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Aspectos relacionados com o lucro passível de distribuição e a manutenção do capital da empresa

Aspectos relacionados com o lucro passível de distribuição e a manutenção do capital da empresa

Nelson dos Santos

Mestre e Doutorando em Contabilidade pela FEA/USP

1) Considerações Preliminares

Este trabalho procura abordar um dos aspectos básicos para o sucesso das empresas em uma economia capitalista que, pela importância e complexidade na sua conceituação e mensuração, deve merecer uma preocupação especial dos contadores e dos usuários das informações contábeis. Trata-se da definição do lucro e, mais especificamente, do lucro distribuível.

Em um regime capitalista, o lucro é um objetivo fim fundamental para a maioria dos empreendimentos privados. Só a realização contínua deste objetivo poderá assegurar a perenidade e o progresso da empresa, assim como a proteção e remuneração do capital dos seus investidores.

Pelo exposto, a função da contabilidade como instrumento de mensuração do lucro passível de distribuição aos investidores, sem prejuízo do capital físico necessário para a continuidade do empreendimento e do capital monetário inicial, torna-se fundamental. Apoiada nas informações contábeis, a administração poderá equacionar sua política de dividendos dentro de limites que considerem os objetivos básicos dos investidores e da própria empresa, ou sejam:

• Manutenção do capital físico necessário para garantir a continuidade do empreendimento nos mesmos níveis anteriores a distribuição do lucro e, quando possível e recomendável, utilizar parte do lucro excedente para financiar a sua expansão, bem como do capital monetário dos investidores. Isto permitirá, de um lado, proteger o capital dos investidores e, de outro, assegurar a continuidade da empresa.

• Remunerar adequadamente o capital dos investidores através da distribuição de dividendos, a fim de mantêlos interessados na manutenção de seus recursos na empresa e, quando se fizer necessário, estimular a atração de novos recursos que possibilitem a expansão de suas atividades.

Embora o objetivo fim da empresa, de lucro para garantir a sua continuidade e desenvolvimento, bem como para proteger e remunerar o capital de seus investidores, reflita um objetivo social restrito aos interesses de seus administradores e investidores, eles dão origem a outros objetivos meios mais amplos e abrangentes. Os objetivos meios caracterizam-se pelos benefícios proporcionados pelo empreendimento para toda a sociedade através do desenvolvimento tecnológico da geração de empregos, da criação de riquezas, do financiamento dos serviços públicos com o reconhecimento de impostos, da acumulação de capital produtivo e outros que irão contribuir para o desenvolvimento econômico e social e que devem ser preservados com a manutenção da continuidade da empresa.

Estes fatos ressaltam ainda mais a necessidade de uma definição clara do lucro e do lucro passível de distribuição aos investidores, particularmente em face da instabilidade da moeda (unidade de medida fundamental do lucro) e da variação dos preços específicos dos bens que compõem o ativo das empresas.

Normalmente, a empresa só deveria considerar passível de distribuição aos investidores, sem prejudicar a continuidade de seus negócios e sem reduzir o capital monetário inicial, a parcela de lucro excedente ao necessário para manter o capital físico que assegure a manutenção de suas atividades, ou excede ao valor do capital monetário corrigido, dos dois o que for maior.

Caso isso não ocorra, a empresa estará reduzindo sua capacidade operacional o que refletir-se-á no seu encolhimento ou exigirá novas captações de recursos para reconstituir o capital físico necessário, com reflexos negativos na sua capacidade de geração de lucros. Por outro lado, se a distribuição de lucros ultrapassar o excedente ao valor do capital monetário corrigido, estará ocorrendo uma distribuição de recursos investidos a título de lucros realizados, caracterizando-se uma devolução de capital.

Evidentemente. a mensuração contábil do lucro passível de distribuição não implicaria, necessariamente, em uma restrição a administração e aos acionistas na deliberação sobre a distribuição de lucros superiores ou inferiores ao valor mensurado pela Contabilidade. A informação, contudo, seria o parâmetro básico para os seus usuários, internos e externos, deliberarem e avaliarem as decisões sobre retenções de lucros e distribuições excedentes ao valor passível de distribuição.

Poderão ocorrer várias razões que justifiquem decisões de retenção de lucros disponíveis ou distribuição superior a seu valor, que deverão, contudo, ser evidenciadas pela administração, tais como:

• Retenção de lucros para a expansão das atividades;

• Retenção de lucros para a amortização de dívidas;

• Intenção da administração de nivelar o pagamento de dividendos independentemente de eventuais oscilações na rentabilidade da empresa;

• Redução temporária de recursos disponíveis:

• Constituição de reservas de lucros;

• Distribuição de recursos que tenham se tornado disponíveis devido à redução das atividades da empresa ou a retenção de recursos financeiros necessários para a sua manutenção.

Os modelos de Demonstração do Resultado adotados atualmente com base nos Princípios Fundamentais de Contabilidade e na legislação societária em vigor não atendem essas necessidades e justificam os esforços dos pesquisadores no desenvolvimento de novos conceitos e formas de mensuração da capacidade física e financeira das empresas para a distribuição de lucros.

2) Problema da Inflação e das Mudanças de Preços Específicos

Como já foram citadas anteriormente, as distorções apresentadas pelas Demonstrações Contábeis das empresas quanto à mensuração do lucro passível de distribuição aos acionistas são acentuadas em períodos de instabilidade de preços, quer as decorrentes de mudanças no poder aquisitivo da moeda como as provocadas por mudanças de preços específicos.

Robinson (1961 -pág.57) reproduz um estudo elaborado por Leonard Spacek, sócio gerente da Arthur Andersen & Company, baseado nos resultados de seis empresas industriais no ano de 1955 que indicava uma sobreavaliação no lucro que variava entre 18% e 36% devido ao registro irrealistico da depreciação, o que demonstra que a preocupação dos pesquisadores da Teoria da Contabilidade com as deficiências das Demonstrações Contábeis tradicionais na determinação do lucro passível de distribuição já são antigas e atinge, também, países com baixos níveis de inflação.

Esse é um exemplo, dentre muitos outros, que revela a inadequação das informações contábeis atuais, baseadas no custo histórico ou mesmo no custo histórico corrigido, em um ambiente econômico dinâmico e caracterizado pela instabilidade do valor da moeda e dos preços específicos.

Edwards e Bell (1961 - pág.1) ressaltam que: "Os eventos com preços de qualquer período particular podem ser divididos em dois tipos, movimentos no nível geral de preços e movimentos nos preços individuais. Os mais completos estudos das limitações da contabilidade têm se concentrado nas distorções decorrentes do movimento do nível geral de preços. Nossa tese, contudo, é que, enquanto este é um tipo de erro que deveria ser corrigido, a limitação realmente significante das informações contábeis repousa na deficiência em não registrar as alterações nos preços individuais."

Iudicibus (1980 -pág.268) reflete a mesma posição ao afirmar: "Apesar de termos construído, nos capítulos anteriores (que aborda o custo corrente), demonstração de alta significação para a administração e também para os usuários externos á empresa, cabe agora homogeneizar os dados em função de uma moeda de poder aquisitivo constante.Uma vez que isto esteja realizado, poderemos afirmar que nos aproximamos de um conceito de lucro real a valores de entrada..."

O reconhecimento de que os dois fatores que afetam a mensuração do lucro da empresa, a perda do poder aquisitivo da moeda e a mudança nos preços específicos, devem ser mensurados pela contabilidade separadamente e exposta com propriedades por Martins (1972 - pág.9), que demonstra a aplicação prática de um conceito de avaliação de ativos que combina as vantagens de outros dois que tem sido mais difundidos (o custo corrente histórico corrigido), ou seja, o custo corrente corrigido: que corresponde ao custo corrente que sofre ajustamento em função de um índice geral de preços ou de um outro índice específico.

E mesmo autor complementa: "É muito mais apropriado e realístico, pois, ao comparar os custos correntes de um mesmo ativo entre duas datas, ou ao comparar seu custo corrente com o histórico, leva em conta a parte dessa diferença que é fictícia devido a variação da capacidade aquisitiva da moeda."

Dentre outras razões que justificam a adoção do custo corrente corrigido como base de mensuração dos ativos e do lucro das empresas, destacamos a sua contribuição para a mensuração mais adequada do lucro já depurado das distorções provocadas pela variação do poder aquisitivo da moeda e ajustado pelo lucro decorrente da manutenção de ativos pela empresa - bem como do efetivo valor do seu capital físico e do capital monetário atualizados e mensurados em uma moeda constante.

Porém, como Szuster (1985) demonstra em sua tese de doutorado. A Demonstração do Resultado, mesmo de acordo com o Método do Custo Corrente Corrigido, não é suficiente para determinar o lucro passível de distribuição sem reduzir o capital físico e monetário da empresa.

3) Lucro Distribuível

Szuster (1985 - pág.1) define o lucro distribuível como "o valor considerado distribuível consiste na parcela do lucro que não se faz necessário seja retida na empresa para que haja a manutenção do capital"

Para evidenciar a distinção entre lucro e lucro distribuível, adaptamos o modelo de Pimentel (1986 - págs.38 a 40) que, com simplicidade, realça o maior poder de informação da avaliação do ativo e do lucro pelo método do custo corrente corrigido e a necessidade de se mensurar, também, o lucro passível de distribuição:

Valor de compra do estoque em 31/12/X0 - $100

Valor de compra do estoque em 31/01/X1 -$150

Unidades em estoque do produto X em 31 /12/X0 e 31/01/X1 - 8

Durante o mês de janeiro, o índice geral de preços apresentou um acréscimo de 25% (medido em termos de uma cesta básica de bens e serviços, que possibilita uma mensuração física do poder de compra da moeda. No exemplo, para simplificar, adotou-se o pão como componente único da cesta básica, cujo preço variou no período de $2,00 para $2,50).

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A Demonstração do Resultado revela que o lucro de janeiro resultou de:

• Ganho em valor na manutenção do estoque devido à variação específica de preço superior ao índice geral (1,50/1,25-1) *1.000 = 200;

• Perda em valor na manutenção do caixa, que se conservou constante enquanto o índice de preços sofreu um acréscimo de 25% (1-1.00/1,25) *500 =100

Portanto, do ponto de vista do acionista, houve um lucro real no mês de janeiro de 100 porque o seu investimento de 1.200 em 31/12/X0, que permita a aquisição de 600 pães, passou a ser de 1.600 em 31/1/X1, possibilitando a aquisição de 640 pães.O acréscimo na capacidade de compra de 40 pães corresponde ao lucro refletido nas demonstrações contábeis.

Porém, para o cálculo do lucro destituível, torna-se necessária a análise do lucro sob o ponto de vista da manutenção do capital físico inicial da empresa, admitindo-se a continuidade de suas operações no mesmo nível.

Para esse fim, o lucro poderá ser interpretado de outra forma, isto é:

• Quantidade em estoque em 31/12/X0 -8 unidades

• Capacidade de compra adicional das disponibilidades existentes em 31/12/X0 - 4 unidades (Admitimos a disponibilidade em termos de quantidade de itens em estoque, baseados no pressuposto de que estes recursos são mantidos na empresa porque representam uma parte do capital de giro necessário para a manutenção do ciclo normal das operações. Desta forma, este valor deve manter sua proporcionalidade com os demais itens que compõe o capital de giro).

Os balanços comparados em termos de unidades físicas do produto X que, neste exemplo, representa o objeto das operações da empresa, apresentar-se-iam da seguinte forma:

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Como podemos constatar, a empresa, mesmo sem distribuir lucros aos investidores, teve sua capacidade física para operar reduzida em 1,33 unidades do produto X, o que significa que o lucro determinado de acordo com o método do custo corrente corrigido, que, segundo o conceito do investidor, apresentou um acréscimo real de seu patrimônio de $100, não foi suficiente para manter o capital físico inicial da empresa. Desta forma, esse lucro, mesmo que tivesse sido realizado pela venda dos produtos existentes no estoque, não poderia ser distribuído sem reduzir o capital físico da empresa.

Na realidade, sob o ponto de vista da manutenção da capacidade operacional da empresa, houve uma perda equivalente a 1,33 unidades do produto X Esta queda é explicada pela redução no poder de compra do produto X devido ao aumento do seu preço de 100 para 150 (isto é, o seu preço específico sofreu um acréscimo superior ao índice geral de preços), enquanto a importância de 400 retida no caixa durante o mês de janeiro não gerou nenhum rendimento. Desta forma, o valor em caixa, que em 31/12/X0 permitia a aquisição de 4 unidades do produto X, no final de Janeiro só possibilitava a compra de 2,67 unidades, sofrendo uma perda de capacidade de compra de 1,33 unidades.

Por outro lado, o ganho decorrente da manutenção do estoque, que contribuiu com um lucro de 200 conforme demonstração no balanço elaborado pelo conceito do custo corrente corrigido, embora real quando analisado do ponto de vista do aumento provocado no valor monetário do investimento dos acionistas, não pode ser considerado passível de distribuição porque será necessário para reposição futura dos estoques pelo custo corrente.

Estes conceitos são fundamentais para que a contabilidade possa estar apta para fornecer as informações necessárias para a determinação do lucro distribuível, sem reduzir o capital físico necessário para a manutenção de sua capacidade operacional e o valor atualizado do capital monetário, os dois parâmetros básicos para orientar os administradores e investidores nas deliberações sobre a distribuição de lucros

Edwards e Bell (1961 - pág.22) afirmam que: "O ajustamento pelo nível geral de preços não irá possibilitar a dispersão inconsciente do custo histórico real (capital monetário corrigido), que é bem diferente do capital real (capital físico). Este último não pode ser determinado, a não ser que os valores correntes dos ativos da empresa, e não apenas seus custos históricos, possam ser reconhecidos".

4) O Modelo de Cálculo de Lucro Distribuível de Szuster (1985 - Tese de Doutoramento)

Observa-se uma concordância bem generalizada quanto à necessidade de uma definição de lucro baseada na manutenção do capital da empresa e quanto á idéia de que a deliberação da destinação dos resultados da empresa e uma atribuição dos seus administradores e investidores, cabendo à contabilidade a função de fornecer as informações objetivas e relevantes para orientar o processo de tomada de decisão, mas permanecem inúmeras questões relacionadas com uma clara definição e mensuração do capital e do lucro.

Szuster (pág.10) relaciona diversos conceitos de capital que têm em comum a preocupação de definir o lucro em função da manutenção do capital da empresa, mas que se dividem em grupos voltados para o enfoque do capital monetário ou do capital físico.

O autor (Pág.21) opta por uma solução eclética que combina os dois conceitos reconhecendo os méritos e limitações contidas em ambos, quando considerados isoladamente, e concentra suas análises na determinação do lucro disponível para distribuição estabelecendo dois parâmetros básicos para a sua mensuração, isto é:

• Manutenção do capital físico necessário para a manutenção da capacidade operacional da empresa;

• Manutenção do capital monetário corrigido por um índice geral de preços.

O lucro disponível para distribuição seria o valor excedente ao necessário para a manutenção do capital físico ou monetário, destes dois valores o que fosse maior. Para esse fim, Szuster (pág.10) adotou os seguintes conceitos de capital:

• Capital monetário é o capital investido corrigido em termos de poder de compra geral, representando a manutenção monetária dos valores investidos;

• Capital físico é o patrimônio da empresa quantificado em temos de uma capacidade de operação, medida através do conjunto de bens necessários a esta, mensurados à data da avaliação. Este conceito é consistente com o princípio da continuidade e reconhece a necessidade da empresa efetuar a reposição de seus ativos.

Quanto aos lucros, o autor (pág.11) alerta para a polêmica relacionada com o tratamento a ser dado às alterações nos valores de ativos enquanto não vendidos, e endossa a solução proposta por ludícibus de transitar esta variação pelo resultado do período, mas não a integrando ao resultado operacional e nem a considerando no cálculo do valor disponível para distribuição enquanto não realizada.

Se os dirigentes da empresa optassem pela distribuição de lucros superiores ou inferiores ao valor passível de distribuição, calculado com base na manutenção do capital físico necessário para garantir a sua capacidade operacional, deveriam evidenciar o fato e justificar a decisão.

Por outro lado, se a distribuição proposta pela direção da empresa viesse a exceder o valor passível de distribuição calculado com base no limite determinado para a manutenção do capital monetário corrigido, deverse-ia evidenciar a devolução de parte do capital monetário existente no início do período.

Szuster (pág.22) esclarece que: "O lucro que é considerado necessário de ser retido não representa um reinvestimento opcional, mas sim a retenção de um valor obrigatório para que haja a ocorrência da manutenção da capacidade."

A outra preocupação do autor (pág.22) diz respeito à hipótese de ter ocorrido, durante o período, uma expansão das atividades da empresa e, portanto, necessidade de recursos adicionais. Neste caso, o capital físico inicial não seria suficiente para atender o acréscimo de capacidade ocorrido, admitindo-se o seu financiamento pelo reinvestimento de lucro; mediante proposta aos investidores de retenção da parcela livre para distribuição, segundo os conceitos expostos acima.

Como se observa, a proposta do autor, de criação de relatório contábil que evidencie o cálculo do lucro passível de distribuição, não deve se constituir em uma restrição à autoridade dos dirigentes e investidores para deliberarem sobre a distribuição de lucros, mas o respeito ao princípio de "full disclosure".

A engenhosidade do modelo proposto justifica o aprofundamento do estudo iniciado por Szuster no sentido de torná-lo operacional, em face da importante contribuição que a contabilidade poderia dar aos usuários de seus relatórios, quer internos como externos a empresa, com informações fundamentais para o processo de tomada de decisões e o estabelecimento de políticas de dividendos mais racionais, objetivas e transparentes.

5) Algumas Questões que Requerem Estudos Complementares

Porém, existem obstáculos a serem superados, alguns dos quais lembrados por Szuster (pág.23), bem como contestações à relevância da manutenção do capital físico, tais como:

• Definição do capital físico necessário em empresas cujas atividades tenham caráter sazonal,

• Determinação dos custos correntes de estoques e de bens do imobilizado,

• Cálculo do capital físico quando a empresa tem parte do seu ativo financiado por terceiros, que é a condição mais freqüente. Nestes casos, o autor propõe duas alternativas:

a) Determina-se o valor para a manutenção de todos os ativos e deduz-se a parcela correspondente ao passivo:

b) Considera-se, apenas, a manutenção dos ativos financiados por recursos próprios:

(As duas propostas merecem estudos mais aprofundados, pois admitem a manutenção do nível do passivo, o que nem sempre é verdadeiro porque: a) empresas com elevado grau de endividamento devem admitir uma amortização gradual de seu passivo; b) há passivos que, por sua natureza e origem, não têm a característica de renováveis; ou c) a parcela do ativo financiada por créditos operacionais pode oscilar no decurso do tempo. (As três possibilidades justificam alterações no capital físico próprio independentes de mudanças no nível de atividade);

O conceito de manutenção de capital físico inicial pressupõe que os lucros acumulados de exercícios anteriores incorporam-se ao patrimônio líquido e sua distribuição em exercícios futuros passa a ser restrita, Isto poderá conflitar com uma política de manutenção de dividendos estáveis mas contínuos que independam, pelo menos parcialmente dos riscos de oscilações nos lucros anuais;

O conceito de manutenção do capital inicial também poderia induzir á empresa a reter recursos excedentes às suas necessidades operacionais, pelo menos temporariamente. Uma situação típica correria com a retenção de recursos para a reposição de ativos cuja ocorrência estivesse prevista para uma data ainda distante Os fundos retidos para a manutenção do capital físico inicial e futuro reposição de ativos poderiam gerar receitas inferiores às receitas operacionais normais, em termos de remuneração do investimento. o que provocaria uma redução da rentabilidade média da empresa.

• Edwards e Bell (1961 - pág.264) afirmam " se a retenção de fundos é determinada base em alternativas rentáveis, a identificação do lucro real não deveria alterar o valor pago em dividendos mesmo que o capital real fosse reduzido pelo pagamento.", e complementam: "A informação se o capital real está ou não sendo mantido é, talvez, interessante para se ter mas não é relevante para as decisões de maximização do lucro".

Cohen & Robbins (1968 - pág.558) afirmam que: "..o estabelecimento da política de dividendos é um problema de julgamento financeiro cuidadosamente avaliado e não uma determinação matemática precisa.' e acrescentam "Mas questões práticas levam o gerente financeiro a um julgamento balanceado, entre as necessidades da empresa de capital adicional e os desejos dos investidores por estabilidade, lucro e crescimento". Os mesmos autores (pág.560/561) entendem que inexiste um modelo matemático que possa levam em conta todas as variáveis relevantes (internas e externas e que a decisão de pagamento de dividendos continuará sendo baseada na experiência).

• Van Horne (197 pàg.196) cita uma pesquisa realizada por J. A. Butain, para o período 1920/1960, a qual revelava que o fluxo de caixa explicava melhor o dividendo das empresas do que os lucros contábeis, o que levou-o a concluir que as empresas sabem que os lucros contábeis são ilusórios e baseiam seus dividendos no fluxo de caixa. O mesmo autor (pág.220) afirma que os dividendos dependem de liquidez, pois uma empresa lucrativa e em expansão poderá não possuir liquidez, se seus recursos estiverem aplicados em ativo fixo e capital de giro permanente.

Contudo, estes obstáculos não poderiam ser considerados como sulficientes para justificar o abandono puro e simples do modelo proposto por Szuster porque a demonstração do lucro passível de distribuição ainda permitiria uma evidenciação mais clara das bases em que as empresas apóiam suas políticas e decisões sobre dividendos.

6) O Valor Passível de Distribuição

Em seu estudo Szuster desenvolveu vários modelos simulados para evidenciar a aplicação do método proposto para o cálculo do lucro distribuível com base no conceito de manutenção do capital físico ou do capital monetário, o que fosse maior.

Para esse fim, estabeleceu o cálculo no valor passível de distribuição (VPD), isto é, o lucro máximo passível de distribuição sem redução do capital físico ou monetário da empresa.

O VPD foi definido como a diferença entre o patrimônio líquido final e o inicial ambos avaliados em moeda de igual poder aquisitivo, ajustados por eventuais acréscimos ou reduções ocorridos durante o período, decorrentes de aporte de novos recursos ou distribuição de dividendos.

Se a diferença sobre o Lucro-Base, determinado na Demonstração de Resultado elaborada com base no custo corrente corrigido, e a diferença entre os patrimônios líquidos final e inicial descrita no parágrafo anterior (o VPD), não for nula, as causas dessa diferença devem ser explicadas por um relatório de "Ajustes de Conciliação".

Essa explicação das diferenças será necessária para demonstrar a exatidão dos cálculos e justificar a possível necessidade de retenção ou liberação de lucros.

O autor define, também, o lucro distribuível Maximo (LDM), que poderá ser igual ou inferior ao VPD, em função de dois fatores:

• Inclusão no VPD de valores ainda não realizados

• Valor da capacidade física a ser mantida inferior ao capital monetário corrigido.

Ao definir a capacidade física total no início do período, e efetuada a distinção entre os ativos monetários e os não monetários para efeito de determinação dos seus valores á data do balanço de encerramento.

Para os ativos monetários, recomenda a sua correção com base na variação do índice geral de preços, exceto se estes recursos destinarem-se a um objetivo específico cuja variação de preços tenha sido superior ao índice geral de preços.

Parece-nos que a solução mais adequada seria a correção destes itens da seguinte forma:

• Se os recursos estão reservados para uma destinação específica, dever-se-ia adotar o exposto no parágrafo anterior;

• Se os recursos integram as necessidades normais do capital de giro da empresa, seria mais recomendável o uso de um índice médio da correção específica aplicada aos componentes do ativo circulante, porque deve-se admitir que, a medida que o valor das necessidades de ativo circulante se altera, a disponibilidade de recursos deve manter-se proporcional;

• Se os recursos disponíveis representam excedentes de caixa às necessidades normais das operações da empresa, poder-se-ia admitir o uso do índice geral de preços.

Quanto ao valor das contas a receber, que é um ativo monetário cujo poder de compra no início do período também deve ser reservado, poder-se-ia admitir como índice de correção específica o índice médio da variação dos custos dos insumos da empresa ou o índice de variação dos preços de venda de seus produtos. Zsuster (pág.350) propõe que o valor das contas a receber seja desdobrado em duas parcelas, sendo a primeira (correspondente ao custo corrente da unidade vendida) enquadrada no valor do estoque e a segunda (correspondente ao excesso do valor a receber sobre o custo corrente) corrigida pelo índice geral de preços.

Outro aspecto a ser considerado é quando o preço médio de pagamento das compras da empresa é igual ou superior a soma dos prazos de giro de seus estoques e de seus prazos de venda. Nestes casos, os índices específicos poderiam ser desconsiderados e a empresa poderia aplicar apenas o princípio do "price level accounting".

Segundo Szuster (pág.36), o modelo proposto não admite, necessariamente, que a estrutura do ativo do balanço de encerramento seja igual à do balanço inicial, pois pretende-se determinar o valor da capacidade física total existente no início do período.

Porém, isto não assegura a manutenção exata da mesma capacidade física porque o efeito conjunto, da existência de índices diferenciados para atualizar o valor da capacidade física inicial de cada tipo de ativo e da mudança da composição dos ativos decorrente de fatores econômicos ou operacionais, poderá exigir uma composição e um valor de ativo total na data do balanço de encerramento, para manter a mesma capacidade física do início do período, diferente dos valores iniciais. O próprio autor (pág.36) alerta para situações como esta que obrigariam a empresa a reter parte do lucro distribuível máximo.

O trabalho elaborado por Szuster é rico em detalhes, examinando as diversas condições com que se pode defrontar na prática.

Aos modelos analíticos uma variação específica de preços superior ao índice geral de preços, mas o próprio Szuster (pág. 131) alerta para a possibilidade ocorrer uma situação inversa. Quando a variação específica da unidade do estoque é inferior á taxa de inflação do período, a análise deve ser efetuada com cautela, pois pode ocorrer a obtenção de um Valor Passível de distribuição que se distribuído de forma integral, assegura a manutenção da capacidade física da empresa, porem não garante a manutenção monetária corrigida do patrimônio líquido inicial.

Um outro aspecto fundamental na determinação do lucro distribuível é analisado por Szuster (pág.208) refere-se a manutenção dos ativos imobilizados depreciáveis, de onde destacamos as seguinte observações mais relevantes:

• A capacidade é considerada mantida quando a empresa tem recursos suficientes para a aquisição de bens idênticos aos possuídos em estado de novo, admitindo-se que a sua compra tenha ocorrido deste modo;

• Não existe implicação necessária para que o ativo seja reposto. Esta decisão cabe a administração da empresa. No final da vida útil do ativo, a empresa deve ter condições financeiras para adquirir o bem em estado de novo, supondo-se ter sido, também, mantida a forma de financiamento existente no início;

• A manutenção deve ser, de forma ideal, continua no decorrer da atividade do bem integrante do conceito de capacidade. Durante a vida útil deste, a empresa deve manter em uma outra conta do ativo uma parcela equivalente ao montante do valor da depreciação acumulada, apurada ao método do custo corrente corrigido;

• A depreciação é calculada pelo método do custo corrente corrigido.

Embora a metodologia apresentada por Szuster seja adequada para o objetivo proposto de determinação do lucro distribuível sem redução do capital físico e monetário, ela apresenta várias dificuldades para a sua implementação prática, das quais destacamos as seguintes:

• Como a vida útil dos bens do imobilizado é, via de regra, muito longa, a empresa defrontar-se-á com a seguinte situação

a) A capacidade física total do ativo depreciado estará diminuída em relação ao inicio do período, tornando-se necessária a retenção de recursos no decurso de sua vida útil que assegure a reposição futura do ativo;

b) Contudo, a capacidade física instantânea do ativo poderá não estar sendo afetada até a sua extinção ao final da vida útil. Durante esse período, os recursos retidos para a sua reposição representarão um excedente às necessidades da empresa para a manutenção de sua capacidade.

Para que a rentabilidade média da empresa não fosse afetada durante o período de retenção dos recursos para futura reposição do ativo, a administração teria que assegurar a estes recursos uma rentabilidade compatível com a rentabilidade operacional da empresa, o que não é uma tarefa fácil.

• Haveria, também, o risco de as receitas geradas pelos recursos retidos, correspondentes à depreciação, não serem suficientes para cobrir a variação do preço específico do ativo, o que obrigaria a empresa a retirar de seus lucros futuros a diferença necessária para a recomposição do valor de sua capacidade física inicial;

• A simples retenção do valor correspondente à depreciação, ainda que calculada com base no custo de reposição do ativo, também poderia não ser suficiente, devido a mudanças tecnológicas que pudessem exigir a aquisição de um ativo equivalente por valor superior;

• Finalmente, o simples conceito de manutenção de capacidade física pode não ser suficiente para assegurar um fluxo de receita equivalente, quando mudanças tecnológicas ou mercadológicas exigirem mudanças em aspectos qualitativos dos produtos.

Pelo exposto, a decisão de distribuição de dividendos não poderia basear-se, exclusivamente, na Demonstração do Lucro Passível de Distribuição, a despeito de suas qualidades como um valioso instrumento de informação da capacidade de distribuição de dividendos da empresa.

No capítulo 3.5 (pág.309) o autor analisa, também, os aspectos relacionados com as vendas a prazo, ressaltando que, quando há contas a receber na data do balanço, o cálculo do valor passível de distribuição será afetado por dois fatores:

• O primeiro de caráter financeiro, pois a empresa poderá não ter recursos disponíveis para remunerar os investidores pelo valor integral calculado;

• O segundo, de caráter econômico, porque o valor passível de distribuição terá que ser reduzido por um valor que compense os custos incorridos para a obtenção dos recursos necessários (por exemplo, pelo desconto das duplicatas), ou o seu pagamento terá que ser retardado até que as duplicatas sejam cobradas.

Outra questão econômica abordada pelo autor é a necessidade de assegurar que, na data do recebimento da duplicata, os recursos recebidos sejam suficientes para a recomposição da capacidade física do estoque.

O autor faz uma distinção entre as vendas a prazo que tenham juros embutidos no preço ou não, porém, isto nos parece irrelevante porque o reconhecimento do custo do dinheiro no tempo independe da sua inclusão implícita ou explícita, no valor do preço de venda. Desta forma, todas as contas a receber, com ou sem juros embutidos seriam trazidas ao valor atual para a determinação do lucro, descontando-se a taxa de inflação projetada e o juro real

7) Conclusões

A despeito das dificuldades práticas para a sua implementação, principalmente se considerarmos a sua adoção em atividades mais complexas como as de empresas industriais ou mesmo comerciais mas com grande variedade de estoques, o método desenvolvido por Szuster traz, pelo menos, duas contribuições significativas para a contabilidade;

• A primeira é uma conscientização para a necessidade de uma correta mensuração dos lucros distribuíveis que não coloque em risco a continuidade e a saúde financeira da empresa;

• A segunda é a criação de uma demonstração contábil fundamental não só para os administradores mas, também, para os investidores e demais interessados no desempenho da empresa que é a Demonstração do Cálculo do Valor do Lucro Passível de Distribuição.

Quaisquer que sejam os fatores que orientem as decisões de administradores e investidores na fixação de suas políticas de dividendos, a contabilidade deve adaptar suas informações para torná-las mais relevantes e objetivas no apoio ao processo decisório.

Por outro lado, em obediência ao "full disclosure, que está intimamente associado ao reconhecimento da crescente responsabilidade pública das empresas, a contabilidade deve procurar enriquecer e aprimorar as informações destinadas aos usuários externos, em particular ao mercado de capitais".

O material pesquisado para a elaboração deste trabalho levou-nos à convicção de que as políticas de distribuição de dividendos das empresas estão estreitamente ligadas à capacidade da empresa gerar lucros e converte-se em caixa disponível para distribuição, sem prejuízo de suas atividades, e que o conhecimento destas políticas extrapola a área de ação dos administradores e acionistas controladores interessando a todos os usuários das informações contábeis.

Desta forma, os relatórios contábeis deveriam ser modificados e expandidos para fornecer informações adequadas para esse fim, tanto para os usuários internos como externos.

Acreditamos que o caminho a ser explorado e que já vem sendo objeto de estudos de inúmeros pesquisadores, deve ser:

• Elaboração de relatórios financeiros com base no conceito de avaliação pelos custos correntes corrigidos a valor atual;

• Criação de relatório complementar que informe o valor do lucro passível de distribuição, baseado no conceito de manutenção do capital físico e monetário a disposição da empresa no início do período;

• Divulgação com base no valor passível de distribuição e no valor do lucro base, no lucro máximo distribuível;

• Evidenciar no fluxo de caixa, os recursos gerados pelas operações e o saldo de caixa disponíveis para distribuição de lucros, ou suas fontes no caso de ausência de recursos disponíveis;

• A proposta da administração de dividendos à distribuir deveria vir acompanhada de notas explicativas que justificassem a eventual diferença positiva ou negativa entre o valor proposto e o valor máximo distribuível.

Embora a matéria seja complexa, parece-nos que o objetivo é plenamente atingível no atual estágio do conhecimento contábil e a sua contribuição para a melhora das relações da empresa com o ambiente externo seria significativa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Maio 1994
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