e as normativas do setor determinam o grau de autonomia e monotonia da tarefa necessárias às funções do dinheiro enquanto moeda de conta e de meio de pagamento. O caráter altamente padronizado dessas atividades é um facilitador para a incorporação das tarefas à maquinaria, sobretudo após o salto do analógico ao digital. O desenvolvimento tecnológico tem oportunizado tanto a redução da força de trabalho contratada como a transferência de uma parte das atividades ao próprio consumidor dos serviços bancários.

[…] o investimento em tecnologia, ele tá muito forte também. De 4 anos pra cá, é, eu dei um exemplo de abertura de conta antes, agora eu vou utilizar o mesmo exemplo. É, se antes a gente gastava cerca de 1 hora e meia pra abrir uma conta, desde o início até o fim, hoje em dia a gente consegue gastar cerca de 15 a 20 minutos, isso por conta da implementação de ferramentas novas, da melhoria de sistemas, […] tudo isso contribuiu para essa agilidade, para esse ganho de tempo. É, os bancos em geral eles estão investindo no autoatendimento, que é proporcionar ao cliente a se atender, ao invés de precisar do suporte de um funcionário, tanto através das máquinas, de caixas eletrônicos, quanto através dos aplicativos. (E1)

Isso pode ser verificado pelos investimentos realizados pelo setor financeiro. No ano de 2020, o setor bancário esteve em posição de vanguarda quanto aos investimentos em tecnologia, perdendo por pouco dos aportes governamentais e ficando muito à frente dos demais setores econômicos. Os R$ 25,7 bilhões destinados à digitalização de informação e comunicação dos seus processos permitem que, atualmente, mais de 67,8% das transações bancárias sejam realizadas por meios digitais em ambientes virtuais de inteligência artificial. O canal mobile banking16 16 Dentre as estratégias utilizadas para oportunizar a expansão dos negócios e redução nas despesas dos bancos, está o mobile banking, que transfere o “[…] atendimento bancário para instalações e equipamentos pertencentes ao próprio cliente. Consiste no desenvolvimento de estrutura tecnológica para permitir que operações bancárias como pagamentos, transferências e consultas, sejam realizadas por smartphones, em substituição aos canais tradicionais.” (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, p. 7, 2017). tem se destacado como instrumento central das operações digitais do setor com 52,9%, equivalente a pouco mais de R$ 52 bilhões das transações no mercado financeiro (FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS, 2021FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS. Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária. Comitê de Inovação e Tecnologia da FEBRABAN, 2021. Disponível em: <https://portal.febraban.org.br/pagina/3106/48/pt-br/pesquisa>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://portal.febraban.org.br/pagina/31...
).

Tais transformações digitais impactam em mudanças qualitativas e quantitativas nas ocupações do setor bancário. Atualmente, a qualidade da força de trabalho comprada no mercado de trabalho do setor financeiro exige “Que você domine as questões de tecnologia […] Então, se você não domina tecnologia, você tá fora. E é isso.” (E3). Em referência aos bancos privados, houve redução nos postos de trabalho dos escriturários e dos caixas de banco, funções que lidam com operações de transação e captação nas agências e no apoio às operações bancárias, que perderam lugar frente ao aumento das transações digitais (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, 2020DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Desempenho dos bancos em 2020. Rede bancários, 2020. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/desempenhodosbancos/2021/desempenhoDosBancos2021.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2020.
https://www.dieese.org.br/desempenhodosb...
). Entre os anos de 2011 e 2018, 42.788 postos de trabalho e 1.242 redes de atendimento no setor financeiro foram fechados, ao passo que 37.359.915 de novos clientes foram incorporados em suas carteiras. Em 2018, o número de clientes por trabalhador foi 150% (n = 4.943) superior do que o registrado em 2014 (n = 3.274). (BANCO DO BRASIL, 2019BANCO DO BRASIL. Central de resultados. 2019. Disponível em: <https://ri.bb.com.br/informacoes-financeiras/central-de-resultados>. Acesso em: Acesso em: 5 mai. 2019.
https://ri.bb.com.br/informacoes-finance...
; BRADESCO, 2019; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2019CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Central de resultados. 2019. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/relacoes-com-investidores/central-resultados/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 5 mai. 2019.
http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/re...
; ITAÚ UNIBANCO, 2019ITAÚ UNIBANCO. Central de resultados. 2019. Disponível em: <https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/resultados-e-relatorios/central-de-resultados/>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://www.itau.com.br/relacoes-com-inv...
; SANTANDER, 2019SANTANDER. Divulgação de resultados. 2019. Disponível em: <https://www.santander.com.br/ri/resultados>. Acesso em: 5 mai. 2019.
https://www.santander.com.br/ri/resultad...
)

A digitalização dos processos de trabalho não implica a diminuição das tarefas aos trabalhadores do setor. Muito pelo contrário. Ela se apresenta como elemento estrutural da maquinaria nos processos de trabalho financeiro (capital constante) sob o desenvolvimento das forças produtivas no setor. As tecnologias permitem que as atividades necessárias para o controle da circulação do dinheiro sejam operadas por sistemas físicos e virtuais, e que o disciplinamento digital da cooperação estabelecida entre os trabalhadores remanescentes e os clientes sustente a estratégia do capital de reduzir postos de trabalho, agravando a intensificação do trabalho. Nas palavras dos entrevistados, este é o “cenário onde a gente sofre uma pressão para melhora dos resultados, ao mesmo tempo em que o corpo funcional é diminuído pela questão das demissões […] sem reposição; isso faz com que a gente tenha que fazer mais com menos.” (E1).

Ao passo que os processos de trabalho das atividades financeiras são digitalizados, novas racionalidades administrativas e de gestão, também sob tal instrumental tecnológico, são permanente e automaticamente aplicadas por inteligência artificial aos trabalhadores. A gestão por metas, por um lado, é um mecanismo que expande o alcance do setor financeiro a um número cada vez maior de consumidores; e, por outro, impulsiona a si mesma, na medida em que novos instrumentos são incorporados no processo de trabalho, a exemplo: dos mensageiros que exigem do trabalhador a comunicação direta com clientes vinculados aos aplicativos conectados ao mobile banking ou a redes sociais digitais como WhatsApp e Instagram. Inserções tecnológicas que ainda permitem o controle do trabalho do bancário por parte do cliente, via avaliações, incrementando o grau de pressão no ambiente de trabalho.

Portanto, as alterações nos processos de trabalho que envolvem a internalização das atividades da função do dinheiro, como meio de pagamento e moeda de conta em aparatos eletrônicos, conformam cargas digitais sobre o nexo biopsíquico de uma massa de trabalhadores do setor que se torna ainda mais impotente diante do aumento das exigências multitarefas e dos conhecimentos em tecnologia em situações que, se deficitários, são passíveis de processos demissionais sumários. Assim, das implicações de tais cargas sobre a força de trabalho, a pouca autonomia e a monotonia das tarefas (cada vez mais digitais) podem configurar uma subcarga psíquica de trabalho por condicionar o trabalhador a um desenvolvimento limitado de suas capacidades intelectuais. Este fenômeno é potencializado pelo modelo de gestão pautado no acelerador da inteligência artificial dos processos, o qual impõe a quantidade de tarefas que devem ser efetivadas sob a intencionalidade inquestionável de redução da porosidade da jornada de trabalho ao mesmo tempo que a estende. Entre os anos de 2007 a 2017, em média, 47% dos trabalhadores do setor financeiro indicaram não ser permitido por suas chefias imediatas pausas em suas jornadas de trabalho e 79,5% realizaram jornadas de trabalho acima de 6 horas diárias (DATASUS, 2021) (Não consta nas referências.).

Em resumo, ao olhar para as alterações do processo de trabalho relacionadas às atividades necessárias para que o dinheiro efetive suas funções “de meio de pagamento e de moeda de conta” no atual estágio do desenvolvimento das forças produtivas, vis-à-vis ao observado por Marx|(2017, p. 215) (Não consta nas referências.), que “os simples recebimentos e pagamentos em dinheiro, sendo função exclusiva dos bancos etc. ou do tesoureiro de negócios individuais”, expressam o caráter “geral dos custos de circulação, que resultam da simples metamorfose formal” de M-D e “que esses custos de circulação” (Favor fechar aspas.) não alteram seu carácter [de trabalho improdutivo para trabalho produtivo], ao deixar de ser executado por um agente da produção e autonomizar-se sob o controle dos agentes financeiros, verificou-se que: i) está em curso uma redução da massa de trabalhadores, o que representa uma redução do capital variável adiantado pelo capitalista privado e uma redução do custo do trabalho social demandado pelas atividades centralizadas no setor financeiro; por sua vez, isso representa uma possibilidade de aumento da apropriação de mais-valor pela classe capitalista; ii) há uma intensificação do processo de trabalho – lembrando que a característica da carga de trabalho das atividades em tela é a falta de autonomia e a monotonia – permitindo que haja um aumento na massa de resultados do trabalho, o que faz fluir uma quantidade maior de dinheiro para o setor ao mesmo tempo em que repõe o desgaste dos trabalhadores pela subcarga de trabalho psíquico e sobrecarga do trabalho físico e digital; e iii) subsidia a redução do custo do trabalho social no setor bancário, o fenômeno do prosumer.

Nesse ponto, o que é uma redução, sob o ponto de vista do processo de reprodução ampliada do capital, nada é sob o ponto de vista do trabalho social total. Por um lado, esse movimento representa uma grande redução de custos aos bancos. Na “comparação entre os índices de eficiência das agências físicas e as digitais do Itaú Unibanco: a cada R$ 100,00 de receitas em uma agência física, o banco gasta R$ 76,70; mas, em uma agência digital com a mesma receita, o gasto é de apenas R$ 31,80.” (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, 2020, p. 17DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Desempenho dos bancos em 2020. Rede bancários, 2020. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/desempenhodosbancos/2021/desempenhoDosBancos2021.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2020.
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). Por outro, não se reduz o trabalho improdutivo necessário, apenas o custo com a remuneração deste trabalho. Por meio da cooperação trabalhador-cliente, impacta-se na repartição do mais-valor entre os diferentes grupos de capitalistas (FERRAZ, et al., 2021FERRAZ, D. L. DA S.; FRANCO, D. S.; MACIEL, J. A. Desvelando o prosumption: o produtor-consumidor, as plataformas digitais e o movimento do capital. REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 27, n. 2, p. 519–546, ago. 2021.).

Assim, o investimento em tecnologia que incorpora as atividades vinculadas às funções de moeda de conta e meio de pagamento socializam o custo destas atividades, que são inerentes ao processo de produção capitalista; e, onde ainda não se pode jogar tal custo sobre os ombros da classe trabalhadora em seu papel de consumidor, intensificou o trabalho monótono e heterônomo dos trabalhadores do setor. O próprio trabalhador afirma: “É um trabalho muito maçante. Trabalha muito com seu emocional. Te oprime. Você vira um robô.” (E2). Ou seja, são as cargas digitais, no montante das cargas psíquicas, interagindo e adquirindo materialidade em sua corporeidade: o desgaste. Mas isso não é tudo, pois à combinação dos elementos do processo de trabalho ligada a essas atividades com a corporeidade do trabalhador ainda se acrescenta a inter-relação entre a combinação dos elementos do processo de trabalho ligados à função do dinheiro enquanto meio de troca.

5 O DINHEIRO COMO MEIO DE TROCA NO CAPITALISMO: O FATOR DETERMINANTE PARA O ADOECIMENTO MENTAL

Com a transferência de parte das atividades tradicionais das agências bancárias (meio de pagamento e moeda de conta) para as máquinas e para os clientes, muda-se e intensifica-se a rotina de trabalho, pois não só há uma redução no número de trabalhadores como, aos que permanecem, são imputados o aumento da intensidade de trabalho e a exigência de novas habilidades, principalmente aquelas ligadas à venda de produtos financeiros (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, 2017DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Indicadores da Saúde do Trabalhador com base na Rais. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro7_Saude.pdf>. Acesso em: 4 mar. 2017.
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; (MOURA-PAULA, et al., 2020MOURA-PAULA, M. J. DE; MOREIRA, P. A. A.; FERRAZ, D. L. DA S. Management techniques and organizational silencing: a manager's account. Organizações & Sociedade, v. 27, n. 93, p. 216–230, 2020. (Nas referências não consta et al., mas os nomes. Favor padronizar.)), ou seja, com as atividades relacionadas com dinheiro em sua função de meio de troca.

O trabalho vinculado à função do dinheiro como meio de troca também está submetido a uma série de atividades determinadas pelas normativas do setor, que impinge o mesmo caráter heterônomo e monótono que constitui uma carga para o consumo das energias psíquicas humanas, porém o que o diferencia ao exposto no item anterior é a necessidade de induzir um comportamento no consumidor que efetive a transação com um capitalista em particular e não com outro, ou seja: convencer um outro sujeito dotado de necessidades e intenções a comprar a mercadoria dinheiro (empréstimo pessoal) ou demais produtos mercantilizados (seguros de vida, de saúde, previdência privada etc.) do capitalista que o explora.

Desta atividade emerge a constatação sobre a qualidade da força de trabalho necessitada pelo setor financeiro: ser “um bom vendedor”, o que significa ter “caráter e honestidade […] porque você está lidando com recursos financeiros. Você precisa ter retidão, postura, essas coisas” (E3) para “cumprir o que a instituição pede, que é o batimento de metas e o alcance de resultados” (E1) pela venda de produtos financeiros. Esta exigência do processo de trabalho é a base material para o estabelecimento de sobrecargas psíquicas, uma vez que, o consumo da força de trabalho está orientado para a retidão junto aos interesses postos pelos capitalistas privados no movimento de apropriar-se da renda da classe trabalhadora em detrimento das necessidades dos trabalhadores e das trabalhadoras clientes do setor bancário.

Não interessa ao capitalista do setor financeiro fazer fluir o dinheiro para o entesouramento, mas sim, para jogá-lo na circulação novamente e, preferencialmente, para o tomador do empréstimo que irá investi-lo produtivamente. Não entraremos aqui naquilo que difere as atividades de trabalho desenvolvidas para a efetivação do empréstimo do dinheiro para que assuma a função de capital (empréstimo para capitalistas que atuam como capitalistas) e o empréstimo para fins de meio de pagamento (empréstimo para a classe trabalhadora ter acesso a meios de consumo). Importante, apenas, observar que há diferença, como já explicitado, entre ambos e que, segundo o DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS (2017)DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Indicadores da Saúde do Trabalhador com base na Rais. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro7_Saude.pdf>. Acesso em: 4 mar. 2017.
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, grande parte dos trabalhadores bancários passou a se dedicar à comercialização de produtos e serviços, ou seja, de apropriar-se da renda do trabalhador. Essa atividade imposta pelo setor, em particular, exige dos trabalhadores e das trabalhadoras maior consumo psíquico de sua força de trabalho, afinal:

A dedicação é muita, a pressão é muita, o estresse é muito. Você lida com todo tipo de pessoa e acaba que muitos não dão conta. […] Eu acho que o mais difícil hoje é você conseguir servir a dois senhores. Porque o seu cliente é um senhor e o banco é o seu empregador, é outro senhor. E muitas vezes servir aos dois não é possível. É discrepante, é incoerente. É impossível você conseguir encontrar um ponto de equilíbrio que você atenda ao banco sem lesar seu cliente. (E2)

Vejamos mais de perto esse processo. O ato de compra e venda também não é uma atividade produtiva para o capital e, os produtos vendidos pelo setor bancário, podem ser resumidas em três grandes grupos: i) produtos pelos quais os compradores pagam e que só terão, se tiverem, acesso ao seu valor de uso em casos excepcionais – estão nesse grupo os seguros de móveis, imóveis, saúde, vida; ii) o entesouramento de sua renda com a promessa de ganhos futuros, tais como fundos de investimento, títulos de capitalização e poupança; e iii) empréstimos e, nesse caso, com o dever de pagamento com juros.

Ao trabalhador do setor bancário cabe a tarefa de convencer outro trabalhador que ele necessita de tais serviços bancários conforme às exigências contratuais do banco. Para o trabalhador cliente do banco não há margem de negociação. Para o trabalhador do banco lhe é exigido ser “honesto” com os princípios do banco ainda que “várias pessoas [bancários] não concordam com aqueles métodos de trabalho” (E1).

Em última instância, bancário e cliente possuem condições de reprodução da vida muito similares, pois são classe trabalhadora; e o que os diferencia é apenas a divisão técnica do trabalho que faz com que eles se identifiquem mais entre si do que entre bancários e banqueiros. Ainda que isso não seja uma consciência do pertencimento a uma classe, é a manifestação de uma solidariedade de classe no campo subjetivo. Solidariedade subjetiva de classe porque não tem se objetivado em prol da classe trabalhadora, não tem mobilizado ações organizadas de luta que alterem, ainda que de forma contingencial, a regulamentação do setor financeiro em prol de quem trabalha. Mas tal ausência não altera o fato: entre os trabalhadores bancários e os trabalhadores clientes se estabelece uma solidariedade subjetiva de classe objetivada também na forma de carga biopsíquica sobre a classe trabalhadora ocupada no setor bancário.

E aí eu me vi enquanto trabalhadora bancária uma pessoa ruim para a sociedade, de função quase que inútil, ou função ruim, porque, tipo assim, como você está na sociedade fazendo uma função para uma outra pessoa que essa pessoa só vai prejudicar o outro, que vai deixar ele mais pobre, que vai diminuir o poder de compra dele e isso vai afetar diretamente a vida dele? Comida, lazer e tal. E eu estava dentro do banco pra isso? Para eu pegar o máximo possível de grana ou diminuir o poder dele de comprar outras coisas, para comprar coisas daqui. (E3)

Muitas vezes você não acredita naquele investimento, mas você precisa vender como a melhor coisa que tem no mercado. E se você não acredita, é difícil. (E2)

E a gente é muito alvo de conversas com clientes que estão com o humor já alterado, por causa de determinadas situações, então diariamente a gente tem que escutar muita reclamação, a gente tem que lidar com situações delicadas, é, a gente tem que ter muita resiliência diante dos diversos problemas na prestação do serviço, justamente por causa da quantidade de demanda que um único funcionário recebe diariamente. (E1)

Trabalhadores bancários identificam na característica de suas atividades vinculadas à função de meio de troca do dinheiro a contradição capital-trabalho, ainda que seja uma percepção imediata dos prejuízos trazidos à classe trabalhadora em geral a partir de suas atuações enquanto trabalhadores do setor. As características do processo destas atividades aparecem como elementos essenciais da carga biopsíquica destes profissionais desencadeando formas de resistências na efetivação do trabalho concreto, por isso a gestão por metas se torna um imperativo nesta relação.

6 A GESTÃO POR METAS: NÃO FAZ BEM PARA NINGUÉM QUE SEJA TRABALHADOR

Nos processos de trabalho, as metas não são apenas um horizonte numérico, pois elas são as definidoras da extensão da jornada de trabalho, dos salários efetivos e potenciais, ao mesmo tempo em que repõem a heteronomia, produzindo um ambiente propício para a hostilidade (assédios) entre os diferentes níveis hierárquicos que são estabelecidos segundo o grau de responsabilidade pela efetivação do interesse dos capitalistas do setor.

A construção de metas ela é centralizada na diretoria do banco […] e do atendimento, das agências, a gente não participa na construção dessas metas. É, essas metas elas são distribuídas por diretorias regionais e elas são repassadas para as Superintendências regionais, e enfim elas são ramificadas novamente para as agências. (E1)

A gente sempre brinca que são vários martelos e nós somos os pregos. Então vai martelando, vai martelando e chega na gente. Você não sabe o porquê dessas metas, de onde vem. Tem o conselho diretor que faz as diretrizes da estratégia corporativa do banco. A estratégia corporativa do banco é chegar no lucro tal, se no meio do caminho pela estratégia dele não está dando, vamos tentar de outra forma […] (E2)

[…] todos os meses como é que era calculado a meta? A meta do mês anterior mais 10%, a meta do mês anterior mais 15%. Isso não é critério, porque se a gente falar de janeiro pra fevereiro, por exemplo, janeiro tem 31 dias, fevereiro tem 28. […] A gente preenchia, ali pelo mês de setembro, um relatório completo de toda a expectativa de produção a respeito da nossa equipe [na minha equipe, sei lá, na minha equipe tinha 160 pessoas.]. O tamanho da equipe, se vai contratar, se vai demitir… então a gente estruturava o tamanho da equipe e alocava as metas para o tamanho da equipe no decorrer dos meses. Esse relatório que nós preenchemos com cada produto, fazia uma previsão inteira pro ano seguinte, né?! Em setembro do ano… ia pra diretoria, a diretoria avaliava e concordava ou não, com a nossa meta. E aí depois que eles concordavam, a gente ia pra uma reunião anual, juntava a “gerentada” em algum hotel bacana, né? Pra poder contar história bonita pra gente, que o ano ia ser espetacular, não sei o que… e aí aquelas metas que a gente dizia, serviam como referência para fazer as metas. Ai porque que eu digo assim que é uma participação… ela, ela não é real. Porque se a minha... se eu tivesse... se eu enviasse uma meta muito baixa, eles iriam aumentar. Agora, se eu mandasse uma meta estourando, eles “tá ótimo essa meta”. Então eu não poderia colocar a meta que eu quisesse, eu tinha que dizer a meta que eles queriam ouvir. (E4)

Os relatos apresentados demonstram que, apesar do estabelecimento de hierarquias dentro do setor bancário, o elemento que diferencia o trabalho de gerência do trabalho de escriturário e de caixa é que o primeiro controla a cooperação no processo de trabalho, enquanto que o segundo dedica-se a executar as tarefas conforme orquestrada pelos interesses dos banqueiros. Bancários, assim, não determinam e tampouco controlam as metas com as quais se encontram obrigados a executar.

Os interesses dos trabalhadores da gerência estão mais para os interesses dos trabalhadores de operação do que para os dos empregadores, de modo que as características do trabalho que constituem o desgaste da categoria se expressam para todos; todavia, a mediação do quantum do salário, decorrente da responsabilidade do controle da cooperação, produz uma pseudo-oposição entre os trabalhadores que é vivenciada por meio dos mecanismos de controle interpessoal. A reprodução dos valores sociais hegemônicos constitui a base sobre a qual se acelera o desgaste biopsíquico do trabalhador, conforme podemos verificar no trecho abaixo:

É isso que eu falo que essa estrutura, nessa cultura organizacional de empresa capitalista, que tem essa estrutura capitalista da sociedade mesmo… mulher, negro, minorias, é… gay, lésbica. Então tipo assim… Muitas vezes eu chegava pra ele:[…] isso não tá bom e tal. Ele falava assim: nossa, você reclama tanto! Você é igual a minha mulher. Isso é o que te mata. Isso é o que te dá vontade de pegar o carro a 120 por hora e bater no poste. Vontade de nunca mais voltar pra trabalhar. […] É! Quando ele chegava perto de mim eu tinha vontade de vomitar! (E2)

Assim, as diferenças entre os membros da classe trabalhadora são transformadas em desigualdades que operam como elementos do processo de gestão, ora na forma de gestão da diversidade (FERRAZ, 2017FERRAZ, D. L. D. S. A administração de recursos humanos como conhecimento que constitui uma consciência de classe para o capital. Revista Brasileira de Administração Política, [S. l.], v. 9, n. 2, p. 65, 2017.) ora como assédio moral e sexual (SOUZA; DUCATTI, 2015SOUZA, T. M. DOS S.; DUCATTI, I. Rebatimento do assédio moral sobre a alienação dos trabalhadores. Revista Advir (ASDUERJ), n. 33, p. 7–24, 2015.). Ambas as formas são opressões servindo de alavanca para o acumulo do capital por meio da concorrência intraclasse trabalhadora.

A divisão técnica do trabalho, que coloca sob a responsabilidades de um grupo de trabalhadores a otimização da cooperação, tende a ser um aspecto do processo de trabalho que recrudesce cada vez que as metas estipuladas pelos banqueiros se configuram como objetivos pouco alcançáveis na prática laboral: “um dos principais problemas para o funcionário bancário hoje em dia, é não conseguir cumprir aquilo que lhe é demandado diariamente” (E1).

A classe capitalista, por meio das técnicas de gestão, avança na exploração da classe trabalhadora articulando a definição do que esperam enquanto resultado do trabalho à remuneração (efetiva e potencial) e a jornada de trabalho. O salário no setor bancário é composto por uma parte fixa e outra variável. Esta é atrelada diretamente ao atingimento de metas. De acordo com o DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS (2020)DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Desempenho dos bancos em 2020. Rede bancários, 2020. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/desempenhodosbancos/2021/desempenhoDosBancos2021.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2020.
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, quanto às despesas de pessoal, aquelas que reúnem folha de pagamento (remuneração, PLR, encargos sociais e benefícios), treinamento e processos trabalhistas, os cinco maiores bancos atuantes no Brasil (Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal e Santander) apresentaram queda média de 4,5%, totalizando R$ 96,8 bilhões, em 2020. Interessante pontuar que, nestes bancos, somente com o total da Receita de Prestação de Serviços e Tarifas Bancárias é possível suprir “com folga” as despesas de pessoal, não precisando mexer em suas principais receitas como as de intermediação financeira (MACIEL, et al., 2021MACIEL, J. et al. O setor bancário brasileiro: Centralização de capitais e alterações na composição orgânica do capital. Novos Estudos - CEBRAP, v. 40, n. 1, p. 127–151, 2021.). Isso não é nenhuma surpresa, pois sem essa “folga” não haveria apropriação de mais-valor e o princípio capitalista ruiria, afinal, sob o ponto de vista do capital, interessa estabelecer o mínimo para ambas as partes da remuneração; para o trabalhador, lhe interessa o aumento de ambas, e, na imediaticidade da relação, a via menos obstaculizada para o trabalhador aumentar o salário é por meio da intensificação do trabalho e da extensão da jornada de trabalho de modo a aumentar a parte variável pela entrega de mais resultados.

Quanto a fazer hora extra sem ser remunerado, ou seja, registrar ponto de saída e continuar trabalhando, isso é algo comum dentro da empresa, porém que é negado, […] é, mais alguns minutos, ou mais 1 hora por exemplo, pela questão de ter que cumprir a tal demanda com certa urgência, então muitas vezes é difícil deixar alguma coisa pro dia seguinte, e a pessoa acaba fazendo ali, é, uma hora extra não remunerada, que está infringindo o contrato de trabalho. (E1)

Apesar do seu ponto cair, você sempre fica mais um pouco, você tem que organizar alguma coisa. Por exemplo, eu fico com meu celular o tempo todo ligado. Tem cliente que me liga agora, me liga sábado. E eu tenho que atender. É minha função. Porque eu tenho um celular corporativo disponível aos meus clientes na plataforma do banco. (E2)

Supervisores trabalhavam o quanto precisasse trabalhar, nos dias em que precisava trabalhar. Ponto final. […] Então eu trabalhava de 9 da manhã às 11 da noite, todos os dias. Todos os dias. E isso era natural. (E4)

O salário do trabalho improdutivo representa um custo social do trabalho e assim uma redução da apropriação do mais-valor realizado na esfera produtiva pelos capitalistas particulares do setor financeiro. O salário dos trabalhadores improdutivos é determinado, assim como dos produtivos, pelo valor das mercadorias necessárias para a (re)produção da força de trabalho vendida. Atrelar este salário ao resultado do trabalho improdutivo é a expressão máxima da ofensiva do capital sobre o trabalho no setor, pois representa a contradição essencial do capitalismo: a luta pelo aumento do tempo de trabalho não pago. Nos relatos acima, esse aumento se manifesta pelo aumento da jornada de trabalho, oportunizando para o capitalista uma apropriação da parte de mais-valor social de forma absoluta. Cabe destacar que essa ofensiva é potencializada pelo mesmo avanço tecnológico que alavanca a intensificação do trabalho.

O tempo todo. O acompanhamento é de hora em hora. A gente tem uma plataforma, um radar, que acompanha a produtividade de cada funcionário. E no WhatsApp o tempo todo a equipe e o gerente geral acompanhando e de hora em hora, produtividade, produtividade, produtividade. Final do dia, final da semana, final da quinzena, do mês, do bimestre, do trimestre, do semestre, o tempo todo. (E2)

É de 1 a dia 30, você tem 30 dias para bater a meta e no dia 1º começa tudo de novo. E se você não bater aquela meta, eles criaram um sistema de remuneração que, por exemplo, você só conseguiria ganhar dinheiro com 100% da meta. Então, 70%, 99%… zero! Só o fixo! (E4)

Ao estabelecer políticas de remuneração que variam pelo resultado do trabalho, além de reforçar o fetiche do salário (MARX, 2013MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.) coloca-se as condições para o estabelecimento do padrão de desgaste-reprodução da classe trabalhadora.

Quando você acaba se acostumando com o salário, com o dinheiro, e, às vezes, a idade, às vezes, a estrutura familiar não permitem [mudar], mas […] se você observa isso, é muito difícil você encontrar um bancário feliz. (E2)

[…] aquele salário que eu recebia eu sentia que ele não arcaria com meus custos futuros dependendo das coisas que eu ia fazer e isso me deixava angustiada. (E3)

Na luta diária pelo estabelecimento do salário enquanto expressão do valor da força de trabalho, as possibilidades colocadas são a organização da classe trabalhadora e a resistência individual. E, mais uma vez, a classe capitalista, por meio das técnicas de gestão obstaculiza a primeira e se beneficia com a segunda. Afinal: i) a gestão por metas, tal como a forma salário, esconde a cisão da jornada de trabalho em tempo de trabalho pago e tempo de trabalho não pago; ii) a meta como determinante do nível salário individual, estende a jornada de trabalho para além de seus limites legais, apropriando-se do tempo de reprodução da força de trabalho. “É não ter nada na vida a não ser o banco. Então você tem que querer demais, porque todo o restante vira pó. Não dá tempo. É adoecedor, não há dúvida” (E4); iii) a meta como determinante do nível salário individual intensifica o gasto de energia físico-psíquica do trabalho fornecido ao empregador dentro de um mesmo tempo de trabalho; iv) a meta atrelada à avaliação de desempenho, que estabelece os critérios de aumento salarial em decorrência do acúmulo da responsabilidade do controle da cooperação, impulsiona a entrega do resultado do trabalhado em troca da efetivação de um salário em potência conforme as possibilidades de ascensão na carreira; v) a avaliação de desempenho atrelada à ascensão na carreira e à promessa de ganhos salariais, induz os trabalhadores bancários a se afastarem das organizações sindicais; vi) a ascensão na carreira atrelada a promessa de ganhos salariais, como já exposto, induz aos trabalhadores a atuarem contra a classe trabalhadora e isso constitui mais um elemento no processo de desgaste da força de trabalho.

Aí ele falava: eu vou bater as metas de seguro colocando seguro em todos os seguros habitacionais. Mas você se sente bem com isso? Não, mas eu preciso fazer para garantir meu posto de trabalho. Ele era assistente. Aí ele perderia o cargo dele se ele não batesse meta. Fazia muita venda casada, isso deixava ele muito mal. (E3)

Em síntese, a gestão por metas expressa a lógica de interação entre as cargas no solo do processo de trabalho enquanto processo necessário à circulação do dinheiro e suas funções segundo às necessidades da valorização do valor, que determinam então a perda da capacidade efetiva e/ou potencial da força de trabalho, ou seja, estabelece o padrão de desgaste desta categoria profissional. E, ainda reduz a renda do trabalhador-cliente tendo desdobramentos sobre o padrão da reprodução da força de trabalho em geral17 17 Segundo o relatório anual Allianz Research, a dívida das famílias brasileiras em relação ao PIB era de 46% no fim de 2020. (ALLIANZ, 2021, p. 45) .

Em linhas gerais, a digitalização dos processos de trabalho é instrumento atual da gestão por metas que impõem um novo grau de produtividade do trabalho que, por sua vez, somente é alcançável por meio do aumento da intensidade do trabalho – aumento do consumo das energias físico-psíquicas dentro de um mesmo período temporal – e pelo aumento da jornada de trabalho, ambos passíveis de potencialização por meio do desenvolvimento tecnológico.

A avidez do capitalista em devorar a energia física-psíquica do bancário revela que a “revolução digital” constitui cargas digitais e psíquicas ao mesmo tempo em que se vale, ainda, das tradicionais cargas físicas advindas da automatização das atividades financeiras nas décadas passadas. A repetição ininterrupta de um mesmo conjunto de movimentos do corpo na frente dos computadores em algumas atividades é, inclusive, ampliada. A simbiose dessa realidade de trabalho é sentida pelo corpo do trabalhador e da trabalhadora.

7 A PRODUÇÃO DE SAÚDE NO SETOR BANCÁRIO: AS MANIFESTAÇÕES DAS FUNÇÕES DO DINHEIRO NO CORPO DA TRABALHADORA E DO TRABALHADOR

Os acidentes, sinais e os sintomas diversos e as mortes são algumas das manifestações do desgaste dos trabalhadores e das trabalhadoras bancárias, ou seja, das implicações das cargas digitais, psíquicas e físicas sobre o corpo da força de trabalho que, mesmo em certa resistência, não impede que o metabolismo do seu corpo seja deteriorado pelo capital. Alguns dados servem como marcadores que, se por um lado corroboram o exposto até aqui sobre o desgaste da força de trabalho, também é ponto para reflexão no âmbito da coletividade dos trabalhadores do setor.

A despeito das barreiras cada vez maiores colocadas aos trabalhadores para a notificação com abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), logo de solicitação de concessões previdenciárias, a quantidade de acidentes do trabalho liquidados18 18 Os acidentes do trabalho liquidados correspondem aos acidentes e adoecimentos cujos processos foram encerrados administrativamente pelo INSS depois de completado o tratamento e indenizadas as sequelas. pelo Instituto Nacional da Previdência Social nos últimos tempos se manteve no patamar de 10 mil casos por ano, em sua maioria autorizados os afastamentos menores do que quinze dias. Deste total, pouco mais de 10% dos casos têm sido encaminhados para a assistência médica (DATAPREV, 2020DATAPREV. Dados estatísticos – Saúde e Segurança do Trabalhador. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/dados-de-acidentes-do-trabalho>. Acesso em: 4 mar. 2022.
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). Tamanha fragilidade na atenção e no encaminhamento do Estado às questões de saúde dos trabalhadores parecem justificar os indicadores que são relacionados ao setor. A incidência de acidentes entre trabalhadores nas atividades dos Bancos múltiplos, com carteira comercial, dos Bancos de desenvolvimento e dos Bancos comerciais, entre outras atividades envolvidas com a venda da mercadoria dinheiro, variou entre 15 a 25 casos (por 1000 vínculos profissionais) nos últimos 10 anos. Estas atividades também foram responsáveis pelos maiores indicadores de adoecimento e incapacidade temporária para o trabalho do setor, respectivamente, entre 2 a 9 adoecimentos, e entre 8 a 22 casos de incapacidade (por 1000 vínculos profissionais) DATAPREV, 2021DATAPREV. Dados estatísticos – Saúde e Segurança do Trabalhador. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/dados-de-acidentes-do-trabalho>. Acesso em: 4 mar. 2022.
https://www.gov.br/trabalho-e-previdenci...
(Esta data não consta nas referências.)).

Os registros de notificação compulsória do DATASUS/SINAN (Não consta nas referências.) ((BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). 2021. Acesso em: 5 mai. 2021.)?) permitem melhor caracterizar o contexto destes dados, uma vez que conferem uma particularidade adicional de informações sobre o caso estatístico. Neste estudo, identificamos as ocupações mais envolvidas nos cuidados assumidos pelo Sistema Único de Saúde nas duas situações predominante do setor financeiros: o conjunto de doenças, lesões e síndromes que afetam o sistema musculoesquelético, também conhecidas como LER/DORT, e todos os caso de sofrimento emocional e mental em suas diversas formas de manifestação. As alterações de sensibilidade, a limitação de movimento, a sensação de diminuição da força muscular e dos movimentos chega a ser identificada por 80% dos casos notificados LER/DORT em 2018 com predominância do diagnóstico de mononeuropatias dos membros superiores. Em 2019, 100% destes casos afirmaram situação permanente de dor e 80% dos trabalhadores assumiram jornadas de trabalho acima de seis horas diárias. Em média, aproximadamente 8% dos casos LER/DORT estão relacionados à situações de saúde mental. Logo, outros transtornos de ansiedade e reações ao estresse grave e transtorno de adaptação aparecem a um coletivo significativo de trabalhadores. Destes casos, mais de 95% informam que não foram adotadas condutas de mudança na organização do trabalho frente à situação de saúde apresentada, mas o afastamento provisório do local de trabalho (acima de 70%). Menos da metade dos casos foram encaminhados a algum Centro de Atenção Psicossocial no SUS, ou outro serviço especializado em tratamento de transtornos mentais. Tanto nos casos LER/DORT, quanto aqueles de saúde mental, a incapacidade parcial permanente é presente em mais de 60% dos casos atendidos no SUS, em especial para as ocupações de caixa de banco; escriturário; gerente administrativo; gerente comercial; gerente de contas e de produtos bancários; e gerente de agência. Entre as mais de 120 ocupações vinculadas às atividades do setor financeiro, somente essas, em conjunto, são responsáveis por 67,8% dos afastamentos por casos de LER/DORT e 79% por motivos de adoecimento mental no ano de 2018 (DATASUS, 2021 (Não consta nas referências.)).

Importante frisar que os sinais e sintomas identificados nos dados sobre a situação de saúde dos trabalhadores do setor, bem como os traços de fadiga e lentidão motora, incômodo, perda de confiança em si mesmo e irritação, identificados nos trabalhadores entrevistados, são as expressões mais aparentes das implicações das cargas digitais, físicas e psíquicas do processo de trabalho financeiro as quais interagem entre si e os trabalhadores que, permanentemente, reagem à tamanha exploração da sua força de trabalho. Em outros termos, são as manifestações das interações das cargas de trabalho quando anulam (que anulam?) as formas de resistência e enfrentamentos dos trabalhadores. Este movimento intenso e próprio do capital implica na perda da capacidade efetiva e/ou potencial biológica e psíquica dos trabalhadores com abertura para graus menores ou maiores de desgaste no limite do esgotamento da força de trabalho por morte, tal como apontam os estudos de Moronte e Albuquerque (2021)MORONTE, E. A.; ALBUQUERQUE, G. S. C. DE. Organização do trabalho e adoecimento dos bancários: uma revisão de literatura. Saúde em Debate, v. 45, n. 128, p. 216–233, 2021.. A organização e a resistência coletiva diante da gestão por metas, como exemplo, tendem a mitigar o potencial de desgaste orquestrado pelo capital financeiro. Mas, mediante uma organização do processo de trabalho que consome a energia dos trabalhadores pelo máximo de tempo possível e o remunera pela entrega individual, acenado como crescimento salarial via ascensão na carreira, como encontrar forças para a organização coletiva?

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resgatar o trabalho desenvolvido por pesquisadores e pesquisadoras da Escola de Xochimilco traz avanços significativos para a produção de um conhecimento que revela a determinação do modo de produção capitalista na produção da saúde-doença19 19 Embora não tenha sido foco deste estudo, não desconsideramos as potências das reflexões desenvolvidas pela Escola de Xochimilco para a investigação da saúde-doença dos animais não humanos. Sobretudo porque esta escola chama atenção para as condições de reprodução da força de trabalho no estudo do desgaste-reprodução, o que envolve investigar as alterações ambientais decorrentes do modo de produção capitalista. que se manifesta na corporeidade da classe trabalhadora e, em específico, de perscrutar como são vivenciadas as particularidades desse processo nos diferentes setores produtivos. Afinal, se ao capitalista interessa o trabalho abstrato, a massa amorfa de trabalho em geral, que objetificado e não pago é fonte da valorização de seu capital monetário; à classe trabalhadora, é o trabalho concreto que se impõe, sua natureza determina seu processo, sua organização, sua gestão e as possibilidades de resistências individuais e coletivas e, assim, o padrão de desgaste-reprodução da força de trabalho, que tem se manifestado em processos de adoecimento e morte. (Acho que este trecho pode ser mais explícito, parece que falta uma parte no final, que deveria ter uma vírgula depois de “morte” e uma conclusão.)

Nesta pesquisa, indicamos as particularidades da natureza do trabalho no setor financeiro que constituem as cargas de trabalho as quais determinam a natureza do desgaste e as limitações na reprodução da força de trabalho do setor. Ao observarmos a relação entre o trabalhador bancário, o objeto do seu trabalho (as múltiplas funções do dinheiro) e os meios de trabalho (as normativas, as leis, a maquinaria digital e física e os sujeitos cognoscíveis tomados como clientes), identificamos o padrão de consumo desta força de trabalho. A monotonia da tarefa, heteronomia e a contradição entre classes que produz uma solidariedade subjetiva intraclasse trabalhadora, é freada em seu potencial de ser luta de classes pelo mesmo mecanismo que intensifica o trabalho: a gestão por metas. Ao nos debruçarmos sobre o processo de trabalho do setor financeiro submetido ao movimento geral da acumulação do capital, as proposições teóricas da Escola de Xochimilco permitiram superar o real imediato reproduzido em outros estudos do campo da saúde do trabalhador e trazer à tona o elemento essencial que faz do setor bancário um ambiente em que a atividade laboral mais do que duplica a possibilidade de manifestações de adoecimento físico-psíquico. A solidariedade subjetiva de classe que emerge das funções do dinheiro sob o capitalismo é resposta ao movimento do capital sobre a exploração da força de trabalho, gérmen de resistência desta fração trabalhadora no reconhecimento da relação entre os elementos do processo de trabalho sobre o seu trabalho, logo, na defesa de sua saúde.

É da realidade inquestionável que as operações necessárias ao uso do dinheiro na sociabilidade capitalista centralizada, e comandada pelo setor financeiro, reduz a possibilidade de apropriação do mais-valor pelos diferentes grupos capitalistas, que emanam a necessidade de estabelecer, concomitantemente, a transferência das operações para as máquinas (e para os consumidores) e potencializar a cooperação no setor por meio de técnicas de gestão, que atrele os trabalhadores e as trabalhadoras aos interesses do capital, a despeito da falta de autonomia, da monotonia da tarefa e dos princípios de identificação solidária dos trabalhadores com os clientes. Trata-se do avanço tecnológico para a maximização da apropriação do mais-valor pela classe capitalista a despeito dos prejuízos engendrados para a classe trabalhadora.

Para a classe capitalista, o investimento em tecnologia – renovação dos meios de produção pelas tecnologias digitais – oportunizou a redução no número de trabalhadores do setor e a intensificação do trabalho sob novas exigências e pressões, além de socializar os custos de circulação por meio do controle da cooperação entre trabalhadores-consumidores (prosumer) no processo de trabalho necessário à reprodução ampliada do capital. A intensificação do trabalho tem sido alcançada e controlada por uma série de técnicas de gestão de pessoas que articulam a extensão da jornada de trabalho, a quantidade de resultados atingidos dentro de um espaço temporal definido e o salário efetivo e potencial da força de trabalho – a assim chamada gestão algorítmica. A combinação entre esses elementos estabelece o grau de apropriação do mais-valor pela classe capitalista e a possibilidade de alterações na média geral dos lucros no curso da ofensiva da classe capitalista, contra a solidariedade subjetiva de classe que emerge do processo de trabalho e obstaculiza que ela se objetive em organização coletiva da categoria.

Para a classe trabalhadora, o investimento tecnológico no setor representa o desenvolvimento de cargas digitais no processo de trabalho acrescidas às já presentes cargas físicas e psíquicas. Tais cargas digitais se tornaram elemento estruturante das atividades bancárias, pois além de ser o meio de desenvolvimento da atividade opera como agente de controle da gestão por metas (inclusive via clientes) e reúne em um só movimento a redução da já limitada autonomia no processo de trabalho, a extensão da jornada de trabalho nas dependências bancárias, e para fora dela, a redução da porosidade do trabalho – intensificação do trabalho – e a possibilidade de ajustar instantaneamente o salário conforme alterações nos parâmetros estabelecidos por inteligência artificial, abrindo maior margem para reduções salariais relativas na parte da remuneração variável. A combinação dos elementos do processo de trabalho que subjaz a esse movimento determina o padrão de desgaste-reprodução dos trabalhadores e das trabalhadoras, inclusive ao obstaculizar a objetivação da potência organizativa advinda da solidariedade subjetiva da classe, manifestando-se na corporeidade como doenças físicas-mentais. As manifestações do adoecimento desta categoria profissional aparecem em dados conforme exposto neste trabalho. Porém, cabe ressaltar a subnotificação desses dados produzidos por agentes governamentais que não nos permite dimensionar a real magnitude do padecimento da classe trabalhadora.

Nesse sentido, resgatar a proposta metodológica da Escola de Xochimilco coloca-se como uma importante contribuição para a luta de classes, uma vez que a constituição dos grupos de investigadores – pesquisadores-trabalhadores, profissionais de saúde e trabalhadores – produz conhecimentos a partir de demandas e realidades concretas do trabalho. Os instrumentos de investigação permitem ainda a criação e/ou potencialização de espaços de organização e estabelecimento de estratégias de resistência e enfrentamento às ofensivas do capital.

No caso aqui investigado, aponta-se para a necessidade da luta da categoria bancária, em última instância, de enfrentamento não apenas ao modelo de gestão por metas, uma vez que é a forma mais aparente do fenômeno, mas de organizar-se para superar o processo em que o crédito é a alavanca da acumulação no processo de reprodução ampliada do capital. Eliminar as condições de trabalho que estabelecem o padrão de desgaste-reprodução dos trabalhadores bancários significa, portanto, fazer ruir as condições concretas que sustentam o fetichismo do dinheiro. Fetichismo que, no setor bancário, sob o ponto de vista do capital, faz da saúde do trabalhador algo negociável, ainda que sua cotação esteja sempre em baixa. Porém, como nos relembra a Escola de Xochimilco da insígnia do Movimento Operário Italiano: na luta de classes, a saúde não se vende e nem se delega, se defende (ODDONE et al. 2020ODDONE, I. et al. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2020.).

  • 4
    A América Latina cumpriu papel de grande importância para a universalização do modo de produção capitalista. Primeiro como fornecedora de riqueza para os centros nascentes do capitalismo, tomando parte da assim chamada “acumulação primitiva”, por meio de uma produção baseada na escravização de pessoas; e depois, ao ingressar de forma subordinada no mercado mundial sob relações sociais tipicamente capitalistas.
  • 5
    O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário é um instrumento previdenciário que utiliza o dimensionamento estatístico do diagnóstico individual dos acidentes e adoecimentos do trabalho na Classificação Nacional de Atividade (CNAE). Destaca-se que os dados apresentados podem estar subnotificados por se basearem em duas grandes bases de natureza previdenciária.
  • 6
    Uma vez que são referenciadas um número maior de autoras neste estudo, utilizaremos a flexão de gênero no feminino para nos referirmos às pesquisadoras e aos pesquisadores dessa escola de forma genérica.
  • 7
    Agradecemos às mestras Jéssica Alves e Bárbara Biondini, integrantes do TraMA, pela colaboração na coleta de dados e nas discussões realizadas no decorrer da pesquisa.
  • 8
    O trabalho de Laurell e Noriega foi publicado em 1989LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. no México sob o título La salud em la Fábrica e no Brasil com o título “Processo de Produção e Saúde: trabalho e desgaste operário”. A edição mexicana está dividida em duas partes. A primeira parte é assinada apenas por Laurell; e a segunda, por ambos autores. No Brasil, a distinção de autoria não foi mantida pela editora. Para sermos fiéis a contribuição deles, citaremos no corpo deste texto a versão em espanhol, atribuindo a devida autoria. Nas notas de rodapé, transcreveremos a citação traduzida utilizando a versão brasileira e referenciando ambos autores.
  • 9
    “historicidade dos processos biológicos e psíquicos humanos” (LAURELL; NORIEGA 1989, p. 100LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).
  • 10
    “ou a produção social das formas biológicas humanas.” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 102LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).
  • 11
    “chave para se entender a historicidade da biologia humana” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 101LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).
  • 12
    “[…] capacidade do corpo de responder com plasticidade diante de suas condições específicas de desenvolvimento, o que se traduz em mudanças específicas nos processos corporais, que se expressam como formas biológicas características. […] Muitos dos processos de adaptação não somente significam a sobrevivência em condições corporais precárias, como também, até, podem se converter em seu contrário, ou seja, em destruidores da integridade corporal” (LAURELL: NORIEGA, 1989, p. 10LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).
  • 13
    El consumo de la fuerza de trabajo al realizarse el trabajo, finalmente, sintetiza las características del objeto, de los instrumentos y una determinada correlación de fuerza entre capital y trabajo, y se expresa bajo formas concretas de desgastes obreros” (LAURELL e MÁRQUEZ, 1983, p. 17LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.).
  • 14
    A categoria “carga de trabalho” pretende alcançar uma conceituação mais precisa do que temos consignado até o momento com a pré-noção de “condições ambientais” no que diz respeito ao processo de trabalho. Dessa forma busca-se ressaltar na análise do processo de trabalho os elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador, gerando aqueles processos de adaptação que se traduzem em desgaste, entendido como perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica. Vale dizer, o conceito de carga possibilita uma análise do processo de trabalho que extrai e sintetiza os elementos que determinam de modo importante o nexo biopsíquico da coletividade operária e confere a esta um modo histórico de “andar na vida” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 110LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.).
  • 15
    O processo de trabalho, assim, não é mais do que um meio do processo de valorização do capital, que o impõe uma lógica. Estudar o processo de trabalho, então, equivale a descobrir sob que formas concretas o capital consegue extrair e maximizar o mais-valor. Este problema está indissoluvelmente ligado à luta de classes, dado que o capitalista não somente persegue valorizar seu capital como também está obrigado a fazê-lo enfrentando a resistência operária (LAURELL; MÁRQUEZ, 1983, p. 16LAURELL, A. C.; MÁRQUEZ, M. El desgaste obrero en México: proceso de producción y salud. México DF: Ediciones Era, 1983.).
  • 16
    Dentre as estratégias utilizadas para oportunizar a expansão dos negócios e redução nas despesas dos bancos, está o mobile banking, que transfere o “[…] atendimento bancário para instalações e equipamentos pertencentes ao próprio cliente. Consiste no desenvolvimento de estrutura tecnológica para permitir que operações bancárias como pagamentos, transferências e consultas, sejam realizadas por smartphones, em substituição aos canais tradicionais.” (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS, p. 7, 2017DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SÓCIOECONÔMICOS. Indicadores da Saúde do Trabalhador com base na Rais. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016, 2017. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro7_Saude.pdf>. Acesso em: 4 mar. 2017.
    https://www.dieese.org.br/anuario/2017/L...
    ).
  • 17
    Segundo o relatório anual Allianz Research, a dívida das famílias brasileiras em relação ao PIB era de 46% no fim de 2020. (ALLIANZ, 2021, p. 45ALLIANZ. Allianz Global Wealth Report 2021. Allianz Research. 2021. Disponível em: <https://www.allianz.com/content/dam/onemarketing/azcom/Allianz_com/economic-research/publications/specials/en/2021/october/2021_10_07_Global-Wealth-Report.pdf>. Acesso em: Acesso em: 5 mai. 2021.
    https://www.allianz.com/content/dam/onem...
    )
  • 18
    Os acidentes do trabalho liquidados correspondem aos acidentes e adoecimentos cujos processos foram encerrados administrativamente pelo INSS depois de completado o tratamento e indenizadas as sequelas.
  • 19
    Embora não tenha sido foco deste estudo, não desconsideramos as potências das reflexões desenvolvidas pela Escola de Xochimilco para a investigação da saúde-doença dos animais não humanos. Sobretudo porque esta escola chama atenção para as condições de reprodução da força de trabalho no estudo do desgaste-reprodução, o que envolve investigar as alterações ambientais decorrentes do modo de produção capitalista.

REFERÊNCIAS

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    » https://www.allianz.com/content/dam/onemarketing/azcom/Allianz_com/economic-research/publications/specials/en/2021/october/2021_10_07_Global-Wealth-Report.pdf
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Aceito
    26 Set 2022
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