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Fatores clínicos, funcionais e inflamatórios associados à fadiga muscular e à fadiga autopercebida em idosas da comunidade

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A fadiga é um sintoma comum e inespecífico associado aos problemas crônicos de saúde nos idosos. As alterações e adaptações do processo de envelhecimento associadas à natureza complexa e multidimensional da fadiga favorecem a interação de múltiplos fatores na gênese desse fenômeno. OBJETIVOS: Investigar a associação dos fatores clínicos, funcionais e inflamatórios com a fadiga muscular e a autopercebida em idosas. MÉTODOS: Participaram 135 idosas sedentárias da comunidade, com média de idade de 71,2±4,57. Questionário estruturado e teste funcional foram utilizados para avaliar as características clínicas e funcionais. As concentrações plasmáticas dos mediadores inflamatórios (IL-6 e sTNFR1) foram dosadas pelo método ELISA. A fadiga muscular foi mensurada pelo dinamômetro isocinético, e a fadiga autopercebida, pela Escala Visual Analógica (EVA). A análise estatística foi realizada pela regressão linear múltipla e pelo Coeficiente de Correlação de Spearman, com nível de significância de 5%. RESULTADOS: Os modelos de regressão demonstraram que os fatores idade, índice de massa corporal (IMC), nível de atividade física, capacidade funcional e pico de torque foram associados à fadiga muscular (R²=0,216, p<0,01). A fadiga autopercebida foi associada ao número de comorbidades, estado depressivo, nível de atividade física, capacidade funcional, pico de torque e saúde percebida (R²=0,227, p<0,01). CONCLUSÃO: O presente estudo mostrou uma interação psicofísica da fadiga, identificando os principais fatores associados à fadiga muscular e à autopercebida em idosas. Esses achados demonstram a importância da avaliação e tratamento dos fatores modificáveis tanto na fadiga muscular quanto na autopercebida, buscando um melhor desempenho físico-funcional dos idosos.

fadiga muscular; fadiga autopercebida; envelhecimento; idosos


BACKGROUND: Fatigue is a common and nonspecific symptom associated with chronic health problems in the elderly. The modifications and adaptations of the aging process associated with complex and multidimensional nature of fatigue favors the interaction of multiple factors in the genesis of this phenomenon. OBJECTIVES: To investigate the association of clinical, functional and inflammatory factors with muscle fatigue and self perceived fatigue in elderly women. METHODS: Participated in the study one hundred and thirty five community elderly women, all sedentary, with a mean age of 71.2±4.57. A structured questionnaire and functional testing were used to evaluate clinical and functional characteristics. Plasma concentrations of inflammatory mediators (IL-6 and sTNFR1) were measured by ELISA method. Muscle fatigue was measured by isokinetic dynamometer and self-perceived fatigue was measured by a visual analog scale. Statistical analysis was performed by multiple linear regression and Spearman correlation coefficient with statistical significance of 5%. RESULTS: The regression models showed that the variables age, body mass index, physical activity level, functional capacity and peak torque were associated with muscle fatigue (R²=0.216, p<0.01). Self-perceived fatigue was associated with number of comorbidities, depression, physical activity level, functional capacity, peak torque and perceived health (R²=0.227, p<0.01). CONCLUSION: This study showed a psychophysical interaction of the fatigue, by identifying the main factors associated with muscle fatigue and self-perceived fatigue in elderly women. These findings demonstrate the importance of evaluation and treatment of modifiable factors in both muscle fatigue and self-perceived fatigue, seeking a better physical and functional performance of elders.

Muscle fatigue; self-perceived fatigue; aging; elderly


ARTIGO ORIGINAL

Fatores clínicos, funcionais e inflamatórios associados à fadiga muscular e à fadiga autopercebida em idosas da comunidade

Juscelio P. SilvaI; Daniele S. PereiraI; Fernada M. CoelhoII; Lygia P. LustosaIII; João M. D. DiasI; Leani S. M. PereiraI

IDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDepartamento de Bioquímica e Imunologia, UFMG

IIIDepartamento de Fisioterapia, Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Juscelio Pereira da Silva Rua Giovanni José Chiodi, nº 317, apto 201 Novo Eldorado, CEP 32341-510, Contagem, MG, Brasil e-mail: juscels@yahoo.com.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A fadiga é um sintoma comum e inespecífico associado aos problemas crônicos de saúde nos idosos. As alterações e adaptações do processo de envelhecimento associadas à natureza complexa e multidimensional da fadiga favorecem a interação de múltiplos fatores na gênese desse fenômeno.

OBJETIVOS: Investigar a associação dos fatores clínicos, funcionais e inflamatórios com a fadiga muscular e a autopercebida em idosas.

MÉTODOS: Participaram 135 idosas sedentárias da comunidade, com média de idade de 71,2±4,57. Questionário estruturado e teste funcional foram utilizados para avaliar as características clínicas e funcionais. As concentrações plasmáticas dos mediadores inflamatórios (IL-6 e sTNFR1) foram dosadas pelo método ELISA. A fadiga muscular foi mensurada pelo dinamômetro isocinético, e a fadiga autopercebida, pela Escala Visual Analógica (EVA). A análise estatística foi realizada pela regressão linear múltipla e pelo Coeficiente de Correlação de Spearman, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS: Os modelos de regressão demonstraram que os fatores idade, índice de massa corporal (IMC), nível de atividade física, capacidade funcional e pico de torque foram associados à fadiga muscular (R2=0,216, p<0,01). A fadiga autopercebida foi associada ao número de comorbidades, estado depressivo, nível de atividade física, capacidade funcional, pico de torque e saúde percebida (R2=0,227, p<0,01).

CONCLUSÃO: O presente estudo mostrou uma interação psicofísica da fadiga, identificando os principais fatores associados à fadiga muscular e à autopercebida em idosas. Esses achados demonstram a importância da avaliação e tratamento dos fatores modificáveis tanto na fadiga muscular quanto na autopercebida, buscando um melhor desempenho físico-funcional dos idosos.

Palavras-chave: fadiga muscular; fadiga autopercebida; envelhecimento; idosos.

Introdução

A fadiga é um sintoma inespecífico associado a problemas crônicos de saúde e à piora funcional, sendo seu constructo de natureza complexa e multidimensional1. O termo fadiga tem sido usado para descrever diversos fenômenos fisiológicos e psicológicos, por isso é constante a má interpretação e controvérsia em suas definições2. Na perspectiva fisiológica, a fadiga relaciona-se à falha funcional de um ou vários órgãos. Já na perspectiva psicológica, associa-se ao estado consciente, subjetivo e individual de redução da motivação, envolvendo alterações físicas, mentais e/ou emocionais1. Ahsberg2, numa divisão operacional, destacou três formas de fadiga: a fisiológica, a objetiva e a autopercebida2.

Na fadiga fisiológica, o foco é o músculo e sua capacidade de produzir e manter a força3. A fadiga muscular pode ser definida como a redução, induzida pelo exercício, da capacidade de o sistema neuromuscular gerar força, trabalho ou potência1,3,4. Sua instalação pode estar relacionada a fatores neurológicos, metabólicos, eletrofisiológicos, mecânicos, subjetivos entre outros, os quais interferem no funcionamento sincronizado entre o sistema nervoso central (SNC) e as vias periféricas5,6.

A fadiga objetiva está relacionada às modificações no desempenho durante a realização do trabalho ou tarefa2. Alterações individuais no desempenho podem ser influenciadas pelo tipo de atividade ou trabalho que se realiza5. O desempenho do indivíduo no ambiente de trabalho é o foco, sendo que a fadiga representa diminuição do desempenho, perda da eficiência e/ou desinteresse pelo trabalho2.

Já a fadiga autopercebida pode ser definida como um sintoma consciente e desagradável, englobando sensações que envolvem todo corpo1. É um sintoma subjetivo que pode ser influenciado por fatores internos e/ou externos ao indivíduo2,7. A sensação de fadiga pode estar relacionada tanto às alterações físicas como às modificações do estado mental ou emocional. O contexto dessa abordagem é multifatorial1,8. O autorrelato consciente de cansaço é a informação mais relevante na avaliação da fadiga sob a perspectiva psicológica e subjetiva2.

A variedade de descrições da fadiga ilustra os seus vários significados, entre os quais nem sempre é possível uma diferenciação clara. Essa característica multifatorial deve ser considerada na avaliação dos sintomas de fadiga nos idosos. As alterações neuromusculares associadas à sarcopenia produzem deficiências quantitativas e qualitativas no movimento e na função muscular, podendo afetar significativamente a funcionalidade e os sintomas de fadiga9-11. Por outro lado, a diversidade de problemas de saúde que acomete os idosos também pode influenciar o surgimento de fadiga12.

As diversas alterações decorrentes do processo de envelhecimento assim como a natureza multidimensional da fadiga criam um ambiente favorável para interação de múltiplos fatores nas suas manifestações na população idosa12,13. Fatores clínicos, físicos, funcionais, psicoemocionais, hábitos de vida, alterações nas concentrações dos mediadores inflamatórios, entre outros inerentes à senescência e à senilidade, podem estar associados à fadiga10,12-14. Contudo, os sintomas de fadiga sob uma perspectiva multifatorial têm sido pouco documentados nos idosos, não sendo identificada, na literatura disponível, nenhuma investigação comparativa dos principais fatores associados à fadiga física e autopercebida.

Investigar a fadiga com ênfase nos aspectos multifatoriais possibilitará avanços científicos para melhor compreensão desse sintoma em idosos. Também fornecerá subsídios para entendimento dos principais mecanismos envolvidos nesse fenômeno, auxiliando na compreensão das relações e interações dos sintomas de fadiga com a funcionalidade e morbimortalidade. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi investigar a associação dos fatores clínicos, funcionais e inflamatórios com a fadiga muscular e a autopercebida em idosas da comunidade.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil, sob o parecer nº ETIC 321/07 - Emenda 01/08.

Amostra

O presente estudo utilizou uma amostra de conveniência composta por 135 idosas sedentárias da comunidade, recrutadas do Centro de Referência do Idoso da UFMG; do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH), Belo Horizonte, MG, Brasil; da Rede de Estudos sobre a Fragilidade em Idosos Brasileiros - REDE FIBRA; da lista de espera do Projeto Educação Física para a Terceira Idade da UFMG e por meio de anúncios em jornais locais. Todas as voluntárias concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios de inclusão foram: ser do sexo feminino, apresentar idade igual ou superior a 65 anos, residir na comunidade e deambular sem auxílio. Foram excluídas as idosas com sequelas de doenças neurológicas, história de fraturas recentes nos membros inferiores, neoplasia em atividade nos últimos cinco anos, alterações cognitivas detectáveis pelo Miniexame do Estado Mental15, doenças inflamatórias agudizadas e uso de medicação imunorreativa.

O tamanho da amostra foi definido por cálculo amostral prévio, baseado num estudo piloto com 15 participantes e informações da literatura16. Considerou-se um poder estatístico de 90% e um valor de α de 5%. Após a utilização de tabelas estatísticas de poder, o número amostral mínimo foi definido em 92 idosas17.

Instrumentos de medidas

Todas as participantes foram submetidas à aplicação de questionário estruturado multidimensional para caracterização da amostra quanto aos aspectos clínicos e socio-demográficos, como idade, estado civil, escolaridade, número de comorbidades, índice de massa corporal (IMC) e percepção de saúde. Para quantificar o estado depressivo, utilizou-se a versão curta da Escala de Depressão Geriátrica (EDG)18, e o nível de atividade física foi avaliado pelo Perfil de Atividade Humana (PAH)19. Todos os questionários foram aplicados por avaliadores previamente treinados.

Fadiga muscular

A fadiga muscular dos extensores do joelho foi avaliada pelo dinamômetro isocinético Biodex System 3 Pro®. As idosas realizaram 21 repetições máximas de extensão do joelho numa velocidade angular de 180º/s e amplitude de movimento (ADM) de 90º. O índice de fadiga muscular (IFM) representa o percentual de declínio do trabalho (W) durante o teste e foi calculado pelo software do dinamômetro isocinético com base na seguinte equação: IFM = 100 - (W último ⅓ / W primeiro ⅓ x 100). Maiores IFMs indicam maior taxa de fadiga do grupo muscular avaliado. O protocolo utilizado no dinamômetro isocinético foi aplicado por um único avaliador treinado. Todos os cuidados para a execução do teste foram realizados conforme recomendações do fabricante20.

Fadiga autopercebida

A sensação de cansaço ou fadiga relatada pelas participantes para realização das atividades habituais do dia a dia foi avaliada por uma Escala Visual Analógica para fadiga (EVA-F), com graduação em cores, variando do azul claro (mínimo) até o vermelho intenso (máximo), e escala numérica de 0 a 10 cm no verso, que quantificou o nível de fadiga relatado. Os procedimentos para tal avaliação foram padronizados e aplicados por um único avaliador treinado21.

Capacidade funcional

A avaliação do desempenho funcional foi realizada pelo teste de sentar e levantar da cadeira. Cronometrou-se o tempo gasto para a participante levantar e sentar cinco vezes de uma cadeira padronizada, mantendo os braços cruzados sob o tronco. Esse teste apresenta confiabilidade e validade para avaliar o desempenho funcional em idosos22.

Mediadores inflamatórios

As concentrações plasmáticas dos mediadores inflamatórios interleucina-6 (IL-6) e receptor solúvel do fator de necrose tumoral α (sTNFR1) foram dosadas pelo método Enzyme-Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA). Para a dosagem da IL-6 e sTNFR1, foram usados kits de alta sensibilidade (Quantikine®HS, R&D Systems, Mineapolis, USA). Todos os ensaios foram realizados segundo as recomendações do fabricante. A leitura das amostras foi realizada por um leitor de microplacas ajustado para 490 nm e correção do comprimento de onda a 650 nm.

Análise estatística

Para descrição da amostra, utilizaram-se medidas de frequência e tendência central. A análise da distribuição de normalidade dos dados foi realizada pelo teste Kolmogorov-Smirnov.

As associações dos fatores clínicos, funcionais e inflamatórios (variáveis independentes) com os tipos de fadiga (variáveis dependentes) foram determinadas por dois modelos de regressão linear múltipla: um para fadiga muscular e outro para fadiga autopercebida. Esse modelo de análise foi realizado porque as variáveis dependentes eram contínuas e os pressupostos da regressão linear múltipla (ausência de multicolinearidade entre variáveis independentes, presença de relação linear direta das variáveis independentes com as dependentes e normalidade da distribuição dos resíduos do modelo) foram respeitados. As potenciais variáveis explicativas foram selecionadas segundo critérios teóricos e incluídas nos modelos de regressão segundo critérios estatísticos. Inicialmente foram consideradas as seguintes variáveis explicativas: idade, IMC, concentrações plasmáticas de IL-6 e sTNFR1, nível de atividade física, capacidade funcional, pico de torque normalizado pelo peso, estado depressivo, saúde autopercebida e número de comorbidades. Foram incluídas nos modelos de regressão apenas as variáveis independentes que se correlacionaram significativamente com as variáveis de desfecho (p<0,05). Como as variáveis independentes que se correlacionaram significativamente com a variável dependente não apresentaram distribuição normal, as correlações das variáveis explicativas que entraram no modelo de regressão para fadiga muscular e fadiga autopercebida foram avaliadas pelo Coeficiente de Correlação Spearman. Para cada modelo de regressão, pelo método Backward, foram identificadas as variáveis explicativas de maior impacto.

Todas as análises foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows (Versão 15.0), e o nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Participaram do presente estudo 135 idosas, sedentárias, residentes na comunidade, com boa funcionalidade e sem sinais inflamatórios aparentes. As características descritivas da amostra são apresentadas nas Tabelas 1 e 2.

As variáveis concentrações plasmáticas de IL-6 (Rho=0,001; p=0,999) e sTNFR1 (Rho=0,23; p=0,798), número de comorbidades (Rho=-0.26; p=0,770), estado depressivo (Rho=-0,113; p=0,204) e saúde percebida (Rho=-0,074; p=431) não se correlacionaram significativamente com a variável fadiga muscular e não foram incluídas no modelo de regressão. O modelo final demonstrou que os fatores idade, IMC, nível de atividade física, capacidade funcional e pico de torque explicaram 21,6% (R2=0,216, p<0,01) da variação da fadiga muscular, sendo que o pico de torque foi a variável que mais contribuiu para explicação da fadiga muscular (Tabela 3).

No caso da fadiga autopercebida não houve correlação significativa com as variáveis níveis plasmáticos de IL-6 (Rho=-0,790; p=0,370) e sTNFR1 (Rho=0,149; p=0,090), idade (Rho=0,017; p=0,847) e IMC (Rho=-0,070; p=0,425). Essas variáveis não foram incluídas no modelo de regressão. O modelo final demonstrou associação da fadiga autopercebida com os fatores número de comorbidades, estado depressivo, nível de atividade física, capacidade funcional, pico de torque e saúde percebida. Essas variáveis explicaram 22,7% (R2=0,227, p<0,01) da variação da fadiga subjetiva. Nível de atividade física e percepção de saúde foram os fatores que mais contribuíram para explicação da fadiga autopercebida (Tabela 3).

Os resultados do presente estudo também apontaram correlação negativa e significativa da fadiga autopercebida com a fadiga muscular dos extensores de joelho (Rho=-0,185; p<0,05).

Discussão

Nesta investigação exploratória, foram analisadas as associações da fadiga muscular e da fadiga autopercebida com os principais fatores clínicos, funcionais e inflamatórios em idosas da comunidade. Dados demográficos refletem um crescente processo de feminização da velhice, justificando a relevância das investigações com a população idosa feminina23.

Os fatores idade, IMC, nível de atividade física, capacidade funcional e pico de torque apresentaram associação significativa com a fadiga muscular dos extensores de joelho. Pico de torque foi o fator que mais explicou as variações da fadiga muscular, permanecendo associado de forma negativa e independente mesmo depois do ajuste para as outras variáveis explicativas. Pico de torque representa a força muscular máxima do indivíduo, refletindo o ponto de maior desempenho muscular no teste isocinético, é o parâmetro mais descrito nas avaliações isocinéticas do desempenho muscular24. Nossos resultados demonstraram que o aumento do pico de torque esteve associado ao aumento da fadiga muscular. Katsiaras et al.16, ao avaliarem a fadiga muscular dos extensores de joelhos numa amostra de 1512 idosos, com idade variando de 70 a 79 anos, boa funcionalidade, recrutados da coorte do Health ABC Study, com 3075 participantes, também encontraram resultados semelhantes quanto à variável pico de torque e à fadiga muscular dos extensores de joelho16. Uma explicação plausível para essa associação pode ser a maior utilização da via oxidativa para a produção de adenosina trifostato (ATP) durante a contração muscular e geração de força pelos idosos25,26. Essa via aeróbica apresenta maior economia metábolica e menor taxa de fadiga quando comparada ao metabolismo glicolítico/anaeróbico, que é menos utilizado como fonte de energia na contração muscular dos idosos25,27. A definição de fadiga muscular utilizada neste estudo, representada pelo IFM, indica a redução da capacidade de o sistema neuromuscular gerar força ao longo do tempo e deve ser considerada para melhor compreensão dos resultados. As alterações neuromusculares do envelhecimento causam diminuição das fibras musculares tipo II em relação às fibras tipo I e, dessa forma, a produção de força muscular nos idosos torna-se mais dependente das fibras tipo I, que são mais resistentes à fadiga, porém produzem menos força que as fibras tipo II. Nessa perspectiva, na amostra avaliada, possivelmente aquelas idosas com maior força muscular apresentavam mais fibras tipo II e, em consequência, maior taxa de fadiga, pois, teórica e proporcionalmente, possuíam mais fibras tipo II, que são mais fortes e menos resistentes à fadiga, participando da contração muscular28. Esse raciocínio está de acordo com os dados da literatura que indicam maior taxa de fadiga muscular nos adultos jovens, que possuem relativamente maior força muscular e maior proporção de fibras tipo II, quando comparados com os idosos25-27.

Os Coeficientes de Correlação de Spearman indicaram, inesperadamente, haver correlação negativa dos fatores idade, IMC e capacidade funcional com a fadiga muscular e correlação positiva com o nível de atividade física, ou seja, quanto maior a idade e o IMC e quanto menor o desempenho funcional e o nível de atividade física, menores foram os IFMs. Essas variáveis são apontadas na literatura como aspectos relevantes nas avaliações do desempenho físico e funcional dos idosos e apresentaram associações com alterações da força muscular, diminuiçao da moblidade e declínio funcional12-14,29, mas não com a fadiga. Inicialmente os resultados do presente estudo parecem discrepantes dos da literatura. A primeira impressão seria de que os idosos mais velhos, obesos, com baixo nível de atividade física e pior capacidade funcional apresentariam maiores IFMs, mas os resultados deste estudo evidenciaram o contrário. Cabe ressaltar que os resultados relativos à fadiga muscular refletem o declínio do desempenho muscular das idosas ao longo do tempo de realização do teste isocinético. As evidências consultadas indicaram associação de menor força muscular com aumento do declínio funcional28-30, mas não com o aumento da fadiga muscular em idosos. Estes achados podem ser explicados pela maior proporção de fibras tipo I nos músculos envelhecidos, pois elas são mais resistentes à fadiga, porém geram menor pico de torque e, consequentemente, menor força muscular28. Por outro lado, deve-se ressaltar que a função muscular é complexa e associada a outras variáveis6, além do pico de torque, em testes isocinéticos.

Os resultados para fadiga autopercebida demonstraram associação significativa da maior percepção de fadiga com o maior número de comorbidades, pior estado depressivo, pior percepção de saúde, baixo nível de atividade física, pior capacidade funcional e menor pico de torque. A saúde percebida e o nível de atividade física foram os fatores que mais explicaram a variação da fadiga autopercebida. Essas associações estão de acordo com os dados da literatura, que apontam relações multifatoriais nos sintomas de fadiga autopercebida em idosos12,14. Na amostra pesquisada verificou-se também a associação entre fatores físicos e emocionais com os sintomas de fadiga autopercebida.

Os resultados do presente estudo são corroborados pela literatura. Poluri et al.12, numa revisão sobre fadiga na população idosa, destacaram associação dos sintomas de fadiga com doenças crônicas, problemas de saúde, sintomas depressivos, problemas psicológicos e incapacidade física12. Avlund et al.30, ao estudarem fatores associados ao cansaço numa amostra de aproximadamente 1000 idosos, evidenciaram associações entre número de comorbidades, fraqueza muscular, estado depressivo, posição social e dor com os sintomas de cansaço30. Evidências recentes indicaram associação da fadiga autopercebida com diminuição da capacidade funcional, pior desempenho físico, fraqueza muscular, alterações na mobilidade, entre outros10,14.

A fadiga autopercebida foi negativamente relacionada à fadiga muscular nas idosas avaliadas. Os achados da literatura sobre o assunto são conflituosos, Bautmans et al.21, estudando uma amostra de idosos da comunidade, encontraram correlação negativa e significativa da fadiga muscular manual com a fadiga autopercebida21. Porém, esse mesmo grupo de pesquisadores, num outro estudo em 2008, investigando uma amostra de idosos institucionalizados, não encontraram correlação da fadiga autopercebida com a fadiga muscular manual31. A comparação dos nossos resultados com os dois estudos de Bautmans et al.21,31 não foi possível, tendo em vista as diferenças metodológicas existentes. No presente estudo, avaliou-se o grupo muscular de extensores de joelho utilizando um protocolo isocinético de contrações musculares dinâmicas, enquanto, nos estudos de Bautmans, utilizou-se um dinamômetro manual e um protocolo de contração isométrica da musculatura do punho21,31. A amostra dos estudos de Bautmans et al.21,31 foi diversificada; em um estudo, foi composta por idosos da comunidade sem inflamação21 e, no outro, por idosos institucionalizados e acometidos por processo inflamatório evidente31. Em ambos, não foram fornecidas informações quanto ao nível de atividade física, podendo ser fator de confusão na comparação dos resultados. Cabe ressaltar que a amostra pesquisada no presente estudo foi composta por idosas da comunidade, sedentárias, com boa funcionalidade e sem evidências de processos inflamatórios.

Os resultados deste estudo não mostraram associações da fadiga muscular e autopercebida com os índices plasmáticos de IL-6 e sTNFR1. As evidências da literatura são controversas, enquanto há relatos de correlação dos níveis elevados de IL-6 com baixos índices de fadiga muscular manual21, existem evidências de correlação das concentrações elevadas de IL-6 e TNF-α com pior resistência à fadiga muscular manual31. No entanto, a interpretação dos resultados dos estudos anteriores e do presente estudo com relação à liberação dos mediadores inflamatórios deve ser cautelosa. É preciso considerar os múltiplos fatores e mecanismos responsáveis pela produção e liberação de IL-6 e TNF-α, assim como do seu receptor solúvel (sTNFR1). Estudos têm demonstrado que a produção e liberação dos mediadores inflamatórios em idosos é um processo complexo e regulado por diferentes mecanismos32,33.

Outro aspecto importante dos resultados do presente estudo é que o nível de atividade física, capacidade funcional e pico de torque foram variáveis preditivas para os dois tipos de fadiga. Tais dados são particularmente importantes se forem observadas as diferenças entre os fatores determinantes para cada uma das fadigas estudadas. Existem evidências de que os principiais mecanismos relacionados ao surgimento da fadiga muscular em idosos envolvem principalmente alterações fisiológicas neuromusculares25, enquanto que, para a fadiga autopercebida, os mecanismos envolvidos são mais complexos e influenciados por múltiplos fatores, como alterações fisiológicas, aspectos psicológicos, fatores individuais e subjetivos12,14. Essas evidências dão suporte à hipótese de que, em mulheres idosas, saudáveis, residentes na comunidade, os IFMs dos extensores de joelho sejam principalmente o reflexo da diminuição da capacidade fisiológica de o sistema neuromuscular sustentar contrações máximas e estejam menos associados com os aspectos subjetivos. Por outro lado, analisando as características das variáveis associadas à fadiga autopercebida, é possível sugerir uma interação psicofísica para explicar seus sintomas subjetivos. Nas idosas avaliadas, ela foi influenciada tanto por fatores fisiológicos como por fatores subjetivos e psicológicos. No entanto, demonstrar essas relações em investigações com humanos parece não ser uma tarefa fácil, tendo em vista os inúmeros fatores que podem estar envolvidos com o desfecho final6.

Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. O possível viés na seleção da amostra pode comprometer a generalização e interpretação dos nossos resultados, limitando assim a sua validade externa. A não avaliação dos aspectos metabólicos relacionados à fadiga muscular é outro ponto que deve ser destacado, pois existem evidências de que as alterações metabólicas dos músculos são os principais fatores determinantes para a fadiga muscular25. A falta de um instrumento multidimensional para avaliar os sintomas autopercebidos de fadiga, que sabidamente são afetados por múltiplos fatores1, também pode ter influenciado os resultados. No entanto, essas limitações foram previstas quando do delineamento do estudo e consideradas nas análises e discussões desenvolvidas.

O presente estudo possibilitou uma visão geral e ampliada sobre a fadiga, investigando os principais fatores relacionados a esse sintoma em idosas da comunidade. A força muscular máxima, representada neste estudo pelo pico de torque, foi o fator preditivo que mais explicou a fadiga muscular, a qual também apresentou associações com nível de atividade física, capacidade funcional, idade e IMC. Os fatores preditivos de maior impacto para a fadiga autopercebida foram nível de atividade física e saúde percebida. Na amostra estudada, esse tipo de fadiga também esteve associada aos fatores capacidade funcional, pico de torque, número de comorbidades e estado depressivo.

Esses resultados suportam as evidências10,12,13 que apontam relações multifatoriais no surgimento de fadiga em idosos. Fisioterapeutas, bem como outros profissionais da área da reabilitação, devem considerar tais aspectos na prática clínica, sendo útil a combinação de fatores diversificados para a mensuração e qualificação da fadiga nos idosos. Sendo assim, a abordagem dos sintomas de fadiga na população idosa, tanto em intervenções como em avaliações, deve considerar a natureza multifatorial e o constructo psicofísico da fadiga.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro.

Recebido: 23/08/2010 - Revisado: 23/02/2011 - Aceito: 13/04/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Revisado
      23 Fev 2011
    • Recebido
      23 Ago 2010
    • Aceito
      13 Abr 2011
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