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Pedro, escravo, “mandado pelo Altíssimo para absolver os pecados”: religiosidades, insurgências e autonomia escrava (Bahia, c.1790 a c.1830)

Pedro, a slave, “Sent by God to absolve sins”: religiosities, insurgencies and slave autonomy (Bahia, c.1790 to c.1830)

Resumo:

Este artigo parte do estudo sobre um culto religioso liderado por escravos e libertos que assumiram as identidades do Papa e de divindades católicas, para inseri-lo como uma das formas de resistência incitada pelo quadro econômico e social da Bahia, entre fins do século XVIII e início do século XIX, marcado pela pobreza de pequenos lavradores e uma forte presença africana centro-ocidental. Nesse sentido, o estudo analisa as correntes do tráfico atlântico para compreender os processos de mestiçagem e como podem ter impactado no entendimento do sagrado e nas ações reivindicatórias lideradas por escravizados. O culto do Santo Padre só pode ser compreendido em associação a outras formas de resistência, como o aquilombamento e a produção e comercialização de farinha sob o controle de escravizados, como evidências de uma ampla mobilização em torno da autonomia sobre suas vidas.

Palavras-chave:
Escravidão; Autonomia escrava; Religiosidade

Abstract:

This article starts from the study about a religious cult led by slaves and freed men who assumed the identities of the Pope and catholic saints, to insert it as one of the forms of resistance incited by the economic and social framework of Bahia, between the end of the 18th century and beginning of the 19th century, marked by the poverty of small farmers and a strong Central-West African presence. In this sense, the study analyzes the currents of the Atlantic traffic to understand the processes of miscegenation and how they may have impacted on the understanding of the sacred and the claims actions led by enslaved. The cult of the Holy Father can only be understood in association with other forms of resistance, such as mocambo and production and commercialization of flour, under the control of slaves, as evidence of a broad mobilization around the autonomy over their lives.

Keywords:
Slavery; Slave autonomy; Religiosity

Na noite de 10 de abril de 1830 a igreja matriz da vila de Barra do Rio de Contas estava repleta de escravizados, quilombolas e pessoas livres, inclusive alguns proprietários de terra e senhores de escravos, que acompanhavam com atenção a pregação que Pedro fazia do altar central daquela matriz. Entre outras coisas, proclamava ser o Santo Padre, vindo de Roma, “mandado pelo Altíssimo para absolver os pecados de todos que nele fiar crença, fazendo suas confissões”.1 1 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

O Santo Padre era escravo do capitão Antônio Pereira Dutra, proprietário de terras da região, porém mantinha-se em constante estado de fuga daquela propriedade. No culto ele estava acompanhado de seus dois irmãos consanguíneos, também escravizados, Manoel e Domingos, ou os apóstolos, como se identificavam para aquela assembleia. Além do Santo Padre e dos apóstolos, outro escravo de nome Faustino fazia parte do grupo e afirmava que tinha vindo de Roma para ajudar o Santo Padre. O grupo se completava com os forros Francisco das Chagas e Maria Rosa, que se identificavam como o Divino Espírito Santo e Maria Santíssima, respectivamente.2 2 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

Há poucos detalhes sobre como se dava a cerimônia religiosa, mas o breve relato indica que em um determinado momento o Santo Padre entrava numa espécie de transe, afirmando ter o poder de curar os presentes de diversos males e prometendo realizar milagres. Quem fazia assistência ao Santo Padre era Maria Santíssima, permanecendo o tempo todo do seu lado, enxugando lágrimas e suor que ele vertia de forma contínua. O culto liderado pelo Santo Padre provocava um êxtase coletivo nos presentes de tal forma que “uma preta que estava acompanhando a cerimônia caiu desmaiada”, envolvida pela euforia que se estabeleceu no lugar, enquanto o Santo Padre prometia perdoar os pecados e curar as pessoas.3 3 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

Embora a documentação referente a esse caso, de não mais que quatro folhas, não permita estabelecer um marco temporal para o início das atividades do Santo Padre e seus companheiros, fica evidente, contudo, que já se dava há um bom tempo, pois no dia em que o culto foi desbaratado a igreja estava lotada. Destaque para a presença dos escravos do capitão Joaquim José de Souza, senhor dos apóstolos, que, influenciados pela convivência com os companheiros de eito, talvez tenham aderido às suas ideias ou, no mínimo, atiçado sua curiosidade em conhecer o culto.4 4 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246. A numerosa e variada assembleia ali reunida é um indicativo de que não havia preocupação em ocultar a cerimônia, ao contrário, o dia e o horário podem ter sido escolhidos justamente para assegurar a maior presença de devotos. De igual modo, realizar a cerimônia de forma pública, na igreja matriz, um dos espaços mais representativos de uma vila, embora ferindo os princípios da Igreja que determinavam que “ninguém pode pregar o Evangelho e palavra de Deus Nosso Senhor por sua própria autoridade” (Vide, 2010VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). Estudo introdutório e edição de Bruno Feitler e Evergton Sales Souza. São Paulo: Edusp, 2010., p. 337), não causava nenhum receio aos participantes. Sobre os senhores que acompanhavam o culto, não se descarta que estivessem ali pela fé nas promessas de curas e milagres do Santo Padre. Contudo, também é razoável considerar que a intenção fosse acompanhar de perto aquela reunião para se prevenir contra possíveis levantes ou fugas de seus cativos, situação bastante comum naqueles tempos. Na noite anterior, por exemplo, a população local estava sobressaltada com a informação de que quilombolas estariam se organizando para invadir a vila.5 5 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Juízes Barra do Rio de Contas, Maço 2246. Correspondência enviada ao Presidente da Província, Barra do Rio de Contas, 3 fev. 1832.

Embora os ajuntamentos de escravizados, forros, quilombolas e africanos causassem uma apreensão generalizada, não há nenhuma evidência de que a cerimônia liderada pelo Santo Padre tivesse sofrido algum tipo de censura, a não ser de um proprietário de terras e escravos em particular: André José de Souza, senhor do apóstolo Faustino. Já havia algum tempo que ele se mostrava contrariado com o culto, recorrendo sucessivamente às autoridades locais e provinciais, denunciando o “escandaloso ajuntamento que ali se dava” e cobrando providências para a sua dissolução.6 6 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246. Em carta encaminhada ao juiz, ele reclamava da morosidade das autoridades civis e eclesiásticas, insistindo para que “cessasse tão grande escândalo e crença que em tal havia pelas numerosas pessoas que havia assistido”.7 7 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

O clima de medo em relação aos escravizados e africanos em geral, o tal fantasma do haitianismo, provocava uma perene instabilidade social que se estendia sobre todo o país, mas, na Bahia, em particular, ganhava uma dimensão ainda maior pelas revoltas e tentativas de rebeliões escravas, endêmicas nas décadas iniciais do século XIX (Gomes, 1996GOMES, Flávio dos Santos. Em torno dos bumerangues: outras histórias de mocambos na Amazônia colonial.Revista USP (São Paulo). n. 28, p. 40-55, 1996.; Brito, 2016BRITO, Luciana da Cruz. Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista. Salvador: EdUfba, 2016.). Dois dias antes da descoberta do culto do Santo Padre, o juiz de paz de Barra do Rio de Contas fez mais um relato sobre como o terror havia se espalhado por aquela vila, com a notícia de que quilombolas estavam articulando um ataque. Naquele dia, ao contrário de outros, não passou de boato.8 8 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Juízes Barra do Rio de Contas, maço 2246. Correspondência enviada ao Presidente da Província, Barra do Rio de Contas, 3 fev. 1832. Já no dia 10 de abril, o mesmo em que o culto do Santo Padre foi descoberto, a cidade de Salvador enfrentava uma revolta escrava de grande alcance, na qual mais de vinte africanos armados de espadas e facas assaltaram três lojas de ferragens e seguiram até um mercado de escravos, onde soltaram diversos africanos novos que esperavam para serem vendidos. Para lidar com esse cenário o presidente da província, Luís Paulo de Araújo Basto, impôs uma série de medidas autoritárias sobre os escravizados, entre elas a obrigação de se recolherem às nove horas da noite e a venda para fora da província de todos os que fossem acusados de insurreição e estivessem presos, mesmo na ausência de provas (Reis, 2003REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras , 2003., p. 115-117). Essas novas posturas dificultariam ainda mais as reuniões e os rituais públicos organizados por escravos e africanos em geral.

Aquela reunião de escravos, forros e quilombolas tirava o sono de André José de Souza, ampliando as motivações pessoais que talvez tivesse contra o culto - como o fato de ter um escravo diretamente envolvido no ritual - para insistir na repressão. Do mesmo modo, a conjuntura de medo e rebeldia existente em Salvador pode ter, finalmente, levado o recém-nomeado presidente da província a tomar as providências para investigar a denúncia em Barra do Rio de Contas. Como o cenário em Salvador não era confortável, o presidente se via impedido de desmobilizar as forças da capital, muito ocupadas em vigiar e desarticular africanos e grupos de escravizados suspeitos, para enviar ao interior da província, distante de Salvador e do Recôncavo, principais centros a serem salvaguardados. O caso, então, foi encaminhado para o Arcebispado da Bahia, transferindo a responsabilidade de apuração para o foro eclesiástico, que, por sua vez, determinou que o próprio vigário de Barra do Rio de Contas, Sebastião dos Mártires Gramido, ficasse responsável pela investigação.9 9 Sebastião dos Mártires Gramido ficou na função por mais de trinta anos. A primeira notícia sobre ele é da sua chegada à Bahia a bordo do navio Ullyses, em maio de 1812, vindo do Rio de Janeiro. Não é certo, porém, que essa fosse sua primeira vinda à Bahia, uma vez que não se tem a data em que tomou posse como vigário da localidade. O falecimento dele se deu em setembro de 1848, depois de um longo período de doença. O padre, além de ser vigário de Barra do Rio de Contas, era vigário geral substituto das comarcas de Ilhéus e Valença, o que explica a sua ausência da localidade quando das averiguações sobre o culto dos escravos. O Noticiador Catholico, n. 17, 16 set. 1848. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/709786/ per709786_1848_00017.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2020. O vigário, porém, já bastante idoso e muito ocupado, determinou que o frei Manoel Antônio da Torre fizesse a apuração do caso.10 10 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

Após colher as primeiras informações de André de Souza e de outros senhores da localidade, o frei se dirigiu à igreja matriz em 10 de abril de 1830, chegando exatamente quando o Santo Padre, no centro do altar, fazia suas pregações. Não se sabe por quanto tempo o frei permaneceu assistindo a cena, mas, escandalizado com o que viu e ouviu, interrompeu o ritual e mandou todos se ajoelharem, abençoou-os e fez com que rezassem o Credo - a profissão de fé na Igreja católica, utilizada como oração de cunho exorcista - “ao que lhe obedeceram perfeitamente”, menos o Santo Padre que, aproveitando-se da distração dos presentes, tentou escapar pela porta lateral da igreja, no que foi rapidamente impedido por um grupo que acompanhava o frei.11 11 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

Curiosamente o culto era celebrado num templo cujo orago era São Miguel Arcanjo, reverenciado como o protetor da Igreja contra as profanações e sacrilégios. Além disso, Pedro, o líder do culto, tinha o mesmo nome do apóstolo de Jesus Cristo que é considerado o primeiro Papa, também chamado de Santo Padre, fundador da Igreja de Jesus.

A Constituição de 1824 manteve o catolicismo como religião oficial do Brasil, porém havia uma brecha que permitia outras formas de manifestação religiosa, desde que limitadas ao âmbito doméstico, sem direito a templos ou expressões públicas. Segundo João José Reis (2008REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras , 2008., p.142), o legislador não tinha em mente liberar cultos cismáticos, nem o candomblé ou o islã, religiões típicas de africanos no século XIX, mas o espírito da lei era proteger os europeus não católicos que aqui residiam. De todo modo, nem a legislação civil nem a eclesiástica protegia aquela pequena multidão que se espremia na igreja matriz para ouvir um escravo fugido se identificar como papa e prometer curas.

Embora a participação no ato ferisse a doutrina da Igreja, o frei Manoel determinou que todos os presentes retornassem às suas casas, inclusive os escravizados, retendo apenas os líderes do culto. O procedimento livrava os senhores do constrangimento de serem punidos pela Igreja por participarem de atos considerados injuriosos ou sacrílegos e que “ofendem as coisas sagradas”(Vide, 2010VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). Estudo introdutório e edição de Bruno Feitler e Evergton Sales Souza. São Paulo: Edusp, 2010., p. 469), bem como terem seus escravos presos, o que criaria enormes dificuldades e prejuízos. O cuidado em proteger a classe senhorial que frequentava o culto foi tanto que sequer seus nomes foram listados na documentação.

Da sacristia da igreja, o Santo Padre, Maria Santíssima, os apóstolos e o Divino Espírito Santo foram levados para uma casa que servia de cadeia, e ali ficaram presos aguardando os desdobramentos legais.12 12 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246. Enquanto isso, o juiz de paz que assumiu o caso planejava uma punição que servisse de exemplo e que fizesse “despersuadir aos povos iludidos, para que em tal não tivessem crença”.13 13 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246. A intenção era mandar açoitar os presos em praça pública, marcando o dia 15 daquele mesmo mês para a execução do castigo, findo o qual encaminharia os escravizados aos seus respectivos senhores e encerraria o caso. Esse era o plano do juiz, porém faltou combinar com o Santo Padre e seus amigos. Na manhã do dia marcado para os açoites, entre seis e sete horas, o grupo arrombou uma das paredes da velha casa em que estavam detidos e fugiu, tomando destino ignorado. O carcereiro, único responsável pela guarda dos presos, também desapareceu no mesmo dia e foi apontado como cúmplice do grupo por facilitar a fuga, o que não é improvável que tenha acontecido, por medo, suborno ou convicção de fé.14 14 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.

Assim como o culto liderado pelo Santo Padre, outros tantos foram constituídos no Brasil sob formas religiosas de caráter sincrético ou mestiço. Porém, mais do que analisar o culto em si mesmo, o objetivo é desvendar os elementos internos e externos que possibilitaram o seu surgimento e como eles estão relacionados aos acontecimentos que marcaram a Bahia em fins do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, especialmente o recrudescimento do tráfico contrastado com a crescente demanda dos escravizados por maior autonomia sobre suas vidas. O culto do Santo Padre, então, é um sintoma do quadro de insurgência e rebeldia de grupos oprimidos pela escravidão e pobreza na região.

Da penúria aos quilombos: fugas, comércio e outras formas de autonomia escrava

O culto liderado pelo Santo Padre se deu na vila de Barra do Rio de Contas, situada na foz do rio de Contas, cerca de cinquenta léguas ao sul de Salvador, e a meia distância entre as vilas de Camamu e Ilhéus. A maior parte dos lavradores cultivava produtos de primeira necessidade, principalmente a mandioca, e era proprietária de poucos escravos com os quais, não raro, precisava dividir a labuta nas roças para garantir o sustento. Balthazar da Silva Lisboa, ouvidor e juiz conservador das matas na comarca de Ilhéus, descreveu as modestas condições dos habitantes da região:

no interior de suas casas vivem quase nus, em fraldas de camisa, sem terem uma cama em que repousem, e da mesma maneira suas mulheres e filhas, que não pode para as mesmas olhar muitas vezes pela indecência com que aparecem: estes são os ricos, os quais uma vez que os seus escravos, a quem não sustentam, nem vestem, lhes trazem o marisco, o peixe, e algumas ervas, e da zona a mandioca, provendo para fornecimento da sua dispensa a Carne do Sertão, não invejam aos mais ricos e poderosos do mundo (Lisboa, [1803] 1915LISBOA, Balthazar da Silva. Memória sobre a Comarca de Ilhéos (1803). Anais da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). n.37, p. 1-22, [1803] 1915., p. 6).

De forma semelhante, Spix e Martius (2016SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl F. P. von. Através da Bahia. Salvador: Assembleia Legislativa, 2016., p. 158), ao cruzarem a Bahia em 1818, anotaram sobre a comarca de Ilhéus que “a indolência e a pobreza ali andam unidas”. Ao apresentarem as precárias condições de vida das pessoas livres, os cronistas lançam luz para as condições de vida dos escravizados, cujos senhores deveriam garantir a subsistência básica, por obrigação moral e jurídica: “porque a quem o serve, deve o senhor de justiça dar suficiente alimento” (Antonil, 1982ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982., p. 90). Contudo, isso era muito difícil. Um levantamento dos inventários da região, entre 1800 e 1850, evidencia a ampla pobreza: 48,7% deles alcançaram, no máximo, um conto de réis, ou seja, quase a metade dos inventariados viveu em grandes dificuldades.15 15 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Judiciário: 91 inventários de Camamu, Maraú, Valença e Barra do Rio de Contas entre 1800 e 1850. Para efeito comparativo, em Salvador, os inventários do mesmo período que acumularam um conto de réis na soma de todos os bens corresponderam a 13,6% do total (Mattoso, 1992MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992., p. 608). Ainda que consideremos a posição de Salvador inadequada para essa comparação, por não ser um ambiente rural e de economia de subsistência, quando comparamos com o Recôncavo Sul, onde predominava a pequena propriedade e a produção de farinha de mandioca, os números mostram apenas 28% dos inventários com bens que somaram até um conto de réis.

A situação de penúria e opressão daquelas pessoas era terreno fértil para que discursos que prometessem algum tipo de mudança nas condições de vida, como fazia o Santo Padre, convencessem a quem não tinha muito a perder. Não há detalhes sobre o que o Santo Padre fazia ou prometia, mas isso não impede de considerar que seus seguidores guardassem forte crença de que os milagres, seja lá o que isso significasse, amenizariam as agruras da vida que levavam, se não neste mundo, num outro. Voltaremos a isso mais adiante, porém, ainda sobre a condição de pobreza dos proprietários, ela pode explicar, em parte, o aparente desinteresse das autoridades em mobilizar o aparato repressivo, já bastante ocupado com os ajuntamentos resultantes de cultos, batuques e calundus que, infringindo a doutrina da Igreja e as leis civis, pululavam em Salvador e no Recôncavo, principais áreas urbanas da província e com grande concentração de escravizados e forros.

Para a primeira metade do século XIX, as estimativas indicam que 35% da população da região das comarcas de Ilhéus e Valença vivia sob a condição de escravizados. Mais uma vez, recorrendo à comparação, João José Reis (2003REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras , 2003., p. 24) estimou em 42% a parte da população de Salvador que era escrava no ano de 1835, embora o próprio autor considere a porcentagem um tanto exagerada, uma vez que, especificamente na freguesia urbana de São Pedro, o percentual foi de 24,2% de escravos. Mirando, então, um ambiente rural, de pequenos lavradores, Bert Barickman (2003BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 214-215) verificou que no arraial de São Francisco do Paraguaçu, no Recôncavo, a população escrava era de 19,7%, na década de 1820. Desse modo, Barra do Rio de Contas e adjacências concentravam um significativo contingente de escravos no período. Por outro lado, se usarmos a média de escravos por propriedade, em Barra do Rio de Contas foi de 5,3 escravos, considerada baixa quando comparada com as regiões fumageiras ou açucareiras da Bahia, mas equivalente ao Recôncavo Sul, onde se plantava, sobretudo, mandioca no mesmo período (Barickman, 2003BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 238). A região em que o Santo Padre espalhava sua fé, portanto, mantinha um número significativo de escravos, embora pulverizado em pequenas propriedades, cujos senhores, em sua maioria, viviam no limiar da pobreza, muitas vezes sem condições de sustentar seus escravos.

Esses fatores esclarecem o motivo da região ferver como um caldeirão rebelde, onde escravizados criaram e mantiveram uma forte atuação reivindicatória e insurgente com variadas ações, encorajadas por um modo de vida cada vez mais autônomo e estimuladas, além das condições de vida, pela geografia daquele lugar, marcado por densas matas entrecortadas por rios que criavam um labirinto de mangues, praias e ilhas fluviais, facilitando fugas e proporcionando esconderijos temporários ou permanentes. O culto do Santo Padre se enquadra nesse contexto de insatisfação com a vida que parte de escravizados tinha e, ao mesmo tempo, de oportunidades de virar o jogo, levando-os a desafiar os poderes constituídos.

Antes do culto do Santo Padre, escravizados da região já experimentavam certa “tradição” rebelde de questionar as condições de sobrevivência, numa pauta que visava incorporar maiores espaços de autonomia. Os escravos do engenho Santana, nas proximidades de Ilhéus, levantaram uma agenda reivindicatória, em 1789, para formalizar uma série de direitos costumeiros, como o de plantar “arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou outro qualquer pau sem darmos parte para isso”, além de não quererem se sujeitar a trabalhos considerados humilhantes, destinados aos grupos inferiores, como os “pretos Minas”.16 16 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2. p. 121. Mais do que a necessidade de produzir para a própria subsistência ou garantir a continuidade de atividades comerciais, o levante era um projeto de longo prazo, em torno da relativa autonomia que haviam conquistado sobre suas vidas e da qual não pretendiam abrir mão, ainda que permanecessem juridicamente ligados a outrem. Anos depois, a situação parecia não ter mudado muito. Em 1824, os lavradores de Barra do Rio de Contas que foram atacados por quilombolas identificaram os agressores como “escravos fugidos de habitantes desta vila, outros são dos moradores das vilas do Norte e com grande parte deles do Engenho de Santana da Vila de Ilhéus”.17 17 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Câmara de Barra do Rio de Contas, Maço 1254. Seriam quilombolas que viviam no engenho Santana, ou escravos dali que agiam como quilombolas? Qualquer que seja a resposta, aponta para uma comunidade que desafiava o controle senhorial por mais autonomia.

O quilombo do Oitizeiro, desbaratado em 1806 no entorno da vila de Barra do Rio de Contas, é outro exemplo de insurgência e de arranjos construídos por escravos a partir de estratégias de sobrevivência e de autonomia. O Oitizeiro era “um quilombo dirigido por homens livres. Um quilombo com escravidão. Um quilombo agrícola e cuja produção estava integrada ao mercado regional” (Reis, 1996REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro - Bahia, 1806. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (org.). Liberdade por um fio: histórias dos quilombolas no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 1996, p. 332-372., p. 332). Ali foram encontradas cerca de 217 mil covas de mandioca que produziriam em torno de 6.510 alqueires de farinha.18 18 Segundo João José Reis (2003, p. 371) cada mil covas de mandioca produziriam em torno de trinta alqueires de farinha. Além disso, havia em mandiocas colhidas o suficiente para produzir mais 6.525 alqueires, fora o que havia sido consumido pela tropa responsável pela invasão.19 19 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2. Toda a farinha que havia, somada a que poderia ser produzida com as mandiocas que ainda estavam na terra, alcançaria, no mínimo, o expressivo valor de 4:171$200.20 20 Segundo João J. Reis, (1996, p. 360), o alqueire de farinha de mandioca era vendido, nos primeiros anos do século XIX, entre 320$000 e 640$000, a depender da qualidade. Para efeitos de cálculo, preferi tomar uma posição mais conservadora, escolhendo o valor mais baixo de 320$000 o alqueire.

Além da apreensão da farinha, poucos quilombolas foram capturados, já que a maioria tinha conseguido fugir. Contudo, Balthazar da Rocha, líder do Oitizeiro, negava a existência de outras pessoas, além das que foram presas, o que deixou as autoridades incrédulas, posto “que estes moradores com os poucos escravos que possuíam fizessem tanta lavoura e tão grande plantação de mandioca e que pela quantidade e qualidade do sítio não poderiam deixar de saber todos os escravos alheios que estavam fugidos”.21 21 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2. Talvez Balthazar não estivesse mentindo e as autoridades não estivessem completamente enganadas: os demais quilombolas que não foram capturados poderiam ser escravos que frequentavam o lugar com certa regularidade, para plantar e produzir farinha em momentos de folga ou nas pequenas fugas cotidianas, mas que sempre retornavam para as propriedades de seus senhores.

A verdade é que em todo aquele litoral multiplicavam-se as notícias de quilombolas que andavam em bandos assaltando os lavradores nas estradas e, no mar, os lancheiros. Chegavam a falar que apenas na região do Galeão, nas proximidades da vila de Valença, haveria mais de cinquenta quilombos, cujos escravos fugidos vagavam nas noites de sábado e domingo amedrontando a população, roubando gado e “seduzindo” outros escravos pacíficos para engrossar o bando.22 22 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Valença, Maço 2626. É curioso que esses quilombolas só praticassem roubos nos fins de semana, insinuando que nos demais dias eles estivessem ocupados nas próprias lavouras ou nas terras dos seus senhores.

Os escravos que viviam permanentemente na condição de fugidos, em grupos de quilombolas, tinham uma grande mobilidade, transitando entre diversos quilombos, matas e propriedades, circulando entre diversas vilas. Talvez o Santo Padre fosse um deles. Em novembro de 1835, quando o complexo de quilombos do Borrachudo foi desarticulado em Camamu, a Câmara registrou que “os negros do quilombo nas matas do Rio de Contas, acossados da tropa comandada pelo alferes Guilherme Frederico de Sá, se tem passado para os destas matas, por isso que se tem eles reforçado tanto mais”.23 23 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, Maço 1282. A Câmara de Barra do Rio de Contas também foi enfática ao dizer que os quilombolas entranhados por ali circulavam numa região de mais de vinte léguas (180 quilômetros) “em circunferência de matas virgens e desertas”.24 24 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Ilhéus, Maço 2395-1. Essa grande mobilidade garantia certa estabilidade aos quilombolas, ao mesmo tempo que impedia ações mais efetivas de combate a esse grupo.

A Câmara era o órgão mais sensível a reverberar as queixas dos proprietários que se sentiam incomodados pelos quilombolas, pois representava os interesses da pequena, mas barulhenta, parcela dos mais aquinhoados. Em constantes correspondências trocadas com a Presidência da província, alegavam, por exemplo, que o capitão-mor fazia corpo mole, pois, mesmo tendo recebido ordens de juntar a tropa de índios sob seu comando para avançar sobre os quilombolas, demorava a agir “dando, por isso, motivos aos ditos escravos aquilombados a continuarem com os seus distúrbios, roubando as fazendas dos miseráveis lavradores que jamais podem estar em cabal sossego e fazendo assassínios e outras desordens”.25 25 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 15 set. 1827.

Como aconteceu com o denunciante do culto do Santo Padre, mesmo quando as queixas sobre os quilombos eram feitas diretamente ao presidente da província, não havia garantias de que seriam atendidas. Em 1824, o visconde de Jaguaripe alegou a distância e a alta despesa do governo para negar o envio dos índios de Pedra Branca para combater os quilombolas nas fronteiras entre Camamu e Barra do Rio de Contas. Sem o contingente esperado, os próprios moradores resolveram organizar uma entrada com cerca de sessenta homens da região sob o comando de um oficial miliciano a fim de invadir o quilombo. Quando ainda estavam a certa distância, o grupo passou a atirar a esmo, o que deu chance para que a maior parte dos quilombolas fugisse.26 26 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 abr. 1827.

O que a princípio parece ter sido uma ação desastrada de senhores de escravos e proprietários de terras, pode ter sido um ato planejado para afastar os quilombolas e, com isso, desarticular a concorrência na produção de farinha sem, contudo, necessitar um enfrentamento direto. Muitos quilombos da região funcionavam como centros de produção e de comércio de farinha, para onde diversos negociantes de fora se dirigiam, sem nenhum pudor, para comerciar, causando prejuízos aos demais lavradores e irritando os senhores que queriam ver aqueles ajuntamentos extintos. O juiz de paz de Camamu denunciou que ao redor dos quilombos do Borrachudo havia muitos “protetores dos preditos escravos ou que com eles negociavam”, de tal modo “que pelo apoio de que gozavam já não tinham sido presos [e] transitavam livremente pelo sito segundo distrito d’Ilhéus”.27 27 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Barra do Rio de Contas, Maço 2246. A farinha de mandioca, tão necessária para o sustento de Salvador e Recôncavo, portanto, era produzida e vendida, eminentemente, por essa população insurgente e quilombola, cujo poder de barganhar turvava os limites que os reduziam à condição de escravos fugidos, controlando o ritmo dos negócios.

Invadir um quilombo era muito perigoso e difícil, tanto pelas condições de arregimentar um contingente, quanto pelas possíveis reações violentas dos quilombolas, além, é claro, da enorme possibilidade de não conseguirem capturar ninguém. Além do mais, os escravos fugidos se aproveitavam das condições locais para agir, cada vez mais, com autonomia sobre suas vidas, fazendo negócios, conchavos e alianças com muita gente livre, inclusive outros senhores e comerciantes, sendo protegidos ou, ao menos, alertados sobre as invasões. Tal situação impunha mais dificuldades a uma parte dos senhores que, “não podendo defender suas fazendas, se veem na urgência de as desamparar (como alguns já tem feito) para salvar a vida”.28 28 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 de abr. de 1827. Em decorrência disso as autoridades se lamentavam dos limites para o exercício do governo dos escravos: “os senhores já não ousam castigar seus escravos, temendo as fugas deles, como tem acontecido. Uma vez, porém, que os não contenha o freio da sujeição e obediência, aparecerá a soltura e a insubordinação”.29 29 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 abr. 1827.

Insubordinados também eram aqueles que deveriam combater os quilombos. Em fevereiro de 1828, a câmara de Camamu se queixou da “conduta enganadora e insubordinada” da tropa do Sertão da Conquista que foi enviada pelo governo para invadir os quilombos naquela vila. Segundo as autoridades locais, depois de fazerem duas entradas nas matas e capturarem alguns escravos fugidos, “tomaram amizade com a gentalha e meretrizes e não deram mais um passo”. Como a tropa deveria marchar imediatamente de volta à Barra do Rio de Contas, negociaram com a Câmara o fornecimento da provisão para a viagem, mas, segundo as autoridades, a tropa comeu toda a provisão e ainda permaneceu nas matas se unindo aos quilombolas e “não há autoridade alguma que os possa fazer voltarem para suas casas”.30 30 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Judiciário, Escravos (assuntos), maço 2885, Correspondência enviada ao Presidente da Província, Camamu, 25 fev. 1828.

O fato de haver quem abandonasse suas propriedades por medo de ataques ou por não conseguir controlar seus cativos, além daqueles que se esquivavam de executar qualquer tipo de punição em seus escravos por medo de fugas, difíceis de serem evitadas naquela conjuntura, indica como a insatisfação inflamava a senzala e minava a autoridade senhorial por mais autonomia sobre suas vidas, o que incluiu criar, ou melhor, recriar práticas religiosas.

O culto do Santo Padre: mestiçagens, fé e insurgência

Como visto, a região de Barra do Rio de Contas era uma grande produtora de gêneros de primeira necessidade, principalmente de farinha. Base da dieta dos baianos, abastecia principalmente o Recôncavo e Salvador, mas também era extraviada para outras províncias. Entre 1799 e 1822, as entradas de embarcações no porto da Corte indicam que grande parte da farinha de mandioca provinha do sul da Bahia (Fragoso, Florentino, 1993FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, 1790-1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993. , p. 62). Esse negócio com o Rio de Janeiro acontecia de forma ilegal e sob intensa fiscalização da administração pública para evitar o desabastecimento de Salvador, o que poderia gerar graves crises, com maior impacto sobre as camadas populares, como de fato se deu diversas vezes. Impedidos de comprar farinha em Salvador, muitos comerciantes não se furtavam a ir de barco até um dos distritos produtores de mandioca da extensa e mal vigiada costa da Bahia fazer negócios (Barickman, 2003BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 149).

Desde meados do século XVIII, a farinha também integrava os negócios sul-atlânticos como parte do poderoso esquema do tráfico de escravos.31 31 ANAIS da Biblioteca Nacional, ano 1912, n. 34, p. 459-460. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1912_00034.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2020. Luanda e Benguela mantiveram forte dependência da farinha do Brasil ao ponto de, em 1817, o governador de Angola exigir que os negreiros trouxessem mandioca dos portos brasileiros no torna-viagem, por causa da insuficiência da produção africana (Alencastro, 2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 255), sendo um comércio bastante rentável, como relatou um vereador de Camamu:

de todo esse bem costumam privar os senhorios dos navios, que navegam desta cidade para a Costa da Mina e Angola, a resgate de escravos, extraindo em cada ano milhares e milhares de alqueires da dita farinha, parte para sustento dos ditos escravos e outra parte para negócio neste reino de Angola, onde a vendem por altíssimos preços, que em muitas dobras excedem aqueles porque a compram nesta cidade.32 32 ANAIS da Biblioteca Nacional, ano 1909, n. 31, p. 90. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1909_00031.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2020.

Além da farinha, conchas marinhas chamadas de zimbo, largamente encontradas nas praias do sul da Bahia e conhecidas entre os povos ambundos de nzimbu, donde zimbo ou jimbo, eram usadas no Congo como moeda. Em meados do século XVIII, o zimbo da Bahia entrou no circuito de negócios atlânticos por algum tempo, até que perdeu importância, no início do século XIX, devido à baixa qualidade da concha brasileira (Lapa, 2000LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Hucitec, 2000., p. 171).

Mas foi no século XVII, ainda durante a exploração das madeiras de lei que eram levadas para Portugal, que ocorreu “a ascensão econômica e social de um pequeno grupo local de privilegiados no sistema de mercês”, que se notabilizou pela posse de escravos na região (Dias, 2011DIAS, Marcelo Henrique. Farinha, madeira e cabotagem: a Capitania de Ilhéus no antigo sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011., p. 223), ampliada para os pequenos e médios lavradores a partir de fins do século XVIII com o comércio de farinha.

Ao menos até 1831, quando foi implantada a lei que visava suspender o tráfico atlântico e que impôs uma intensa pressão sobre os negociantes desse ramo, a maioria das embarcações que saía da Bahia para a África se equipava no porto de Salvador e para lá retornava com o maior volume de escravos para desembarque e posterior comercialização. Já as mercadorias que saíam do sul da Bahia e entravam no circuito atlântico, chegavam a Salvador por meio de “chalupas, sumacas, barcos e lanchas, [saindo] dos portos de Inhambupe, Itapicuru, Itapoan, Morro, Jequiriçá, Cairu, Una, Boipeba, Camamu, Rio de Contas, Ilhéus, Patiju, Santa Cruz, Porto Seguro, todos da Capitania da Bahia”.33 33 Arquivo Histórico Ultramarino, CA, Bahia, Relação dos navios e transportes que entraram e saíram no porto da Bahia no anno de 1797, DOC18305, CD14, Pasta 090-001, 10 maio 1798. Essas embarcações de menor porte, ao retornarem para suas vilas, respondiam pela interiorização dos escravos, embora grandes volumes de escravizados também fossem desembarcados diretamente naquelas praias, especialmente no contexto da lei de 1831 para desviar das perseguições, fosse para atender proprietários da região ou para serem enviados ao sertão da Bahia e sul do Brasil, seguindo pelas estradas que partiam daquele litoral (Costa, 2019COSTA, Alex Andrade. “Os juízes de paz são todos uns ladrões”: autoridades públicas e o tráfico de escravos no interior da província da Bahia (c.1831-c.1841). Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 32, n. 66, p. 123-142, 2019.).

Não há dúvidas de que esse comércio Sul-Sul foi o responsável pela maior presença de escravizados identificados como angolas. Entre 1811 e 1820, constava nos inventários que 63% dos escravos africanos receberam essa identificação, enquanto na década seguinte foram registrados 50%.34 34 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Judiciário: 91 Inventários de Camamu, Maraú, Valença e Barra do Rio de Contas entre 1800 e 1850. Já a partir da década de 1831, como resultado das pressões inglesas contra o tráfico, houve uma acentuada e progressiva diminuição do registro das “nações” até ser completamente superado pela identificação genérica de “africano”.

Os números mais atualizados disponíveis na base de dados www.slavevoyages.org mostram que, entre 1770 e 1830, foram feitas 760 viagens da África Centro-ocidental para a Bahia, com uma estimativa de 242.577 escravos desembarcados. No mesmo período, desembarcaram nos portos baianos outros 261.749 escravos trazidos em 940 viagens dos vários portos da baía do Benin. Embora nesse período o tráfico de escravos tenha sido impactado pelas consequências da Revolução Haitiana e pelas imposições da Grã-Bretanha, traficantes portugueses e brasileiros aumentaram a presença na África Centro-ocidental, uma vez que se viram praticamente sem concorrentes (Silva, 2017SILVA, Daniel B. Domingues. The Atlantic slave trade from West Central Africa, 1780-1867. Nova York: Cambridge University Press , 2017., p. 22-25). Os anos entre 1770 e 1780 demarcam o período em que “o comércio baiano com os portos angolanos se intensificou a ponto de responder por 50,8% dos africanos desembarcados no porto de Salvador, ultrapassando os 46,4% realizado com a Costa da Mina” (Souza, 2018SOUZA, Marina de Mello e. Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp; Fapesp, 2018., p. 133). Roquinaldo Ferreira (1999FERREIRA, Roquinaldo. Brasil e Angola no tráfico ilegal de escravos, 1830-1860. In: PANTOJA, Selma; SARAIVA, Flávio S. (Orgs.). Angola e Brasil nas rotas do Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Berthand Brasil, 1999, p. 143-194., p. 146) também confirma esses dados mostrando que “entre 1701 e 1810, 68% dos escravos trazidos para cá foram embarcados em Angola”.

Os livros do Banguê, fonte importante para estimar a entrada de africanos, registraram que na Bahia, “entre os anos de 1741-1800, 49,4% dos escravos sepultados provinham dos portos angolanos” (Souza, 2018SOUZA, Daniele Santos de. Tráfico, escravidão e liberdade na Bahia nos “anos de ouro” do comércio negreiro (c.1680-c.1790). Tese (Doutorado em História), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2018., p. 125). A região de Benguela pode ter tido uma importante participação nesse circuito, pois, entre 1738 e 1781, aproximadamente 13.785 africanos daquela região caíram nas redes do tráfico e foram levados diretamente para Salvador (Candido, 2011CANDIDO, Mariana P. Fronteras de esclavización: esclavitud, comercio e identidad en Benguela, 1780-1850. Ciudad de México: El Colegio de México, 2011., p. 25-52).

Na primeira metade do século XIX, a população africana nas comarcas de Ilhéus e Valença correspondia, em média, a 38% de escravizados. Contudo, quando os dados são separados por sexo, há um predomínio das mulheres africanas escravizadas, com 65% desse grupo, enquanto entre os crioulos o predomínio era do sexo masculino. É relevante notar que a quase totalidade das mulheres escravizadas cujo registro indica a nação de origem fosse angola. Nesse caso, conforme explicou Alexandre Ribeiro (2013RIBEIRO, Alexandre Vieira. Apontamentos sobre o tráfico de escravos entre Angola e Brasil. In: PAIVA, Eduardo França; SANTOS, Vanicléia Silva (Orgs.). África e Brasil no mundo moderno. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte, PPGH-UFMG, 2013, p. 29-47., p. 41) sobre Benguela em finais do século XVIII, a região era a que mais negociava escravos com traficantes que atuavam no litoral sul da Bahia, cuja maioria de embarcados era feminina, evidenciando que mulheres e crianças eram as mais vulneráveis no contexto da expansão do tráfico e da escravidão (Candido, 2015CANDIDO, Mariana P. An African slaving port and the Atlantic World: Benguela and its hinterland. Nova York: Cambridge University Press, 2015.). Outra explicação é que atitudes reivindicatórias mais radicais, como as fugas e os ajuntamentos em quilombos, tão presentes no sul da Bahia, eram mais recorrentes entre homens, diminuindo a presença desse grupo nas propriedades.

O fato é que, as trocas entre Brasil e África envolvendo farinha, zimbo e o comércio de gente se estenderam para além do comércio, tornando-se importantes vetores de produção de mestiçagens que conectaram os dois mundos (Gruzinski, 2001GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras , 2001.). Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá, no seu Ensaio de descrição física e econômica da Comarca de Ilhéus na América(1789), registrou que a região era “habitada por uma nova raça, devido a combinação dos índios, com os Europeus, e seus descendentes; esta é a raça, dominante; por alguns índios civilizados, e o resto dos habitantes, à excepção de alguns Europeus, e de muitas poucas famílias puras, compreende o mulatismo e os negros”.35 35 SÁ, Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e. Ensaio de descripção fizica, e economica da Comarca dos Ilheos na America. Por Manoel Ferreira da Câmara. Lisboa: Offic. da Academia Real das Sciencias, 1789, p. 4. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or9293/ or9293.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2020. Também Rugendas, por volta de 1835, evidenciou na gravura (Figura 1) as misturas que Manoel Bittencourt e Sá havia descrito algumas décadas antes.

Figura 1
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Contudo, conforme explicou Larissa Viana (2007VIANA, Larissa. O idioma da mestiçagem: as irmandades de pardos na América portuguesa. Campinas: Editora Unicamp , 2007., p. 42), mestiçagem é um processo com poderosas conotações sociais, não se limitando à mistura física ou cultural, mas sim “um movimento hierárquico perpassado por relações de poder capazes de influenciar as relações cotidianas”, ou seja, a noção de cor ultrapassava a pigmentação da pele e “buscava definir lugares sociais, nos quais etnia e condição estavam indissociavelmente ligadas” (Mattos, 2013MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista - Brasil, século XIX. Campinas: Editora Unicamp, 2013., p. 106). Os processos de mestiçagem, portanto, (re)criaram práticas, costumes e religiosidades “por opção, por acaso ou por coesão” (Almeida, 2016ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de. Catolicismo à africana: costumes e vivências religiosas mestiças na África Ocidental e Centro Ocidental no século XVIII. In: IVO, Isnara Pereira; PAIVA, Eduardo França; AMANTINO, Marcia (Orgs.). Religiões e religiosidades, escravidão e mestiçagens. São Paulo: Intermeios; Vitória da Conquista: EdUesb, 2016, p. 29-40., p. 31). Dessa forma, o culto do Santo Padre não se restringe a uma prática religiosa de caráter sincrético ou mestiço, mas ganha relevância para refletir sobre as disputas por lugar social e autonomia empreendidas por escravizados, forros e livres pobres.

Embora nem o Santo Padre nem os demais líderes do culto fossem identificados como africanos, formas de lidar e conceber o sagrado e o mágico, presentes na região Congo-Angola, também são encontradas no culto do Santo Padre, podendo ser uma consequência da “onda angola” no período mais pujante do tráfico. As culturas centro-africanas, por possuírem uma natureza integradora e não excludente, assimilaram ensinamentos católicos e adaptaram ritos e símbolos com as crenças anteriores (Souza, 2018SOUZA, Marina de Mello e. Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp; Fapesp, 2018., p. 83).

Na África, muitos processos de mestiçagem religiosa se deram em torno de pautas reivindicatórias, tensões e crises que afetavam a vida concreta das pessoas. O “antonianismo”, movimento religioso liderado por Kimpa Vita, ou dona Beatriz, que dizia ter morrido e ressuscitado como Santo Antônio, é considerado uma reação popular e africanizada ao catolicismo oficial, mas sua gênese estava no desconforto de uma geração de camponeses flagelados pelas guerras e pela ameaça do tráfico atlântico, indicando que movimentos religiosos tendem a surgir em momentos de tensão e crise (Vainfas; Souza, 1998VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Marina de Mello e. Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos XV-XVIII. Tempo (Niterói). v. 3, n. 6, 1998.; Thornton, 2004THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.). No território que veio a ser Angola, por volta da década de 1790, práticas religiosas africanas coexistiam com os rituais católicos, inclusive recriando sacramentos como a comunhão (Heywood, 2008HEYWOOD, Linda. Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008., p. 110). Ali, também, a rainha Jinga fez do catolicismo uma estratégia para assegurar o seu poder militar e político diante da ostensiva ação de portugueses (Heywood, 2019HEYWOOD, Linda. Jinga de Angola: a rainha guerreira da África. São Paulo: Todavia, 2019.; Thornton, 2008THORNTON, John. Religião e vida cerimonial no Congo e áreas Umbundo, de 1500 a 1700. In: HEYWOOD, Linda. Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto , 2008, p. 81-100.). O fato de um culto surgir ou se vincular às questões mais urgentes da sobrevivência humana não o torna um simulacro ou mera imitação. Ao contrário, são recepcionados e experimentados com viva fé, inserindo-se no cotidiano desses povos.

Em várias partes do Brasil, escravos, forros e africanos livres criaram movimentos religiosos ou cultos espontâneos, mesclando elementos do catolicismo com outros rituais de base africana ou indígena. O mais conhecido é a santidade de Jaguaripe, no Recôncavo da Bahia, em fins do século XVI, onde um grupo de indígenas criou cultos de caráter “idólatra, insurgente e milenarista”, com a participação de outros indígenas escravizados, negros e mestiços que passaram a se identificar como santos e divindades católicas, mesclando sacramentos e celebrações do rito romano com elementos da cultura tupinambá. Coincidência ou não, a santidade teve origem na ilha de Tinharé, na comarca de Ilhéus, terra do culto do Santo Padre, de onde o índio Antonio, principal profeta da santidade, e outros seguidores teriam fugido, se dispersando pela região depois das investidas do governo para desmantelar o grupo (Vainfas, 1992VAINFAS, Ronaldo. Idolatrias e milenarismos: a resistência indígena nas Américas. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 5, n. 9, p. 29-43, 1992.; 1995VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras , 1995.).

A santidade de Jaguaripe também foi um espaço de resistência à sociedade colonial onde escravos de diferentes origens se apropriaram do vocabulário cristão ensinado a eles para fundar uma nova experiência religiosa, cuja função era criar outra identidade para as pessoas desumanizadas pela escravidão e pelo colonialismo (Metcalf, 1999METCALF, Alida. Millenarian slaves? The “santidade” de Jaguaripe and slave resistance in the Americas.American Historical Review (Washington, DC). v. 104, n. 5, p. 1531-1559, 1999., p. 1558). As santidades, portanto, podem ser consideradas como ancestrais dos quilombos no Brasil, não somente por reunir grupos étnicos distintos em torno de um mesmo projeto, mas por se caracterizar como um espaço de resistência à escravidão (Vainfas, 1995VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras , 1995.). Alida Metcalf (1999)METCALF, Alida. Millenarian slaves? The “santidade” de Jaguaripe and slave resistance in the Americas.American Historical Review (Washington, DC). v. 104, n. 5, p. 1531-1559, 1999. identificou que autoridades portuguesas, não raro, usavam as palavras “santidade” e “mocambo” como sinônimos. Assim, também, se configura o culto do Santo Padre, como verdadeira extensão da ação quilombola, cuja existência precisa ser entendida como um modo de vida fundamentado na inversão dos lugares que cada sujeito ocupava na sociedade, numa ruptura da lógica colonial e escravista: ali, um escravo fugido era o papa, celebrando o culto dentro da igreja matriz, e tendo pessoas livres e senhores de escravos como seus fiéis.

Muitos cultos de perfil sincrético e mestiço guardavam um lugar especial para santo Antônio, o santo favorito da senzala, conforme diz o historiador Robert Slenes (2006SLENES, Robert. A árvore de Nsanda transplantada: cultos Kongo de aflição e identidade escrava no Sudeste brasileiro (século XIX). In: LIBBY, Douglas Cole; FURTADO, Júnia Ferreira (Orgs.). Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVII e XIX. São Paulo: Annablume , 2006, p. 273-314., p. 306). Em 1739 a angolana liberta Luzia Pinta foi acusada de ser “mestra calunduzeira” e realizar curas por intervenção de santo Antônio e são Gonçalo (Marcussi, 2015MARCUSSI, Alexandre Almeida. Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII e XVIII. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.). Em Minas Gerais, em 1747, a africana Josefa Maria dizia ser filha de Nossa Senhora do Rosário e de santo Antônio. A cerimônia usava água benta, “palavras que encontram nossa fé católica”, sangue de animais, folhas e fetiches, somados às danças, transes e promessas de curas (Mott, 2016MOTT, Luiz. Três sacerdotisas africanas no Brasil inquisitorial. In: COSTA, Valéria; GOMES, Flávio. Religiões negras no Brasil: da escravidão à pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2016, p. 59-78., p. 68). Na vila de Vassouras, interior de São Paulo, em 1848, uma revolta escrava foi tramada a partir de um movimento religioso de escravos que cultuavam santo Antônio. Já em 1854, também no interior de São Paulo, o preto forro José Cabinda liderou um culto que usava imagens de Santo Antônio e minkisi, característico dos cultos celebrados pelos povos da África Central (Slenes, 2006SLENES, Robert. A árvore de Nsanda transplantada: cultos Kongo de aflição e identidade escrava no Sudeste brasileiro (século XIX). In: LIBBY, Douglas Cole; FURTADO, Júnia Ferreira (Orgs.). Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVII e XIX. São Paulo: Annablume , 2006, p. 273-314.). Como último exemplo, mas sem esgotar a interminável lista, no sertão de Sergipe, na metade do século XIX, escravos fugidos, índios, mestiços e “pessoas desocupadas” se reuniram e criaram um “céu”, no qual adotavam a identidade de santos, como: Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora do Amparo, são Francisco, santo Antônio, Jesus Cristo e até mesmo Satanás (Reis, 1942REIS, João Dantas Martins dos. Almas das carnaíbas, um céu no Riachão: resquício das Santidades. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Aracaju). v. XI, n. 16, p. 27-28, 1942.). Em comum, além da invocação aos santos, especialmente santo Antônio, têm o fato de que, como o culto do Santo Padre, todos aconteceram em momentos de crise, dificuldades e avolumamento de pautas reivindicatórias por parte dos grupos subalternizados. Esses cultos reafirmam que os escravizados integraram elementos do catolicismo que coincidiam com as suas próprias mundivivências (Sweet, 2007SWEET, James H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770). Lisboa: Edições 70, 2007., p. 238), incorporando a ação divina nas necessidades mais imediatas.

Um dos mocambos da região de Ilhéus já invocava a proteção do santo português por volta de 1691. O lugar era liderado por escravos mulatos, com ampla participação de africanos e libertos.36 36 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Ordens Régias, doc. 96. Entre os anos de 1691 e 1692 o mocambo sofreu diversos ataques ordenados pelo governo até ser destruído. Porém, boa parte dos quilombolas conseguiu escapar se escondendo na floresta e fundando um outro quilombo nas imediações da vila de Barra do Rio de Contas, ao qual deram o nome de “Santo Antônio do Bom Viver”, numa clara referência a uma melhor condição de vida almejada, sob a proteção do santo. Esse quilombo longevo só foi desbaratado no ano de 1835 e, novamente, sem prender nenhum dos seus membros, pois já haviam fugido horas antes da invasão.37 37 Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Barra do Rio de Contas, Maço 2246. A devoção a santo Antônio, evidenciada em diferentes cultos e revoltas, não foi um acaso. As habilidades do santo, cultuado pelo milagre da bilocação, ou seja, a condição de estar em dois lugares ao mesmo tempo, deve ter interferido muito na escolha do padroeiro daqueles grupos rebeldes (Mott, 1996MOTT, Luiz. Santo Antônio, o divino capitão do mato. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: histórias de quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 1996, p. 110-138., p. 110-138).

Robert Slenes (2008SLENES, Robert. A grande greve do Crânio do Tucuxi: espíritos das águas centro-africanas e identidade escrava no início do século XIX no Rio de Janeiro. In: HEYWOOD, Linda. Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto , 2008, p. 193-217., p. 197) considera que a flexibilidade no ritual e no uso dos símbolos religiosos de diversas origens é uma das marcas da religião centro-africana, tornando-a adaptável às diversas circunstâncias. O fato de pessoas comuns assumirem a identidade de divindades ou de autoridades da Igreja, numa leitura apressada, pode significar uma catequese imperfeita ou mera simulação. Contudo, deve-se considerar que a tradição africana centro-ocidental não substituía suas cosmologias por outras, mas procurava similitudes entre as diferentes tradições. Esses fatores também estão presentes em práticas religiosas consideradas sincréticas que permanecem coexistindo com práticas católicas “tradicionais”, até os dias atuais.

A criação ou adaptação de ritos católicos por parte de gente escravizada, como o culto do Santo Padre, foi estimulada pelo clima de insatisfação diante da exploração e penúria a que eram submetidos. Contudo, soma-se a isso um desamparo espiritual, favorecido pela inexistência de uma presença efetiva do clero na região. No interior do Brasil, muitos moradores passavam anos sem ver um sacerdote, sem participar de missas ou receber os sacramentos. No caso de Barra do Rio de Contas, o vigário, Sebastião dos Mártires Gramido, tinha idade avançada e já não era tão frequente em seus compromissos, até porque tinha um vasto território para dar conta. Conforme relata o ouvidor de Ilhéus sobre Barra do Rio de Contas, “a igreja, [...] com duas irmandades de S. Miguel e Sacramento, a qual tem 500$000rs de fundo com um só pároco, sem um outro sacerdote que o ajude, ou que possa servir no seu impedimento de moléstia”.38 38 ANAIS da Biblioteca Nacional, ano 1914, n. 36, p. 113. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1914_ 00036.pdf>. Acesso em: 8 nov. 2020. Sobre isso, Roquinaldo Ferreira (2012FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the era of the slave trade. Nova York: Cambridge University Press , 2012., p. 180-181) identificou que a diminuta presença de padres em Luanda originou uma religiosidade multifacetada em finais do século XVIII, com elementos do cristianismo e da religião africana, um “cristianismo angolano”, ou, como o próprio bispo local denominou à época: um misto de “superstição e religião”.

A religião sempre ocupou um espaço importante nas relações sociais e isso era percebido pelas autoridades em relação aos grupos considerados perigosos, entre eles os escravizados e africanos em geral, objetivando, não apenas conforto espiritual, mas, sobretudo, o controle social, evitando fugas, levantes e formação de quilombos. Como narra Balthazar da Silva Lisboa, queixando-se sobre a parca assistência religiosa à comarca, “a religião é o mais poderoso freio dos mortais; porém uma vez que os homens se familiarizam com os crimes pela falta de conhecimentos da religião não são instruídos e avivados nas ideias da fé que professam, eles se abandonam aos prazeres dos sentidos”.39 39 LISBOA, Balthazar da Silva. Memória sobre a Comarca de Ilhéos, 1803. Anais da Biblioteca Nacional, ano 1915, n. 37, p. 10. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1915_00037.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2020. Alguns senhores e autoridades locais, portanto, podiam ver no culto do Santo Padre um espaço controlado para o exercício da autonomia, ainda que relativa, dos escravizados, evitando a rebeldia coletiva, as fugas e aquilombamentos. Ignoraram, contudo, que a existência do culto, per se, já constituía uma forte contraposição à ordem estabelecida, rompendo hierarquias e reafirmando o lugar de resistência ante as estruturas sociais vigentes.

Considerações finais

O culto do Santo Padre deve ser compreendido para além de uma manifestação religiosa, se inserindo na esteira de reações de escravos e libertos em torno de projetos de liberdade e contra as estruturas vigentes. A comunidade escrava das comarcas de Ilhéus e Valença, especificamente, por conta da vida de penúria de muitos senhores, explorou as brechas do sistema e, aproveitando-se de todas as fragilidades existentes - geografia do lugar, distância do poder central, descontrole senhorial -, reivindicou espaços de autonomia. Desse modo, as fugas, quilombos e a realização do culto do Santo Padre, se apresentam como elementos insurgentes de pessoas oprimidas pelos diversos desafios cotidianos, principalmente a sobrevivência, construindo estratégias de vida para enfrentar suas necessidades cotidianas (Mintz, Price, 2003MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas; Universidade Cândido Mendes, 2003., p. 113).

O culto liderado pelo Santo Padre, assim como os quilombos, fugas temporárias, tentativas de levantes e outras ações reivindicatórias coletivas, expressam a inconformidade com a posição que ocupavam. Todas essas ações, então, visavam alcançar espaços de autonomia maiores, desde uma roça, a condição de comercializar um produto ou o direito de ir e vir. Trata-se de frestas, porém muito significativas, de liberdade, que se relacionam com a formação de um campesinato mais ou menos independente, evidenciado nos quilombos, onde pudessem controlar o seu tempo e as suas atividades, além de celebrar o culto que bem entendessem.

Barra do Rio de Contas e todo o seu entorno formava o que foi denominado de “campo negro”, ou seja, “uma complexa rede social que se tornou palco de lutas e solidariedade conectando comunidades de fugitivos, cativos nas lavouras, libertos, lavradores, fazendeiros, autoridades policiais e outros tantos sujeitos que vivenciaram os mundos da escravidão” (Gomes, 2006GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. São Paulo: Companhia das Letras , 2006., p. 45). Finalmente, quilombolas, escravizados e libertos diluíram as fronteiras físicas e simbólicas daquela sociedade, forçando ações que os colocava em confronto com os poderes civis e eclesiásticos.

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  • 1
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 2
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 3
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 4
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  • 5
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Juízes Barra do Rio de Contas, Maço 2246. Correspondência enviada ao Presidente da Província, Barra do Rio de Contas, 3 fev. 1832.
  • 6
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 7
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 8
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Juízes Barra do Rio de Contas, maço 2246. Correspondência enviada ao Presidente da Província, Barra do Rio de Contas, 3 fev. 1832.
  • 9
    Sebastião dos Mártires Gramido ficou na função por mais de trinta anos. A primeira notícia sobre ele é da sua chegada à Bahia a bordo do navio Ullyses, em maio de 1812, vindo do Rio de Janeiro. Não é certo, porém, que essa fosse sua primeira vinda à Bahia, uma vez que não se tem a data em que tomou posse como vigário da localidade. O falecimento dele se deu em setembro de 1848, depois de um longo período de doença. O padre, além de ser vigário de Barra do Rio de Contas, era vigário geral substituto das comarcas de Ilhéus e Valença, o que explica a sua ausência da localidade quando das averiguações sobre o culto dos escravos. O Noticiador Catholico, n. 17, 16 set. 1848. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/709786/ per709786_1848_00017.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2020.
  • 10
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 11
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 12
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 13
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 14
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Maço 2246.
  • 15
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Judiciário: 91 inventários de Camamu, Maraú, Valença e Barra do Rio de Contas entre 1800 e 1850.
  • 16
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2. p. 121.
  • 17
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Câmara de Barra do Rio de Contas, Maço 1254.
  • 18
    Segundo João José Reis (2003, p. 371) cada mil covas de mandioca produziriam em torno de trinta alqueires de farinha.
  • 19
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2.
  • 20
    Segundo João J. Reis, (1996, p. 360), o alqueire de farinha de mandioca era vendido, nos primeiros anos do século XIX, entre 320$000 e 640$000, a depender da qualidade. Para efeitos de cálculo, preferi tomar uma posição mais conservadora, escolhendo o valor mais baixo de 320$000 o alqueire.
  • 21
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Devassa do Quilombo do Oitizeiro, Maço 572-2.
  • 22
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Valença, Maço 2626.
  • 23
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, Maço 1282.
  • 24
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Ilhéus, Maço 2395-1.
  • 25
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 15 set. 1827.
  • 26
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 abr. 1827.
  • 27
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Colonial e Provincial, Juízes Barra do Rio de Contas, Maço 2246.
  • 28
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 de abr. de 1827.
  • 29
    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Câmara de Camamu, maço 1282, 28 abr. 1827.
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    Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, Presidência da Província, Judiciário, Escravos (assuntos), maço 2885, Correspondência enviada ao Presidente da Província, Camamu, 25 fev. 1828.
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  • 37
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2020
  • Aceito
    01 Abr 2021
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