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Histórico das tentativas de liberação da venda de medicamentos em estabelecimentos leigos no Brasil a partir da implantação do Plano Real

Description of attempts to obtain approval for selling medications at ordinary Brazilian establishments after the introduction of the Real Economic Stabilization Plan

Resumos

Apesar de ilegal, a prática da venda de medicamentos em locais inadequados e não permitidos por lei, como armazéns e supermercados, sempre foi bastante comum no Brasil. A Medida Provisória (MP) 592/94, que implantou o Plano Real, liberou a venda de medicamentos anódinos nestes estabelecimentos; porém, este artigo foi suprimido quando a mesma foi convertida na Lei 9.069/95. A partir daí, iniciou-se uma série de tentativas de legalização deste comércio, que só se encerraram em 2004, com a proibição pelo STJ de tal comercialização. Mesmo assim, o comércio continua a ocorrer de forma ilegal. Este trabalho apresenta um histórico dos acontecimentos compreendidos entre 1994 e 2006, visando fornecer um material de atualização ao farmacêutico, acadêmicos e pesquisadores da área, devido à escassez de material bibliográfico sobre este tema específico.

Comércio de medicamentos; Automedicação; Intoxicação medicamentosa; Medicamentos de venda livre; Supermercados; Armazéns


Although not legal, the practice of selling medications through unlicensed outlets such as stores and supermarkets has long been common in Brazil. Introducing the Real Economic Stabilization Plan, Provisional Measure 592/94 allowed the sale of non-prescription medications (anodynes) in such establishments. However, this item was suppressed when this Provisional Measure was enacted as Law Nº 9,069/95. Since then, other attempts have been made to establish this type of trade in medications, forbidden in 2004 through a decision handed down by the Superior Court of Justice. Nevertheless, this unlawful trade in medications still continues. Due to the scarcity of publications on this specific issue, this paper offers an updated overview for druggists, pharmacists, academics and researchers, describing the events that took place between 1994 and 2006.

Medication sales; Self-medication; Drug intoxication; Anodynes; Supermarkets; Stores


OPINIÃO OPINION

Histórico das tentativas de liberação da venda de medicamentos em estabelecimentos leigos no Brasil a partir da implantação do Plano Real

Description of attempts to obtain approval for selling medications at ordinary Brazilian establishments after the introduction of the Real Economic Stabilization Plan

Eduardo Borges de Melo; Jorge Juarez Vieira Teixeira; Graciele Cristiane More Mânica

Curso de Farmácia, Centro de Ciências Médicas e Farmacêuticas, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Rua Universitária 2069, Jardim Universitário. 85819-110 Cascavel PR. ebmelo@unioeste.br

RESUMO

Apesar de ilegal, a prática da venda de medicamentos em locais inadequados e não permitidos por lei, como armazéns e supermercados, sempre foi bastante comum no Brasil. A Medida Provisória (MP) 592/94, que implantou o Plano Real, liberou a venda de medicamentos anódinos nestes estabelecimentos; porém, este artigo foi suprimido quando a mesma foi convertida na Lei 9.069/95. A partir daí, iniciou-se uma série de tentativas de legalização deste comércio, que só se encerraram em 2004, com a proibição pelo STJ de tal comercialização. Mesmo assim, o comércio continua a ocorrer de forma ilegal. Este trabalho apresenta um histórico dos acontecimentos compreendidos entre 1994 e 2006, visando fornecer um material de atualização ao farmacêutico, acadêmicos e pesquisadores da área, devido à escassez de material bibliográfico sobre este tema específico.

Palavras-chave: Comércio de medicamentos, Automedicação, Intoxicação medicamentosa, Medicamentos de venda livre, Supermercados, Armazéns

ABSTRACT

Although not legal, the practice of selling medications through unlicensed outlets such as stores and supermarkets has long been common in Brazil. Introducing the Real Economic Stabilization Plan, Provisional Measure 592/94 allowed the sale of non-prescription medications (anodynes) in such establishments. However, this item was suppressed when this Provisional Measure was enacted as Law Nº 9,069/95. Since then, other attempts have been made to establish this type of trade in medications, forbidden in 2004 through a decision handed down by the Superior Court of Justice. Nevertheless, this unlawful trade in medications still continues. Due to the scarcity of publications on this specific issue, this paper offers an updated overview for druggists, pharmacists, academics and researchers, describing the events that took place between 1994 and 2006.

Key words: Medication sales, Self-medication, Drug intoxication, Anodynes, Supermarkets, Stores

Introdução

De acordo com a Lei 5991/731, "medicamento é todo produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnósticos". Eles ocupam lugar de destaque nas práticas profissionais e culturais relacionadas com a promoção ou a recuperação da saúde. A sua utilização é uma preocupação social constante, tanto na disponibilidade à população como o uso irracional ou abusivo2.

A dispensação de medicamentos é privativa dos estabelecimentos autorizados e definidos pela Lei 5991/73, especificando farmácias, drogarias, postos de medicamento, unidades-volantes e dispensário de medicamento. Os estabelecimentos hoteleiros e similares não dependem de receita médica, sendo para atendimento exclusivo de seus usuários1.

O farmacêutico é o responsável técnico legal de farmácias e drogarias1. É o profissional capacitado a fornecer as orientações necessárias sobre os medicamentos e sua utilização. Suas atribuições são: (i) fazer com que a população seja esclarecida quanto à forma de utilização dos medicamentos; e (ii) manter os medicamentos e substâncias medicamentosas em bom estado de conservação, de modo a serem fornecidos nas devidas condições de pureza e eficiência3.

Apesar do especificado pela legislação, no Brasil sempre foi comum encontrar medicamentos à venda em locais inadequados e não permitidos por lei, como armazéns, supermercados e bares2. Outro estudo mostrou que 65,5% dos supermercados localizados em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, comercializam medicamentos, apesar do contrário determinado pela lei4,5.

A partir de 1994, com a implantação do Plano Real, que liberou pelo período de um ano a venda de medicamentos em supermercados e similares, ocorreram diversas tentativas de caráter político e de grupos ligados ao varejo supermercadista para a criação de dispositivos que legalizassem de forma permanente a venda de medicamentos anódinos nestes estabelecimentos6.

Mesmo os medicamentos anódinos, também denominados medicamentos isentos de prescrição (MIP), conhecidos internacionalmente como produtos "OTC" (Over-the-Counter: sobre o balcão)7, apresentam alto risco para a saúde se não utilizados corretamente, ao contrário do que acredita a população em geral. Os salicilatos, por exemplo, estão relacionados com a ocorrência da síndrome de Reye, ocorrência rara, porém com índice de mortalidade importante em crianças e adolescentes, que pode manifestar-se quando esta classe de medicamentos é utilizada para o tratamento de sintomas relacionados a infecções virais8,9. A utilização de salicilatos, como o ácido acetilsalicílico, também não é recomendada para pacientes com dengue, já que os efeitos anticoagulantes deste fármaco podem potencializar o risco de hemorragias gastrintestinais10. Já o paracetamol, se não utilizado corretamente, pode causar gravíssimas lesões hepáticas11. Levantamento realizado por Alonzo et al.12 mostrou que, de 22.165 casos de intoxicações medicamentosas registradas por seis Centros de Controle de Intoxicações, 2.263 (10,21%) eram por medicamentos anódinos (dipirona, salicilatos e paracetamol).

A ausência do farmacêutico, e conseqüentemente das orientações sobre o uso correto de um medicamento, pode levar os pacientes à utilização de forma incorreta. Assim, a venda de medicamentos anódinos em supermercados e demais locais leigos poderia engrossar as estatísticas de incidência de intoxicações medicamentosas. Dados da pesquisa por amostragem domiciliar realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 1998 confirmam que, entre as pessoas que procuraram atendimento de saúde, cerca de 14,0% adquiriram medicamentos sem receita médica13. Arrais et al.14 mostraram que os medicamentos mais procurados para o ato da automedicação são analgésicos (17,3%), descongestionantes nasais (7,0%), antiinflamatórios/antireumáticos e antiinfecciosos de uso sistêmico, ambos com 5,6%.

Devido a grande importância que este tema apresenta para a profissão farmacêutica, tanto em âmbito acadêmico quanto profissional, e pela reduzida quantidade de material bibliográfico disponível, buscou-se sistematizar esta questão. O objetivo é apresentar aos farmacêuticos, acadêmicos, pesquisadores da área da saúde e demais setores da sociedade na forma de histórico descritivo, uma revisão dos acontecimentos quanto às tentativas de liberação de medicamentos em estabelecimentos leigos no período compreendido entre 1994 (implantação do Plano Real) até outubro de 2006.

Material e método

Desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica e exploratória de outubro de 2004 a outubro de 2006. Devido à falta de artigos científicos e livros que tratassem especificamente deste tema, a maioria dos dados utilizados para o desenvolvimento deste trabalho foi extraído da Internet via sistema de busca Google (www.google.com.br páginas do Brasil), e Altavista (www.altavista.com - Brasil), do período de 1994 a 2006. O material foi localizado por meio dos descritores "medicamento(s)", "venda de medicamentos" e "comércio de medicamentos" combinados com os descritores "supermercados", "armazéns" e "bares". A estratégia de busca foi padronizada para a localização de artigos, dissertações, teses e outros documentos científicos relacionados ao tema pelo sistema de pesquisa nas bases de dados disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde/Bireme (www.bireme.br) e no Scielo (www.scielo.br). Também foram consultadas matérias publicadas sobre o tema nos sites dos Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs) e na revista Pharmacia Brasileira (e de seu suplemento, Infarma) do CFF - Conselho Federal de Farmácia. Como o presente trabalho não tinha como objetivo fazer análise estatística sobre quaisquer informações aqui apresentadas, não houve preocupação com a quantidade de textos encontrados na pesquisa, mas o cuidado em obter o máximo de informação sobre o tema. O material encontrado foi organizado de forma cronológica, considerando o período compreendido.

Histórico e desdobramento

A Medida Provisória (MP) 592/94, que dispunha sobre o Plano Real, autorizou a venda de medicamentos anódinos pelos supermercados, alterando assim as disposições da Lei 5991/73 entre os estabelecimentos autorizados a vender medicamentos6. A principal justificativa para a liberação seria o aumento da concorrência, que levaria a uma queda dos preços, favorecendo a população.

Porém, no ano seguinte, quando a MP 592/94 foi transformada na Lei 9.069/95, esta autorização foi suprimida por meio de alteração da redação15,16. Na tentativa de promover maiores restrições e proibir a venda de medicamentos em locais leigos, o deputado e médico Jorge Anders propôs o Projeto de Lei (PL) 576/95, que proibia a venda de medicamentos em locais não contemplados pela Lei 5991/73, visando assim resguardar a segurança da população quanto aos riscos da automedicação17.

Apesar da alteração implantada pela Lei 9.069/95, alguns PL foram propostos para contornar essa situação. O PL 3.650/97, de autoria do Executivo e elaborado pelo Ministério da Saúde, que entrou em debate em uma audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, realizada no dia 8 de outubro de 1997, foi duramente criticado durante a mesma. Este PL estenderia a venda de medicamentos aos supermercados e outros estabelecimentos leigos, como lojas de conveniência e empórios, novamente com a justificativa de barateamento de preços18. O Ministério da Saúde evidenciou que desde 1981 essa proposta vinha sendo estudada, tendo sido criado um grupo de trabalho (GT) para analisar a venda de medicamentos aos supermercados e outros estabelecimentos, e que os estudos desse grupo teriam subsidiado a elaboração deste projeto. Porém, durante a audiência pública, a conselheira e representante do CFF neste GT, Inalva Magalhães, informou que o mesmo era composto principalmente por integrantes simpáticos à venda de medicamentos em supermercados18,19.

O PL 3.650/97 foi duramente criticado, tendo sido alvo de manifestações contrárias de diversas organizações por meio de moções de repúdio, como as propostas e aprovadas durante o 6° Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT)20 e durante a III Conferência Estadual de Saúde do Paraná21, além da manifestação contrária da Federação Nacional dos Farmacêuticos (FENAFAR)22. Já a presidente do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Marilena Lazzarini, pronunciou-se contrária à proposta, já que um supermercado teria muito menos condições técnicas para verificar detalhes como registro e data de vencimento23.

No decorrer das discussões sobre o 3.650/97, a Associação Brasileira dos Supermercados (ABRAS) e uma rede de supermercados do Rio Grande do Sul (RS) acorreram a Justiça Federal com um mandado de segurança contra a Secretaria de Vigilância Sanitária, tendo ganho de causa na Sétima Vara Federal, em Brasília, no dia 19 de novembro de 1997. Porém, em 10 de dezembro, esta liminar foi cassada18.

Em 30 de julho de 1999, o PL 3.650/97 foi apensado ao PL 4.398/98 24, de autoria do Senado da República, que seria votado em 18 de agosto de 1999, na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara de Deputados. Porém, por requerimento do deputado Luiz Bittencourt, atendendo ao pedido do presidente do CFF, Jaldo de Souza Santos, o mesmo foi retirado de pauta. Nesta ocasião, o presidente do CFF novamente chamou a atenção frente aos interesses econômicos que estavam por trás desta nova tentativa de liberação25. O PL 4.398/98 continua em tramitação, tendo apensado a ele tanto o PL 3.650/97 quanto o PL 576/9526, além dos PL 814/95 e 3.122/97, que também dispõem sobre a proibição, e o 1.324/95, sobre a liberação de venda de medicamentos em estabelecimentos leigos26.

O assunto foi novamente discutido durante a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos medicamentos, que ocorreu entre novembro de 1999 e maio de 2000. Durante os trabalhos, discutiu-se a liberação da venda para estabelecimentos leigos, sendo esta inclusive defendida pelo ministro da fazenda, Pedro Malan. Com a finalização dos trabalhos da CPI, a proposta do CFF foi acatada e incluída no relatório final, rejeitando medidas que pudessem estabelecer a venda de medicamentos em supermercados. Os argumentos utilizados pelos grupos interessados para justificar a liberação este comércio, como a perspectiva de redução dos preços, a maior comodidade para os consumidores e a diminuição da demanda aos serviços públicos de saúde, eram tidos como enganosos e demagógicos27,28.

A proposta de Pedro Malan, durante a CPI dos Medicamentos, recebeu críticas do ministro da saúde, José Serra, cuja opinião era de que os medicamentos que iriam para as gôndolas dos supermercados não seriam os de uso contínuo, o que não puxaria os preços para baixo29. A posição contrária de José Serra contra a liberação da venda foi declarada em outros momentos, como em 2001, durante o Encontro Anual da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), em resposta a um pedido direto de representantes do setor30,31. Apesar disso, José Serra chegou a defender a liberação da venda em 30 de maio de 2000, em Fortaleza, justificando esta medida como uma possível forma de combater o boicote de algumas redes de farmácias aos medicamentos genéricos32.

Nesta mesma época, o presidente Fernando Henrique Cardoso também manifestou, em reunião com a ABRAS, o interesse na liberação da venda de medicamentos em estabelecimentos leigos33,34.

Após os insucessos da liberação da venda de medicamentos por meio de leis, as tentativas de liberação da venda se deram principalmente por meio de liminares. Nos últimos anos, grupos ligados às associações supermercadistas entraram na justiça invocando principalmente o princípio constitucional da livre concorrência, além de afirmarem que os supermercados possuem o direito de venda de medicamentos segundo a medida provisória 592/94, mesmo tendo sido este suspenso pela lei 9.069/95. Em 2000, uma empresa do Estado de Sergipe entrou com recurso especial para requerer autorização para a venda desse tipo de medicamento em seus estabelecimentos, baseando-se em norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que diz que medicamentos anódinos não precisam de controle técnico para ser comercializados, podendo ser consumidos pela população em geral, independentemente de receita. Em fevereiro de 2001, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu permitir a comercialização em supermercados de medicamentos e insumos farmacêuticos que dispensem prescrição médica, num processo movido pela Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (ASSERJ)35.

Já em 2003, em outra decisão local, a 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio Grande do Sul (RS) deu um parecer favorável à liberação, em ação declaratória ajuizada pelo Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista do RS e outros grupos. Porém, em julho daquele mesmo ano, a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS julgou pela impossibilidade, pois a lei que regula o comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos não previu esta possibilidade, além do fato da Lei 9.069/95 ter suprimido esta autorização antes presente na MP 524/9436.

Os fatos acima discorridos culminaram com a recente decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em outubro de 2004, decidiu, em última instância, pela proibição da venda de medicamentos em supermercados, num acontecimento amplamente noticiado pela mídia15,37,38. Esta negativa, diretamente relacionada ao recurso de 2000 no Estado de Sergipe (SE), acolheu o voto do relator do processo, ministro Francisco Falcão, que definiu que os supermercados não poderão vender medicamentos, uma vez que a medida provisória que permitia o comércio havia sido alterada exatamente para suprimir essa autorização. Esta decisão gerou uma jurisprudência que poderia levar a uma decisão final quanto a este assunto6,37,39.

Porém, mesmo com esta decisão, em outubro de 2004, a Associação Gaúcha dos Supermercadistas (AGAS) iniciou uma negociação com o Executivo e o Legislativo do Rio Grande do Sul para a instituição de uma nova lei estadual que permitisse a venda de medicamentos anódinos em supermercados40. Em dezembro desse mesmo ano, mesmo com a jurisprudência já citada, a Associação Pernambucana de Supermercados (APES) obteve autorização da Primeira Vara de Fazenda Pública do Estado para que as empresas a ela filiadas comercializem medicamentos anódinos41, apesar de, em novembro, o presidente da APES ter declarado que iriam se adequar à decisão do STJ42. Em resposta, a Vigilância Sanitária, com o apoio do CRF-PE, entrou com uma apelação em segunda instância, apresentando a citada jurisprudência e outras leis aos desembargadores do Estado de Pernambuco (PE). Em abril de 2005, a apelação encontrava-se em tramitação43.

Em maio de 2006, o senador Edson Lobão propôs um PL (146/2006) que, novamente, visa alterar a Lei 5.991/93 para liberar a venda de medicamentos anódinos em estabelecimentos leigos44, utilizando como justificativa o fato de que estes medicamentos são vendidos em estantes de auto-serviço, o que não justificaria a venda destes produtos em estabelecimentos específicos45. Assim como os demais projetos apresentados anteriormente, este também obteve apoio de grupos ligados ao comércio supermercadista46. Mesmo com o parecer do STJ de 2004, a matéria até meados de outubro de 2006 encontrava-se em tramitação, tendo já sido aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAS) do Senado Federal47.

Considerações finais

Mesmo com esta decisão final, sabe-se que este tipo de comércio irregular, comum há décadas no Brasil, continuará existindo, assim como tentativas de grupos interessados na liberação da venda por meio de manobras políticas e judiciais.

Somente com uma fiscalização sanitária atuante, associada à educação da população (somando-se aí os proprietários de estabelecimentos leigos) os perigos da automedicação poderiam tomar um rumo menos desastroso. Justificativas como "barateamento de preços" e "livre concorrência" não são aqui aplicáveis, já que o diferencial da venda de medicamentos é a presença do farmacêutico na farmácia ou drogaria, profissional habilitado a orientar a população na correta utilização de qualquer medicamento, fato reconhecido até mesmo pela Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição, para a qual "mesmo (os medicamentos anódinos) sendo isentos da prescrição médica, a busca de informações com um profissional farmacêutico para a compra de medicamentos não-tarjados é muito importante" e "o farmacêutico transforma-se, assim, numa figura fundamental para o exercício do direito dos usuários com a própria saúde"48.

Por ser de grande interesse não só para a profissão farmacêutica, mas também para a comunidade de saúde e sociedade, espera-se que este trabalho estimule outros grupos a pesquisar sobre este tema e apresentar sugestões para a solução deste problema, já que, mesmo ilegalmente, é comum encontrar medicamentos à venda para a população em locais não adequados.

Colaboradores

Este trabalho foi desenvolvido por GCM Mânica como parte de seu trabalho de conclusão de curso para obtenção do grau de farmacêutico, tendo EB Melo como orientador e JJV Teixeira como colaborador.

Artigo apresentado em 06/11/2006

Aprovado em 01/12/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Aceito
    01 Dez 2006
  • Recebido
    06 Nov 2006
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