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Gilberto Freyre na imprensa: uma ideia ibérica de cidade, do Recife (na década de 1920) a Lisboa (na década de 1950)

Resumo:

O objetivo desse artigo é investigar a obra de Gilberto Freyre em torno de um tema específico, as cidades narradas em suas colaborações na imprensa, cujo objeto de estudo não se desvincula dos pilares mais fundamentais de sua obra, marcada por um olhar empático ao passado e pela defesa da herança ibérica, considerada híbrida e plástica. O tema das cidades em Freyre esteve presente em livros - como o Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (1934) - mas também foi tema de páginas e páginas na imprensa, assunto pouco estudado pela crítica especializada. A sensibilidade para o urbano na atividade jornalística de Freyre - com ênfase ao Recife da década de 1920 e a Lisboa no início da década de 1950 - constitui o foco analítico desta contribuição.

Palavras-chave:
Gilberto Freyre; cidade; imprensa

Abstract:

The goal of this article is to investigate the work of Gilberto Freyre about a specific topic, that is, the narration of cities through the lens of the press, an object of study that is not detached from the most fundamental pillars of his work, marked by an empathetic look at the past and by the defense of the Iberian heritage, considered hybrid and plastic. The theme of cities was present in Freyre’s books, such as the Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (1934) but was also subject of pages and pages in the press, a theme understudied by the specialized critic. The sensitivity to the urban aspect in his journalistic activity - with emphasis on Recife in the 1920s and Lisbon in the early 1950s - constitute the analytical focus of this contribution.

Keywords:
Gilberto Freyre; City; Press

A proposta deste artigo é investigar a construção de um longevo olhar de Gilberto Freyre (1900-1987) sobre as cidades, com ênfase no Recife dos anos 1920 e de Lisboa na década de 1950. Interessa documentar a construção de uma percepção sobre as cidades no interior do projeto intelectual freyreano, que não se dissocia dos pilares mais fundamentais de sua obra, marcada por uma perspectiva empática em relação ao passado e à defesa da legitimidade da cultura ibérica e mestiça.

A comunidade de pesquisadores interessada na produção intelectual de Gilberto Freyre tem priorizado os livros como suporte de suas ideias, até pela facilidade de acesso. No entanto, a atuação de Freyre na imprensa foi grande, e a pesquisa a esse respeito ainda é insatisfatória. A sensibilidade para o urbano encontra amplo espaço no ativismo jornalístico do autor ao longo de sua vida intelectual: eis aqui um dos motores dessa contribuição.

Interessa, portanto, aprofundar a compreensão do iberismo em relação às cidades - presente em Bastos (2012BASTOS, Élide Rugai. Gilberto Freyre: a cidade como personagem. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 3, 2012. p. 135-159.), mas não nos ricos artigos de Lira (2005LIRA, José Tavares Correia de. Naufrágio e galanteio: viagem, cultura e cidades em Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 57, 2005. p. 143-209.) e Peixoto (2005PEIXOTO, Fernanda. A cidade e seus duplos: os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, v. 17, n. 1, 2005. p. 159-173.) -, bem como documentar a recorrência do tema ao longo da vida intelectual de Freyre, com ênfase nos periódicos. Até porque, nos limites deste artigo, não será possível pormenorizar a análise do Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (1934), nem de Olinda: segundo guia prático, histórico e sentimental de cidade brasileira (1939), livros já bem estudados pelos autores acima citados.

No Diário de Pernambuco, na década de 1920, há uma série de artigos de Freyre em que o tema das cidades aparece, com críticas às reformas urbanas do Recife e do Rio de Janeiro. Em um Freyre já maduro, na década de 1950, quando o autor construiu grande parte de sua produção lusotropical, a sensibilidade para os fenômenos urbanos reaparece. Na condição de colunista da revista O Cruzeiro, de ampla circulação nacional, Freyre fez frequentes observações sobre Lisboa e outras cidades. Eis aqui outro eixo fundamental deste artigo.

A cidade de Freyre na imprensa dos anos 1920

Em percurso pouco usual para época, Gilberto Freyre estudou nos Estados Unidos entre 1917 e 1922 - primeiro em Baylor, no Texas; depois em Columbia, em Nova York. Antes de retornar ao Recife, em fins de 1923, o jovem pernambucano fez uma longa viagem pela Europa. Demorou-se na Inglaterra (Oxford) e passou por França, Alemanha, Espanha e Portugal. Ao longo desses anos no exterior, Freyre já colaborava ativamente com a imprensa pernambucana. De volta ao Recife, continuou a escrever nos jornais de modo ainda mais intenso (Rezende, 1997REZENDE. Antonio Paulo. (Des)Encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: Fundarpe, 1997., p. 148).

Poliglota e viajado - na contramão dos discursos dominantes no período, ainda marcado em graus variáveis pelos determinismos climáticos e étnicos -, Freyre colocou-se na defesa dos trópicos e das tradições, inclusive urbanas. Em “Jardins para os trópicos” - artigo originalmente publicado no Diário de Pernambuco, em 1923, e republicado em Retalhos de jornais velhos (1964) -, o jovem autor buscou valorizar as árvores tropicais nas cidades quentes do Nordeste do Brasil. Era uma incisiva crítica à imitação da Europa e dos Estados Unidos pelos novos-ricos, interessados em aparentar modernidade e atualidade, inclusive por meios de árvores e jardins importados:

Sob o nosso sol e nesta nossa natureza meio selvagem ainda, jardins como os suíços; ou como os franceses do Loire; ou como os inglêses de Holland House - estilizados, os tufos aparados em cubos, os canteiros em dura simetria, a relva quase sem fim - assumem um ar melancólico e ao mesmo tempo ridículo.

A tradição portuguêsa é sem dúvida a que devia estar sendo aqui desenvolvida (Freyre, 1964aFREYRE, Gilberto. Jardins para os trópicos (1923). In: FREYRE, Gilberto. Retalhos de jornais velhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964a., p. 6-7).

Depois de morar ou passar por cidades como Nova York, Londres e Paris, vemos um jovem longe de qualquer encanto com as metrópoles modernas, com a velocidade dos automóveis ou com as largas avenidas e os arranha-céus. Em carta de abril de 1924 que Freyre escreveu a Monteiro Lobato, há elogios aos trópicos e já se vislumbra certa crítica ao conceito moderno de cidade:

Acabo de chegar a Pernambuco onde há cinco anos não punha o pé. Estou a fartar-me de água de coco e caldo de cana - a satisfazer minha ânsia saudosa da paisagem tropical [...]. Cercam-me o quarto, além duma pequena árvore gorda e grotesca, canas-de-açúcar, bananeiras, palmeiras adolescentes [...]. Isto encanta, meu caro autor de Urupês, após cinco anos de bungalows, de skyscrapers, de Quinta Avenida e Piccadilly. O que é positivamente um horror é o que há aqui de novo: os novos edifícios, os jardins novos, nus, sem árvores, as novas residências, sem caráter, sem gosto [...] (Freyre, abr. 1924FREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco, 13 nov. 1924., citado em Larreta e Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 220).

Diferente do que frequentemente acontecia aos jovens da elite brasileira e latino-americana, que voltavam da Europa ou dos Estados Unidos encantados com as luzes, com a técnica, com a velocidade da modernidade e de suas cidades em transformação, Freyre voltou de longa estada no exterior com fome de um Brasil profundo, do seu Recife de infância, como reafirmou em artigo publicado no Diário de Pernambuco, em 20 de abril de 1924: “Eu por mim já me sinto um tanto estrangeiro no Recife de agora. O meu Recife era outro” (Freyre, 20 abr. 1924FREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco, 13 nov. 1924., p. 16).

A defesa dos trópicos e do ambiente rural se juntava à crítica às cidades modernas. No dia 11 de novembro de 1924, no Colégio Salesiano do Recife, Freyre proferiu longa palestra chamada “O Recife e as árvores”, cuja íntegra foi publicada no Diário de Pernambuco dois dias depois. No texto, o autor elogiou a vizinha Olinda e “toda a flora tropical”:

Seria opportuna a restauração da quinta de Olinda, já que no Recife parece tão difficil dedicar alguns hectares a um bosque que reunisse os valores decorativos da nossa flora e de toda a flora tropical, como essas arvores hindús e africanas parentas das nossas; e servisse de grande pulmão à cidade. Uma cidade tropical sem um grande parque - comprehende-se absurdo maior? (Freyre, 13 nov. 1924FREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco, 13 nov. 1924., p. 4).

Ao abordar as “árvores hindus e africanas parentas das nossas”, Freyre fez alusão a certo passado em que os portugueses, por meio das grandes navegações e das “conquistas”, traficaram plantas e animais (além de homens, mulheres e crianças, diga-se de passagem). Freyre elogiava a colonização portuguesa nos trópicos por legar ao Brasil - e, portanto, ao Recife - plantas orientais e africanas, tropicais, adaptáveis à costa Atlântica da América do Sul.

A valorização dos trópicos e da mestiçagem foi nutrida pela leitura do ensaísta Lafcadio Hearn, autor de Two Years in the French West Indies, cuja edição original de 1903 é citada por Freyre com frequência, como nota Maria Lúcia Pallares-Burke (2005, p. 345-350). A sensibilidade para os trópicos viria desaguar, mais tarde, no que Freyre chamaria de lusotropicalismo, uma espécie de tendência lusitana de acomodação cultural, contemporização, transigência e ajustamento às populações e aos climas quentes.

As cidades não nascidas da modernidade burguesa estavam contidas nessa paisagem. Freyre queria vê-las preservadas ante o furacão modernizador que ameaçava as velhas cidades brasileiras, de origem colonial. Para ele, o Rio de Janeiro reformado pelo prefeito Pereira Passos já teria sido vitimado - a remodelação, que havia começado em 1903, era objeto de constante crítica de Freyre.

Em 1925, Gilberto Freyre organizou o Livro do Nordeste, obra coletiva destinada a comemorar o centenário do Diário de Pernambuco, do qual era ativo colaborador. No livro, colocou-se em firme defesa das tradições pernambucanas e nordestinas, que ele percebia ameaçadas pelas “tentações falsamente modernizantes, dos americanismos” (Freyre, 1979FREYRE, Gilberto. Livro do Nordeste. Recife: Secretaria da Justiça/Arquivo Público Estadual, 1979., p. 79-80).

Dizia Freyre: “as usinas de firmas comerciais trouxeram para a indústria do açúcar mecanismo das fábricas burguesas”, impessoais, destruidoras da “subserviência como que filial dos antigos trabalhadores aos senhores de engenho - tipos de uma fidalguia rústica” (Freyre, 1979FREYRE, Gilberto. Livro do Nordeste. Recife: Secretaria da Justiça/Arquivo Público Estadual, 1979., p. 80). Em tom claramente patriarcal, ele defendeu a tradição, com o que há de aristocrático e ibérico nela, cuja percepção se integrava à defesa do regionalismo nordestino e ensejava uma crítica à cidade moderna, haussmaniana.

Não se entende a obra de Gilberto Freyre, inclusive os textos na imprensa dos anos 1920, sem compreender o profundo traço iberista de sua produção intelectual. É uma produção marcada pela percepção de que a formação histórica e cultural da Ibéria católica, já mestiça desde a Idade Média, é distinta do Ocidente protestante e moderno, liberal e industrial (Bastos, 2003BASTOS, Élide Rugai. Gilberto Freyre e o pensamento hispânico: entre Dom Quixote e o Alonso El Bueno. Bauru: Edusc, 2003.; Schneider, 2012SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo e lusotropicalismo na obra de Gilberto Freyre. História da Historiografia, v. 1, p. 75-93, 2012., 2020; Silva, 2016SILVA, Alex Gomes da. Gilberto Freyre e o legado luso-hispânico: uma construção no pós-guerra. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016.; González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista en su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidad de Salamanca. Salamanca, 2021.).

O jovem Gilberto Freyre não inventou o iberismo - aqui entendido como a defesa do legado ibérico -, mas o retirou de intelectuais portugueses e espanhóis empenhados em debater as condições peninsulares ante a modernização de fins do século XIX e começos do XX. Dentre eles, destacam-se os espanhóis Ángel Ganivet (1865-1898) e Miguel de Unamuno (1864-1936) e os portugueses Fidelino de Figueiredo (1888-1967) e António Sardinha (1887-1925).

A crítica à cidade moderna em Freyre é indissociável desse debate. Convém insistirmos na paixão intelectual do jovem pernambucano pelo andaluz Ángel Ganivet. A própria concepção freyreana da bicontinentalidade de Portugal e Espanha (Araújo, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: “Casa-grande & senzala” e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. São Paulo: Editora 34, 1994.) - que viria a ser tão cara a Casa-grande & senzala - já estava no Idearium español (1898), a obra maior de Ganivet, autor que Freyre admirava e de quem tinha grande parte dos livros, como confirmam seus biógrafos (Larreta Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 398). A leitura de Ganivet exerceu um poderoso impacto na formação intelectual do jovem Freyre (Bastos, 2003BASTOS, Élide Rugai. Gilberto Freyre e o pensamento hispânico: entre Dom Quixote e o Alonso El Bueno. Bauru: Edusc, 2003.). Para Ganivet, os povos ibéricos não eram decadentes se comparados à Europa do Norte. Diversos, sim; inferiores, nunca, pois teriam sido marcados por toda uma história de mestiçagens com povos mediterrânicos e orientais, muçulmanos e judeus (Ganivet, 1898GANIVET, Ángel. Idearium español. Granada: Sabater, 1898., p. 108).

Pablo González-Velasco (2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista en su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidad de Salamanca. Salamanca, 2021.) mostra que Freyre encontrou em uma série de autores espanhóis, entre eles Ganivet, a percepção de uma Ibéria antiga, marcada pela cultura muçulmana, berbere e mediterrânica, em que a mestiçagem, o patriarcalismo, a poligamia e o ecumenismo são lidos como positivos (González-Velasco, 2021GONZÁLEZ-VELASCO, Pablo. Gilberto Freyre y España: la constante iberista en su vida y obra. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidad de Salamanca. Salamanca, 2021., p. 28).

Nos artigos na imprensa dos anos 1920, é evidente a defesa que Gilberto Freyre fez de um Nordeste mais tradicional e mais ibérico, ante a modernização em processo no Rio e em São Paulo (Schneider, 2020SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo, tradição e mestiçagem: a defesa do Nordeste brasileiro antigo no primeiro Gilberto Freyre (1920-1940). Revista de Estudios Brasileños, v. 7, n. 14, 2020. p. 169-185.). Por meio do iberismo, Freyre construiu um repertório crítico dos valores modernos e ocidentais, levando-o a desenvolver uma perspectiva conservacionista e preservacionista, seja das conformações não geométricas das velhas cidades coloniais, com suas antigas igrejas e conventos, seja das árvores tropicais que deveriam sobreviver ao furor modernizador, ou dos antigos doces da cozinha pernambucana.

A convite de Freyre, o poeta modernista Manuel Bandeira (1886-1968) escreveu, em 1925, um de seus poemas mais famosos, “Evocação do Recife”, publicado no Livro do Nordeste (1925), volume organizado justamente por Gilberto Freyre para a comemoração do centenário do Diário de Pernambuco. O poema de Bandeira ecoa os diálogos com o amigo Freyre (Dias, 2017DIAS, Silvana Moreli Vicente. Cartas provincianas: correspondência entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira. São Paulo: Global, 2017., p. 196-201), em que o Recife antigo é um personagem vivo, em reação à cidade nova que se modernizava. Observemos um trecho decisivo:

Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
[...]
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô (Bandeira, 1974BANDEIRA, Manuel. Evocação do Recife. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1974., p. 214).

Era uma ideia profundamente freyreana preservar o Recife antigo, “impregnado de eternidade”; o Recife brasileiro, com suas ruas coloniais e com nomes dos tempos idos; o Recife do tempo de “nossos avós”. Lembremos que, naqueles anos, a cidade do Recife - como muitas outras cidades brasileiras - passava por um processo de transformações que abrangia desde o saneamento até o alargamento de ruas, com a modernização do porto e do centro da cidade, o que implicava desapropriações e demolições, bem como a construção de novos equipamentos urbanos, inclusive novas avenidas e novo paisagismo (Lira, 1999LIRA, José Tavares Correia de. O urbanismo e o seu outro: raça, cultura e cidade no Brasil (1920-1945). Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, maio, 1999. p. 47-78.).

Freyre opunha-se a certo internacionalismo, que entendia como afetado e falso. As reformas deveriam ser condizentes com uma cidade tropical e sua herança luso-ibérica: “Abandone o Recife a mania dos geométricos canteiros francezes ou inglezes com a superfície lisa dos extensos gramados”, paisagem que ele considerava inadequada ao “sol requeimante” dos trópicos. (Freyre, 13 nov. 1924FREYRE, Gilberto. O Recife e as árvores. Diário de Pernambuco, 13 nov. 1924., p. 4).

O jovem autor estava empenhado na reabilitação do passado português, daí a oposição à cidade moderna, em linha reta, geométrica e simétrica. Preferia uma conciliação com a cidade colonial, com suas ruas tortas, seus prédios antigos, sua natureza tropical, suas árvores, seus rios, seus hábitos e modos de viver tradicionais, inclusive dos mocambos. Em artigo no Diário de Pernambuco, de 25 de fevereiro de 1926 (p. 3), Freyre criticou diretamente o ideal de cidade moderna:

Outro dia um recifense falava do seu sonho de um novo Recife. Seria esse novo Recife uma delícia de linha reta. Uma delícia de simetria. Uma delícia de regularidade. Um Recife geométrico como um jardim do Loire.

Em viagem ao Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1926, Freyre enviou vários artigos ao Diário de Pernambuco, entre eles, “A cidade da febre cinzenta”. Nele, afirmou que, no Rio, pior que a “febre amarela” era a “febre cinzenta”, em alusão às reformas urbanas, que responsabilizava até pelo excesso de calor no verão. A avenida Central, larga, com poucas árvores e edifícios distantes, sem sombra, potencializaria o calor - logo, seria imprópria para os trópicos:

A febre do Rio, já não é a amarela. É a cinzenta. É a do sol que bate forte no asfalto e do asfalto sobe, terrível. A não ser pelas ruas estreitas tão boas e camaradas da gente numa cidade tropical, é quase impossível andar a pé, no Rio, nesses dias de Sol, sem a consciência de esforço doloroso (Freyre, 17 nov. 1926FREYRE, Gilberto. A cidade da febre cinzenta. Diário de Pernambuco, 17 nov. 1926., p. 4).

O Freyre dos anos 1920 não exibia entusiasmo pelos automóveis e se incomodava com a velocidade e o ruído deles. O pensamento do jovem Freyre contém nítidos traços românticos, de certo modo “anti-iluministas”, que certamente alimentaram a crítica à modernidade ocidental, conferindo importância a certas dimensões obscuras do mundo e da vida, como “sexualidade, morte, simbolismo do poder, irracionalismo. Predomina, no tom geral dos trabalhos dessa época, uma crítica radical de alguns dos valores centrais do liberalismo” (Larreta, Giucci, 2007LARRETA, Enrique Rodriguez; GIUCCI, Guillermo. Gilberto Freyre, uma biografia cultural: a formação de um intelectual brasileiro (1900-1936). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 255). Era nesse conjunto de percepções e sensibilidades que Freyre lia a cidade moderna.

Em 1927, quando era uma espécie de chefe de gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, Gilberto Freyre acompanhou o arquiteto e urbanista francês Donat Alfred Agache (1875-1959) em um passeio de lancha pelo rio Capibaribe. Agache - que teve considerável influência no Brasil, com projetos em várias cidades do país - viera ao Rio de Janeiro para planejar intervenções urbanas na capital federal. Aproveitando a oportunidade, o governador, muito provavelmente por sugestão de Freyre, convidou o “mestre francês” para proferir conferências no Recife sobre o moderno conceito de urbanismo.

Freyre publicou um artigo sobre o “mestre Agache”, referindo-se a ele como um “Don Juan de cidades”. No texto, definiu o Recife como “a mais árabe das [cidades] que os portugueses criaram no Brasil”, ideia que lembrava seu mestre andaluz Ganivet, que gostava de proclamar a Andaluzia como uma região enriquecida pelos traços árabes, orientais e muçulmanos. Haveria belezas não fotogênicas no Recife, pois, nota Freyre, “a capital de Pernambuco guardava valores característicos, cujo encanto nenhuma lente de câmara de cinema poderia fazer justiça” (Freyre, 1964bFREYRE, Gilberto. Um brasileiro em terras portuguesas: Introdução a uma possível lusotropicologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953b., p. 117).

O encanto do Recife era outro, menos nos prédios e nos cenários, e mais na cultura e na vivência das pessoas. A ideia de que a capital pernambucana não era fotogênica, como Rio e Salvador, reapareceria em Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, de 1934.

As contribuições de Freyre na imprensa, em termos conceituais e analíticos, não se separam dos livros. Mudam o suporte e as estratégias narrativas, e permanecem os pilares interpretativos de seu pensamento.

A cidade nos livros dos anos 1930

Os anos 1930 mudaram a vida de Gilberto Freyre, mas seu pensamento manteve conexões com os primeiros textos, ainda que sua obra estivesse em construção, recebendo novos influxos.

Com a Revolução de 1930, Freyre teve de fugir às pressas para Portugal, pois ele era assessor do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, ligado à velha ordem. De Lisboa, Freyre seguiu para Califórnia, em 1931, onde obteve importante cargo como professor temporário de história do Brasil na Universidade Stanford. Nos Estados Unidos, Freyre não esqueceu do mundo ibérico, nem de seus escritores e de seus debates.

Nesse aspecto, convém observar uma carta, de 25 de abril de 1931, enviada ao escritor português Fidelino de Figueiredo, em que exibia a adesão intelectual e emocional à obra de Ganivet:

Não morro de amores pelo Unamuno, mas Ganivet é um dos meus grandes, um dos meus profundos entusiasmos, e há seis ou sete anos, quando ainda escrevia na minha areia de praia provinciana, escrevi umas notas sobre essa grande alma de espanhol. Eu andava então todo interessado em animar na minha gente um espírito local, regionalista, um provincianismo criador, sem prejuízo do sentimento mais largo, brasileiro, e até hispânico, e quando descobri Ganivet por mim mesmo, pois nunca vira referência nenhuma a ele em português, foi uma alegria enorme. [...] No exílio meu ganivetismo ainda mais se aguçou (Freyre citado em Dimas, 2011DIMAS, Antônio. Gilberto Freyre e Fidelino de Figueiredo. Navegações, v. 4, n. 2, 2011. p. 132-145., p. 144).

Se em Casa-grande & senzala, livro de 1933 dedicado ao mundo rural e colonial, o tema das cidades não aparece, no Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife o tema apareceria inteiro. Publicado no Recife em julho de 1934, com tiragem de apenas 105 exemplares, a obra tinha ilustrações de Luís Jardim, artista que compunha com Freyre, Cícero Dias, José Lins do Rego, Lula Cardoso Ayres, entre outros nomes, o movimento regionalista do Nordeste.

O Guia é só aparentemente um livro menor. Mais do que um guia convencional - pois além de ruas, becos, prédios e igrejas, também retrata lendas, mitos e assombrações -, a obra descreve uma cidade heterogênea em muitos sentidos, pois diversa de classes, raças, cores e ethos. Ou seja, uma cidade que simbolizaria o que Freyre entendia como uma civilização lusoafromestiça, logo, brasileira e ibérica.

Como grande parte da obra de Freyre, o Guia é indissociável do contexto mais geral em torno do movimento regionalista. Convém observar que a ideia de região - também cara para Ángel Ganivet - é atravessada por cultura, história, ecologia, enfim, por um modo de ser e de estar no mundo.

Para um homem afeito à legitimidade das tradições ibéricas e do conceito de região, como era Freyre, os perigos da modernização dissolvente e do próprio transcurso do tempo histórico em aceleração foram sentidos como perda e ameaça. Não por coincidência, Freyre era leitor assíduo de Marcel Proust (1871-1922), escritor sensível à memória e às perdas: O estudo da história íntima de um povo tem alguma coisa de introspecção proustiana”, disse em Casa-grande (Freyre, 1933FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933., p. 23).

Tanto nos textos mais ligeiros da imprensa periódica como nos livros mais elaborados, predomina uma prosa vibrante, evocativa e sinuosa (Peixoto, 2005PEIXOTO, Fernanda. A cidade e seus duplos: os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, v. 17, n. 1, 2005. p. 159-173.). O gosto pelo passado ibérico, mestiço e católico aparece quando o narrador aborda a arte barroca e a arquitetura colonial no centro do Recife e de Olinda e as festas populares de origens mestiças, algumas de forte herança africana, como os maracatus e os xangôs.

O olhar freyreano para as alteridades sobrepostas não impede uma ativa busca pela identidade, pois a cidade de Freyre, embora múltipla, é indelevelmente marcada pelo trópico, pelas mestiçagens e pela herança ibérica. Questões que já apareciam em suas contribuições na imprensa, antes dos guias de Recife e Olinda, e continuariam a aparecer.

Sensível à tradição e à cultura - inclusive a popular, com tudo o que há de mestiço, indígena e africano -, Freyre confere pouca atenção à pobreza, que nota, mas não é fruto de crítica ou indignação. É antes de tudo um flâneur de uma cidade enraizada no tempo colonial, ibérica, com suas igrejas barrocas “a sombra de grandes gamelleiras ou entre coqueirais” (Freyre, 1934FREYRE, Gilberto. Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife. Recife: The Propagandist, 1934., p. 28). Em última instância, é a identidade que Freyre busca, tanto nos guias como nos artigos na imprensa - seja na década de 1920, seja na década de 1950 -, para narrar uma cidade em defesa do ibérico, mestiço, tradicional e singular, ameaçada pela modernidade burguesa, padronizadora e norte-americana.

Nos limites deste artigo, não é possível aprofundar o entendimento dos guias de Recife e Olinda, já bem estudados pela crítica especializada (Lira, 2005LIRA, José Tavares Correia de. Naufrágio e galanteio: viagem, cultura e cidades em Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 57, 2005. p. 143-209.; Peixoto, 2005PEIXOTO, Fernanda. A cidade e seus duplos: os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, v. 17, n. 1, 2005. p. 159-173.). Mas convém registar que, em 1936, Freyre publicou Sobrados e mucambos, espécie de continuação de Casa-grande & senzala, em que a reflexão proposta pelo autor passa por mudanças que a sociedade brasileira do século XIX experimentou, inclusive nas cidades, na casa, na vida privada, na mestiçagem. No livro, Freyre narra o declínio do patriarcalismo e a ascensão de certos padrões que se aproximam do modo burguês e ocidental de vida e de dominação, em momento de decadência do patriarcalismo rural, sempre nas condições brasileiras de negociação e conciliação (Freyre, 1936FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.).

A imprensa como um lugar de Freyre no debate público

Ao contrário de outros ensaístas, sociólogos e historiadores dos anos 1940 e 1950, Gilberto Freyre vivia basicamente de escrever. Embora descendente de antigas famílias patrícias, era sem herança. O intelectual argentino Norberto Frontini, um colaborador do editor Daniel Cosío Villegas, diretor da mexicana Fondo de Cultura Económica, afirma em 1943 que “Freyre es el único escritor que vive de su trabajo intelectual” (Faria Filho, 2021FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Uma Brasiliana para América Hispânica: a Editora Fundo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira (décadas de 1940 e 1950). Jundiaí: Paco, 2021., p. 166). Além dos direitos autorais de seus livros, no Brasil e no exterior, a colaboração na imprensa era vital também em termos financeiros.

Em 1948, eleito deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN) como representante do estado de Pernambuco na primeira legislatura pós-Estado Novo, Gilberto Freyre passou a assinar uma seção na revista O Cruzeiro, intitulada “Pessoas, Coisas e Animais”, que duraria até 1967. Era um momento de consagração internacional do autor, mas também de uma crescente crítica liderada por intelectuais de esquerda nas universidades que começava a se enraizar.

Freyre tornou-se colunista de uma das mais importantes revistas ilustradas do país, de grande circulação, pertencente aos Diários Associados, grupo de propriedade do jornalista e empresário Assis Chateaubriand (1892-1968). As relações entre Gilberto Freyre e o paraibano Chateaubriand eram antigas e remontavam ao Recife, quando o segundo formou-se em direito e trabalhou, no começo dos anos 1920, no Diário de Pernambuco, onde também atuava o jovem Gilberto.

Entre 1931 e 1934, o velho jornal passou a pertencer aos Diários Associados, de um já poderoso Chateaubriand (Morais, 1994MORAIS, Fernando. Chatô, o Rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.). A coluna de Freyre foi publicada na época de maior influência da revista, cujo auge foi justamente na década de 1950, quando O Cruzeiro chegou a alcançar a tiragem de 550 mil exemplares por semana (Barbosa, 2000BARBOSA, Marialva. “O Cruzeiro”: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira”. Ciberlegenda, n. 7, 2000. Disponível em:Disponível em:https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36801 . Acesso em: 13 jun. 2023.
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). Ser colaborador regular da maior revista do país - e amigo bastante próximo de Assis Chateaubriand - garantia a Freyre não apenas remuneração, mas audiência no debate público.

Em suas colunas, Freyre conferia considerável destaque a assuntos portugueses ou luso-brasileiros, o que era coerente com o conjunto de sua obra. No entanto, após a viagem às “províncias ultramarinas” entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952, aumentou exponencialmente a presença de temas portugueses, inclusive com relativa defesa da ditadura liderada por António de Oliveira Salazar.

Como se sabe, a viagem foi cuidadosamente organizada pelo regime de Salazar, de modo que o intelectual brasileiro visse em Portugal e, sobretudo no “ultramar português”, o que convinha ao regime, embora Freyre não fosse submetido a proibições ou censuras expressas e formais (Castelo, 1999CASTELO, Cláudia. O modo português de estar no mundo: o lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa, 1933-1961. Porto: Afrontamento, 1999.).

A viagem, além de farto material para as colunas, geraria dois novos livros: Aventura e rotina e Um brasileiro em terras portuguesas, ambos publicados em 1953 pela José Olympio (Freyre, 1953aFREYRE, Gilberto. Aventura e rotina: sugestões de uma viagem à procura de constantes portuguesas de caráter e ação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953a., 1953bFREYRE, Gilberto. Um brasileiro em terras portuguesas: Introdução a uma possível lusotropicologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953b.), do Rio de Janeiro, naquele momento a mais prestigiosa editora do país. O primeiro livro, um diário escrito no calor da hora, é o mais significativo, pois nele Freyre narra as impressões da viagem, sempre em favor das suas teses.

No âmbito das colunas é possível flagrar um Gilberto Freyre já marcado pelo luso-tropicalismo,1 1 O luso-tropicalismo pode ser lido como uma nova fase da produção intelectual de Gilberto Freyre. Ainda que as raízes sejam anteriores, foi consolidada a partir da viagem de 1951 e 1952. Ver: Castelo (1999); Leonard (2001); Schneider (2012, 2020); Anderson, Roque, Santos (2019). cujo discurso, embora responda a uma agenda daquele período (o imediato pós-guerra), é profundamente atravessado pelo seu passado intelectual. São perspectivas e sensibilidades que já haviam madrugado na imprensa do Recife dos anos 1920, amadureceram nos livros dos anos 1930 e continuaram a aparecer na década de 1950. Como se pode ver, o tema das cidades é recorrente em Freyre, do jovem aspirante ao intelectual maduro, ainda que não se deva minimizar a historicidade de sua obra.

Convém observar que, no Brasil da década de 1950, os estudos históricos e sociológicos se institucionalizaram nas universidades, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na Universidade de São Paulo, em torno do grupo de Florestan Fernandes, a obra de Freyre passou a ser considerada cientificamente “atrasada”, pois estava “fora dos padrões discursivos sociologicamente legítimos” (Meucci, 2006MEUCCI, Simone. Gilberto Freyre e a sociologia no Brasil: da sistematização à constituição do campo científico. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2006., p. 253)

Justamente nesse momento, Freyre aprofundou a colaboração na imprensa periódica, voltando-se ao grande público, para o qual seu estilo (o ensaio como gênero) se ajustava melhor, já que conjugava pesquisa histórica, sociológica e antropológica com crítica de arte, memória e outros saberes, não raro vazados em tom literário.

É tentadora a comparação com Sérgio Buarque. O historiador paulista, contemporâneo de Freyre, se tornaria professor universitário na segunda metade da sua vida intelectual, abandonando o ensaísmo. Ao estudar os textos de Sérgio Buarque e de Gilberto Freyre no suplemento literário do Diário de Notícias, entre 1948 e 1950, Venancio e Wegner (2018VENANCIO, Giselle; WEGNER, Robert. Uma vez mais, Sérgio e Gilberto: debates sobre o ensaísmo no suplemento literário do Diário de Notícias (1948-1953). Varia Historia, v. 34, n. 66, 2018. p.729-762) demonstram que os intelectuais tinham clareza de suas opções e as defendiam. Buarque assumiu a pesquisa de tipo universitária ao passo que Freyre manteve-se leal ao ensaísmo. A crescente adesão à imprensa, nesse contexto, parece ter sido uma escolha consciente de Freyre, interessado em intervir no debate público, com maior audiência e liberdade discursiva.

Convém ainda notar que, no pós-guerra, após a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o Brasil passou por um crescente apelo desenvolvimentista, marcado por um aprofundamento do capitalismo e da democracia, cujo símbolo foi a construção de Brasília no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960). Era um tempo de forte aposta na urbanização e na industrialização, com o crescimento vertiginoso das grandes cidades brasileiras, sobretudo as do centro-sul -, em particular, São Paulo.

Importantes intelectuais brasileiros, como Sérgio Buarque e Florestan Fernandes, entre muitos outros, mobilizaram-se contra o arcaísmo e o passado rural, ou, se quisermos, contra o passado ibérico. No léxico desses autores e das novas instituições que surgiam - como a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), em 1949, e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), em 1955 -, termos como desenvolvimento, urbanização, industrialização, atraso, racionalização científica, classes sociais, mudanças sociais, capitalismo e democracia estavam na ordem do dia (Meucci, 2006MEUCCI, Simone. Gilberto Freyre e a sociologia no Brasil: da sistematização à constituição do campo científico. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2006., p. 281-285). É nesse contexto que Gilberto Freyre escreverá diferentes colunas na revista O Cruzeiro com críticas à modernização urbana.

A Lisboa no olhar de Freyre na década de 1950

Gilberto Freyre publicou “Lisboa, cidade em ordem” na edição de O Cruzeiro de 15 de dezembro de 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951.. A coluna foi escrita na capital portuguesa e remetida à redação do semanário, no Rio de Janeiro, enquanto Freyre fazia seu périplo por Portugal e pelas províncias ultramarinas.

A princípio, o texto surpreende. Naquele momento, estava cada vez mais clara a relativa proximidade do intelectual brasileiro com o regime de Salazar. O governo português não convidaria Freyre para uma longa visita ao país e às colônias se não houvesse expectativas de ganho político.

O título, “Lisboa, cidade em ordem”, parece sugerir um elogio, se pensarmos no contexto marcado pelo surgimento do luso tropicalismo. Mas não é o que se lê no primeiro parágrafo:

Lisboa é hoje uma cidade tão em ordem que eu chego a ter saudade da Lisboa um tanto desordenada que conheci em 1923, quando estive em Portugal pela primeira vez. Ordenando-se quase no sentido clerical de ter deixado de ser “do mundo”, a velha cidade perdeu alguma coisa de sua graça romântica, sua boemia, seu descuido napolitano, seu ar alegre de burgo mundano, célebre pelos muitos teatros, pelas ceias com espanholas, pela vida festivamente noturna. Perdeu também alguma coisa do seu pitoresco oriental que para quem vinha do norte da Europa era já uma festa (Freyre, 15 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14).

O uso das expressões “graça romântica”, “descuido napolitano” e “pitoresco oriental” - além de construir uma Lisboa idílica aos olhos de Freyre -, enseja uma crítica à cidade moderna, disciplinada, burguesa, elétrica e automotiva.

Freyre, pouco afeito aos automóveis, fez várias críticas a eles em 25 de dezembro de 1948FREYRE, Gilberto. Os sultões das ruas do Rio de Janeiro. O Cruzeiro, 25 dez. 1948., na coluna intitulada “Os sultões das ruas do Rio de Janeiro”:

Na cidade do Rio de Janeiro os reis, os pachás, os sultões das ruas são hoje os automóveis [...]. Diante dêles o homem que anda simplesmente a pé tem de resignar-se ao triste papel de criatura apenas tolerada pela caridade dêsses senhores absolutos da metrópole brasileira: de suas praças, de suas avenidas, de suas ruas centrais (Freyre, 25 dez. 1948FREYRE, Gilberto. Os sultões das ruas do Rio de Janeiro. O Cruzeiro, 25 dez. 1948., p. 10).

Ainda em “Lisboa, cidade em ordem”, vemos um Freyre um tanto desencantado com a cidade europeizada que estava a ver: “na Lisboa de hoje tem-se a impressão de estar numa cidade meridional que tivesse sofrido uma reforma suíça”. Uma reforma com um “toque de protestante, de puritano e até de calvinista no sentido da ordem, do método, do asseio, da higiene, dos chamados bons costumes”. Essa cidade um tanto desencantada chegaria a “ser monótona e mesmo insípida”, embora admita certa “compensação”, como a “eficiência nos serviços públicos que chega a ser modelar, didática, pedagógica”. Cita ainda, positivamente, a “cidade bem policiada”, mas critica “o que há de mau policialismo na Lisboa de hoje”, que parece farejar “comunismo e contrabando em quem chega a Portugal”. Sob esse aspecto, “Lisboa nada adquiriu de suíço, mas continua, às vêzes, brutal e grosseiramente oriental”2 2 A percepção sobre o Oriente em Gilberto Freyre é, de algum modo, correspondente ao que Edward Said (2007) chamou de “orientalismo”. O assunto é relevante, mas não há espaço para avançar nos limites deste artigo. Sobre a tópica orientalista em Freyre, ver Souza (2020). (Freyre, 15 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14).

A crítica a uma Lisboa que lhe parecia cada vez mais europeia é também uma crítica à modernização burguesa. Essa perspectiva continuaria em uma série de outras colunas, como a de 22 de dezembro de 1951, intitulada “Lisboa quase sem varinas”. Nela, Freyre voltou a criticar a cidade daqueles dias, pois “as varinas”, ou seja, as mulheres que vendiam peixe no mercado, “são hoje raras”. Elas “continuam a descer as ruas da cidade, mas sem formarem aqueles grupos alegres de outrora, do tempo em que pareciam as verdadeiras donas das ruas”. Ainda referindo-se às varinas, lamenta que “muita côr dos seus vestidos antes orientais do que europeus” já não se harmonizam “com os discretos azuis e cinzentos do vestuário dominante numa cidade ortodoxamente européia” (Freyre, 22 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14).

Os ibéricos não eram e não deveriam ser europeus puros, pois seriam já mestiços de mouros, árabes, berberes, muçulmanos e judeus sefarditas. Logo, fazer de Lisboa uma cidade “ortodoxamente europeia” soava-lhe uma traição ao passado pré-burguês que Freyre entendia como positivo (Freyre, 22 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14). As varinas estariam morrendo como fenômeno histórico, mas “felizmente não há repressão violentamente policial contra elas. Se começam a morrer é de morte quase natural”. A frase, despretensiosa, suaviza a crítica ao regime. Também atenua a crítica ao aburguesamento “suíço” de Lisboa:

Os sobrados característicamente lisboetas continuam a erguer-se, novos e triunfantes, com tôda a glória dos antigos vermelhos e amarelos, azuis e verdes, a brilharem ao sol. Neste particular, a reforma suíça de Lisboa não conseguiu vencer a tradição festivamente oriental da cidade (Freyre, 22 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14).

A passagem relativiza o sentido crítico da europeização da cidade. Ao concluir a coluna, Freyre pergunta se as varinas poderiam, ao menos, sobreviver “ainda por algum tempo”, pois elas seriam “para Lisboa o que as baianas de tabuleiro enfeitado e xale vistoso são ainda para a velha cidade de Salvador da Bahia”. É nítido o elogio à velha tradição ibérica, de algum modo mestiça (Freyre, 22 dez. 1951FREYRE, Gilberto. Lisboa quase sem varinas. O Cruzeiro, 22 dez. 1951., p. 14).

Na coluna “Os padres fazem falta a Lisboa”, de 5 de janeiro de 1952, Freyre mantém o tom de lamento diante do aburguesamento do “velho burgo”. O colunista lamenta que “a Lisboa de hoje nos dá a impressão” de sofrer “uma reforma suíça nos seus hábitos e nos seus modos de ser”. Transformação que parecia “protestante”, pois ia “diminuindo o número de padres católicos, nas ruas, depois de ter fechado os conventos e acabado com os frades e as freiras”. Para Freyre, faltariam “padres magros e frades gordos a descerem pacatamente ladeiras, a saírem docemente de igrejas [...]. Padres e frades fazem falta à Lisboa de hoje: aos conventos secularizados e às ruas aburguesadas” (Freyre, 5 jan. 1952FREYRE, Gilberto. Os padres fazem falta a Lisboa. O Cruzeiro, 5 jan. 1952., p. 10).

A beleza das varinas ou dos frades residiria no que Freyre considerava autêntico, antigo e regional. O colunista assumia uma manifesta simpatia pelas sobrevivências do passado, ou melhor, de um passado ibérico. Na Lisboa de “hoje” haveria uma cidade “deformada”, pois já não existiria “a nota pitorescamente clerical que sua paisagem pede, que sua tradição católica exige”, cujos trajes já não são mais “os tradicionais hábitos talares, substituídos por simples sobrecasacas ou mesmo burguesíssimos casacos” (Freyre, 5 jan. 1952FREYRE, Gilberto. Os padres fazem falta a Lisboa. O Cruzeiro, 5 jan. 1952., p. 10).

Como nas três colunas anteriores, Freyre manifestava seu gosto pelo passado ibérico, lido positivamente. Isso o diferenciava das teses dominantes no Brasil - à esquerda e à direita, do marxismo ao liberalismo -, que tendiam a ver em determinado passado ibérico as razões de um atraso brasileiro e latino-americano.

Seis meses depois, quando já havia regressado ao Recife, Freyre retoma o assunto em nova coluna: “Outra vez, Lisboa”, publicada em 14 de junho de 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952..3 3 Convém lembrar que, naquele exato momento, Freyre escrevia Aventura e rotina e um brasileiro em terras portuguesas, que a editora José Olympio publicaria em 1953. O primeiro parágrafo do texto é altamente significativo, não apenas de sua percepção da capital portuguesa, mas também de seu engajamento no presente:

Só européia, Lisboa seria uma cidade banal. Seu encanto vem do fato de que, tanto seu passado, como seu caráter, estão de tal modo penetrados de côres, sabores, aromas e traços do Oriente e das Áfricas, da América e das ilhas do Atlântico, que, estando na Europa, ela não é só da Europa. O português do Ultramar, que vem pela primeira vez à Europa, encontra em Lisboa alguma coisa da província que êle deixou na Ásia ou na África: e não um recanto puramente europeu da Europa (Freyre, 14 jun. 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952., p. 10).

A tese da bicontinentalidade da Península Ibérica, que Freyre trabalhou em Casa-grande & senzala (1933FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933.) reaparece aqui de modo ainda mais nítido. Ao enfatizar que o “encanto de Lisboa” viria de “seu passado” e de “seu caráter”, permeado por “côres, sabores, aromas e traços do Oriente e das Áfricas, da América e das ilhas do Atlântico”, fica pronunciada a manifestação de seu entendimento além-europeu de Portugal e, por consequência, de sua capital. Esse discurso, claramente, soa simpático aos esforços do regime português em manter o colonialismo.

Freyre desenha uma Lisboa que, por cinco séculos de experiência no “Ultramar”, teria adquirido um ethos não só europeu. Não são percepções novas: já estavam em O mundo que o português criou (1940) e em vários outros textos. Portugal, Brasil, as ilhas atlânticas (Madeira, Açores e Cabo Verde), a “África portuguesa” (Guiné-Bissau, Angola, Moçambique), além de Goa e Macau na Ásia, formariam “uma unidade de sentimentos e de cultura” (Freyre, 1947, p. 189-190), cujos nexos com o regime de Salazar do pós-guerra são nítidos (Schneider, 2012SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo e lusotropicalismo na obra de Gilberto Freyre. História da Historiografia, v. 1, p. 75-93, 2012.).

Naquele momento, o colonialismo português começava a ser cada vez mais questionado, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU). A abolição do “Ato Colonial”, eliminado do plano jurídico e retórico das colônias e substituído por “províncias ultramarinas”, coincide com a adesão ao discurso da “assimilação” tão caro a Freyre (Castelo, 1999CASTELO, Cláudia. O modo português de estar no mundo: o lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa, 1933-1961. Porto: Afrontamento, 1999.). A Constituição de 1951 pode ser lida como uma resposta da ditadura portuguesa ao progressivo isolamento internacional do país, que insistia numa novidade retórica, a tese de uma nação “una, pluricontinental e multirracial”, formulação desenhada para que “pátria” e “império” se identificassem.

Nas citadas colunas, Freyre usa a expressão “ultramar”, e não “colônia”, em evidente concessão ao salazarismo. No entanto, é o registro positivo de um passado vivo, que não terminou de passar: “A Lisboa de hoje guarda alguma coisa da manuelina. E todos sabemos o que foi a manuelina. A capital de um império que se espalhava por meio mundo e não apenas a sede de um reino europeu” (Freyre, 14 jun. 1952FREYRE, Gilberto. Os padres fazem falta a Lisboa. O Cruzeiro, 5 jan. 1952., p. 10).

Lisboa, aos olhos de Freyre, não era, nem deveria ser, uma cidade plenamente ocidental e contemporânea. Deveria ser uma cidade cheia de Ásias, Áfricas e Américas, grávida de valoroso passado pré-burguês e não europeu. Freyre emprega a expressão “cidadania lusitana” como metáfora de uma cidade supostamente aberta e acolhedora ao ultramar. O argumento encontra nítido parentesco com as novas políticas de Estado desenvolvidas para as “províncias ultramarinas”. Para Freyre, estariam contidos em Lisboa tanto os “valores europeus” quanto os “valores ultramarinos”:

Nenhuma cidade européia reuniu e assimilou tanta diversidade de valores ultramarinos, juntando-os aos tradicionais. Lisboa fêz com as coisas o mesmo que fêz com as pessoas e com os animais. A todos estendeu a proteção da cidadania lusitana. A todos considerou portuguêses (Freyre, 14 jun. 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952., p. 10).

Em Lisboa, haveria uma série “de adaptações de usos do Ocidente, a valores trazidos pelos portuguêses do Oriente; tôda uma série de harmonizações de estilos de vida ocidentais como estilos de vida orientais”. A capital - “ao mesmo tempo tão ocidental e tão oriental no seu modo de ser cidade” - seria mensageira de uma amplitude “sociológica, é claro, e não jurídica” - da sua cidadania (Freyre, 14 jun. 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952., p. 10). É como se Freyre quisesse dizer que só faltaria a cidadania política para que a integração fosse plena, pois a “sociológica” já teria acontecido. Embora não se possa reduzir Gilberto Freyre a mero porta-voz da ditadura portuguesa, aqui o flagramos em pleno namoro com o salazarismo e seus novos projetos de modernização do colonialismo, justo quando os impérios ocidentais, “arrogantes”, claudicavam.

Na coluna publicada em 21 de junho de 1952, intitulada “A lição do jardim do ultramar”, Freyre não escondeu suas relações com o regime português, ao afirmar que fora convidado para a longa viagem pelo “Ministro do Ultramar de Portugal” (Manuel Maria Sarmento Rodrigues), “um oficial de Marinha para quem o Oriente e a África portuguêses existem não como colônias, mas como outros Portugais” (Freyre, 21 jun. 1952FREYRE, Gilberto. Os padres fazem falta a Lisboa. O Cruzeiro, 5 jan. 1952., p. 10). No texto, Freyre afirma que o “Ministro do Ultramar” havia sugerido que visitasse “em Lisboa, o Jardim do Ultramar”. O colunista confessou estar sociologicamente surpreendido com a visita:

o Jardim do Ultramar de Lisboa dá ao visitante, no plano da sociologia da vida vegetal, a impressão de unidade na diversidade que o mundo criado pelo Português dá no conjunto de vidas que êle alcança: a vegetal, a animal, a humana (Freyre, 21 jun. 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952., p. 10).

Para Freyre, o “Jardim do Ultramar de Lisboa” harmonizaria diversidade e unidade, em claro elogio não só ao passado do colonialismo português, mas também a uma construção discursiva em defesa da política da continuidade da presença colonial portuguesa.

Em “O ritmo de Lisboa”, coluna de 5 de julho de 1952, Freyre expôs determinada percepção urbana: tinha a impressão “de nunca chegar ao centro da cidade”. Por mais que uma pessoa caminhasse, estaria “sempre nos arredores ou nos subúrbios de uma cidade; e não no seu centro”. O “velho burgo” não teria um centro à maneira das grandes cidades modernas do Ocidente, pois Lisboa estaria afastada “das convenções urbanísticas de centralismo”. Trata-se de um elogio à conservação de “alguma coisa de saudavelmente suburbano nas áreas convencionalmente urbanas”, de modo que as ruas e os bairros teriam “um encanto inconfundível”. Freyre procurava a singularidade, que empregava com toda a carga romântica:

O ritmo de Lisboa é próprio e não o das grandes cidades modernas do Ocidente. É um ritmo urbano com alguma coisa de suburbano não no sentido pejorativo de suburbano mas no bom e saudável: aquêle em que o subúrbio corrige os excessos de descaracterização nacional do urbano (Freyre, 5 jul. 1952FREYRE, Gilberto. O ritmo de Lisboa. O Cruzeiro, 5 jul. 1952., p. 10).

Aqui vemos inteiro o iberismo do autor, em que o passado é positivo, mas a modernidade burguesa é destrutiva de velhas e “saudáveis” permanências. Tal perspectiva reaparece em 5 de novembro de 1955, na coluna “Uma avenida ameaçada”, em que Freyre critica as reformas urbanas modernizantes de Lisboa:

Vejo pelo Diário Popular, de Lisboa, que se projeta ali ‘remodelação’ da Avenida da Liberdade. Notícia alarmante. Notícia alarmante para os que - como diz em editorial o excelente Diário - ‘amam Lisboa e a querem grande cidade, mas com caráter’ (Freyre, 5 nov. 1955FREYRE, Gilberto. Uma avenida ameaçada. O Cruzeiro, 5 nov. 1955., p. 68).

A natureza da crítica é similar àquelas dos anos 1920, quando Freyre vê nas reformas urbanas levadas a cabo por “engenheiros” a destruição da singularidade em nome de uma padronização moderna. Na coluna, Freyre faz um misto de crítica e elogio a Salazar, ao censurar o governo português por obras modernizadoras em Coimbra:

Sinto o Portugal de hoje protegido contra ultrajes dessa espécie pelo fato de o governarem homens não só de inteligência como de bem. Mas não posso esquecer-me da catástrofe, que, em pleno governo Salazar, atingiu há pouco Coimbra, cuja fisionomia de cidade, única entre os velhos burgos acadêmicos da Europa, foi alterada de modo brutal; e o casario antigo, o característico do seu ponto mais alto, substituído por uma arquitetura com pretensões a funcional, mas de todo sem caráter. Sem caráter e sem a menor ligação com o meio. Intrusa e também arrivista (Freyre, 5 nov. 1955FREYRE, Gilberto. Uma avenida ameaçada. O Cruzeiro, 5 nov. 1955., p. 68).

Outra reforma “descaracterizadora” estaria em curso em Lisboa - mesmo sob o “governo Salazar”, um governo de “homens não só de inteligência como de bem”. O pequeno esforço modernizador desagradava a Freyre, que via nas intervenções urbanas ataques contra o que considerava as formas históricas e culturais legítimas. A remodelação da avenida da Liberdade não deveria ser assunto exclusivo “de alguns técnicos de Engenharia”, pois

sociólogos, artistas, historiadores, higienistas, psicólogos devem ser ouvidos antes de serem tomadas soluções de problemas que a engenheiros simplesmente engenheiros, a sanitaristas só sanitaristas, a técnicos em questões de tráfego que apenas entendem de questões de tráfego (Freyre, 5 nov. 1955FREYRE, Gilberto. Uma avenida ameaçada. O Cruzeiro, 5 nov. 1955., p. 68).

No dia 10 de agosto de 1957, a coluna chamada “A Ilha da Madeira” repercutia uma longa viagem para vários países europeus, em 1956, inclusive Portugal. Freyre afirma:

Não creio que exista no mundo de hoje uma ilha com o conjunto de seduções que se reúnem na Madeira. Paisagem, clima, gente, arte popular, folclore, arquitetura de igreja e de residência, vinho, doçaria, tradição, confôrto moderno nos hotéis, asseio nas ruas e no mercado, pitoresco, higiene - são alguns dos aparentes antagonismos que a ilha portuguêsa reúne num modo deliciosamente seu. Falta-lhe um cais moderno, é certo. Mas já está em construção (Freyre, 10 ago. 1957FREYRE, Gilberto. A ilha da Madeira. O Cruzeiro, 10 ago. 1957., p. 34).

Freyre não é exatamente um inimigo da modernização, mas sim feroz crítico do que ele considera a descaracterização “pitoresca” do lugar. As observações sobre a Madeira são profundamente freyreanas, pois propõem uma conciliação entre modernidade e tradição. A modernização defensável estaria contida nos termos “conforto”, “asseio”, “higiene” e “cais moderno”. Tais características não impediriam a manutenção da herança do passado, da natureza e da cultura popular, manifestas nos termos “paisagem”, “gente”, “arte popular”, “igreja”, “vinho”, “doçaria” e “tradição”. Freyre expõe de modo direto e explícito seu mal-estar ante à modernização:

Meu temor, tôda vez que visito a Madeira, é que aqui, como em Lisboa, com a boa e necessária modernidade, se introduza entre os valores mais característicos e expressivos da ilha, desfigurando-os, achatando-os, anulando-os, mau e afoito modernismo. Tão afoito já se tem revelado êsse modernismo desorientado, que é capaz de todos os ultrajes à natureza e à tradição como no Rio de Janeiro, desde 1930; e como em Lisboa nestes últimos dois ou três anos. Pois ninguém se iluda: a Lisboa de agora corre o risco de imitar o mau exemplo do Rio. Corre o risco de descaracterizar-se tornando-se, por inepto modernismo, igual a cem outras cidades do seu porte. A Madeira talvez esteja a defender-se ou a resguardar-se melhor que a materna Lisboa ou que o fraterno Rio de Janeiro, dêsse perigo ou dêsse risco (Freyre, 10 ago. 1957FREYRE, Gilberto. A ilha da Madeira. O Cruzeiro, 10 ago. 1957., p. 34).

Considerações finais

Embora refletisse sobre Lisboa ou a Madeira, o contexto brasileiro é vital para a compreensão da obra de Freyre. Nos anos 1950, na imprensa e nos livros escritos ou reescritos, o autor buscou estabelecer um contraponto ao desenvolvimentismo industrializador e urbanizador expresso nos anos JK - retomando e atualizando, em novo contexto, o iberismo. Por meio dele, Freyre valorizava o passado, a herança rural e a cidade ibérica e pré-burguesa. Não se trata de mera defesa da tradição, mas da busca por uma modernização respeitosa em relação a um passado percebido como legítimo, profundo e criador, que não deveria ser extinto no altar da modernidade.

Freyre estava empenhado em afirmar a singularidade e a positividade da cultura ibérica e, por extensão, da cultura brasileira, inclusive com o que haveria de antiburguês nela. Cultura que, para ele, estava ameaçada ante os efeitos dissolventes da modernidade ocidental vencedora, industrial e urbana, tal como se apresentava na década de 1950, de vigorosa aposta na modernidade burguesa, da qual Brasília é uma síntese. O valor da herança ibérica estava justamente na formação de uma cultura pessoal, doméstica e afetiva, que não se deixava dominar pela racionalidade, impessoalidade e universalidade burguesas.

Em coluna intitulada “O novo e o antigo nas cidades”, de 11 de outubro de 1958, o próprio Freyre pareceu sintetizar sua percepção sobre as cidades, marcada pelo olhar positivo para com a tradição ibérica, além de confirmar seu longevo interesse no assunto:

Há dois guias de cidades brasileiras - guias no estilo do que escrevi, do Recife, e do que publiquei, depois, de Olinda - que não perdi ainda a esperança de escrever: um de Salvador da Bahia de Todos os Santos, outro, de Santa Maria de Belém do Pará (Freyre, 11 out. 1958FREYRE, Gilberto. O novo e o antigo nas cidades. O Cruzeiro, 11 out. 1958., p. 46).

Mas não queria escrever o guia do Rio de Janeiro: “Se renunciei à idéia de escrever o que pretendia publicar sôbre o Rio de Janeiro”, foi em nome do

meu desencanto em face do Rio chamado moderno. Não por ser moderno, entende-se bem, mas por vir se afirmando nêle o triunfo sôbre a tradição, a ecologia, o gênio da cidade, não de uma modernidade que docemente assimilasse tais valores, mas de uma modernice que os vem estúpidamente desfigurando (Freyre, 11 out. 1958FREYRE, Gilberto. O novo e o antigo nas cidades. O Cruzeiro, 11 out. 1958., p. 46).

Razão oposta estaria na vontade de escrever sobre Salvador e Belém. Nessas cidades, pensava Freyre, o “novo vem se harmonizando com o antigo de modo tão inteligente que lembra Lisboa: a expansão atual de Lisboa, que se está operando sem o sacrifício do caráter, da tradição e da ecologia da cidade à sua modernização” (Freyre, 11 out. 1958FREYRE, Gilberto. O novo e o antigo nas cidades. O Cruzeiro, 11 out. 1958., p. 46).

Em 1958, Freyre parecia ter vencido o medo de que Lisboa se desfigurasse como o Rio de Janeiro, pois o velho burgo “vem se modernizando”, mas “sem descaracterizar-se”. Em defesa da Lisboa que se conciliava com o passado, evocava nada menos que Oscar Niemeyer, o arquiteto de Brasília, então em construção:

Ainda há pouco, confessava-nos honestamente o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, a mim e ao pintor Cardoso Ayres, o seu encanto por Lisboa: pelo modo por que vem se modernizando, sem descaracterizar-se (Freyre, 11 out. 1958FREYRE, Gilberto. O novo e o antigo nas cidades. O Cruzeiro, 11 out. 1958., p. 46).

Evocar a concordância do arquiteto modernista Oscar Niemeyer, durante a construção de Brasília, era expediente retórico relevante. Se até Niemeyer se “encantava” com a “conciliação” lisboeta, estava legitimada sua defesa relativa da tradição. Freyre foi um crítico do planejamento urbano obsessivo, da cidade de avenidas largas e da própria ideia de cidade moderna. Até certo ponto, foi um crítico do próprio modernismo, contestando obras de Le Corbusier e do arquiteto brasileiro. Freyre, no entanto, gostava da tropicalização do estilo moderno criado por Lucio Costa e Niemeyer, com citações da tradição da arquitetura colonial, introduzindo curvas e sinuosidades que “felizmente abrasileira[ra]m os excessos do suíço racionalista” (Freyre, 1978FREYRE, Gilberto. Prefácios desgarrados. v. 1. Rio de Janeiro: Cátedra, 1978., p. 178).

Um tanto surpreendentemente, Freyre acabou por aprovar, não sem contundentes contestações, a construção de Brasília, tema exposto nas colunas de O Cruzeiro, mas também no pouco conhecido livro Brasis, Brasil e Brasília (1960). Mas esse é outro assunto, que já não cabe aqui, embora sirva para mostrar o imenso e continuado interesse de Freyre pelo tema das cidades, um dos motivos deste artigo. Recife e Lisboa certamente estiveram no centro de suas preocupações urbanas que, no entanto, foram além.

Referências

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  • 1
    O luso-tropicalismo pode ser lido como uma nova fase da produção intelectual de Gilberto Freyre. Ainda que as raízes sejam anteriores, foi consolidada a partir da viagem de 1951 e 1952. Ver: Castelo (1999); Leonard (2001); Schneider (2012, 2020); Anderson, Roque, Santos (2019).
  • 2
    A percepção sobre o Oriente em Gilberto Freyre é, de algum modo, correspondente ao que Edward Said (2007) chamou de “orientalismo”. O assunto é relevante, mas não há espaço para avançar nos limites deste artigo. Sobre a tópica orientalista em Freyre, ver Souza (2020).
  • 3
    Convém lembrar que, naquele exato momento, Freyre escrevia Aventura e rotina e um brasileiro em terras portuguesas, que a editora José Olympio publicaria em 1953.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2022
  • Aceito
    10 Jan 2023
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