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ESTUDO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE FRENTE À MEDICALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Estudio sobre la práctica docente frente a la medicalización del aprendizaje

RESUMO

Com o objetivo de acompanhar os movimentos de professores de uma rede de ensino municipal em relação às crianças consideradas com dificuldades de escolarização, apresentamos o mapa traçado nesta pesquisa com o método da cartografia, desenvolvida através de narrativas docentes que dizem dos tensionamentos e das tentativas que empreendem no processo de ensino. A categorização do outro em diagnósticos provoca a diminuição das possibilidades da existência e os rótulos interferem na forma como os relacionamentos se estabelecem, discutimos sobre a singularidade e os padrões que marcam, reduzem e subjetivam a vida. Como linha de fuga à subjetivação medicalizante nas escolas, obtivemos como resultado o traçado de formas de percepção e criação de outros possíveis por meio do exercício da docência como presença próxima, que amplia a possibilidade de ensino e aprendizagem ao perceber o outro sem interpretá-lo a partir de referenciais padronizados, mas compreendendo sua singularidade para, a partir daí, criar circunstâncias para o aprendizado.

Palavras-chave:
medicalização; aprendizagem; Ensino

RESUMEN

Con el objetivo de acompañar los movimientos de profesores de una red de enseñanza municipal en relación a los niños consideradas con dificultades de escolarización, presentamos el mapa trazado en esta investigación el método de la cartografía, desarrollada por intermedio de narrativas docentes que hablan de los tensionamientos y de las tentativas que emprenden en el proceso de enseñanza. La categorización del otro en diagnósticos provoca la disminución de las posibilidades da existencia y los rótulos interfieren en la forma como los relacionamientos se establecen, discutimos sobre la singularidad y los patrones que marcan, reducen y subjetivan la vida. Como línea de evasión a la subjetivación de uso de medicamentos en las escuelas, obtuvimos como resultado el trazado de formas de percepción y creación de otros posibles por intermedio del ejercicio de la docencia como presencia próxima, que profundiza la posibilidad de enseñanza y aprendizaje al percibir el otro sin interpretarlo a partir de referenciales normalizados, por lo comprendiendo su singularidad para, a partir de eso, crear circunstancias para el aprendizaje.

Palabras clave:
Medicalización; aprendizaje; enseñanza

ABSTRACT

After observing the movements of teachers of a municipal school system in relation to children with learning difficulties, we present a map drawn in this research with the cartography method, developed by means of teachers’ narratives that tell about the tensions and the attempts that undertake in the teaching process. The categorization of others in diagnoses reduces the possibilities of existence and labels interfere with the way relationships are established. We discuss the uniqueness and the patterns that mark, reduce and subjectify life. As a line of escape from the medicalization of school education, we obtained as a result an outline of the forms of perception and creation made possible by the exercise of teaching as a close presence, which increases the possibilities of teaching and learning by perceiving individuals without interpreting them by means of standardized references, but understanding their uniqueness to create circumstances for successful learning.

Keywords:
medicalization; learning; teaching

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta uma pesquisa com o campo escolar dando a ver o fazer docente, com suas tentativas e tensionamentos, para embalar a discussão sobre a singularidade. Ao perceber que muitas situações comuns da aprendizagem têm sido consideradas patológicas, enfatizamos a necessária e urgente construção de linhas de fuga aos processos de subjetivação que trazem a normalidade como referencial imperativo e que rotulam e excluem aqueles que diferem, de algum modo, da norma.

Quando questões de ordem social, política e coletiva, que estão fora da área da medicina, são definidas em termos individuais, com origem biológica e abordadas como problemas médicos, se excluindo de responsabilidade as instâncias de poder, estamos diante de um processo de medicalização da vida (Foucault, 1977Foucault, M. (1977). História de la medicalización. Educación médica y salud, 11(1). (PP. 5-25).; Moysés & Collares, 2014Moysés, M. A. A.; Collares, C. A. L. (2014). Mais de um século de patologização da educação. Fórum: Diálogos em Psicologia, 1(1), 50-64.; Rodrigues & Amarante, 2018Rodrigues, M. G. A.; Amarante, P. (2018). Por Outras Relações na Escola pela Lógica da Desmedicalização: Cartografia de Mediação Escolar com Crianças Ditas Autistas. In: Amarante, P.; Pitta, A. M. F.; Oliveira, W. F. (Eds.), Patologização e Medicalização da Vida: Epistemologia e Política(1a. ed., pp. 129-149). São Paulo: Zagodoni.). A medicalização não estaria associada necessariamente à criação de patologias, a patologização seria uma das faces, entre muitas, da medicalização. Quando características como a tristeza, a inquietude infantil, a timidez, a rebeldia adolescente, que são inerentes ao humano, se transformam em patologia, estamos diante de um processo de patologização da vida (Angelucci, 2014Angelucci, G. (2014). Medicalización y patologización de la vida: situación de las infancias en latinoamérica. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 20-38.).

O que buscamos com esta pesquisa foi reabrir debates mais do que fechá-los para ampliar a visão crítica em relação à medicalização instituída no universo escolar e no desenvolvimento das crianças, produzindo movimentos instituintes de outras formas de ensino e aprendizagem por diferentes linhas que escapem à subjetivação em massa. Não trazemos uma receita, um “modo de fazer” para solucionar os problemas da educação, mas buscamos destacar práticas docentes singulares que promovem a experiência de aprendizagem para cada estudante.

Nos aproximamos da leitura de Fernand Deligny (2015Deligny, F. (2015). O aracniano e outros textos (Malimpensa, L., Trad.). São Paulo: N-1 edições.), um poeta e pedagogo francês, que desenvolvia um trabalho voltado para as singularidades e potências de cada pessoa, e nos inspiramos em suas ideias sobre a forma de estar com o outro para pensar na sensibilidade do fazer docente. Deligny trabalhou junto a crianças e adolescentes que eram classificados como socialmente inadaptados ou considerados “à parte da sociedade”. A partir da década de 60 ele se instalou na região de Cèvennes na França, com um grupo de autistas construindo coletivamente uma rede de espaços de acolhimento e de investigação, realizando linhas e traçados de percursos no espaço, fazendo cartografias dos movimentos do cotidiano dos autistas. Sua investigação cartográfica sobre “a experiência autística”, reconhecida como uma prática pedagógica inédita, nos leva a considerar as formas singulares de existência e, portanto, de aprendizado.

Ao inventar maneiras de habitar o espaço conforme cada pessoa e cada situação, esse autor compartilhava o cotidiano com as crianças e tecia em conjunto uma rede de composições. Assim, lançamos mão dessa forma de estar com o outro como presença próxima, aberta ao encontro e à criação de circunstâncias que potencializem a existência que esse educador exercia com os autistas que acompanhava, como um campo de ressonâncias da cartografia do fazer docente e intercessor que traz pistas para pensar no posicionamento diante das situações que ocorrem na prática de ensino.

Colocando em questão os discursos especialistas inseridos na educação, tomamos o exercício da docência como presença próxima como uma postura docente em relação ao estudante que amplia a possibilidade de ensino e aprendizagem ao perceber o outro sem interpretá-lo a partir de referenciais padronizados, mas compreendendo sua singularidade. Mapeando a construção de outros possíveis na escola, encontramos ações docentes que surgiram como linhas de fuga à rotulação e às limitações diagnósticas. Assim, as práticas micropolíticas que subvertem a lógica da medicalização na sala de aula se colocam como esperança e possibilidade de criação de outras formas de ensino e de aprendizado.

MÉTODO: A PESQUISA CARTOGRÁFICA E O LUGAR DA PSICOLOGIA

Cartografia é um termo advindo da geografia que se remete a elaborar mapas, onde os espaços vão sendo observados e compostos. Fernand Deligny foi precursor desta prática de intervenção, conforme apresenta Passos (2018Passos, E. (2018). Inadaptação e Normatividade. Cadernos Deligny, 1(1), 145-152.), pois realizava traçados como percursos no espaço em que ia demarcando a rede de ocorrências delineadas pela natureza e sua intervenção nela e na vida do outro. Deligny traçava linhas com as crianças autistas que acompanhava e sobrepunha um mapa ao outro, construindo os mapas que produziam uma rede de relações que faziam pensar no cotidiano dessas pessoas, percebendo em seus trajetos linhas de errância e de potência. De acordo com Azevedo (2013Azevedo, A. B. (2013). A intuição clínica - entre Espinosa e Deleuze. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo.), esse trabalho de Deligny serviu de inspiração à Deleuze e Guattari que passaram a utilizar a cartografia como método de pesquisa, traçando linhas de gestos e percepções, costumeiras e erráticas, se entrecruzando e produzindo os pontos de análise e intervenção.

Deleuze e Guattari (1995Deleuze, G.; Guattari, F. (1995). Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia (vol. 1, Guerra Neto, A.; Costa, C. P., Trads.). Rio de Janeiro: Ed. 34.) apresentam a cartografia como um dos princípios do rizoma, que são as múltiplas ramificações de uma mesma situação ou de várias que se entrecruzam e geram linhas de força, vão em várias direções, partem de diversos pontos e novamente se conectam. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (Deleuze & Guattari, 1995, p. 4). Sendo assim, entendemos que o mapa é algo construído, não algo que reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, por isso contribui para a conexão dos campos e para a abertura de suas dimensões sobre um plano de consistência.

A ênfase do cartógrafo na pesquisa é nos movimentos que decorrem da presença no campo, sem procurar algo específico, mas atento às entrelinhas, aos trajetos que se compõem e nas experiências que vão sendo produzidas no encontro. Uma das pistas que Deligny (2015Deligny, F. (2015). O aracniano e outros textos (Malimpensa, L., Trad.). São Paulo: N-1 edições.) traz para o cartógrafo é que todo o trajeto interessa, portanto não há como algo dar errado, mesmo porque não tem como dar certo.

Considerar a presença do cartógrafo no território de maneira não ingênua implica ter acesso às funções que a psicologia ocupa quando vai à escola. Nossa inserção ocorre a fim de mapear no encontro com docentes os trajetos que vão sendo delineados, contribuindo para pensar os processos instituídos nesse campo, considerando as forças que diminuem as capacidades dos atores da educação - os professores e os estudantes, trazendo à cena o fazer pedagógico, fortalecendo-o.

Com o intuito de propiciar a construção de espaços de reflexão sobre as práticas tanto da docência quanto da psicologia e disseminar o debate sobre a despatologização da educação em outros territórios, foi selecionada como campo de pesquisa a rede de ensino do município de Itaocara, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Itaocara é uma pequena cidade, com cerca de 23 mil habitantes, faz parte da região Noroeste Fluminense do Estado e possui uma área total de 431,3 km² (TCERJ, 2014TCERJ - Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. (2014). Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Geral de Planejamento. Recuperado dehttp://www.tce.rj.gov.br
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). O critério utilizado para a seleção desse campo se deve ao fato de ser a localidade onde reside uma das autoras desta pesquisa.

Nossa proposta foi agenciar a construção de um coletivo para enunciação de questões que atravessam o fazer docente como problemas, que são as dificuldades de alguns estudantes para aprender e de alguns professores para ensinar certas matérias a essas crianças. Participaram da pesquisa 15 docentes da rede municipal de ensino, cujo critério de seleção foi fazer parte das reuniões promovidas pela secretaria municipal de educação de Itaocara que são detalhadas mais à frente, e pudemos discutir as questões sobre a prática docente frente à medicalização da aprendizagem através de 12 encontros e 04 entrevistas realizadas no período de um ano (de novembro de 2016 a novembro de 2017). Nesses encontros propúnhamos tensionar os campos de força das práticas de ensino, promovendo discussões sobre a questão da medicalização da aprendizagem e da despatologização do ensino, cartografando os processos através das narrativas dos docentes e das trocas de experiências nas rodas de conversa.

Por sugestão da Secretaria Municipal de Educação de Itaocara, os encontros para a pesquisa se deram a partir de momentos de reunião que já aconteciam entre a rede de docentes do município. Assim, a inserção no campo se deu através dos encontros do PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), onde se reuniam professores de 1º a 3º ano do Ensino Fundamental que aceitaram compor o dispositivo para a pesquisa.

Promover o encontro entre docentes para discutir sobre uma temática pouco abordada entre eles é criar um dispositivo que permita tensionar as linhas que compõem o campo de ação, como as “máquinas de fazer ver e de fazer falar” de que fala Deleuze (1990Deleuze, G. (1990). O que é um dispositivo? In Michel Foucault, filósofo. (pp. 155-161). Barcelona: Gedisa. Trad. Wanderson Flor do Nascimento. Recuperado dehttp://eps.otics.org/material/entrada-outras-ofertas/artigos/gilles-deleuze-o-que-e-um-dispositivo/view
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, p. 155). A forma de pesquisa-intervenção ocorre sem que haja o pesquisador como alguém superior dentro do campo e os pesquisados como aqueles que serão observados e julgados pelo primeiro, mas traz a possibilidade de juntos traçarem esse plano comum e produzirem linhas de fuga às forças instituídas.

Entrevistas e rodas de conversa foram os dispositivos utilizados para a criação do plano comum e aproximação entre os docentes e o cartógrafo no campo das escolas públicas, realizando registro em diário de campo para o mapeamento das situações que perpassam o ensino. Como um dispositivo grupal a roda de conversa promoveu a partilha e coletivização de saberes e experiências, bem como a abertura à discussão e criação de novos conhecimentos e caminhos. A roda de conversa, também chamada de método Paideia de acordo com Campos, Figueiredo, Pereira Júnior e Castro (2014Campos, G. W. S.; Figueiredo, M. D.; Pereira Júnior, N.; Castro, C. P. G. (2014). A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface - Comunicação Saúde Educação, 18(Suppl. 1), pp. 983-95. https://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0324
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), permite ampliar a capacidade das pessoas para lidar com informações e interpretá-las, compreendendo a si mesmas, aos outros e ao contexto. Por isso, com a criação desse plano comum contribuímos para a troca de experiências e para o desenvolvimento de maneiras de lidar com questões difíceis, ampliando a possibilidade de ação das pessoas sobre as relações que estabelecem.

Já as entrevistas, com um manejo cartográfico, visaram não somente as informações passadas, mas possibilitaram o acesso às experiências, sua forma e força, para além do conteúdo dito. “A entrevista visa não à fala sobre a experiência, e sim a experiência na fala” (Tedesco, Sade, & Caliman, 2014Tedesco, S. H.; Sade, C.; Caliman, L. V. (2014). A entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. In Passos, E.; Kastrup, V.; Tedesco, S. (Eds.), Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum (pp. 92-127). Porto Alegre: Sulina., p. 100), os modos de expressão e o conteúdo. Buscamos assim, mais do que obter dados e relatos, proliferar questões que traçam as linhas e os fluxos cartografados.

Como um método de pesquisa-intervenção a cartografia permite a utilização de questões disparadoras e de apontamentos provocadores de novas perspectivas no grupo. O plano comum criado com os docentes de 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental via PNAIC continuou presente, porém, com o encerramento das atividades do PNAIC, nossos encontros passaram a acontecer em outro momento, juntamente com as reuniões de planejamento, que aconteciam mensalmente. Nesses encontros tomavam lugar inicialmente as orientações e sugestões realizadas junto à Orientadora Pedagógica do município que fazia os direcionamentos das atividades a serem desenvolvidas com as turmas, para que todas as escolas do município trabalhassem - dentro do possível - os mesmos conteúdos, e depois continuávamos reunidos discutindo em torno da docência e da temática da pesquisa através das frases e questões disparadoras.

O registro das narrativas dos docentes foi realizado em diário de campo, bem como as implicações das pesquisadoras e discussões em grupo de pesquisa que surgiam a partir do que era coletado em campo. Por meio desses importantes registros foi possível realizar a composição e análise dos fatos narrados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos fluxos de tensionamento percebidos nesse campo pesquisado, fomos construindo um mapa dos modos de perceber e de ensinar crianças com dificuldades de escolarização. Nesse mapa estão modos de fazer que não se tornam modelos, não porque sejam exemplos bons ou ruins, mas porque são construídos no tremor da experiência, são práticas ligadas às singularidades envolvidas em cada situação. Tomamos esses movimentos cartografados como processos de singularização, de uma micropolítica, pela “força do que acontecia na política do desejo, da subjetividade e da relação com o outro” (Guattari & Rolnik, 2013Guattari, F.; Rolnik, S. (2013). Micropolítica: Cartografias do Desejo (Ed. 12) Petrópolis, RJ: Vozes., p. 09).

Conforme fomos acompanhando ao longo do ano letivo, na processualidade das práticas docentes por meio de suas narrativas, pudemos cartografar alguns movimentos de ampliação e outros de redução de limites e possibilidades. O traçado desses movimentos nos permitiu registrar e discutir sobre os tensionamentos que permeiam o campo, bem como potencializar a criação de linhas de fuga a práticas enraizadas.

Lançamos mão das narrativas que surgiam nos encontros com os docentes em entrevistas e rodas de conversa para compor esse traçado. Entendemos com Benjamim (1994)Benjamin, W. (1994). O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 197-221). São Paulo: Brasiliense. que a narrativa tem uma dimensão utilitária à medida que “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (p. 201). Sendo assim, as experiências narradas determinam o percurso da pesquisa, com uma escrita situada no tempo, no espaço e nos encontros cotidianos.

Em um dos primeiros encontros a roda de conversa aconteceu com três professoras. Iniciamos falando sobre a questão das dificuldades dos alunos na escola e a Prof.ª L disse:

- Na minha sala tem um menino que não aprende nada. Já tentei de tudo e ele não consegue avançar.

As outras duas professoras pareceram compartilhar de seu sentimento em relação a essa criança e uma delas, a Prof.ª A, ressaltou:

- Também tive um aluno assim no ano passado, faltou pouco entrar na cabeça dele. Não adianta, é muito difícil!

Essa conversa registrada no diário foi de um dos primeiros encontros, mas chegamos a registrar, em outros momentos, essa narrativa sobre algumas crianças “não aprenderem nada”. Chamou-nos atenção ter ouvido diversas vezes relatos que traziam essa queixa, também porque pudemos perceber que essas falas geralmente vêm carregadas de aflição e angústia, de um não saber o que fazer acompanhado pela ideia de que essas crianças têm algum problema de saúde, como disse o Prof. Z ao falar sobre as dificuldades de uma criança em sua entrevista:

- Se ele não consegue aprender, ele tem alguma coisa!

Em outra roda de conversa refletíamos sobre a seguinte pergunta disparadora: “que significado damos às crianças que têm alguma dificuldade de aprender o que ensinamos na sala de aula?” e o Prof. U disse o seguinte:

- Ensinar essas crianças significa um desafio a ser vencido, pois nos gera muita angústia e frustração. Alguns alunos têm laudo e outros não, mas mesmo assim percebemos os alunos que não fluem no processo de aprendizagem.

Essas narrativas nos trouxeram a percepção de que às vezes os professores consideram que esses problemas não são de sua responsabilidade e que as crianças que consideram ter algum transtorno ou déficit de aprendizagem precisam de acompanhamento clínico, seja de um médico especialista, de um psicólogo ou de um fonoaudiólogo, alguém de fora do ambiente escolar que possa intervir, reconhecer a origem do problema, que é o comportamento ou a aprendizagem que destoa do padrão normal esperado, e solucionar essa carência com técnicas específicas e/ou prescrição de medicamentos.

Esses profissionais estão capturados por uma lógica medicalizante que os leva a crer que eles não têm possibilidades para alcançar os que possuem dificuldades de escolarização e ensiná-los a não ser que recebam suporte e intervenção médica, ou ainda que só podem acessar uma criança a partir do diagnóstico que consta em seu laudo. Ao reforçar um processo de patologização, não de forma proposital, talvez de modo imperceptível por compor uma cultura medicalizante, os docentes deixam de pensar que ninguém tem mais recursos do que eles, que convivem diariamente com essas crianças, para criar possibilidades para a aprendizagem. Dessa forma, vão sendo desterritorializadas todas as possibilidades escolares quando o professor encaminha para um médico uma criança em devir-aprendiz.

Sustentar a diferença, compreender a singularidade, são movimentos da presença próxima que produzem uma das linhas de fuga à institucionalização das patologias da aprendizagem. Dessas linhas de expansão do processo de ensino, vimos um exemplo interessante ser citado pela docente, Prof.ª R., que em uma roda de conversa dizia:

- Há uma menina na minha sala que não olha nos olhos de ninguém, tem uma enorme dificuldade de comunicação, quase não fala e quando fala é bem baixinho, por isso acaba não fazendo as atividades direito.

Passados alguns dias, em outra roda de conversa a Prof.ª R, com ar de surpresa e felicidade, contou para todos nós do grupo:

- Gente, lembram daquela menina que eu contei que não falava? Eu percebi que ela era muito tímida por causa de como ela falava - ela fala igual neném - então resolvi chamá-la para ler um texto comigo do lado de fora da sala e aí descobri que ela estava lendo!!! Ela ainda fala meio infantilizado, mas apesar da timidez, reconhece muito bem as letrinhas e a formação de sílabas. E agora todo mundo da turma quer ler do lado de fora também!

Ao se colocar como presença próxima dessa criança, a professora pode perceber que a origem de toda essa timidez poderia ser porque a criança falava as palavras de modo errado - como se fosse ainda um bebê - e a classe era multisseriada, numa escola de zona rural, portanto havia estudantes de idades variadas. Percebendo esse processo, ela entendeu que isso poderia ser o que estava dificultando o desempenho da menina nas aulas. Ao decidir levá-la para o lado de fora da sala para ver como estava sua leitura, a Prof.ª R entendeu que ela tinha vergonha de ler em sala perto dos amigos e então descobriu o que não esperava para aquela criança, ela ainda não falava corretamente, mas compreendia a simbologia gráfica e a junção de sílabas formando as palavras que eram lidas. A partir daí foram repetindo-se esses momentos de leitura e a criança foi se tornando mais segura para ler e agir dentro da sala de aula. Além disso, acabou-se criando um hábito novo para essa turma, pois todas as crianças da turma quiseram viver a experiência de ler sozinhas com a professora do lado de fora e ela, aproveitando a circunstância, passou a fazer essa atividade com cada um semanalmente.

Como a construção de narrativas abre espaço para a troca e para a produção de conhecimento a partir do que se vive, acompanhar narrativas consiste em uma ação que fortalece a circulação de ideias e a potencialização de outras práticas. Ainda que exista um jogo de forças que tensionam a prática educacional e a fazem parecer mais difícil do que o que se imagina, encontramos nas narrativas, ações que promoviam encontros potentes entre professor e estudante e que, consequentemente, produziam bons resultados para o ensino.

Assim, ouvindo histórias das experiências vividas pelos professores, encontramos no exercício da docência como presença próxima, um ponto de expansão do processo de ensino e aprendizagem. Ser presença próxima traz consigo um tom de sensibilidade e de paciência, uma produção de outro tempo de ensino e de aprendizagem na escola, frente a um processo que tem sido tão acelerado atualmente.

O que interessa é ser capaz de participar de uma experiência de vida, para além do contexto escolar, acompanhar e permitir que se descubram os espaços de expressão e formação, construindo outros modos de aprender e, consequentemente, de ensinar.

Passos (2018Passos, E. (2018). Inadaptação e Normatividade. Cadernos Deligny, 1(1), 145-152.) traz um ponto interessante a esse respeito quando, em consonância com as ideias de Deligny, questiona o que fazer frente ao inadaptado. Aqui os inadaptados seriam essas crianças com dificuldades de se encaixarem nos moldes escolares, crianças com diversas questões em sua vida que afetam seu modo de agir e de aprender, enfim, as crianças que acabam sendo vistas como problemas a serem enfrentados de algum modo pelos professores. Para responder a esse questionamento, esse autor traz a proposta de nunca aceitar a primeira resposta, a resposta instituída, mas buscar outros possíveis, antes de considerar alguém um inadaptado.

Nos colocamos a pensar sobre a forma como têm acontecido as intervenções dos profissionais da saúde, muitas vezes de modo assistencialista, trazendo respostas prontas, diagnosticando e rotulando crianças que ainda estão em processo de desenvolvimento, definindo formas gerais e específicas para agir de acordo com determinado perfil de transtorno e, às vezes, indicando o uso de medicamentos fortes para contenção ou estimulação de movimentos dos aprendizes. No entanto, vale lembrar que cada pessoa possui um modo singular de ser e um rótulo não pode determinar todas suas ações - uma criança com síndrome de Down, por exemplo, não é igual a outra com a mesma síndrome, cada uma possui gostos e preferências distintos que as fazem ser únicas. A ideia de compor uma rede de ação na escola tem o sentido de interlocução e troca entre os componentes do cenário (professores, gestores, especialistas, pais e estudantes), para pensar o que acontece e produzir coletivamente outras formas de atenção e ensino para cada estudante.

Como descrito anteriormente, as rodas de conversa e entrevistas com os docentes aconteciam no mesmo momento das reuniões de planejamento, onde todos os professores da rede alinhavam seus planos de aula e recebiam sugestões e orientações da Orientadora Pedagógica. Nesses momentos eram passadas as atividades curriculares que deveriam ser cumpridas dentro de certo tempo, entretanto sempre era ressaltada a importância de não acelerar a matéria para dar conta de passar todo conteúdo caso as crianças não estivessem compreendendo o assunto. A orientação era para primeiro verificar se os estudantes estavam acompanhando o conteúdo trabalhado em aula, para depois prosseguir com os assuntos programados para cada turma.

Compor uma rede entre os docentes é algo enriquecedor para a prática se permite discussões e trocas, sem determinismos. Nesses encontros de planejamento eram partilhadas dicas para utilização de recursos lúdicos a serem compostos com as crianças, como jogos e painéis, para facilitar a assimilação de conteúdos. Destacava-se que várias das atividades sugeridas ajudariam principalmente àqueles que tinham mais dificuldades no aprendizado de conteúdos escolares, pois através de brincadeiras torna-se mais fácil aprender. Alguns docentes demonstravam essa preocupação em criar recursos variados para apresentar conteúdos de outras formas para os estudantes, de forma lúdica e mais prazerosa. Porém outros achavam mais complicado aplicar essas tarefas mais diversificadas e que agitam a turma, preferindo antes usar as “folhinhas” para passar todo o conteúdo programado e, caso sobrasse tempo, fazer as tarefas menos tradicionais.

Na entrevista da Profª S, ela dizia sobre isso:

- As crianças adoram fazer mural, tudo que é atividade diferente eles amam, mas infelizmente não posso fazer sempre com eles, pois preciso de tempo pra dar todo o conteúdo do currículo. O tempo é muito corrido, tem alguns alunos que têm dificuldade e demoram mais ainda, aí não é sempre que posso diversificar (Informação verbal, Profª S, Diário de Campo, 2017).

Foi interessante observar que se desconsideraram as outras possibilidades de promover a aprendizagem, nesse caso de forma mais agradável, em nome do controle de conteúdos determinados para serem cumpridos dentro de um período; e ainda deixando “para trás” aqueles estudantes que por algum motivo “não conseguem acompanhar a turma” (Informação verbal, Prof. Z , Diário de Campo, 2017).

Quase sempre o encontro entre professor e estudante acontece de forma hierárquica, pautado na busca pelas ausências, ou seja, por aquilo que falta ao aprendiz para ser de um modo ideal ou normal. Quando se produz o lugar do outro por uma falta ou “incapacidade”, suas características singulares e positivas são despotencializadas. Produz-se um olhar para a diferença de forma negativa, bloqueando o olhar e a perspectiva para outras formas de existir. Essa ideia da falta está ligada a interpretações e classificações que são fruto da nossa imaginação e de nossa forma de compreensão dos afetos. Por isso muitas ações são consideradas anormais e negativas quando não ocorrem dentro do padrão imperativo.

Certo dia, estávamos em mais uma das rodas de conversa e acompanhamos a Prof.ª R. enumerando os problemas que detectava nos estudantes, dizendo por fim a seguinte frase:

- Na minha sala todos os alunos têm problema, ou familiar ou de aprendizado, só tem um que é normal.

Observamos com essa colocação da professora como os padrões instituídos no universo escolar têm produzido os anormais, limitando o olhar para as formas de ser singulares, buscando a existência somente dentro das normas morais e ideais.

Os rótulos e diagnósticos tendem a tornar as pessoas uma só coisa, geralmente considerada negativamente, e a enquadrá-las em um perfil que escapa à realidade singular. Deixamos de olhar para a Maria, por exemplo, para pensar na aluna autista - estereotipamos o outro sem considerar seu jeito único de ser, nem todo autista se esquiva dos toques e abraços, nem todo surdo utiliza Libras para se comunicar... Quando não se abre à compreensão da singularidade de cada um, surgem as limitações ao encontro que parte de informações prévias sobre o outro. Assim vão se dando processos de subjetivação medicalizantes que produzem o outro submetendo-o a ser o que um diagnóstico diz que ele é, interrompendo ou limitando a busca pela superação.

A ênfase principal de Deligny era sobre a importância do encontro na experiência com o outro. Não um encontro qualquer, mas o encontro com o inesperado, que acontece na radical alteridade e não na semelhança. Deligny (2015) fala que respeitar o ser autista (mas poderia ser qualquer um) “não é respeitar o ser que ele seria na condição de outro” (p. 109), mas fazer o necessário para que uma rede se trame a partir de seu modo de ser. Por isso ele se preocupava em não “semelhantizar” o outro, ou seja, não reconhecê-lo como um igual aos demais, não olhá-lo a partir de padrões e de suas referências, do que considerava adequado em um modo de vida. Preocupação que é a de sustentar a(s) diferença(s) e produzir em conjunto outros possíveis, sem reduzi-lo às adaptações, à produção de semelhanças de modos de vida.

Uma vida não cabe em um rótulo e não pode ser determinada por um diagnóstico - uma pessoa autista, não é igual a todos os outros autistas, um estudante que tem dificuldades para aprender alguns conteúdos escolares, não é todo não aprender - portanto é preciso, inspirados em Deligny, encontrar brechas que produzam linhas de desvio para a construção de processos outros que possibilitem a aprendizagem e o desenvolvimento. O que esse autor nos ajuda a pensar é em como podemos efetivar os processos de educação sem reduzi-los a adaptações que incorrem na produção de certa semelhantização de modos de vida.

Assim, nessa cartografia nos disponibilizamos a conhecer a forma como o campo escolar está preenchido, quais são os trajetos mais habituais e mais cristalizados, e quais as linhas de desvio são interessantes, promovem rupturas e permitem pensar em invenções no processo de ensino e aprendizagem à revelia da norma.

Da postura de Deligny colocando-se como “presença próxima” das crianças que acompanhava, retiramos nossa inspiração para pensar a produção de outras linhas na educação de crianças com dificuldades de escolarização consideradas, devido a seus comportamentos e (possíveis) diagnósticos, um problema no espaço educacional. Com encontros e trocas, aberto às circunstâncias e entrecruzamentos, atento a tudo o que pudesse tornar potente uma experiência de vida. Conforme salienta Azevedo (2015Azevedo, A. B. (2015). O trabalho comum através do aprendizado dos afetos na Rede de Atenção Psicossocial. Revista Polis e Psique, 5(3), 80-93., p. 90), “através de uma postura ética de aprender o que é o melhor para o outro, enquanto se convive com ele, nós o ajudamos a encontrar sua própria força”.

Deligny formulava suas pesquisas e pautava suas ações sobre as tentativas e redes que se tornavam possíveis em diferentes circunstâncias onde se buscava tramar de forma diferente o destino (previamente determinado sob estigmas e negatividade) das crianças. “Os impasses, a precariedade mesma dessa abordagem, constituem as condições de possibilidade do que Deligny chama precisamente uma ‘tentativa’” (Miguel, 2015Miguel, M. (2015). Os dois lados da inquisição: Fernand Deligny, ensaios de uma tentativa pedagógica. Revista Ao Largo, 1, 25-41., p. 34). De acordo com Rodrigues (2017Rodrigues, M. G. A. (2017). Educação Inclusiva e Processos de Subjetivação: cartografia de Mediação Escolar com Crianças Autistas. In Livro de Atas do VCongresso Internacional da Pró-inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial - “Educação, inclusão e inovação”(pp. 586-599). Lisboa, Portugal: PinANDEE: Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Recuperado de https://vcongressopinandee.weebly.com/
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), o que ele chama de tentativa não é um projeto, uma instituição, um programa, uma doutrina ou uma utopia, mas simples e efetivamente uma (ou várias) tentativa(s), frágil e persistente. Como diz o próprio Deligny (2015, p. 154) “uma tentativa é algo muito precário, como um cogumelo no mundo vegetal”, constitui-se de movimentos possíveis de acordo com o contexto, o ambiente e as pessoas envolvidas.

Viver a experiência da presença próxima na docência reverbera nessa ideia de ser um criador de circunstâncias, de produzir tentativas - quantas forem necessárias, sem desistir, acreditando sempre no potencial da pessoa a quem nos direcionamos para ensinar algo. A tentativa surge como algo novo, inédito naquele momento. Como diz Deligny (2015Deligny, F. (2015). O aracniano e outros textos (Malimpensa, L., Trad.). São Paulo: N-1 edições., p. 153) “é que a tentativa está mais próxima da obra de arte do que de qualquer outra coisa. Para quem pretende criar, é realmente indispensável afastar-se do ‘fazer como’”. Também afastar-se dos rótulos que limitam a expansão da vida.

Franco (2016Franco, L. O. P. (2016). Por uma política de narratividade: pensando a escrita no trabalho de pesquisa. Niterói: Eduff.) ressalta que é importante se dispor a reinventar novas formas de estar junto quando o modo que se apresenta parece falir ou falhar. Quando acontecem as resistências e as tensões é o momento de repensar a prática, as formas como intervimos e nos colocamos diante do outro.

Encontramos no campo estudado práticas docentes com movimentos de comprometimento com o outro e com sua prática, a força docente para criar circunstâncias e possibilidades, produzir junto com os estudantes outros possíveis. Não há uma resposta pronta, uma forma correta de agir, mas pistas e propostas que servem de suporte para a relação entre o professor e o estudante no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, a presença próxima surge como uma pista no caminho dessa cartografia escolar, uma possibilidade de potencializar a singularidade de cada estudante e também de cada professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Numa postura ética de percepção de que todos temos o poder de afetar e sermos afetados, buscamos aprender e compreender as formas de potência da vida por meio dos encontros e das experiências vividas na pesquisa. Ao longo do processo fomos percebendo elementos que ampliavam as discussões sobre a patologização e normalização da aprendizagem. Pudemos notar diversas ações de ensino e formas de encontro em uma aula - algumas consideradas mais potentes e que alargavam as possibilidades do aprender e outras enraizadas nos roteiros e determinações sobre o outro e sobre o processo escolar. A proposta era discutirmos no coletivo, situações que eram concentradas somente no funcionamento orgânico dos estudantes, e então pensarmos nossas responsabilidades e capacidades no processo de ensino.

Muitos dos discursos trazidos demonstraram o quanto o paradigma da medicalização já envolveu e dominou o espaço e as práticas escolares e aí “resta o indivíduo que escapa ao que se diz” (Deligny, 2015Deligny, F. (2015). O aracniano e outros textos (Malimpensa, L., Trad.). São Paulo: N-1 edições., p. 101). Quando acreditamos que somente um profissional especializado da área da saúde (de fora da escola) poderá ter uma solução para as questões de entrave, quando esperamos que exista um laudo que justifique o surgimento das dificuldades da criança e que só a partir daí poderemos ter um contato verdadeiro com ele - pautados nos manuais diagnósticos e nas prescrições de como agir com cada transtorno ou déficit determinado, nos esquecemos da força do saber docente para intervir de formas diversas no ensino. Ocorrem frustrações, cansaço e acabamos sucumbindo à ideia instituída de que para estar com o outro e ensinar é preciso conhecer previamente suas capacidades. Deixamos de lado o esforço para romper limites, quebrar barreiras e desenvolver-se em qualquer direção que se queira. Determinamos os futuros do outro, que não somos nós, e esquecemos de que ninguém melhor do que o professor para se aproximar do estudante, conhecer quem ele é de fato, sem rótulos ou estigmas, e criar em conjunto alternativas possíveis para a aprendizagem.

A docência como presença próxima não é uma saída para todas as questões da escola, mas se coloca como uma linha de rompimento com uma serialização, uma linha de fuga à medicalização e uma expansão das possibilidades do fazer docente. Frente às dificuldades de escolarização dos estudantes ou a seus comportamentos, ao contrário de rotulá-lo o professor pode se abrir ao encontro e compreender sua singularidade. Produzem-se assim algumas linhas de expansão, tanto da aprendizagem quanto da prática docente, na construção de outros possíveis no processo de educação.

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  • Esta pesquisa foi financiada com bolsa de mestrado da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2018
  • Aceito
    30 Nov 2019
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