Resumos
O presente artigo buscou compreender as especificidades e potencialidades da Educação Popular em Saúde (EPS) como orientadora de ações no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) diante da pandemia da Covid-19 no Brasil. Metodologicamente, esta pesquisa tem caráter exploratório, com abordagem qualitativa dos dados. Foram realizadas, no mês de julho de 2020, entrevistas semiestruturadas com cinco atores sociais integrantes de coletivos nacionais de EPS. Os resultados indicam que têm ocorrido o fortalecimento do trabalho coletivo e a constituição de novas articulações, assim como a EPS se evidencia como prática potente na criação de vínculo com e no território; ademais, as tecnologias da informação e comunicação têm sido consideradas como importantes aliadas. Conclui-se que a EPS continua sendo efetiva no âmbito da APS, tendo o diálogo horizontalizado e a problematização da realidade como pressupostos estruturantes de seu quefazer.
Palavras-chave
Educação popular em saúde; Coronavírus; Atenção primária à saúde; Mobilização social; Ação comunitária
This study sought to understand the specificities and potential of popular health education (PHE) as a guiding principle for primary health care actions in response to the Covid-19 pandemic in Brazil. We carried out a qualitative exploratory study using data from semi-structured interviews conducted with five social actors who were members of national PHE collectives. The findings show that PHE has strengthened collective working and given rise to new articulations, showing itself to be a powerful practice for creating affiliation with and in the territory. In addition, information and communication technologies are considered important allies. We conclude that PHE, whose underlying premises include horizontal dialogue and the problematization of reality, continues to be effective within primary care.
Keywords
Popular health education; Coronavirus; Primary health care; Social mobilization; Community action
El presente artículo buscó comprender las especificidades y potencialidades de la Educación Popular en Salud (EPS) como orientadora de acciones en el ámbito de la Atención Primaria de la Salud (APS) frente a la pandemia de Covid-19 en Brasil. Metodológicamente, esta investigación tiene carácter exploratorio, con abordaje cualitativo de los datos. En el mes de julio de 2020 se realizaron entrevistas semiestructuradas con cinco actores sociales integrantes de colectivos nacionales de EPS. Los resultados indicaron que ha habido el fortalecimiento del trabajo colectivo y la constitución de nuevas articulaciones, así como que la EPS se ha mostrado como una práctica potente en la creación de vínculo con el territorio y en él; además, las tecnologías de la información y comunicación se han considerado importantes aliadas. Se concluye que la EPS continúa siendo efectiva en el ámbito de la APS, teniendo el diálogo horizontalizado y la problematización de la realidad como presuposiciones estructuradoras de su quehacer.
Palabras clave
Educación popular en salud; Coronavirus; Atención primaria de la salud; Movilización social; Acción comunitari
Introdução
A situação de pandemia causada pela Covid-1911 Organização Pan-Americana da Saúde. OMS afirma que Covid-19 é agora caracterizada como pandemia [Internet]. Brasília: OPAS; 2020 [citado 25 Abr 2020]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6120:oms-afirma-que-covid-19-e-agora-caracterizada-como-pandemia&Itemid=812
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tem fomentado discussões sobre as formas de organização e funcionamento dos serviços de saúde, sob a égide de um debate intenso envolvendo as áreas científica, política, cultural e econômica em todo o mundo. Especialmente em países como o Brasil, observa-se uma disputa ideológica sobre os tipos de estratégias a serem adotadas a fim de cumprir as medidas que atendam às diretrizes e aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) em suas dimensões política e organizacional.
Nesse contexto, merece ser evidenciado o papel da Atenção Primária à Saúde (APS) por ser a porta de entrada e o elo mais forte da população com os serviços de Saúde Pública, principalmente considerando que tal conjuntura tem incidido sobremaneira na agudização das desigualdades, de modo que merece importante atenção a condição vivenciada pelas populações que se encontram em situação de vulnerabilidade social em razão dos efeitos deletérios da pandemia.
Não obstante, historicamente, a Educação Popular em Saúde (EPS) tem se destacado como elemento ressignificador e como um instrumento fundamental na construção de uma prática em saúde integral, na medida em que se dedica à ampliação da inter-relação entre profissões diversas, especialidades, serviços, cidadãos, familiares, vizinhos e organizações sociais locais envolvidos no combate a um problema específico de saúde, fortalecendo e reorientando suas práticas, seus saberes e as lutas populares22 Vasconcelos EM. Educação popular e atenção à saúde da família. 6a ed. São Paulo: Hucitec; 2015..
Sobre isso, Dantas et al.33 Dantas ACMTV, Martelli PJL, Albuquerque PC, Sá RMPF. Relatos e reflexões sobre a atenção primária à saúde em assentamentos da reforma agrária. Physis [Internet]. 2019 [citado 20 Jan 2021]; 29(2):e290211. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/physis/v29n2/0103-7331-physis-29-02-e290211.pdf
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ressaltam a importância da EPS na construção de elementos pedagógicos no seio dos movimentos sociais, constituindo aprendizagens para novas práticas sociais libertadoras, as quais são tão necessárias para o enfrentamento da pandemia pelo novo coronavírus no Brasil, precipuamente em um contexto marcado por uma crise político-sanitária geradora de mais iniquidades em saúde.
Com a compreensão de que os processos de promoção da saúde não são apenas protagonizados por profissionais de saúde22 Vasconcelos EM. Educação popular e atenção à saúde da família. 6a ed. São Paulo: Hucitec; 2015.,44 Rivera YM. Reducing cancer health disparities among u.s. latinos: a freireian approach. Int J Hum Rights Healthc. 2018; 11(5):368-79., a EPS reafirma-se como uma proposta político-pedagógica de promoção da dignificação e da autonomia dos usuários do SUS. Além disso, é uma prática singular e fundamental para fortalecer a APS e a logística de combate à pandemia da Covid-19, por pressupor a participação popular e o trabalho comunitário em saúde no território como fatores indispensáveis para lidar com o complexo saúde-doença-cuidado das pessoas e de seus grupos sociais.
Tamanha sua profusão no cenário brasileiro, a EPS repercutiu na construção e na promulgação, no ano de 2013, da Política Nacional de EPS no SUS (Pneps-SUS). Nessa perspectiva, a Pneps-SUS entende as práticas e os saberes populares como sendo elementos fundamentais e complementares aos saberes técnico-científicos de cuidado, uma vez que defende a necessidade de evidenciar o território, a comunidade e seus valores55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.761, de 19 de Novembro de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS). Diário Oficial da União. 19 Nov 2013..
Desse modo, entende-se que a política em questão constrói uma nova postura no cuidado em saúde, trazendo uma aproximação entre a gestão, os serviços, os movimentos sociais e os saberes e práticas populares como forma de agregar a participação da comunidade nos processos de planejamento e implementação das ações de saúde55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.761, de 19 de Novembro de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS). Diário Oficial da União. 19 Nov 2013..
Em virtude do exposto, embasando-se nessa discussão, a questão norteadora da presente pesquisa foi: Quais são as especificidades e potencialidades da Educação Popular em Saúde (EPS) como orientadora de ações no âmbito da APS diante da pandemia da Covid-19 no Brasil? O presente artigo busca trazer respostas a essa pergunta por meio da percepção dos atores sociais integrantes de coletivos nacionais de EPS.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória e com abordagem qualitativa dos dados, conforme fundamentado por Severino66 Severino AJ. Metodologia do trabalho científico. 23a ed. São Paulo: Cortez; 2007. e Figueiredo77 Figueiredo NMA. Método e metodologia na pesquisa científica. 3a ed. São Caetano do Sul: Yendis; 2008.. De tal modo, foram coletadas fontes primárias (gravações de entrevistas) e fontes secundárias, tomadas como documentos históricos (arquivos publicados em sites e blogs) produzidos pelos entrevistados e/ou suas instituições de natureza diversa à pesquisa, fontes essas analisadas de maneira complementar.
Nesse sentido, a natureza exploratória decorre do fato de o presente estudo escrutinar a relação entre o cenário recente da pandemia de Covid-19 em populações e territórios socialmente vulneráveis e as ações de Educação Popular, na APS, por meio da percepção dos atores sociais envolvidos em coletivos nacionais de EPS, tratando das potencialidades da EPS no trabalho na APS em populações e territórios socialmente vulneráveis durante a pandemia da Covid-19.
Já a opção por uma abordagem qualitativa dos dados decorre do objeto-alvo da investigação, que tinha como fenômeno de análise questões relacionadas com a percepção, a interpretação e os valores dos sujeitos acerca de como eles pensam e sentem determinadas experiências sociais, assim como do próprio significado das relações humanas entre trabalhadores, gestores e usuários, o que se alinha com o estipulado por Figueiredo77 Figueiredo NMA. Método e metodologia na pesquisa científica. 3a ed. São Caetano do Sul: Yendis; 2008. e Minayo88 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12a ed. São Paulo: Hucitec; 2010..
Sobre a técnica adotada para a coleta de dados, recorreu-se à entrevista semiestruturada88 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12a ed. São Paulo: Hucitec; 2010., com a perspectiva de deixar o diálogo entre entrevistador e entrevistado fluir de modo mais espontâneo, mas tendo um tema em foco. Para tanto, elaborou-se um roteiro para orientar a entrevista, contemplando as seguintes questões: 1) Considerando a EPS e o enfrentamento à pandemia da Covid-19, quais são, em sua visão, os principais desafios no contexto da APS?; 2) Na sua visão, diante do enfrentamento à pandemia da Covid-19, quais são as contribuições significativas que a EPS tem apresentado no contexto da APS?; 3) Diante do atual contexto social, político, econômico, cultural e sanitário exposto pela pandemia do novo coronavírus, na sua visão, como a EPS pode contribuir para a formação de profissionais de saúde para atuação na APS?; 4) Considerando aspectos inerentes à organização do coletivo de EPS do qual você faz parte, quais foram as iniciativas disparadas pelo coletivo para o enfrentamento da Covid-19? Como você avalia os impactos dessas experiências no contexto de reorganização do processo de trabalho da APS?; 5) Considerando os desafios e as possibilidades da EPS no enfrentamento à pandemia da Covid-19 na APS, há algum aspecto, consideração ou reflexão que, na sua avaliação, ainda precisa ser pontuado antes de concluirmos este diálogo?
A pesquisa teve como informantes-chave representantes dos coletivos de EPS que tiveram atuação no movimento nacional de EPS, como, por exemplo, os encontros nacionais de EPS. Para a escolha desses movimentos ou coletivos, utilizou-se também, como critério, seu envolvimento na defesa da configuração da EPS como orientadora de políticas públicas, a exemplo da atuação no Comitê Nacional de EPS e da construção da Pneps-SUS. Nesse sentido, entre os coletivos nacionais que se enquadravam nesses três critérios estavam: a) Rede de Educação Popular e Saúde (Redepop); b) Grupo Temático (GT) de EPS da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); c) Articulação Nacional de Extensão Popular (Anepop); d) Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de EPS (Aneps).
Além disso, consubstanciou-se com tal escolha o fato de que esses são coletivos com uma significativa distribuição regional e que reúnem diversificados atores sociais, os quais possuem atuação em diferentes cenários e espaços de prática de EPS, como, por exemplo, em instituições de ensino de níveis técnico e superior, em organizações comunitárias e movimentos populares, bem como na gestão e na assistência de serviços de saúde de caracteres público e privado, sobretudo no âmbito da APS do SUS. Isso poderia oportunizar uma visão mais ampla de como os processos de EPS estariam se desenvolvendo no contexto da pandemia da Covid-19, incluindo as especificidades e potencialidades de seus processos.
Desse modo, foram enviados convites para os endereços de e-mail dos coordenadores representantes de cada coletivo de EPS. E, no conjunto das mensagens encaminhadas, explicitavam-se os objetivos da pesquisa e o respectivo invitamento; além de solicitar que o coletivo pudesse discutir internamente a indicação de uma a três pessoas pertencentes à entidade, estabelecendo como critério de escolha de tais representantes que fossem integrantes ativos e possuíssem experiência na temática da APS. Após essa convocação inicial, três coletivos responderam ao contato (GT de EPS Abrasco, Anepop e Aneps) e um deles não redarguiu ao convite (Redepop).
No total, foram entrevistadas cinco pessoas, sendo uma vinculada à Aneps; duas, ao GT de EPS Abrasco; e duas, à Anepop. Todas eram do gênero feminino, na faixa entre 27 e 58 anos de idade, com formação profissional no campo da Saúde (agente comunitária de saúde, enfermeira, médica, nutricionista e terapeuta ocupacional) e com experiência de atuação na APS na perspectiva da EPS nas regiões Nordeste (quatro delas) e Sul (uma delas) do Brasil. Vale salientar que o grupo das entrevistadas possuía diferentes inserções de atuação na APS, fosse como profissionais de saúde atuantes no serviço, na gestão da saúde, bem como vinculadas a instituições formadoras de ensino técnico ou superior.
As entrevistas foram realizadas no mês de julho de 2020, no período da noite, por meio da plataforma de videoconferência do Google Meet, possuindo duração mínima de quarenta minutos e duração máxima de cem minutos, com duração média de setenta minutos. Na realização das entrevistas, estavam presentes o mediador (entrevistador), o entrevistado, um relator e um observador. Todas as entrevistas foram guiadas com base nas questões previamente elaboradas (as quais estão expostas no roteiro explicitado anteriormente) e foram gravadas com autorização dos entrevistados.
O processo de tratamento e análise do material da entrevista seguiu os preceitos hermenêuticos delineados por Martins e Bicudo99 Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em Psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes; 1989., que se estruturam da seguinte forma: a) Busca do “sentido do todo”, familiarizando-se com as ideias expressas na fala do entrevistado; b) Definição das “unidades de sentido”, tendo como base as disposições delineadas pelo pesquisador nas questões norteadoras; c) Elaboração das categorias de análise, que partem das expressões dos entrevistados organizadas de acordo com um critério comum e alinhado ao objetivo do estudo; d) Síntese das unidades de significado de modo que se manifeste a compreensão sobre a temática e o sentido do todo.
Destarte, com base no material gravado, foi realizada uma transcrição literal das entrevistas e feita uma leitura flutuante de seu conteúdo a fim de se aproximar do corpus das entrevistas. Em seguida, foi efetuada a codificação dos resultados, quando foram identificados os temas, categorizados os conteúdos e apreendidos os núcleos de sentido. Posteriormente, foram selecionados excertos que representassem os principais pontos abordados pelas entrevistadas.
Na etapa seguinte, buscou-se atentar para os trechos que explicitassem os desafios e potencialidades da EPS na APS. Assim, iniciou-se o processo de categorização, com ênfase nas principais ideias observadas nas entrevistas e seus significados, consistindo na seleção e na composição de 18 subcategorias.
Sucessivamente, realizou-se uma nova leitura e a análise, buscando observar subcategorias que se assemelhavam e/ou que eram complementares em seus aspectos, de modo que foi efetuada uma nova síntese para aglutiná-las ainda mais, chegando a um total de três categorias (com núcleos de sentido que se complementavam), as quais condensavam as principais percepções dos entrevistados acerca das especificidades e potencialidades da EPS para a atuação na APS no contexto de pandemia da Covid-19.
Com relação às ações envolvidas na citada pesquisa, estão em consonância com os preceitos que regem a Portaria n. 466/20121010 Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: CONEP; 2012. e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba (CEP/CCM/UFPB), tendo a seguinte numeração do Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 31236920.6.0000.8069.
Resultados e discussão
Para fins de organização, análise e apresentação dos resultados, eles foram sistematizados em duas dimensões: 1) Integração de diferentes práticas e movimentos de EPS no Brasil para o fortalecimento do trabalho coletivo e a constituição de novas redes e articulações no contexto da APS; 2) A EPS como prática potente da APS para a criação de vínculo com e no território. Essas dimensões delineadas mostram como a EPS durante o período de pandemia continuou fazendo o seu papel e criando novos caminhos e possibilidades na produção de conhecimento e de cuidado na APS.
Integração de diferentes práticas e movimentos de EPS no Brasil para o fortalecimento do trabalho coletivo e a constituição de novas redes e articulações no contexto da APS
A Educação Popular surgiu como uma ação cultural articulada aos processos de luta e resistência dos grupos populares, com o propósito de estabelecer o processo educativo como uma prática social direcionada para a transformação da realidade1111 Paludo C. Educação popular como resistência e emancipação humana. Cad CEDES. 2015; 35(96):219-38.. Dessa forma, durante a pandemia do novo coronavírus, houve uma ratificação do trabalho coletivo como pressuposto orientador e dinamizador dentro do campo da EPS.
Acerca dessa questão, o excerto da fala de um dos sujeitos entrevistados é explícito:
[...] mobilizamos os agentes comunitários em um grupo que pudéssemos discutir mais. Então abrimos um grupo no WhatsApp que é o grupo “Movimento de mobilização ao coronavírus”, o qual inicialmente estava com foco apenas aqui, no estado da Paraíba, [...] hoje em dia, o grupo não é só da Paraíba. Resumindo, tem gente do Brasil todo nesse grupo. E foi um grupo muito rico, que começou com essa discussão [...]. Foram feitas reuniões virtuais, já que a gente não podia se reunir [presencialmente] [...] para estar discutindo o enfrentamento à pandemia e como esse [enfrentamento] poderia ser feito pela EPS.
(Representante da Anepop)
Assim, uma das grandes potencialidades da EPS observadas como prática educativa na APS, durante esse processo de enfrentamento à pandemia, foi a retomada de contatos e a (re)aproximação de alguns sujeitos, grupos e movimentos sociais populares, com o objetivo de constituir novas redes e articulações nos territórios. E essa perspectiva de EPS pressupõe a participação de sujeitos individuais e coletivos ativos, criativos e transformadores, cuja missão é apoiar e desenvolver práticas que fortaleçam os princípios e diretrizes da APS. Sobre isso, a fala de uma das pessoas entrevistadas é bastante ilustrativa:
[...] a Aneps reúne várias parcerias. Nós temos vários parceiros dentro da Aneps que têm feito trabalhos muito importantes. [...] temos o pessoal do espaço família (que é o espaço de práticas integrativas de cuidado à saúde), o pessoal do comitê de equidade em EPS [...]. Tem também o Movimento de Educadores Populares. Essas são as parcerias que a gente tem feito. E a [Fundação Oswaldo Cruz] Fiocruz tem sido grande parceira também. Eu acho que a gente conquistou mais aproximação, porque antes da pandemia a gente talvez não estivesse tão perto como estamos sentindo essa aproximação agora.
(Representante da Aneps)
Tal relato corrobora a visão de Stotz et al.1212 Stotz EM, David HMSL, Un JAW. Educação popular e saúde - trajetória, expressões e desafios de um movimento social. Rev APS. 2005; 8(1):49-60., de que o engajamento múltiplo dos membros que integram o movimento de EPS aprofunda a qualidade da relação em rede, o que se deve dar juntamente com a articulação das experiências locais e dos movimentos sociais populares. Para esses autores, tal processo viabiliza e agrega diferenciadas e significativas experiências e práticas, o que incorpora e alimenta ações de “ativismo político, trabalho organizativo, atuação dentro dos serviços de saúde e criação de identidades compartilhadas com os grupos populares e movimentos sociais”1212 Stotz EM, David HMSL, Un JAW. Educação popular e saúde - trajetória, expressões e desafios de um movimento social. Rev APS. 2005; 8(1):49-60. (p. 8).
Como descrito por Bonetti et al.1313 Bonetti OP, Pedrosa JIS, Siqueira TCA. Educação popular em saúde como política do sistema único de saúde. Rev APS. 2011; 14(4):397-407., a EPS se fortalece com a constituição de novas redes de movimentos e práticas em todo o país. Essa integração se configura em espaços agregadores, sistematizadores e produtores de conhecimentos, conceitos e visões de mundo, além de agir como dispositivo fundamental para a configuração de novos espaços de participação popular no contexto do SUS, notadamente da APS.
Ademais, cabe assinalar que esse fortalecimento coletivo para o trabalho dos movimentos nacionais de EPS no contexto de enfrentamento da pandemia na APS tem se dado de modo diferenciado, em que cada grupo atua e contribui da forma que lhe é mais exequível, como pode ser percebido na fala de uma das entrevistadas:
[...] eu acho que dentro da Anepop cada coletivo [...] tem se fortalecido [...], tem encontrado suas frentes de enfrentamento à Covid-19.
(Representante da Anepop)
Sobre os impactos dessas experiências no contexto de reorganização do processo de trabalho da APS durante a pandemia, foi visto que a troca colaborativa em rede de práticas, ideias e saberes por meio da EPS permitiu às equipes da APS – muito antes da divulgação de diretrizes do Ministério da Saúde para o manejo da Covid-19 na APS – ampliar a oferta do cuidado em saúde por uma abordagem comunitária, como podemos observar por este relato:
[...] eu acredito que esses movimentos têm impactado a reorganização do processo de trabalho desses profissionais que estão na APS, a partir dessas reuniões que a gente está tendo, desses diálogos, dessa troca, isso tem impactado positivamente, porque muitos redefiniram como seria sua atuação a partir dessas discussões [...] a nível de governo federal [...] eles vieram construir um guia orientador agora [julho de 2020] para ações de Covid na APS, mas olha o tempo que faz isso gente, começou a pandemia em março, a gente tá começando a implantação desse guia agora [...] para poder dar esse suporte ao pessoal da APS, que deveriam ser os primeiros profissionais a ter recebido a informação nesse tempo de pandemia. Até porque eles são [...] a porta de entrada para a população, então eles deveriam ter recebido essa informação ao mesmo tempo que o pessoal da urgência e emergência estava recebendo as informações, e não foi isso que aconteceu, ocorreu realmente um abandono, e aí agora que tá se introduzindo essa discussão.
(Representante da Anepop)
Nesse relato fica claro o enfoque do Ministério da Saúde, seguido pelos demais entes federativos, na produção de uma linha de frente de atendimento hospitalar aos casos mais graves da doença e, na resposta ao controle dos casos leves e moderados da Covid-19, a potencialidade da APS e sua centralidade na ordenação de uma linha de cuidado específica com abordagem comunitária e territorial não ficou prontamente reconhecida1414 Lotta G, Wenham C, Nunes J, Pimenta DN. Community health workers reveal Covid-19 disaster in Brazil. Lancet [Internet]. 2020 [citado 18 Jun 2021]; 396:365-6. Disponível em: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(20)31521-X.pdf
https://www.thelancet.com/pdfs/journals/...
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Mesmo diante desse desafio político e sociossanitário, a APS no Brasil apresentou potencialidades para promover, proteger e recuperar a saúde das pessoas em tempos de pandemia com movimentos da EPS, os quais foram os primeiros a questionar essa situação no cenário nacional. Inclusive promovendo debates em suas redes sociais e publicando cartas abertas e outros documentos públicos em defesa do SUS e de uma APS mais forte para enfrentar a pandemia – como as produzidas e publicadas pelo GT de EPS Abrasco, pela Rede APS e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, entre outros.
A EPS como prática potente da APS para a criação de vínculo com e no território
Um olhar amplamente presente nas entrevistas realizadas se referiu ao potencial da EPS como dispositivo de garantia e fortalecimento do vínculo com a comunidade no contexto da APS, sendo esse um aspecto de grande relevância para produzir ações comunitárias em saúde com movimentos sociais e populares, em especial diante do quadro sanitário crítico vivenciado atualmente.
Conforme há o estreitamento das relações entre o serviço de saúde e os usuários, maior é o nível de mobilização popular no território. Não obstante, o fortalecimento de tais laços, por sua vez, contribui para a qualificação do serviço prestado. De acordo com o relato de uma das pessoas entrevistadas:
[...] outro aprendizado que a EPS tem dado se refere ao fato dos profissionais [da APS], que já possuíam um vínculo de afeto com a população, terem uma maior efetividade no cuidado. Então, aquilo ao qual não era dado atenção antes, passa a ser acessado como potência.
(Representante do GT EPS Abrasco)
Assim, é notório que, para se conceber EPS como forma de potencializar a atuação das equipes de saúde da APS no território, se faz necessário reconhecer seu potencial. Para tanto, segundo Nespoli e Lopes1515 Nespoli G, Lopes MCR. O cuidado em saúde. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, et al., organizadores. Formação em educação popular para trabalhadores da saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2017. p. 257-71.:
[...] é preciso antes conhecer. Conhecer não significa simplesmente assimilar e aceitar, mas estranhar, questionar e, se possível e necessário for, transformar. Porém, transformar construindo junto outros saberes e não trazendo outros saberes prontos e ditando formas de comportamento1515 Nespoli G, Lopes MCR. O cuidado em saúde. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, et al., organizadores. Formação em educação popular para trabalhadores da saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2017. p. 257-71..
(p. 269)
Com base nisso, entende-se que a EPS se baseia na valorização dos saberes anteriores, compreendendo que as experiências e as vivências dos sujeitos − usuários, movimentos sociais e trabalhadores da APS − têm muito a contribuir1616 Silva FMP, Pereira AKAM. O processo de formação para a prática de educação popular em saúde. Rev Educ Pop. 2020; 19:123-43.. De modo que as ações de EPS precisam buscar fomentar a constituição de relações horizontais entre os diferentes conhecimentos (científicos, tradicionais e populares), atentando para o fato de que é necessário que se compreenda cada forma de pensar levando em conta seu contexto de produção e de aplicação1515 Nespoli G, Lopes MCR. O cuidado em saúde. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, et al., organizadores. Formação em educação popular para trabalhadores da saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2017. p. 257-71..
A centralidade dessa integração de saberes, promovida pela EPS e utilizada pelas equipes da APS na produção do cuidado longitudinal aos seus usuários em tempos de pandemia, foi apontada por uma das entrevistadas, conforme se constata no trecho a seguir:
Então, eu acho que isso é o que a Covid-19 está nos ensinando: como a gente vai lidar com essa coimunidade. Assim, para essa coimunidade, nós vamos precisar do saber biomédico, ao mesmo tempo que vamos precisar do saber popular e dos saberes da natureza, por exemplo.
(Representante do GT EPS Abrasco)
Essa interação de conhecimentos, que pressupõe uma íntima relação comunitária, leva ao desenvolvimento de respeito e de confiança, os quais induzem o protagonismo popular e estimulam a reflexão e o pensamento crítico1717 Shin RQ, Smith LC, Lu Y, Welch JC, Sharma R, Vernay CN, et al. The development and validation of the Contemporary Critical Consciousness Measure II. J Couns Psychol. 2018; 65(5):539-55.. Em acordo com a Pneps-SUS55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.761, de 19 de Novembro de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS). Diário Oficial da União. 19 Nov 2013., o diálogo proporciona o encontro de conhecimentos construídos histórica e culturalmente por sujeitos na intersubjetividade, tendo como consequência a ampliação do conhecimento crítico dos participantes acerca da realidade e a contribuição para os processos de transformação e de humanização das práticas de saúde, notadamente no âmbito da APS.
Desse modo, a EPS consegue impulsionar o enfrentamento das demandas atuais da APS diante dos desafios sociossanitários de combate aos casos de Covid-19 em seus territórios, além da manutenção de outras linhas de cuidado que não estejam ligadas a tal infecção respiratória aguda, promovendo “a criação, a recriação e o aprimoramento de espaços sociais e comunitários nos territórios para o apoio solidário”1818 Lima LO, Silva MRF, Cruz PJSC, Pekelman R, Pulga V L, Dantas VLA. Perspectivas da educação popular em saúde e de seu Grupo Temático na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Cienc Saude Colet [Internet]. 2020 [citado 20 Jan 2021]; 25(7):2737-42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020000702737&lng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
(p. 2.741).
No que se refere a essa dimensão da EPS como exercício de solidariedade, observamos o seguinte relato de uma das entrevistadas:
Tem os trabalhos que a gente participa na [Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde] Renafro, lá tem os terreiros, onde estão atendendo [ambulatorialmente] a população. [...] além do atendimento espiritual e o acolhimento, eles estão entregando cestas básicas, fazendo máscaras.
(Representante da Aneps)
Segundo Paludo1111 Paludo C. Educação popular como resistência e emancipação humana. Cad CEDES. 2015; 35(96):219-38., o movimento de Educação Popular se faz alinhado com a perspectiva de apoiar e fortalecer as classes populares como expressão política de seus interesses, o que se dá por meio da auto-organização em vista de conquistar o poder para a população. Por isso, as organizações populares e as redes solidárias de apoio social são significativamente relevantes para o enfrentamento dessa situação de crise por parte dos sujeitos dos setores populares da sociedade, como observamos no seguinte relato:
[...] muitos de nós pensou na questão da rede solidária de economia, por exemplo, eu mesmo, como membro do GT, fiz questão de fazer compras em um lugar que geralmente eu não fazia, como forma de garantir um dinheiro para aquele mercado local.
(Representante do GT EPS Abrasco)
Nesse sentido, algumas iniciativas têm sido realizadas, como a campanha “Coronavírus na Favela” que, pelo diálogo com movimentos sociais, lideranças comunitárias e profissionais de saúde da APS, fomentou ações em diversas favelas do Rio de Janeiro. Por exemplo, no Complexo do Alemão foi criado um “gabinete de crise” composto por vários movimentos da região, dentre eles o Coletivo Papo Reto, responsável por obter doações para moradores e, por meio do funk, dialogar e cativar os moradores1919 Morel APM. Da educação sanitária à educação popular em saúde: reflexões sobre a pandemia do coronavírus. Rev Estud Libertários [Internet]. 2020 [citado 15 Jan 2021]; 2(3):1-9..
Ademais, um movimento social de relevante importância no enfrentamento à Covid-19 é “O SUS nas Ruas”, citado pela representante do GT EPS Abrasco. Tal movimento articula trabalhadores da saúde, organizações da sociedade civil, pesquisadores, gestores, estudantes e professores que acreditam na importância da ação comunitária no enfrentamento dessa pandemia. Além disso, defende a importância dos agentes comunitários de saúde e dos agentes comunitários de endemias na APS brasileira, visando recuperar e consolidar as relações com a comunidade durante o atual cenário de desvalorização do SUS na pandemia2020 Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Comunicação popular e comunitária em tempos de Covid-19: o direito de se comunicar e o direito à saúde [Internet]. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2020 [citado 23 Maio 2020]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/comunicacao-popular-e-comunitaria-em-tempos-de-covid-19-o-direito-de-se-comunicar-e-o-direito-a-saude/47000/
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Não obstante, um outro bom exemplo a ser destacado, entre as muitas iniciativas espalhadas pelo Brasil que buscam a qualificação da atenção e cuidado à saúde nesse contexto de pandemia, que tem a EPS como pressuposto orientador, é o do projeto Mãos Solidárias/Periferia Viva. Tal iniciativa, de raízes pernambucanas (envolvendo movimentos sociais do campo e da cidade, e contando com a parceria de instituições universitárias), tem apostado na formação de atores sociais, denominados “agentes populares de saúde”, os quais intervêm diretamente nos territórios, promovendo o cuidado (educativo e assistencial) e mapeando as necessidades que emergem nas comunidades em decorrência da pandemia2121 Fundação Oswaldo Cruz. Lançada cartilha de apoio aos agentes populares de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2020 [citado 06 Dez 2020]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/lancada-cartilha-de-apoio-aos-agentes-populares-de-saude
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Sendo assim, o fortalecimento do vínculo e das relações dos usuários com a APS pôde ser fortalecida por meio da EPS, em uma perspectiva de potencialização e reconhecimento da APS como porta de entrada preferencial do SUS, além de identificar os desafios implicados nessa atividade de reorganização do processo de trabalho das equipes de saúde para enfrentar a pandemia nos territórios, como observamos no seguinte relato:
[...] eu avalio como positivo essas experiências [de EPS], e elas têm contribuído [...] muito na reorganização da APS [...], porque agora as pessoas estão percebendo a importância da APS, até para fazer os fluxos [...], como é que funciona e por que a gente passa pela APS para chegar na urgência e emergência, porque se a gente não tiver um momento de prevenção de cuidado, ali na APS, vai superlotar os hospitais, e a ideia não é essa [...] aí eu acho que as pessoas estão vendo isso, estão procurando mais a APS para fazer teste rápido, para se comunicar, para conseguir falar com o médico, seja por telemedicina ou uma ligação que fala com agente de saúde, fala com a enfermeira, e essa aproximação com os profissionais da unidade eu acho que tem se fortalecido [...] por causa do contexto da pandemia, então eu acho que isso tenha gerado um impacto positivo, tanto para a APS quanto para o SUS.
(Representante da Anepop)
Corroborando com tal afirmação, estudos atestam as especificidades produzidas no âmbito da APS a fim de produzir ações e serviços de saúde ofertados à população nos territórios para o achatamento da curva de infecção e mortalidade pelo coronavírus, tais como: a) Aposta no uso de ferramentas efetivas – a exemplo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) − para a redução do contato presencial entre profissionais de saúde da APS e usuários com síndrome respiratória aguda grave, como telemedicina e ações de educação em saúde remota; b) Implementação de protocolos clínicos e de manejo de casos suspeitos e confirmados de Covid-19; e c) Mudança da consulta médica presencial para a consulta a distância, por telefone ou por vídeo2222 Cabral ERM, Bonfada D, Melo MC, Cesar ID, Oliveira REM, Bastos TF, et al. Contribuições e desafios da Atenção Primária à Saúde frente à pandemia de Covid-19. Inter Am J Med Health [Internet]. 2020 [citado 17 Jun 2021]; 3:e202003012. Disponível em: https://iajmh.emnuvens.com.br/iajmh/article/view/87/130
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A Covid-19 naturalmente dificultou a concretização e a continuidade de alguns vínculos já estabelecidos entre comunidade e serviços de APS. Por isso, diante das necessidades que a atualidade exigiu, fez-se mister a reflexão acerca da importância de se restabelecer iniciativas de EPS que visem à manutenção desses ambientes de troca − mesmo virtuais − em tempos de pandemia1818 Lima LO, Silva MRF, Cruz PJSC, Pekelman R, Pulga V L, Dantas VLA. Perspectivas da educação popular em saúde e de seu Grupo Temático na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Cienc Saude Colet [Internet]. 2020 [citado 20 Jan 2021]; 25(7):2737-42. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020000702737&lng=pt
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Nesse tocante, durante as entrevistas, uma contribuição evidenciada foi o uso das TICs e de suas ferramentas (como as mídias sociais), tendo a intenção de acolher, auxiliar e ajudar as pessoas na pandemia. Assim, o trabalho em EPS pôde ser desenvolvido na APS mantendo o contato com os usuários e, ao mesmo tempo, respeitando as recomendações de distanciamento físico.
Nesse cenário, o uso das Práticas Integrativas e Complementares (PICs), de forma virtual, como a exemplo do Reiki, da Fitoterapia e dos grupos de apoio (especialmente fazendo uso da Terapia Comunitária de forma virtual), destacou-se substancialmente no contexto da APS. A esse respeito, o relato de uma das entrevistadas é bastante significativo:
Acho que dentro da EPS, uma coisa [...] que tem grande potencialidade dentro desse período de pandemia são as PICs. [...] o trabalho com a Fitoterapia, ele é [...] muito importante para ser desenvolvido nesse período [...], tanto na questão do tratamento das pessoas que também estão com Covid, [como] dos sintomas respiratórios [...]. Não é questão só de quem está [com Covid], mas a gente sabe que está associado a várias outras coisas [...], [como] ansiedade, preocupação [...] e tudo isso [...] as práticas integrativas podem ajudar. E não só a Fitoterapia [...], tem muita gente [...] fazendo Reiki a distância [...]. Tem a questão também das rodas de Terapia Comunitária[...]
(Representante da Anepop)
Esse relato corrobora o que Vendruscolo et al.2323 Vendruscolo C, Geremia DS, Adamy EK, Vandresen L, Ferraz L. Utilização das tecnologias de informação e comunicação pelos núcleos ampliados de saúde da família. Rev Enferm UFSM [Internet]. 2019 [citado 18 Jan 2021]; 9:1-20. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/39634/html
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observaram ao enfatizar o potencial das TICs para o desenvolvimento do cuidado na APS, especialmente se se considerar que o uso de tais tecnologias pode contribuir com a qualificação do trabalho em saúde, seja por meio da realização de iniciativas de apoio matricial, seja auxiliando na consecução de ações assistenciais de modo mais integral, o que pode ser muito importante para os processos de EPS em tempos de pandemia.
Assim sendo, a dimensão das TICs propiciou a continuidade do cuidado por meio das PICs e do acolhimento e do atendimento à comunidade nos territórios da APS. Com referência a isso, Nespoli e Lopes1515 Nespoli G, Lopes MCR. O cuidado em saúde. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, et al., organizadores. Formação em educação popular para trabalhadores da saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2017. p. 257-71. já discorreram sobre a importância das PICs para a EPS e como o seu uso pode qualificar e potencializar as ações de cuidado comunitário, sobretudo ao promover a saúde e estimular a reflexão dos sujeitos e grupos territorializados, facilitando a integração dessas práticas de cuidado em saúde ao cotidiano.
Uma outra dimensão relacionada com o uso das TICs que emergiu com as entrevistas foi a do impacto de seu uso como estratégia viabilizadora de apoio aos próprios profissionais de saúde, tanto para a sua prática profissional quanto para o seu quadro emocional:
[...] foram feitas reuniões virtuais, já que a gente não podia se reunir, [...] para estar discutindo o enfrentamento à pandemia e como esse poderia ser feito pela EPS. [...] Muitos [profissionais da APS] estavam meio depressivos, com momentos de angústia muito fortes. Como se motivar e seguir adiante, acho que a EPS teve esse papel de mobilização, de estar dando esse ânimo, esse gás de mostrar para a gente que tem um horizonte que podemos seguir.
(Representante da Anepop)
Por esse ângulo, o uso das TICs possibilitou, para além da continuidade do cuidado à saúde dos usuários, a socialização de informações pertinentes à promoção do cuidado, em uma perspectiva de corresponsabilização. Além disso, acrescenta-se que discussões sobre formas de enfrentar o medo gerado pela desinformação, bem como informações sobre o uso adequado de equipamento de proteção individual, foram tópicos que emergiram como temáticas recorrentes durante as vivências dos entrevistados.
Considerações finais
Como observado no presente artigo, no âmbito da APS, a EPS continua sendo utilizada como referencial orientador de iniciativas construídas juntamente com os sujeitos e grupos sociais que se encontram em situação de vulnerabilidade, buscando compreender os condicionantes socio-históricos e, ao mesmo tempo, trabalhando para qualificar a capacidade de enfrentamento e transformação das iniquidades sociais com as pessoas e seus coletivos, tendo como horizonte a formação de novos pensamentos políticos e estratégias para fomentar e subsidiar ações durante a pandemia causada pela Covid-19.
De tal modo, observa-se que, apesar do contexto de crise sociossanitária nacional, tem ocorrido certa integração de diferentes movimentos e práticas da EPS nos territórios da APS, favorecendo o fortalecimento do trabalho coletivo e possibilitando a constituição de novas redes e articulações para lidar com as problemáticas do momento presente. Ainda, a EPS tem sido apontada como prática estratégica e eficaz da APS para a criação e a manutenção de vínculo entre os sujeitos com e no território, tendo o diálogo horizontalizado entre saberes e o respeito e a solidariedade como pressupostos valiosos para a confrontação desse contexto social e sanitário que se exacerba na atualidade.
Outrossim, foi possível observar que diversas ações foram e vêm sendo executadas diante do cenário pandêmico, mesmo diante das adversidades apontadas. Em muitas dessas foram utilizadas as TICs como instrumentos potentes para continuação das práticas de cuidado em saúde na perspectiva da EPS durante o distanciamento social, e como forma de garantir o apoio social e emocional aos que precisavam.
Por meio da percepção de atores sociais representantes de três coletivos nacionais de EPS, sobre suas especificidades e potencialidades no que concerne às suas contribuições no enfrentamento da Covid-19 na APS, evidencia-se que a EPS continua sendo efetiva no âmbito do trabalho em Saúde Coletiva, tendo sempre o diálogo horizontalizado entre saberes e a problematização da realidade como ferramentas estruturantes de seu quefazer, na ótica de possibilitar a troca de conhecimentos e apoiar a luta pela cidadania.
No tocante às limitações do presente estudo, a incorporação de mais atores sociais vinculados a outros coletivos de EPS, em vista de ampliar a amostra, talvez seja um ponto pertinente a se destacar. Atenta-se que essa questão pode ser balizadora de possibilidades investigativas futuras de aprofundamento desse tema e dessa discussão.
Por fim, pondera-se que, ao pautarem-se pela EPS, as ações em saúde no enfrentamento da Covid-19 pelos sujeitos atuantes na APS devem levar em conta as causas das desigualdades sociais em saúde e o protagonismo dos movimentos populares, reconhecendo a importância do trabalho territorializado e valorizando os saberes e práticas da comunidade.
Agradecimento
A todos os Coletivos Nacionais de EPS, por sua significativa contribuição, dando continuidade importante às ações, independentemente do cenário; e aos coordenadores, extensionistas e pesquisadores do Programa “Prática Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica (Pinab)” da UFPB, com os quais compartilhamos experiências e ensinamentos.
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Financiamento
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da UFPB.
Referências
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23Vendruscolo C, Geremia DS, Adamy EK, Vandresen L, Ferraz L. Utilização das tecnologias de informação e comunicação pelos núcleos ampliados de saúde da família. Rev Enferm UFSM [Internet]. 2019 [citado 18 Jan 2021]; 9:1-20. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/39634/html
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Jan 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
10 Mar 2021 -
Aceito
08 Nov 2021