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Apresentação

APRESENTAÇÃO

Alvíssaras: o tempo está em foco neste número de Interface. Ao menos desde Hegel, para quem o Homem é idêntico ao tempo uma vez que só é na medida em que suprime o Ser, na medida em que se projeta no devir, o tempo está no cerne do projeto histórico que chamamos de modernidade. Esse projeto vislumbrou a emancipação humana na história, a humanização do tempo pela consciência histórica, o tempo mítico da repetição de ciclos naturais suprassumido pela ação humana consciente de si mesma.

O projeto do esclarecimento, no entanto, desenvolveu principalmente sua vertente tecnológica, convertendo o saber em força de produção e de dominação da natureza, o que nos legou um tempo imóvel, cíclico (Debord), tempo mítico baseado na propriedade (Adorno), tempo linear e vazio (Benjamin), que não é o meio no qual o homem se realiza e que lhe é inerente, mas um meio que o domina. A base da vivência do tempo na sociedade continua sendo o relógio de ponto: o tempo urge!

Assim, são muito bem-vindas as reflexões presentes neste fascículo e que, cada uma a seu modo, contribuem para trazer para o centro do debate o conceito de tempo e seus desdobramentos para a vida dos indivíduos. Marcelo Carbone Carneiro aborda o conceito de tempo a partir da obra de Santo Agostinho, Hume e Kant, pensadores que o tomam como elaboração subjetiva, ou seja, como coisa que não teria realidade fora do sujeito. A apresentação das concepções dos três filósofos citados é oportuna porque, como um telescópio que nos mostra no tempo a luz das estrelas, permite dialogar com o passado, recuperando na tradição idéias que ainda podem encontrar ecos em questões atuais, ou que, no mínimo, nos permitem o relativo afastamento em relação ao presente imediato que é fundamental a qualquer perspectiva histórica.

Alfredo Pereira Júnior e Ivan Amaral Guerrini ressaltam a importância da temporalidade em relação aos processos saúde-doença, em especial o caso das doenças mentais, trazendo-a para o centro do debate. Adotando uma compreensão do tempo não linear, ou tempo fractal, os autores apontam que haveria, na saúde, uma temporalidade baseada num padrão coerente de auto-similaridade emergindo da irregularidade que caracterizaria o tempo, enquanto na doença haveria processos subjetivos caracterizados pela desorganização temporal. Essa concepção tem várias conseqüências: desde a elaboração de novas estratégias para o tratamento de doenças até mudanças nos regimes farmacológicos e na forma de compreender certas patologias.

Em mais uma contribuição à crítica a uma concepção linear de tempo, Jonas Gonçalves Coelho discute o "Ser do Tempo" segundo Bergson. Também para esse filósofo, o tempo é percebido subjetivamente; além disso, o Homem pode perceber o tempo conscientemente, pode se perceber no tempo, graças à memória. É a partir da temporalidade interior que o homem atribui temporalidade a eventos externos e, por isso, o conceito de duração, central na concepção bergsoniana, é profundamente discutido no texto. A concepção de tempo desse filósofo possibilita a compreensão da vivência subjetiva do tempo em relação à vida prática, possibilitando uma avaliação crítica de nossa época.

Este número da revista traz, ainda, várias contribuições relevantes para o debate nas áreas da saúde, educação e comunicação, abordando em especial as questões da formação profissional e da participação social. A leitura desses textos, articulada à questão desenvolvida no dossiê, destaca a historicidade dos temas abordados, ligando-os a uma compreensão histórica do tempo. O debate contribui para que o tempo das coisas, característico das leis da mercadoria, seja compreendido e criticado pelas pessoas que trabalham com educação, saúde e comunicação, áreas nas quais, sem dúvida, as regras do capital não devem prevalecer.

Ari Fernando Maia,

Psicólogo. Professor Assistente Doutor,

Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências, Unesp, Bauru

<arifernando@uol.com.br>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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