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A psicologia do mercado acionário: representações sociais de investidores da BOVESPA sobre as oscilações dos preços

The stock market psychology: social representations of BOVESPA investors about oscillation of prices

Resumos

Diferentes formas de entender o ser humano levam a psicologia e a economia a diferentes concepções do mercado acionário. Este artigo utiliza-se da teoria das representações sociais para entender esta prática social a partir dos próprios investidores. Partindo da teoria das representações sociais e contribuições de alguns estudos cognitivos aplicados ao campo da tomada de decisão, pudemos compreender a visão do grupo estudado. Foram analisados 94 fóruns de discussão, onde foram identificados 317 investidores. Nossas conclusões mostram que para o grupo investigado o mercado é formado por pessoas em relação, e a oscilação dos preços é atribuída à disputa entre grandes e pequenos investidores.

representações sociais; mercado acionário; tomada de decisão; práticas sociais


Different ways to understand the human being have taken economy and psychology to different conceptions of stock market. This article has used the social representation theory to understand this social practice applied by the investors themselves. Starting from the social representations theory and some cognitive studies about decision making, we achieved the group's point of view. We analyzed 94 discussion forums in which 317 investors have been identified. Our conclusion shows that for the examined group the market is formed by people in interaction and prices' oscillation is attributed to the competition among big and small investors.

social representation; stock market; decision-making; social practices


ARTIGOS

A psicologia do mercado acionário: representações sociais de investidores da BOVESPA sobre as oscilações dos preços

The stock market psychology: social representations of BOVESPA investors about oscillation of prices

Tatiana Renaux Tomaselli; Leandro Castro Oltramari

Universidade do Sul de Santa Catarina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rodovia SC 401, Km 5, n 5025, Sala 11 (Bussiness Decor – segundo andar) Florianopolis, SC; CEP: 88032-005 Tel.: (48) 3234-4104. Tel./Fax: (48) 3238-2033 E-mail: tatianarenaux@hotmail.com

RESUMO

Diferentes formas de entender o ser humano levam a psicologia e a economia a diferentes concepções do mercado acionário. Este artigo utiliza-se da teoria das representações sociais para entender esta prática social a partir dos próprios investidores. Partindo da teoria das representações sociais e contribuições de alguns estudos cognitivos aplicados ao campo da tomada de decisão, pudemos compreender a visão do grupo estudado. Foram analisados 94 fóruns de discussão, onde foram identificados 317 investidores. Nossas conclusões mostram que para o grupo investigado o mercado é formado por pessoas em relação, e a oscilação dos preços é atribuída à disputa entre grandes e pequenos investidores.

Palavras-chave: representações sociais; mercado acionário; tomada de decisão; práticas sociais

ABSTRACT

Different ways to understand the human being have taken economy and psychology to different conceptions of stock market. This article has used the social representation theory to understand this social practice applied by the investors themselves. Starting from the social representations theory and some cognitive studies about decision making, we achieved the group's point of view. We analyzed 94 discussion forums in which 317 investors have been identified. Our conclusion shows that for the examined group the market is formed by people in interaction and prices' oscillation is attributed to the competition among big and small investors.

Keywords: social representation; stock market; decision-making; social practices

A economia e a psicologia entendem o homem de modos diferentes. Para a economia, o homem é racional e maximizador de valor, para a psicologia ele é subjetivo. Estas visões diferentes, apesar de não serem contraditórias, trazem implicações na forma como cada ciência explica o funcionamento dos mercados. Este artigo visa mostrar como a psicologia, utilizando-se da teoria das representações sociais, pode colaborar para a compreensão deste fenômeno, entendendo o mercado acionário como uma prática social e, portanto, a partir do ponto de vista dos próprios investidores. Para isso, fizemos uma breve incursão nas pesquisas de finanças comportamentais, mostrando como uma nova forma de explicação dos mercados vem surgindo da crítica aos pressupostos econômicos clássicos. Em seguida, expomos o papel das representações sociais na tomada de decisão dos investidores e finalizamos com a pesquisa documental elaborada a partir de fóruns de discussão que mostra, na prática, como as representações sociais guiam o processo de decisão do grupo.

A assim chamada economia comportamental ou finanças comportamentais é uma nova área de pesquisa que vem surgindo dentro da economia, procurando entender o funcionamento dos mercados a partir de outras ciências além da economia. Suas pesquisas se encarregam de verificar como o comportamento humano difere do comportamento proposto pela economia clássica, além de mostrar a importância deste comportamento dentro do contexto econômico. Se, por um lado, a economia clássica concebe o homem como maximizador de valor dentro de um mundo regido pelo cálculo, por outro, as finanças comportamentais entendem esse homem como limitado em sua racionalidade, força de vontade e interesse próprio (Mullainathan & Thaler, s/d). A diferença entre essas duas visões são explicadas pelas finanças comportamentais, sobretudo, com base nos vieses cognitivos que afastam a decisão humana da racionalidade econômica.

Os vieses cognitivos, caracteristicamente ligados à psicologia social estadunidense, são tendências resultantes do processamento mental da informação, que levam o tomador de decisão a pensar de uma determinada maneira que nem sempre seria correta para aquela situação. Eles não dependem nem da emoção nem da inteligência, mas sim da simplificação mental que ocorre no processamento de informação (Heuer, 1999). Vale lembrar que a perspectiva cognitivista desqualifica o saber de senso comum, que será tomado neste artigo como essencial para compreender o fenômeno estudado. Mas, vale dizer que estas perspectivas cognitivas trazem contribuições para pensar a estruturação cognitiva no campo das representações sociais.

Como exemplo disto, podemos tomar os vieses que causam uma série de erros na tomada de decisão, colocando em dúvida a bem estabelecida hipótese econômica dos mercados eficientes (Milanez, 2003). Num mercado eficiente, os preços dos ativos representam sempre a melhor estimativa de valor para aquele momento. Entretanto, o fato dos investidores não serem totalmente racionais desvia os preços deste valor justo criando anomalias no mercado (Haugen, 2000).

A explicação mais comum na literatura de finanças sobre a oscilação dos preços é pautada na lei da oferta e da demanda. De acordo com essa lei, quando a demanda é maior que a oferta, o preço sobe e quando a oferta é maior que a demanda o preço cai (Pinheiro, 2002). Assim, o preço reflete o equilíbrio destas duas forcas antagônicas.(Mello, 2004). Fleuriet (2004) elucida que

o mecanismo de formação dos preços nos mercados financeiros se explica por um desacordo, também fundamental, entre a visão de futuro do vendedor – que pensa que o preço atual não se justifica – e a do comprador, que pensa o contrário. (p. XIII)

Os preços dos ativos no mercado de capitais oscilam constantemente porque existem pessoas interessadas em comprar e vender esses papéis durante todo o tempo em que há pregão. A grande maioria dos jornais, bem como os noticiários na televisão, tecem comentários a esse respeito diariamente. Esses dados fazem parte do senso comum e quase sempre vêm acompanhados de uma explicação: "o mercado subiu devido ao otimismo com os números da economia"; "o mercado caiu influenciado pela alta do petróleo que causa medo aos investidores"; "o mercado nacional refletiu o mau-humor do mercado nos EUA", são algumas delas. Quem cria os movimentos não são investidores como indivíduos isolados, mas como grupo em interação social. Como o objetivo do investidor é auferir lucro, um comprador decide comprar se acreditar que o preço vai subir, o que só pode ocorrer se outros comprarem a preços ainda mais altos nos momentos seguintes. Assim, sua decisão não é baseada naquilo que ele pensa, mas sim no que acha que o grupo pensa (Sternberg, 2000).

A teoria das representações sociais possibilita compreender esse fenômeno que se situa na relação entre o grupo e o indivíduo. As representações estão sempre presentes onde há interação social. Da mesma forma que não existe interação sem comunicação, não existe comunicação sem representação. As representações preenchem a lacuna entre o objeto real e o mental, permitindo que o grupo possa compartilhar idéias e pensamentos, através da linguagem. A representação não é a cópia da realidade, mas é a forma como o grupo compreende a realidade e é com base nesta realidade representada que ele fundamenta suas práticas (Moscovici, 2004).

Tanto as práticas como o comportamento dos indivíduos são organizados pelas suas representações sociais. Porém, as práticas sociais são também agentes de transformação das representações, pois é aí que, durante o processo de comunicação, elas emergem (Rouquette, 2000). Por isso, são as representações que os investidores têm do mercado que orientam suas decisões de investimentos.

A teoria das representações sociais é proposta por Vallaster (2000) como uma forma de entender a dimensão social e cultural da tomada de decisão, sem cair no individualismo das pesquisas da psicologia cognitiva que tem embasado os estudos em finanças comportamentais. A vantagem se encontra no fato de a teoria entender o indivíduo não como um receptor passivo das informações recebidas, mas sim como um participante ativo, e o conhecimento como sendo construído durante o processo de comunicação e, portanto, em constante modificação Vallaster, 2000).

Existe uma metáfora, que é utilizada para explicar a lei da oferta e da procura, chamada de metáfora dos touros e os ursos. Ela sintetiza as diferenças comportamentais entre os grupos de compradores e vendedores, fazendo uma analogia aos gráficos de preços tão populares no mercado atualmente. Os ursos, que moram no topo das montanhas, onde estão os preços altos, representam os vendedores. Por sua vez, os touros, que representam os compradores, moram embaixo, no vale. Os touros sobem a montanha empurrando os preços para cima com seus chifres, enquanto compram mais e mais alto. Chegando em cima, encontram os ursos que, com patadas derrubam os preços, enquanto vendem a preços cada vez mais baixos. Quando os touros estão mais fortes, os preços sobem, quando os ursos dominam o mercado, os preços caem (Elder, 1992).

A metáfora dos touros e dos ursos nos dá uma idéia de como as representações sociais aparecem num ambiente abstrato como o mercado acionário. A expressão metafórica objetiva a lei econômica, fazendo uso do comportamento animal para explicar a oferta e a demanda. Este processo de objetivação permite a compreensão da lei que não é algo familiar para as pessoas comuns (não economistas profissionais), mas pertencem ao grupo social que compõe o mercado e precisam compreendê-lo. Deste modo, os touros e os ursos são representações sociais das forças antagônicas que compõem o mercado para os investidores.

A objetivação é, ao lado da ancoragem, um dos mecanismos que cria as representações sociais. Por meio dela, o conhecimento abstrato é transformado em algo quase concreto, recebendo uma forma conhecida do mundo físico. A ancoragem é uma espécie de ligação que ocorre entre o conhecimento que é novo, não-familiar e o familiar. Isso soluciona o conflito gerado pelo desconhecido, que era anteriormente desprovido de um sentido (Moscovici, 2004). Os mecanismos de objetivação e ancoragem, ao mesmo tempo em que permitem que o conhecimento novo seja compreendido e partilhado pelo grupo, tornando-se familiar, o modificam. Isto ocorre porque a não familiaridade do conhecimento novo precisa ser ajustada para se tornar familiar. Ou, dito de um outro modo, enquanto o novo se encaixa nos padrões existentes, ele se modifica, criando, pela objetivação e ancoragem, novas representações. Assim, a memória tem uma importância neste processo, pois impede que as representações tenham mudanças bruscas, uma vez que as pessoas lembram as representações anteriores (Moscovici, 2004).

Na teoria das representações sociais, a realidade é dividida entre o universo consensual e o reificado. O universo consensual é o mundo em que vivemos, enquanto o universo reificado é o mundo dos conceitos. No universo consensual, o ser humano está presente o tempo inteiro. Cada um participa com o saber que possui, falando na hora que achar propício, dando palpites, fornecendo informações, fazendo perguntas e tomando decisões pelo grupo. Tudo, nesse universo, é compreendido dentro dos paradigmas existentes, ou seja, com base no saber social adquirido e partilhado pela coletividade (Moscovici, 2004).

O universo reificado é um mundo mais formal. No lugar da individualidade, existe um sistema de classes e papéis a serem exercidos. Neste universo, as pessoas são vistas como desiguais, o que significa que cada um só pode participar de acordo com sua competência, ou seja, de posse do papel de profissional que lhe cabe. Assim, quando um profissional fala, não é sua opinião que está aparecendo, mas sim a verdade do grupo que ele representa como advogado, médico ou analista de mercado. Existe uma maneira certa de se comportar para cada situação, bem como uma linguagem especial a ser usada em cada momento, além de normas e leis, tudo organizado com rigor científico (Moscovici, 2004).

Cada universo possui um conhecimento e uma lógica próprios. Enquanto a ciência é a forma como compreendemos o universo reificado, as representações sociais nos possibilitam compreender o universo consensual. Entretanto, o conhecimento transita entre estes dois mundos distintos, assumindo formas próprias na medida em que se adapta aos usos possíveis em cada um deles. Aqui nos concentraremos em estudar o conhecimento do universo consensual, as representações sociais,

um sistema de valores, idéias, práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará as pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social. (Moscovici, 1978, p. 21)

As pessoas usam e criam as representações no seu cotidiano, nos lugares que freqüentam, nas atividades que exercem, nas suas casas, nas ruas, enquanto comentam os fatos, analisam, buscam explicações; conseqüentemente, elas exercem forte influência nas decisões e relações sociais (Jodelet, 2001; Moscovici, 2004). Isso porque as representações sociais possuem funções importantes dentro do mundo social em que os grupos interagem. A partir do entendimento de que as representações sociais agem sobre a forma como os grupos se relacionam na sociedade, devemos compreender quais as funções objetivas das representações sociais. Segundo Abric, citado por Sá (1996), as representações têm funções de saber, que fazem com que elas permitam uma explicação e compreensão da realidade. "Elas definem o quadro de referência comum que permite a troca social, a transmissão e a difusão deste saber 'ingênuo'" (p. 44). As funções identitárias permitem uma definição de identidade com o grupo. Esta identidade tem de estar em acordo com a inserção deste grupo dentro de um campo social, onde as regras e normas sociais vão auxiliando no controle social que o grupo tem sobre cada um dos seus integrantes. A terceira seriam as funções de orientação, que guiam os comportamentos e as práticas. Essa função já determina antecipadamente o modelo de relação que o sujeito deve ter frente a um objeto. Esta função "define o que é lícito, tolerável ou inaceitável em um dado contexto social" (p. 44). A quarta das funções é a justificatória, que faz com que as tomadas de posição pelo grupo sejam justificadas posteriormente. Assim, os integrantes podem explicar suas ações enquanto atores envolvidos em processos de relações sociais. Devemos entender a função da representação social como uma forma de dar sentido às condutas dos indivíduos. Estas afirmações buscam evidenciar que as representações sociais levam as pessoas a agir de uma forma ou de outra (Abric, 1998).

Existem na bibliografia especializada sobre mercado de capitais, duas teorias que procuram compreender o funcionamento do mercado acionário: a escola técnica e a escola fundamentalista. Estas escolas procuram explicar o funcionamento do mercado teoricamente, ao mesmo tempo em que se constituem num método que poderá ser utilizado pelos investidores como auxílio na tomada de decisão.

A análise técnica de investimentos se baseia na psicologia do comportamento de massa. Os preços são criados pela massa de investidores e representam um consenso naquele momento (Elder, 1993). Para os analistas técnicos, o comportamento humano permanece mais ou menos constante em situações similares, os preços formam tendências e permanecem assim até que algum evento gere mudanças no comportamento da massa. A tarefa do analista técnico é identificar pontos de reversão dos preços que mostram essas mudanças no comportamento. Nesses pontos extremos, a massa estaria errada, sendo, então, movida por pânico ou euforia. Diante disso, os analistas técnicos recomendam que o investidor não haja de acordo com a massa uma vez que ela é irracional (Pring, 2002).

Quando se referem a massas, os livros de análise técnica citam o psicólogo francês Gustave LeBon (Cavalcante & Misumi 2001; Elder, 1992; Pring, 2002). Sua obra Psychologie de foules (psicologia das multidões) formou uma representação social das massas utilizadas por líderes políticos importantes como Hitler e Mussolini (Farr, 1994). Para Le Bon(1895), o que movimenta a massa é o sentimento, uma vez que é dotada de uma razão apenas primitiva Esta mesma representação social parece ter sido usada também pelos analistas técnicos.

De outra forma, o analista fundamentalista estuda para tentar determinar o preço justo de um ativo, depois comparar com o valor do mercado e, se este for menor, comprá-lo, já que auferirá lucros quando o mercado eficiente ajustar o preço. Isso ocorre, pois o preço das ações pode não ser o preço justo por algum tempo, devido às distorções que alguns investidores menos espertos causam nos preços (Cavalcante & Misumi, 2001). A teoria do mercado eficiente, na qual essa escola se fundamenta, pressupõe que alguns investidores são mais eficientes que outros e, quando decidem comprar, fazem com que os preços voltem ao valor justo, embolsando a diferença que os investidores menos eficientes deixaram no mercado (Pinheiro, 2002).

As escolas de investimentos se propõem a explicar essa prática dos investidores, porém o fazem do ponto de vista do universo reificado. Além disso, não são todos que usam das escolas para tomar suas decisões. Alguns usam dicas de terceiros ou até mesmo o chamado feeling (Botelho, 2004), enquanto outros usam as duas: fundamentalista, para saber em qual empresa investir, e a técnica, para saber o melhor momento de iniciar a aplicação (Figueira, 2003). Enfim, não é exigido conhecimento específico, bastando apenas cadastrar-se, abrir uma conta numa corretora e dispor de algum capital. A decisão, bem como o método utilizado, cabe exclusivamente a cada pessoa. Cavalcante e Misumi (2001) relatam fatores como esperança, humor, medo, ganância, atos-de-Deus (e do Governo), estimativas e necessidades e informações secretas para os quais não existem estatísticas, mas afetam os preços do mercado. Botelho (2004) acrescenta que são grandes inimigos do investidor: as emoções (ganância, orgulho, amor, euforia, descrença, esperança, medo, pânico) e os conflitos psicológicos, uma vez que atrapalham a tomada de decisão.

Os investidores não são necessariamente profissionais da área financeira, mas pessoas comuns, muitas vezes, profissionais de outras áreas que exercem a função de "analistas amadores", quando procuram encontrar o melhor investimento. Não há teste para investidor, não existe um conhecimento específico que lhe seja exigido, os investidores pertencem ao universo consensual, sendo, nesta posição, que decidem qual o melhor investimento a ser feito. Durante o processo de escolha, utilizam-se do conhecimento que dispõem do mercado, o que abrange as teorias técnicas e fundamentalistas que pertencem ao universo reificado. Entretanto, estes conhecimentos obtidos das escolas de investimentos, e que se originam no universo reificado, passam ao mundo consensual se adaptando aos usos específicos desse mundo prático. As novas teorias são sentidas, a princípio, como não familiares e, quando os indivíduos procuram compreendê-las para que possam aplicá-las, esse conhecimento se transforma para tornar-se familiar. Assim, o conhecimento dos investidores é modificado durante o processo de comunicação, criando e transformando as representações sociais do grupo, mesclando ciência e senso comum, o que vai também modificando a prática.

Método

Este trabalho se classifica como uma pesquisa teórica com delineamento documental. Devido a isso, o objetivo desse estudo é compreender melhor o tema, levantando novos problemas para futuras pesquisas. A coleta de dados foi desenvolvida a partir dos fóruns de discussão realizados na página da VipTrade, que pertence à corretora Ágora Senior. O fórum é um serviço oferecido pela corretora, de uso exclusivo de seus clientes, destinado a discussões sobre o mercado acionário. Nele, diversos investidores participam, trocando informações entre si, dando opiniões, fazendo perguntas e respondendo a dúvidas que, muitas vezes, são de principiantes no mercado. Esse serviço ocorre das 9h às 18h, em todos os dias em que há pregão, o que permite observar a comunicação do grupo durante a sua prática. O fórum é monitorado pela corretora que pode retirar mensagens que considere não-apropriadas ao seu objetivo.

Durante o período de 20/10/2004 a 18/03/2005 foram analisados 94 fóruns de discussão, nos quais puderam ser identificados 317 investidores (68,77 % homens; 3,47 % mulheres e 27,76 % não identificados). Em quase todo o período da pesquisa, o IBOVESPA se manteve em tendência de alta, o que não significa que todos os pregões tiveram oscilação positiva, mas sim que o gráfico é ascendente. Foram recortados 2120 comentários que, depois, foram analisados segundo o método de análise de conteúdo do tipo categorial proposto por Bardin (1977). Esta análise se remete a uma operação de "desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos" (Bardin, 1977, p. 153), gerando temas significativos para explicação do material coletado.

As falas foram divididas em categorias e, posteriormente, agrupadas em três temas: relação, metáforas e emoção.

Resultados e discussão

Identificando o grupo

A partir da análise das falas, pudemos perceber que o grupo é constituído, sobretudo, por pequenos investidores que operam em prazos mais curtos, procurando ganhar nas oscilações diárias do mercado. Não é possível precisar esse prazo em termos de tempo, contudo, em termos de objetivo, percebemos que o grupo não investe para o longo prazo, como recomendam alguns economistas. O objetivo é ganhar no curto prazo. "No longo prazo todos estaremos mortos" (I 7), explica um dos investidores do fórum. Este tipo de investidor encaixa-se na descrição de especulador: pessoa que entra e sai do mercado rapidamente concentrando seu capital em poucos ativos (Cavalcante & Misumi, 2001).

O mercado como uma rede de relações

O tema relação foi o mais representativo, compreendendo 62,00% do total. Neste tema foram agrupadas as falas que apontam a interação social entre os participantes do mercado. Os resultados mostram que o mercado, como representado pelo grupo, está dividido em dois: o grupo pesquisado, que se autodenomina sardinhas, e o grupo dos "outros", que chamam de tubarões. A divisão, aparentemente, não diz respeito somente aos participantes do fórum pesquisado, mas abrange aqueles que atuam no mercado como compradores de pequeno porte. Por outro lado, aqueles que o grupo chama de outros são, em princípio, os investidores de grande porte. Porém, se olharmos mais de perto, este outro parece ir além, sendo referente a todos aqueles que são diferentes, que não participam dos mesmos objetivos do grupo. Joffe (1998) explica que a representação do outro tem origem na infância, quando a criança não pode ter suas necessidades comunicadas com facilidade. Assim, aquele que dá o que ela precisa é também quem a priva, o que gera uma ansiedade que é compensada simbolicamente, projetando no outro a culpa pelo sentimento ruim. Mais tarde, em períodos de crises, essa ansiedade retorna e o exagero das características negativas na representação do outro é uma forma de manter o equilíbrio interno no grupo. Desta forma, o outro passa a ser um "repositório de sentimentos e práticas não desejadas" (p. 125).

A relação entre os participantes do mercado ocorre em dois sentidos: de cooperação, quando entre o grupo, e de disputa, quando com os outros. As categorias agrupadas no tema relação foram: guerra (28,26%), jogo (25,82%) e manipulação (17,90%), que se referem à relação entre os grupos; e ajuda (19,50%) e comportamento de massa (8,53%), referentes à relação entre o próprio grupo.

A oscilação dos preços decorre da "luta em alto mar com os tubarões e sardinhas pra todo lado!"

A metáfora dos tubarões e sardinhas objetiva a relação de disputa entre os grupos, explicando como a oscilação dos preços nasce dessa rivalidade. "Tubas são os tubarões, aqueles que movimentam grandes somas e que manipulam a bolsa, fazendo o ativo subir ou descer de acordo com seus interesses" (285). Já as sardinhas operam com boa índole, ajudando-se mutuamente, enquanto fogem dos tubarões, que usam de todas as artimanhas para ganhar o dinheiro delas. Um investidor, num dia de baixa forte (-2,5%), explica que "tuba não entra pra correr risco, entra pra ganhar. Mas que a sardinhada (leia-se nós) tá em pânico, isso tá".

Diferente da metáfora touros e ursos, tubarões e sardinhas reflete a linguagem do fórum, e supõe que os movimentos são criados propositadamente por um lado mais forte, que ora se encontra na compra e ora na venda, muitas vezes manipulando os preços. "Os tubas utilizam de acordo com a intensidade de ajuste necessário no momento" (237), explica um participante. As palavras tubas e sardinhas, embora não encontradas na bibliografia consultada, aparecem constantemente no fórum (mais de 100), sendo usadas praticamente todos os dias, enquanto que touros ou ursos aparecem raramente (menos de 10), algumas vezes em inglês (bull e bear, respectivamente), provavelmente pelo fato de essa metáfora ser importada dos Estados Unidos, junto com a bibliografia de análise técnica, que ainda é escassa na nossa língua.

As categorias de guerra, jogo e manipulação evidenciam a relação de disputa que existe entre os grupos. Nestas categorias, percebe-se um esforço no sentido de compreender o funcionamento do mercado a partir das representações antigas que o grupo possui e que possam possibilitar a ancoragem. A ancoragem em representações de guerra e de jogo demonstra que o mundo simbólico da bolsa é envolto em uma atmosfera de disputa. A guerra mostra o lado doloroso do mercado, sobretudo, quando os preços caminham contra o esperado: nestes casos, "é sangue pra todo lado" (258), comenta o investidor, num dia em que o Ibovespa terminou em queda de 1,8%. Nesses casos, para o grupo pesquisado, o mercado é um lugar em que um quer tirar a todo custo aquilo que é do outro (dinheiro); e, para um ganhar, alguém precisa perder, por isso é preciso lutar com todas as armas (conhecimento) para se manter vivo (não ficar sem capital), ainda que se possa sair machucado (prejuízo). Por outro lado, o jogo objetiva a imprevisibilidade de um mercado em que a todo dia é possível ganhar ou perder. "Na verdade, é tudo aposta, pois se a ação subir muito neste período vc pode ganhar muito, porém, se ela ficar nos 39,99, vc perde tudo entendeu?" (220), explica o membro do fórum num dia de oscilação fraca (0,6%).

Porém, tanto a guerra quanto o jogo podem ser manipulados. A categoria manipulação demonstra a presença de um "outro", capaz de fazer o mercado movimentar-se no sentido que desejar, como podemos perceber nesta fala: "todos os dias a mesma coisa – quando não é a maior baixa da bolsa, é uma das... Começa caindo e no fechamento encerra sempre no menor nível, e isto já está sendo previsível. É uma manipulação exagerada" (113). Muitas vezes, a manipulação e a especulação aparecem no fórum como sinônimos: "bolsa sobe e cai, dólar cai pra burro, só tem especulação e sacanagem no mercado, e vamos em frente que só aqui se ganha. Renda fixa? Nem pensar!!!!!!" (258). Entretanto, a literatura específica de mercado de capitais afirma que o especulador é uma figura fundamental para o mercado, e "não deve ser entendido no sentido pejorativo, como 'explorador' em transações comerciais" (Mello, 2004). É o especulador que fornece liquidez às ações, além disso, nos mercados futuros (em que são negociados acordos, e não ações), seu papel é assumir o risco que o produtor não deseja (Cavalcante & Misumi, 2001; Fleurit, 2004; Mello, 2004).

No mercado, o grupo das sardinhas se sente dominado pelo grupo dos tubarões e, com suas estratégias de investimentos, procuram se proteger. Como a relação entre o grupo é de ajuda, o mal é expelido para fora do grupo, de modo que os tubarões levam a culpa pelas perdas. "Tubas @#!&^%$#2, ocês vão se ver com eu. Acabu com a rassa de ocês" (258), xinga o participante do fórum. A relação é de desigualdade: os tubarões têm mais dinheiro, portanto uma participação mais forte no mercado que lhes confere mais poder, para manipular o jogo, ou a guerra, de acordo com seus objetivos. "Prezados Srs. Tubas de Plantão, Favor jogar limpo (como de sempre), e, esperar até às 15:00 para derrubar nossa querida Bovespa. Grato. Atenciosamente, A galera!" (154), ironiza um investidor enquanto mostra que aceita o poder dos tubarões.

O dia-a-dia do investidor é regado a fortes emoções: "Agueeennnta coração"

A relação de disputa que o grupo percebe, no mercado, gera uma série de emoções que são demonstradas no processo da comunicação. Essas emoções são divididas com o grupo e influenciam, além do próprio investidor, na tomada de decisão dos outros membros do grupo, o que é um dos fatores que influencia no comportamento de massa como veremos mais adiante. No tema emoções, foram agrupadas as categorias de pânico (11,52 %), quando a fala salienta um desconforto decorrente da perda financeira; a euforia (16,13 %), quando aparece uma grande alegria evidenciando os ganhos. Além disso, aparecem ligadas às representações de jogo, as categorias de pensamento mágico (38,71 %) na qual o investidor parece acreditar que pode exercer uma influência no movimento dos preços; o vício (12,90 %), quando comparam o mercado ou papéis específicos a vícios, ou ainda, mostram que atuar no mercado é algo que vicia. Essas emoções podem levar o investidor a adoecer ou não, como mostram as falas agrupadas sob a categoria de aspectos vitais (20,74 %), por exemplo: "agora é só ficar de cama, até a dor passar. " (293), explica o investidor num dia que o IBOVESPA terminou em queda de 2,0 %. A presença de emoções no mercado confirma a premissa da escola técnica de investimentos, que também foi demonstrada por Kahneman (2002), quando explica que a tomada de decisões é guiada principalmente pela intuição do agente econômico, que é emocional. "O importante é controlar as emoções e comprar na hora certa, com fé" (295), concorda um dos membros do fórum.

Shiller (2000) já havia observado que este circuito de feedback psicológico pode levar ao comportamento de massa, o que fica evidente nas falas do grupo, como se pode perceber neste exemplo, em que o investidor comunica o ganho e dá o nome da ação que poderá vir a ser comprada pelos outros: "Não acredito, minha carteira está toda azul. ATÉ QUE ENFIM! DEMORÔ SÔ. BRADESCÃO UUUAAAAAAA!" (investidor).

Quando decidem investir, os investidores baseiam suas decisões nas representações sociais que o grupo apresenta sobre o mercado naquele momento, no qual também o preço atual faz sentido. A decisão gera um comportamento que pode ser comprar, vender ou continuar de fora. Se for de compra ou venda, irá gerar oscilações nos preços. As oscilações são um conhecimento novo, pois o familiar era o preço antigo; assim, os investidores vão se utilizando das representações sociais já existentes e das novas informações que vão chegando através da mídia, como: notícias de investimentos das empresas, balanços que foram publicados, explicações dos economistas, entre outras que vão sendo criadas, tentando compreender as causas de tais oscilações. Diante disso, e através da objetivação e da ancoragem, se formam novas representações que novamente sustentam o processo de decisão do grupo dando origem a novos comportamentos, e assim por diante (ver Figura 1). Por exemplo, se um investidor comprar quando o preço estiver caindo, e o grupo entende ser uma "correção saudável", ele poderá comprar ainda mais se o preço continuar caindo, fazendo preço médio1 1 Preço médio é quando uma ação é comprada a, por exemplo, R$ 10,00 e o preço cai para R$ 9,00 e o investidor compra mais ou pouco, ficando com o preço médio em R$ 9,50. , pois acredita que a queda resultará em aumentos posteriores. Entretanto, quando chegar ao grupo alguma informação que muda essa representação da oscilação negativa de saudável para doente, então poderá resolver vender. O fato de essas representações serem partilhadas pelo grupo pode ser um aspecto que dá origem e sustenta a confiança na tendência, que Shiller (2000) observou, além de influenciarem as decisões no mesmo sentido, levando ao comportamento de massa.


A objetivação das oscilações dos preços por meio das metáforas

Os conceitos abstratos do mercado são objetivados, sobretudo, em metáforas. Elas são muito mais que figuras de linguagem, pois expressam o próprio pensamento partilhado pelo grupo (Ordaz & Vala, 2000).

O grupo se utiliza de metáforas durante o processo de comunicação que envolve a relação de ajuda mútua, o que ocorre tanto na busca pelo melhor investimento como na explicação sobre as causas das oscilações, dois processos que se encontram extremamente ligados. Relacionando-se as causas das oscilações dos preços aparecem metáforas de: ação e reação (0,71%), quando toda causa vem seguida de uma ação contrária; psicologia do senso comum (1,76%), em que aparecem conceitos da psicologia normalmente tirados da análise técnica; catástrofes (3,35%), quando as quedas e aumentos são associados a eventos da natureza; metáforas com as ações (6,00%), em que os nomes das ações, figuras gráficas utilizadas pela análise técnica, bem como o ramo de atuação da empresa são utilizados para explicar o movimento do papel de forma irônica; carro (3,53%), quando são utilizados conceitos ligados ao trânsito ou automóveis; por último, metáforas referentes à liquidação (1,59%), que fazem uma comparação dos preços baixos a promoções no comércio. Além dessas representações que evidenciam o comportamento de massa, também aparecem outras, chamando os investidores para seguirem a tendência que está se desenrolando, ampliando o circuito de feedback psicológico, como na fala: "Hoje inclusive o Marcio Noronha deixou claro que ainda era tempo de pegar uma carona" (191).

Os investidores parecem classificar estas causas das oscilações de preço como boas ou más, o que muitas vezes é ancorado em conceitos de saúde ou doença (24,34%), mostrando se a oscilação foi boa ou ruim para o mercado, podendo levar o grupo a fazer, ou não, novos investimentos – por exemplo: "o mercado está realizando dentro da tendência de alta, o que considero saudável" (214). As representações sociais discutidas até aqui, bem como as relações entre elas foram sistematizadas na Figura 2.


Além destas, o grupo também utiliza metáforas de relação afetiva (58,73%). Nesta categoria foram agrupadas as falas nas quais as ações, o IBOVESPA, ou o mercado aparecem, não como sendo uma instituição, mas com características de seres humanos. Assim, as falas dão a impressão de que os investidores estão conversando com as ações: "Querida Vale5, quero te desejar um feliz natal e agradecer por todo o lucro que me deste em 2004"(258), ou contando para algum amigo a proeza de alguém: "ela é assim mesmo, muito temperamental, bate o pé, faz beicinho e não anda; é do tipo ame-a ou deixe-a; he he he" (258). A categoria relações afetivas foi a que apresentou maior freqüência dentro do tema metáforas e parece ser usada com várias funções. O "casamento" é associado ao longo prazo, situação em que o investidor decide segurar a posição, normalmente porque ocorreu algo que lhe impediu de se desfazer da posição. "Compre Plim, mas não case com Plim. Ótima amante – péssima esposa! Durma com ela no máximo duas noites". Uma ação com potencial é objetivada em criança, namoro ou atraente. Uma ação que esteja parada por algum tempo pode ser rotulada de tímida ou dorminhoca, o que pode ser usado também quando volta a subir, como em: "Não acredito que ela enfim acordou!!!" (297). Também é bastante freqüente uma ação ou o mercado estar de cara boa, ou cara feia, indicando ao grupo que é para comprar (ficar perto) ou vender (manter-se distante), respectivamente.

O comportamento de massa

O grupo das sardinhas parece não acreditar que exerçam influência nos preços das ações, responsabilizando os tubarões pelo fato. Entretanto, acredita que para ganhar no mercado é preciso estar do lado mais forte, como podemos perceber neste exemplo: "To preferindo não me posicionar em nada por enquanto e esperar um pouco mais de volume (ou melhor, tubas)" (181). Assim, o comportamento de massa ocorre, pois as sardinhas procuram imitar os tubarões, quando a expressão sardinhas é a objetivação deste comportamento, como na fala: "Olha a sardinhada na PLIM...."(287). Ocorre que na tentativa de ajudar os demais, os investidores indicam quando é para comprar: "última chamada para a celesc... o lote de 1.14 ta finalmente acabando" (230), e quando é para vender: "vai remando contra a maré que os tubas te engolem "(155), avisando para os outros de que lado está a tendência do mercado. Os investidores observam os comportamentos uns dos outros e, desconfiados que alguém tenha alguma informação, acabam seguindo na mesma direção, ratificando a tendência. A observação dos demais movimenta uma reação em cadeia que faz os preços subirem até que, novamente, um pequeno grupo comece a vender. Assim, o comportamento de massa ocorre no sentido contrário quando "o povo vende adoidado feito um rebanho de ovelhas correndo do lobo mau" (93).

Do exposto, podemos observar que o comportamento de massa, observado pela análise técnica, realmente ocorre no mercado, mas não devido à perda da razão do grupo que passa a ser dominado pela emoção (Sternberg, 2000). É a busca por estar do lado "certo" que faz com que o comportamento de massa se desencadeie. A emoção e o pânico são fatores que o ampliam, enquanto os investidores comunicam seus ganhos e suas perdas aos demais, e não um resultado desse. O comportamento de massa, sistematizado na Figura 3, é a lógica de funcionamento do grupo; o investidor, longe de estar seguindo a massa, pois perdeu o controle, estará tentando seguir o caminho que mais provavelmente o levaria ao acerto: descobrir qual o lado mais forte, se dos compradores ou vendedores, ou, na linguagem utilizada pelo fórum, de que lados estão os tubarões.


Considerações finais

A pesquisa mostra que o grupo estudado entende a formação de preços de forma diferente da explicação econômica. Não existe um equilíbrio entre a oferta e demanda, mas sim uma disputa entre os mais fortes e os mais fracos, que é a origem da oscilação dos preços. Algumas vezes, as oscilações dos preços são atribuídas à manipulação pelos mais fortes, outras ao comportamento de massa. Entretanto, esse comportamento não ocorre porque os grupos se tornam emocionais em detrimento da razão, como propõe a escola técnica –apropriando-se da psicologia das multidões de Le Bon (1895) –, mas é a própria lógica de funcionamento do mercado, na qual os investidores procuram descobrir o que os outros estão fazendo para imitar os mais fortes e ganharem junto com eles.

Algumas questões foram verificadas nesta pesquisa e carecem de maiores estudos para que possam ser utilizados de forma a contribuir com o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil. Uma delas se refere à baixa representatividade das mulheres no grupo, sendo a participação ativa ainda mais baixa. Acreditamos que um estudo sobre quais as representações sociais das mulheres sobre a BOVESPA possa ajudar a esclarecer esse fenômeno e, quem sabe, mostrar caminhos para facilitar o acesso do público feminino ao mercado acionário.

Outra questão que, em nossa opinião, merece ser pesquisada sob a luz da teoria das representações sociais, diz respeito à popularização do mercado acionário brasileiro. A bolsa tem desenvolvido campanhas procurando divulgar esse mercado nas escolas, em empresas, e até mesmo em locais de lazer, e um estudo das representações sociais da população sobre o mercado acionário, ou mesmo sobre a própria BOVESPA, poderia ser útil nesse sentido.

Uma terceira possibilidade a ser verificada diz respeito à apropriação dos conhecimentos da psicologia pela escola técnica de análise de investimentos. Esta surgiu com base numa série de publicações que Charles Dow (1851-1902) fez no Wall Street Journal referentes a métodos de especulação. Porém, somente em 1948, com a publicação de Technical Analyses of Stock Trends, por Robert D. Edwards e John Magee, é que seus conceitos se popularizaram (Botelho, 2004). Alguns livros de análise técnica (Botelho 2004, Figueira, 2003; Pring, 2002) afirmam que ela se refere à psicologia do mercado, pois é de psicologia, e não de economia que os investidores precisam saber para ganhar dinheiro no mercado de ações. O psicólogo Gustave Le Bon é referência constante nesses manuais e, algumas vezes, também Gabriel Tarde. Como a maioria desses manuais está em inglês, e tendo em vista que a interpretação de Le Bon feita por Allport nos Estados Unidos (a massa é um grupo de indivíduos), difere da interpretação de Moscovici, que se refere à importância das massas (Farr, 2002); acreditamos que um estudo detalhado a respeito de como a escola de análise técnica apropriou-se dos conhecimentos da psicologia poderia resultar em conhecimentos capazes de modificar alguns conceitos desta escola, por exemplo, "o homem se torna irracional quando segue a massa".

Nota

Recebido em 18.dez.06

Reformulado em 22.out.07

Aceito em 12.dez.07

Tatiana Renaux Tomaselli é especialista em psicossomática pelo FACIS-IBEHE (SP).

Leandro Castro Oltramari, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, é professor na Universidade do Sul de Santa Catarina. E-mail: leandrooltramari@gmail.com

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  • 1
    Preço médio é quando uma ação é comprada a, por exemplo, R$ 10,00 e o preço cai para R$ 9,00 e o investidor compra mais ou pouco, ficando com o preço médio em R$ 9,50.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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