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IGUALDADE, INDEPENDENTEMENTE DO QUE SEJA DIFERENTE: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE INCLUSÃO DE JOVENS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Igualdad, independientemente de lo que sea diferente: representaciones sociales sobre inclusión de jóvenes con deficiencia intelectual

RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo analisar as representações sociais sobre inclusão de jovens com deficiência intelectual (DI) no segmento de ensino médio (EM), na perspectiva de Jovens Nativos na Pedagogia de Orientação Inclusiva (JNPOI), matriculados numa escola pública de ensino médio de Planaltina, Brasília-DF. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritivo-interpretativa. Os dados foram obtidos a partir da aplicação do questionário de Livre Associação de Palavras a 186 jovens, dentre os quais, sete tinham DI. Realizamos a análise prototípica desses dados com ajuda do software Iramuteq. Os resultados sugerem que subjacente a uma representação social plenamente favorável à inclusão de pessoas com DI, no segmento de EM, está a busca por afirmar uma identidade compatível com normas, princípios constitucionais e procedimentos jurídicos que condenam firmemente a expressão do preconceito e das atitudes discriminatórias.

Palavras-chave:
Representação social; inclusão; ensino médio

RESUMEN

En la presente investigación se tuvo por objetivo analizar las representaciones sociales sobre inclusión de jóvenes con deficiencia intelectual (DI) en el segmento de enseñanza secundaria (EM), en la perspectiva de Jóvenes Nativos en la Pedagogía de Orientación Inclusiva (JNPOI), ingresados en una escuela pública de enseñanza secundaria de Planaltina, Brasília-DF. Se trata de una investigación cualitativa, descriptivo-interpretativa. Se obtuvo los datos a partir de la aplicación del cuestionario de Libre Asociación de Palabras a 186 jóvenes, entre los cuales, siete tenían DI. Realizamos el análisis prototípico de esos datos con ayuda del software Iramuteq. Los resultados sugieren que subyacente a una representación social plenamente favorable a la inclusión de personas con DI, en el segmento de EM, está la búsqueda por afirmar una identidad compatible con normas, principios constitucionales y procedimientos jurídicos que condenan firmemente la expresión del preconcepto y de las actitudes discriminatorias.

Palabras clave:
Representación social; inclusión; enseñanza secundaria

ABSTRACT

This research aimed to analyze social representations on the inclusion of young people with intellectual disabilities (ID) in the high school (HS) segment, from the perspective of Young Natives in Inclusion-Oriented Pedagogy (YNIOP) attending a public high school in Planaltina, Brasília-DF. It is a qualitative, descriptive-interpretative research. Data were obtained from the application of the Free Word Association Questionnaire to 186 young students, among which seven had ID. We prototyped this data with the help of the Iramuteq software. The results suggest that, underlying a social representation that is fully favorable to the inclusion of people with ID in the HS segment, there is the search for the affirmation of an identity compatible with norms, constitutional principles and legal procedures that strongly condemn expressions of prejudice and discriminatory attitudes.

Keywords:
Social representation; inclusion; high school

INTRODUÇÃO

A deficiência intelectual (DI) é um constructo historicamente situado e, em matéria de conhecimento sobre esse fenômeno, não existem núcleos duros, ou seja, posições homogêneas nas áreas científica e médica. Em função desse estado vago, múltiplo e conflituoso oriundo não só da perspectiva científica, mas também da própria heterogeneidade da DI, objetivada na experiência de cada sujeito, pensar sobre essa condição remete a uma construção social autônoma, facilitadora da proliferação de saberes divergentes.

Dentre os múltiplos discursos propagados sobre a DI, destacamos a compreensão defendida pela American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD, 2010American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (2010). Intellectual disability: Definition, classification, and systems of supports. Washington - DC: AAIDD.), segundo a qual a pessoa com DI é alguém que apresenta uma forma singular e dinâmica de pensamento e, portanto, tem possibilidades sempre abertas ao desenvolvimento, a depender dos níveis variados de apoio recebido. No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5(APA, 2013American Psychiatric Association[APA] (2013). Retardo mental. In American Psychiatric Association,DSM-5 - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (2ª ed., pp. 71-80). Porto Alegre: Artes Médicas.), a DI é considerada uma condição heterogênea, com múltiplas causas, dentre as quais estão as etiologias pré-natais, as influências ambientais e também as causas perinatais. Esse mesmo manual ressalta que a DI perdura por toda a vida e pode ter seus níveis de gravidade alterados ao longo do tempo (APA, 2013American Psychiatric Association[APA] (2013). Retardo mental. In American Psychiatric Association,DSM-5 - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (2ª ed., pp. 71-80). Porto Alegre: Artes Médicas.). No entanto, intervenções precoces e continuadas podem melhorar o funcionamento adaptativo na infância e na vida adulta, de forma que em alguns casos pode ocorrer melhora significativa da função intelectual, tomando o diagnóstico de DI como o não mais apropriado.

No presente estudo, porque nos apoiamos na AAIDD (2010)American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (2010). Intellectual disability: Definition, classification, and systems of supports. Washington - DC: AAIDD. e no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146,2015Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 (2015, 6 de julho). Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, D F. Recuperado em 10 jan. 2018, de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm .
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),defendemos a ideia de que a deficiência primária pode ser desbancada por novas estruturas qualitativas oportunizadas pela participação da pessoa em relações em que os contextos sejam desafiadores, onde haja embates, troca de ideias, compartilhamentos e confrontação ativa e cooperativa entre os interlocutores. Com isso estamos dizendo, conforme a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Resende & Vital 2008Resende, A. P. C.; Vital, F. M. P. (Eds.) (2008). Convenção sobre direitos das pessoas com deficiência comentada. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Recuperado em10 jan. 2019, de 2019, de https://www.oab.org.br/arquivos/a-convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia-comentada-812070948.pdf .
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), que a deficiência é a interação entre o impedimento de natureza física, intelectual ou sensorial e as barreiras interpostas pela sociedade.

Nessa mesma linha de entendimento, Souza (2019Souza, F. R. (2019). Compensação e emoções de pessoas com deficiência intelectual em posições valorizadas socialmente. Tese de Doutorado em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde, Universidade de Brasília, Brasília.) acrescenta que o desenvolvimento compensatório depende prioritariamente de processos emotivos que se energizam nas relações interpessoais aprofundadas e na coexistência em coletividades típicas e atípicas.

Charlot (2000Charlot, B. (2000).Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed.) ressalta que estar incluído nessas relações, no contexto escolar, facilita não só a aquisição de conteúdos intelectuais, como também o domínio de dispositivos relacionais, o que implica aprender determinadas formas relacionais condizentes com seu grupo social e etário, e isso pressupõe aprender a ser “solidário, desconfiado, responsável, paciente ... garantir um certo controle de seu desenvolvimento pessoal, construir de maneira reflexiva uma imagem de si mesmo” (Charlot, 2000Charlot, B. (2000).Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed., p. 70).

Entretanto, a despeito de esses intercâmbios sociais oferecerem resultados positivos para estudantes com DI, poucos deles experienciam ambientes inclusivos, um fato que se torna particularmente evidente no nível de ensino médio (Downing, 2005Downing, J. E. (2005). Inclusive education for high school students with severe intellectual disabilities: supporting communication. Argumentative and Alternative Communication, 21(2), 132-148.).

O ensino médio constitui uma etapa da escolarização coincidente com os períodos da vida entre 14 e 18 anos. Ou seja, coincidente com a fase da juventude, a qual interpõe novas exigências na perspectiva da comunicação, tornando para os jovens com DI o convívio social mais complexo em função da necessidade de discernir e interpretar pistas sociais que não são facilmente traduzíveis, já que a comunicação se estabelece com base na linguagem inferencial e figurativa. Nesse sentido, pensar sobre a condição juvenil é um desafio posto para a Psicologia, mas essa complexidade é ainda maior quando se trata de jovens com DI cuja escolarização atingiu níveis mais elevados de ensino.

De acordo com Dayrell e Carrano (2014Dayrell, J.; Carrano, P. (2014). Juventude e ensino médio: quem é este aluno que chega à escola? In Dayrell, J.; Carrano, P.; Maia, C. L. (Eds.), Juventude e ensino médio: Diálogo, sujeitos, currículos (pp.102-133). Belo Horizonte: UFMG.), as representações que circulam ainda hoje sobre ser jovem nos levam a produzir uma imagem de juventude como uma transição, uma passagem; e o jovem como um “vir a ser” adulto (Dayrell & Carrano, 2014Dayrell, J.; Carrano, P. (2014). Juventude e ensino médio: quem é este aluno que chega à escola? In Dayrell, J.; Carrano, P.; Maia, C. L. (Eds.), Juventude e ensino médio: Diálogo, sujeitos, currículos (pp.102-133). Belo Horizonte: UFMG., p. 106). Supomos que essa tendência de enxergar o jovem pela ótica da falta, assim como associar todo jovem com DI à ideia de “menoridade perene” (Dias & Oliveira, 2013Dias, S. S.; Oliveira, M. C. S. L. (2013). Deficiência intelectual na perspectiva histórico-cultural: contribuições ao estudo do desenvolvimento adulto. Revista Brasileira de Educação Especial, 19(2), 169-182., p. 179) reduz a complexidade desse momento da vida. Dayrell e Carrano (2014)Dayrell, J.; Carrano, P. (2014). Juventude e ensino médio: quem é este aluno que chega à escola? In Dayrell, J.; Carrano, P.; Maia, C. L. (Eds.), Juventude e ensino médio: Diálogo, sujeitos, currículos (pp.102-133). Belo Horizonte: UFMG. garantem ainda ser a juventude uma categoria dinâmica que é transformada no contexto das mutações sociais que ocorrem ao longo da história. Por isso, na literatura recente é consenso dizer que não há tanto uma juventude, e sim juventudes, ou seja, jovens enquanto sujeitos que a experimentam e respondem a partir de determinado contexto sociocultural em que se inserem e, assim, elaboram determinados modos de ser jovem. E, dentre esses vários modos de ser jovem, estão os jovens que em seu processo de desenvolvimento lidam com os efeitos da DI. A noção de juventude para eles também deve ser pensada de maneira plural e dinâmica, o que nos leva a compreender que a DI não é impeditiva para uma trajetória de desenvolvimento na qual a escolarização no segmento de ensino médio figure como legítima.

Vale sublinhar que para os jovens com DI integrarem a escola de ensino médio implica integrar a agenda cultural comum ao seu grupo social que, de acordo com Leão (2014Leão, G. (2014). Entre a escola desejada e a escola real: os jovens e o ensino médio. In Carrano, P.; Fávero, O. (Eds.), Narrativas juvenis e espaços públicos: Olhares de pesquisas em educação, mídia e ciências sociais. (pp.231-258). Niterói: Editora da UFF.), nessa fase da vida, vivenciam uma série de experimentações sociais, afetivas e sexuais a partir das quais constroem suas identidades e trajetórias. Maffezol e Góes (2009Maffezol, R. R.; Góes, M. C. (2009). Jovens e adultos com deficiência intelectual: seus dizeres sobre o cenário cotidiano de suas relações pessoais atividades. In Fávero, O.; Ferreira, W.; Ireland, T.; Barreiros, D. (Eds.), Tornar a educação inclusiva (pp. 141-157). Reunião da Anped, Brasília: Unesco.) explicam que a agenda cultural funciona como pano de fundo das experiências proporcionadas aos indivíduos em diferentes etapas de vida. As autoras ressaltam que na agenda cultural para os normais - a criança, o adolescente, o jovem, o adulto e o idoso - há discursos e práticas sociais que delineiam possibilidades e compromissos específicos para cada período de vida. Assim, os sujeitos vão mudando em seu modo de agir, em seus dizeres, nas formas de se vestir, nas atividades específicas que exercem, nos desejos e objetivos, na necessidade de serem reconhecidos em diferentes esferas da sociedade.

Embora não seja universal, essa agenda cultural, de acordo com Maffezol e Góes (2009Maffezol, R. R.; Góes, M. C. (2009). Jovens e adultos com deficiência intelectual: seus dizeres sobre o cenário cotidiano de suas relações pessoais atividades. In Fávero, O.; Ferreira, W.; Ireland, T.; Barreiros, D. (Eds.), Tornar a educação inclusiva (pp. 141-157). Reunião da Anped, Brasília: Unesco.), determina expectativas para períodos da vida em acordo com o que se configura como adequado e valorizado em dada época da história de um grupo social. Em consonância com essa compreensão, nesse estágio da vida dos jovens secundaristas valoriza-se o ensino médio como trampolim para os bancos universitários (Krawczyk, 2014Krawczyk, N. (2014). Uma roda de conversa sobre os desafios do ensino médio. In Dayrell, J.; Carrano, P.; Maia, C. L. (Eds.), Juventude e ensino médio: Diálogo, sujeitos, currículos (pp. 75-98). Belo Horizonte: UFMG.), o que pode tornar as relações nesse segmento de ensino pouco propícias a ações cooperativas e dialógicas, pois nesse contexto impera uma doutrina de que só se prospera pela competição, pelo extremo individualismo e pelo êxito individual contra todos. Sendo assim, o cargo de estudante secundarista requer um perfil autodidata, para o qual o jovem com DI parece ser inelegível.

O fato é que nesse cenário de múltiplas possibilidades as relações que se estabelecem com os colegas de turma têm grande relevância para os jovens com DI; no entanto, essas relações ganham contornos singulares em função das representações sociais que atravessam os referidos interlocutores, uma vez que interagimos com diferentes Outros, de acordo com a forma como os representamos. Com isso, estamos dizendo que as representações sociais que os estudantes secundaristas constroem sobre inclusão de pessoas com DI no ensino médio dizem muito sobre como acontecem as relações entre os Jovens Nativos na Pedagogia de Orientação Inclusiva (JNPOI).

A nomenclatura Jovens Nativos na Pedagogia de Orientação Inclusiva foi inaugurada neste estudo para nomear os estudantes que já nasceram inseridos na era da pedagogia de orientação inclusiva e tiveram acesso, desde a pré-escola, a diversas formas de interação, variadas informações e múltiplas consistências de vínculos com colegas que têm DI. Esses jovens chegaram ainda crianças a uma terra cuja linguagem é o respeito às diferenças, não necessitando fazer grande esforço para aprender essa nova língua. Trata-se de um grupo cujo ingresso na escola regular tem data posterior à elaboração da Declaração de Salamanca (Organização das Nações Unidas, 1994Organização das Nações Unidas (1994). Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca, Espanha: ONU. Recuperado em 10 jan. 2018, de 2018, de http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_9.pdf .
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), a qual, associada a outras matrizes documentais,impôs uma trajetória compulsória de convivência escolar entre jovens com desenvolvimento típico ou atípico, ambos nativos na pedagogia de orientação inclusiva.

Articulamos, com isso, uma analogia aos termos imigrantes e nativos digitais, cunhados inicialmente por Marc Prensky (2001Prensky, M. (2001). Nativos digitais, imigrantes digitais. On the Horizon,9(5), MCB University Press.) para nomear as pessoas que já nasceram inseridas no mundo digital - e, portanto, não têm dificuldade na vivência e na experiência que assumem no ciberespaço - e aquelas que chegaram maduras a essa terra conectada. Diante de tais condições, nos questionamos se essa geração de nativos que se desenvolveu numa cultura com valores morais e normas sociais diferentes da geração precedente estaria construindo novas estruturas de sentido sobre inclusão de jovens com DI no ensino médio. Queremos, com isso, refletir sobre a teia de representações sociais que o aluno com DI carrega e provoca nos estudantes pré-vestibulandos. Queremos conhecer e analisar o sentido da inclusão de pessoas com DI no ensino médio quando se solta das amarras científicas e ganha os espaços dialógicos dos jovens secundaristas. Nosso objetivo é, portanto, analisar as representações sociais sobre inclusão de jovens com DI no segmento de ensino médio, na perspectiva dos JNPOI matriculados numa escola pública de ensino médio de Planaltina, Brasília-DF.

Filiamo-nos à noção de representação social enquanto um campo aberto à controvérsia, à fragmentação e à negociação, cheio de incoerência, tensão e ambivalência, muito embora atravessado por uma realidade consensual que fornece um pano de fundo de significados historicamente compartilhados, a partir do qual emergem as discussões e negociações (Arruda, 2014Arruda, A. (2014). Representações sociais: dinâmicas e redes. In Arruda, A.;Sousa, C. P.; Ens, R. T.; Villas-Boas, L.; Novaes, A. O.; Stanich, K. A. B. (Eds.), As representações sociais: Estudos selecionados. (pp. 39-66). Curitiba: Champagnat PUCPR.). Essa noção de representação social se assemelha ao conceito de polifasia cognitiva (Wagner, Duveen, Themel, & Verna, 1999Wagner, W.; Duveen, G.; Themel, M.; Verna, J. (1999). The modernization of tradition thinking about mental illness in Patna. Culture and Psychology, 5, 413-445.), que sugere a coexistência de diferentes e até mesmo contraditórias formas de conhecimento em um mesmo indivíduo ou comunidade (Arthi, 2012Arthi (2012). Representing mental illness: A case of cognitive polyphasias. Papers on Social Representations, 2 (21), 5.1-5.26.). Compreendemos também que na edificação de uma representação social está em jogo o desejo de identificar-se e ser identificado ou não com o grupo (Arruda, 2014Arruda, A. (2014). Representações sociais: dinâmicas e redes. In Arruda, A.;Sousa, C. P.; Ens, R. T.; Villas-Boas, L.; Novaes, A. O.; Stanich, K. A. B. (Eds.), As representações sociais: Estudos selecionados. (pp. 39-66). Curitiba: Champagnat PUCPR.).A lógica das estratégias simbólicas dos grupos é atravessada pelas marcas sociais que ele deve expressar, e as representações sociais reafirmam a inserção de membros individuais em um determinado espaço humano. Seguindo essa linha de pensamento, Jovchelovitch (2005Jovchelovitch, S. (2005). Apresentação. In Jodelet, D. (Ed.), Loucuras e representações sociais (pp. 11-33). Petrópolis: Vozes.) explica que é possível uma representação dizer mais sobre o sujeito ou o grupo que a profere que sobre o próprio objeto representado. Nessas situações, predomina o quem sobre o que das representações.

Considerando o que discutimos até aqui, a seguir apresentamos nossa proposta metodológica, que se desenvolveu em conformidade com os preceitos da abordagem qualitativa, de caráter exploratório, em busca de analisar as representações sociais sobre inclusão de jovens com DI no ensino médio, na perspectiva de estudantes secundaristas.

METODOLOGIA

Realizamos um estudo de caráter exploratório, qualitativo, descritivo-interpretativo, alicerçado na abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais (Sá, 1998Sá, C. (1998). A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ.; Abric, 1998Abric, J-C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In Moreira, A. S.; Oliveira, D. C. (Eds.), Estudos interdisciplinares de representação social(pp. 27-38). Goiânia: AB Editora., 2003Abric, J-C. (2003) Abordagem estrutural das representações sociais: desenvolvimentos recentes. In Campos, P. H. F.; Loureiro, M. C. (Eds.), Representações sociais e práticas educativas (pp. 37-57). Goiânia: UCG.). Nosso estudo desenvolveu-se numa escola da rede pública de Brasília, situada na cidade Planaltina, onde se registravam, em 2014, os maiores números de matrículas de alunos com DI em classes comuns inclusivas do segmento de ensino médio de Brasília: 23 alunos (Secretaria de Estado de Educação, 2014Secretaria de Estado de Educação. Subsecretaria de Planejamento de Inspeção de Ensino. Gerência de Estatística (2014). Censo escolar 2014. Brasília, DF: Publicações da SEEDF.).

Participaram da pesquisa 186 jovens matriculados nessa escola, dentre os quais, sete tinham DI, sendo quatro do sexo masculino e três do sexo feminino. A amostra foi composta por jovens integrantes dos três anos do ensino médio, na faixa etária entre 14 e17 anos.

Os jovens convidados para participar da pesquisa que manifestaram interesse assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCE) e o levaram para que os pais o assinassem. Quanto aos jovens com DI, com apoio dos professores da sala de recursos, fizemos contato por telefone com suas famílias, as quais autorizaram as respectivas participações sem nenhuma objeção.

O procedimento de coleta teve início após obtenção da aprovação final do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde (CEP/FS), Parecer n.º1.831.174, de 28 de novembro de 2016 e a aplicação do questionário foi realizada de forma coletiva pela própria pesquisadora, nas 11 turmas onde havia matrícula de pelo menos um jovem com DI.

O instrumento usado foi o questionário fundamentado na Técnica de Associação Livre de Palavras, a TALP. Nesse questionário, os participantes elencaram seis palavras ou frases que respondem ao termo indutor: “Para você a inclusão de estudantes com deficiência intelectual no ensino médio é”, e, em seguida, justificaram/explicaram a palavra escolhida como a mais importante dentre as seis. Essa justificativa também foi usada no nosso estudo para dar densidade analítica às evocações.

Os dados foram tratados inicialmente com ajuda do software Iramuteq, a partir da análise prototípica, o qual fez o cruzamento entre frequência e ordem média de preferência das palavras ou expressões evocadas pelos 186 jovens, gerando o quadro de quatro quadrantes que expressa, de acordo com Sá (1998Sá, C. (1998). A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ.), o conteúdo e a estrutura das representações sociais. Nessas análises, nos reportamos à produção matricial da Teoria do Núcleo Central, modelo teórico/metodológico que compreende que a representação social resulta de um conjunto sistematizado de informações, crenças, opiniões e atitudes, sustentado por dois subsistemas: o central e o periférico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 186 questionários respondidos, o software Iramuteq distribuiu 26 diferentes palavras pelos quatro quadrantes, conforme cruzamento entre frequência e ordem média de importância. A frequência mínima de evocação foi sete, e a máxima 65. A partir dessa organização, foi possível a construção do Quadro de Quatro Casas sobre o termo indutor: “A inclusão de jovens com deficiência intelectual no ensino médio é”, conforme figura a seguir:

Quadro 1
Quadro de quatro casas sobre termo indutor: A inclusão de jovens com deficiência intelectual no ensino médio é...

No quadro de quatro casas, o quadrante superior esquerdo indica o núcleo central, que é a base comum e consensual de uma representação social, aquela que resulta da memória coletiva e do sistema de normas ao qual certo grupo se refere (Abric, 2003Abric, J-C. (2003) Abordagem estrutural das representações sociais: desenvolvimentos recentes. In Campos, P. H. F.; Loureiro, M. C. (Eds.), Representações sociais e práticas educativas (pp. 37-57). Goiânia: UCG.). Considerando esse enquadre teórico, os elementos com características centrais do nosso estudo parecem reunir evidências de que os pioneiros nessa nova forma de relacionar-se com o tempo, com as tecnologias e as informações - os JNPOI- apresentam um discurso mais aberto às novas formas de existência e de convivência com as diferenças, uma vez que, para eles, incluir os jovens com DI no ensino médio é importante ,bom ,fundamental ,essencial , revela respeito e igualdade. Devemos ponderar, no entanto, sobre o subtexto que acompanha esses adjetivos, ou seja, a inclusão dos jovens com DI no ensino médio é valorizada como importante ,bom ,fundamental e essencial porque prepara o aluno para a continuidade dos estudos, para a qualificação profissional e, por conseguinte, para “tecer trajetórias de sucesso” (Leão, 2014Leão, G. (2014). Entre a escola desejada e a escola real: os jovens e o ensino médio. In Carrano, P.; Fávero, O. (Eds.), Narrativas juvenis e espaços públicos: Olhares de pesquisas em educação, mídia e ciências sociais. (pp.231-258). Niterói: Editora da UFF., p.245). É nesse sentido que Charlot (2000Charlot, B. (2000).Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed., p.72) ressalta: “Existem muitas maneiras de tornar-se alguém..., mas a sociedade moderna tende a impor o êxito escolar como sendo uma passagem obrigatória, para se ter o direito de ser alguém”. A frase que explica o termo evocado indica nessa direção: “É importante porque os alunos com DI no ensino médio podem ter mais chances de ingressar em uma faculdade e ser profissional de sucesso” (Jovem 81).

Por outro lado, a importância de frequentar a escola que os levará aos bancos universitários convive com um turbilhão de outros anseios e expectativas juvenis, dando a esse segmento de ensino outros sentidos, de forma que os JNPOI também entendem que o ensino médio é importante ,bom ,fundamental e essencial porque representa momentos de encontros e possibilidades de construção de amizades para os colegas com DI. “O ensino médio é importante porque ajuda o aluno a ter um contato maior com o mundo, a fazer amizades, pois muitas vezes ele não sai muito ou não tem muita informação e amigos, e a escola proporciona isso” (Jovem 13). Mas, sobretudo, o ensino médio é valorizado como importante ,bom ,fundamental e essencial para que o jovem com DI possa se sentir bem junto aos “normais” e possa ter uma experiência juvenil padronizada, contudo única, apontando para o que Sawaia (2010) nomeia de maciça individualização das massas. A autora esclarece que a adesão a essa forma de pensar supre o desejo de ser único, sendo como os outros, e de ser diferente como todo mundo. Algumas frases são fortes em relação a tal perspectiva: “É importante porque colocando eles (sic) junto com outras pessoas no ensino médio melhora, porque aí não se sente tão diferente dos outros” (Jovem 12). “É essencial pra (sic) eles serem eles mesmos e não ficarem fora do normal da gente”. (Jovem 108).

Direitos iguais e respeito são outras duas palavras que integram o núcleo central e estão atreladas à ideia de justiça como uma espécie de garantia óbvia que defende que o correto é viver numa forma de igualdade que garante tudo para todos - esse é o lema. Defende-se que “todos merecem igualdade” (Jovem 1). “Igualdade, independente (sic) de qualquer coisa que possa ser diferente” (Jovem 4).

Os JNPOI defendem a inclusão de jovens com DI a partir do princípio da justiça distributiva (Barreiro, 2013Barreiro A. (2013). The ontogenesis of social representation of justice: personal conceptualization and social contraints. Papers on Social Representations,22, 13.1-13.26.), ou seja, a partir da ideia de dar a cada um o que lhe é devido, entendendo que todos os seres humanos nascem iguais e por isso devem desfrutar dos mesmos direitos na sociedade, sem qualquer tipo de privilégio ou vantagem social. Estamos dizendo com isso que o lema defendido pelos JNPOI parece desconsiderar que promover a igualdade de oportunidades não é, de fato, dar o mesmo a todos, mas antes dar a cada um aquilo que lhe falta.

As frases que explicam a palavra respeito - uma das palavras que tem maior frequência e é mais prontamente evocada no núcleo central - parecem ser proferidas como uma espécie de bandeira, como um brado a plenos pulmões, uma narrativa inegociável, uma espécie de conceito irrefutável, incontroverso, inquestionável, ressaltando a relevância de se respeitar o diferente, o Outro e a diversidade. Assim,“todos devemos respeitar, independente (sic) de tudo, pois respeito é bonito”(Jovem 77).“Falei respeito, pois temos que respeitar a diferença de cada um” (Jovem 176).

Com base nesses elementos centrais, supomos que o conteúdo representacional sobre inclusão de jovens com DI no ensino médio se constrói no interior de uma rede de negociações entre narrativas individuais e comunitárias e, nesse entrelaçamento, fica evidente a fluência dos JNPOI no idioma do antipreconceito, que, por sua vez, reforça sua inserção no grupo daqueles que lutam contra o preconceito e a discriminação.

O quadrante superior direito, também chamado de periferia próxima, é composto por elementos que obtiveram uma frequência alta, sugerindo uma base consensual semelhante à do núcleo central, mas esses elementos não foram citados tão prontamente como os elementos do núcleo central, portanto não expressam a mesma força da preferência do núcleo central. Nesse quadrante, estão as palavras necessário ,legal enormal, que denunciam o dilema enfrentado pelo paradigma inclusivo, no que se refere à relação entre o acesso e a qualidade da permanência na escolarização regular. Em outras palavras, o acesso dos jovens com DI no segmento de ensino médio é representado como necessário , portanto, indispensável, inevitável, devendo ser obrigatoriamente realizado. Por outro lado, nessa perspectiva da obrigatoriedade, a presença do jovem é sentida como normal e no máximo legal . Nas palavras de um dos jovens: “Pra (sic) mim a inclusão deles é normal, só isso” (Jovem 144).Ou seja, a inclusão é rotineira, habitual e talvez “culturalmente opaca” (Jodelet, 2005Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis: Vozes., p. 92). Dessa forma, como apoiamo-nos em Jodelet (2005)Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis: Vozes., compreendemos que o hábito torna visível e ridícula a expressão de perplexidade e do medo diante daqueles que são marcados pela DI. O hábito requer um controle de si e uma resposta semelhante por parte de todos os seus membros, sendo assim, aprende-se a responder de maneira estandardizada (Jodelet, 2005Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis: Vozes.).

No quadrante inferior esquerdo, obrigatório é a palavra em evidência. Supomos que essa palavra - assim como o termo necessário - retrata um sistema simbólico comum entre os JNPOI, que valoriza o imperativo da inclusão como bandeira. Esse conteúdo pode estar atrelado ao fato de suas trajetórias acadêmicas terem sido, desde o princípio, marcadas pelo imperativo de matrizes documentais que instituíram e garantiram a obrigatoriedade da matrícula para as pessoas com deficiência e,consequentemente, impuseram uma trajetória compulsória de convivência escolar entre jovens com e sem deficiência. Nesse mesmo quadrante, as palavras interessante econvivência ressaltam que, a despeito da obrigatoriedade da matrícula, a inclusão escolar de jovens com DI é valorizada como um espaço dialógico interessante e favorecedor de desenvolvimento em função da convivência. Ou seja, “a convivência entre os alunos com DI e os demais alunos irá melhorar com as experiências trocadas, eles vão se desenvolver” (Jovem 74).

Diferente é uma palavra que também integra o quadrante intermediário e merece, de acordo com Omote (2006Omote, S. (2006). Inclusão e a questão das diferenças na educação. Perspectiva, 24(esp.), 251-272.), uma análise mais cuidadosa considerando as diferentes acepções do termo. Para o autor, com a popularização das discussões sobre a inclusão, termos como diferença e diferente se tornaram de uso corrente, o que lhes emprestou algumas conotações em função da paixão com que são usados nos mais variados contextos e com os mais variados propósitos.

Uma das possibilidades de emprego do elemento diferente, segundo Omote (2006Omote, S. (2006). Inclusão e a questão das diferenças na educação. Perspectiva, 24(esp.), 251-272.), diz respeito à variabilidade que os seres humanos apresentam e a seu potencial adaptativo; a outra acepção diz respeito ao que limita acentuadamente ou até impede a realização de muitas atividades relevantes do cotidiano. Nos relatos dos JNPOI, o elemento diferente é apresentado nas duas acepções do termo, ou seja, tanto é usado para marcar uma identidade plural que enriquece os relacionamentos e, por isso, deve ser reconhecida e valorizada como tal (Candau, 2012Candau, V. M. F. (2012, janeiro/março). Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educação e Sociedade, 33(118), 235-250. http://www.scielo.br/pdf/es/v33n118/v33n118a15.pdf
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), quanto é usado para se referir àquele que vive em grande vulnerabilidade. Alguns segmentos que explicam o termo diferente em duas diferentes acepções nos fazem compreender nessa direção: “É importante porque com o diferente lidamos com outro tipo de comportamento, novas experiências” (Jovem 67). “O jeito dele que é incluído é diferente do nosso porque eles, ou alguns deles, são muito quietos, estranhos” (Jovem 165). Essas frases apontam para a coexistência de sentidos opostos dentro de um mesmo campo representacional. De acordo com Arruda (2015Arruda, A. (2015). Modernidade & Cia: repertórios da mudança. In Jesuíno, J.; Mendes, F; Lopes, J. (Eds.), As representações sociais nas sociedades em mudança (pp. 103-127). Petrópolis, RJ: Vozes.), é justamente nessa diversidade, na heterogeneidade dos grupos e de suas representações que se situam os elementos dinamizadores e possivelmente a plasticidade de uma representação social.

O quarto quadrante, ou quadrante inferior direito, abarca os elementos periféricos mais distantes do núcleo central e são indicativos de uma mudança progressiva que começa a se instalar na representação. Conforme Arruda (2014Arruda, A. (2014). Representações sociais: dinâmicas e redes. In Arruda, A.;Sousa, C. P.; Ens, R. T.; Villas-Boas, L.; Novaes, A. O.; Stanich, K. A. B. (Eds.), As representações sociais: Estudos selecionados. (pp. 39-66). Curitiba: Champagnat PUCPR.), a periferia é o lócus da transformação da representação, acusando a influência das circunstâncias, dos momentos históricos e das negociações individuais entre quem representa e o que é representado. De acordo com a autora, são os elementos periféricos que dão a cara multifacetada da representação, escapando à constância e à homogeneidade do núcleo central por carregarem os aspectos mais individuais e mais situacionais da representação.

No nosso estudo, esses elementos foram distribuídos em quatro núcleos de sentido: o primeiro é constituído pelos elementosjusto ,correto ,dever eótimo. Esses termos evidenciam a força dos imperativos legais enquanto garantia de acesso dos jovens com DI aos segmentos mais elevados de ensino e remetem ao que foi discutido anteriormente no núcleo central a respeito dos movimentos politicamente motivados (Vegh, 2003Vegh, S. (2003). Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against the World Bank. In McCaughey, M.; Ayers, M. D. (Eds.), Cyberactivism: Online activism in theory and practice (pp. 71-95). London: Routledge.), propostos com o objetivo de lutar contra injustiças, lutar em defesa das minorias. Tal entendimento se fortalece nas explicações dadas pelos jovens aos termos evocados: “Na minha opinião, é bastante justo, pois todos independente (sic) de deficientes ou não merecem estudos igualitários” (Jovem 175). O segundo núcleo é composto pelas palavras interagir ,experiência eamizade , que valorizam a inclusão como um espaço dialógico e promissor em função das experiências e interações que facilitam o vínculo de amizade. O terceiro está centrado nas palavras solidariedade ecompreensão , que levam ao entendimento de que a inclusão depende de apoios benevolentes, indicando que o direito de um de ingressar e permanecer na escola requer a tolerância do outro que deve ser solidário e compreensivo. “Temos que ter compreensão com essas pessoas e ajudar quando necessário” (Jovem 32). “Se formos solidários uns com os outros, isso ajuda” (Jovem 91). Os elementos aprender eaprender com eles fazem parte do quarto núcleo de sentido e levam a crer que há uma aprendizagem advinda da convivência com os que são marcados pela DI. Vale salientar que aprender com eles significa principalmente considerar a perspectiva do Outro e remete à ideia de encontro dialógico.

Para Jovchelovitch (2011Jovchelovitch, S. (2011). Os contextos do saber: Representações, comunidade e cultura. (2ª ed.). Petrópolis: Vozes.), a característica central do encontro dialógico é o esforço para levar em consideração a perspectiva do Outro e reconhecê-la como legítima. Em tais situações, os interlocutores se esforçam para levarem-se mutuamente em conta e alcançam uma compreensão mútua sobre a posição, a perspectiva e a contribuição potencial que cada um pode trazer para a situação específica. Na base desse princípio dialógico está a ideia de que todos os participantes podem adquirir e desenvolver conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos argumentos que trouxemos até aqui supomos que a presença do jovem com DI , nos espaços acadêmicos mais elevados de ensino, historicamente reservados aos “normais”, inaugurou um novo fluxo de representações sociais fundamentado no desejo de justiça, igualdade, respeito às diferenças, porém de busca da normalização da deficiência. Estamos dizendo com isso que os JNPOI colocam na mesma conta da inclusão de pessoas com DI outras reivindicações, apresentando, com isso, um discurso geral de proteção dos direitos das minorias. Esses discursos imprimem a marca identitária do grupo que os proferem, indicando uma linguagem comum a algumas culturas juvenis contemporâneas, ligadas a certo tipo de “ativismo pró-inclusão” (Schwertner & Fischer, 2012Schwertner, S. F.; Fischer, R. M. B. (2012). Juventudes, conectividades múltiplas e novas temporalidades. Educação em Revista,28(1). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982012000100017.
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, p. 4). Em outras palavras, se por um lado os JNPOI estão se apropriando e reconstruindo a realidade referente à inclusão escolar em um sistema simbólico diferente daquele construído por jovens de outras gerações; por outro, ao acolher as novidades legais do atual cenário de educação, eles dizem mais sobre si mesmos do que sobre o objeto que estão representando. Isso porque ao proclamarem esse sistema simbólico, reafirmam a própria fluência no idioma do antipreconceito e o lugar que ocupam nessa trama social. E nessa perspectiva da obrigatoriedade e legitimidade da inclusão, a presença do jovem com DI é sentida como normal, ou seja, como coletivamente compreensível, mas inominável. Nessas condições, incluir passa a ser sinônimo de reiterar, repetidas vezes, a normalidade do jovem com DI. Supomos que essa compreensão nega ao jovem com DI sua condição de diferente e pode ter impacto sobre a constituição de sua identidade, uma vez que ele precisa ser encaixado a todo custo numa normalidade de desenvolvimento inexistente até mesmo para aqueles com desenvolvimento supostamente típico.

Uma das problematizações em torno da ancoragem na normalização é que se por um lado o jovem com DI é visto dentro das exigências do desenvolvimento típico e valorizado como um jovem comum, minimizando, com isso, o estigma relacionado ao fenômeno da deficiência; por outro, retira-se dele toda possibilidade de ambivalência, anulando os elementos que o constituem como pessoa com DI, que tem demandas peculiares no que se refere à rede de apoio interveniente.

O estudo nos dá elementos para dizer que, diante das mudanças em prol da inclusão social de jovens com DI e de toda a pressão por reconhecê-los em suas potencialidades, desenvolver-se como nativo na pedagogia de orientação inclusiva implica estar atento ao próprio discurso para que este não coloque em xeque valores morais ou normas sociais reconhecidos pelo grupo ao qual pertence ou deseja pertencer.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2019
  • Aceito
    27 Nov 2019
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