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“Com dor de dente, tudo é ruim nesta vida!”: saúde bucal na comunidade indígena de Tremembé, Ceará, Brasil

“¡Con dolor de muelas, la vida es horrible!”: salud bucal en la comunidad indígena de Tremembé, Ceará, Brasil

Resumos

Este estudo teve por objetivo analisar a importância do cuidado em saúde bucal de informantes da comunidade indígena Tremembé, em Itarema, Ceará, Brasil. Neste estudo exploratório de caráter qualitativo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com seis adultos considerados informantes-chave da comunidade. As percepções mais presentes nos discursos indicaram o reconhecimento da importância no cuidado em saúde bucal, com foco na higiene dentária, necessária para a socialização. As falas relacionaram a valorização da alimentação saudável, associada à boa qualidade da saúde bucal, com a valorização do conhecimento tradicional como prática de cuidado. No entanto, os discursos apresentaram uma focalização na assistência clínica para adultos, em detrimento de aspectos educativos. As percepções revelaram potencial para integração de cuidados dos profissionais de saúde e dos atores sociais que possuem papel de liderança na comunidade indígena.

Palavras-chave
Povos indígenas; Saúde bucal; Percepção social


El objetivo de este estudio fue analizar la importancia del cuidado de la salud bucal de informantes de la comunidad indígena Tremembé, en Itarema, Estado de Ceará, Brasil. En este estudio exploratorio de carácter cualitativo se realizaron entrevistas semiestructuradas con seis adultos considerados informantes-clave de la comunidad. Las percepciones más presentes en los discursos indicaron el reconocimiento de la importancia del cuidado con la salud bucal, con enfoque en la higiene dental, necesaria para la socialización. Los diálogos relacionaron la valorización de la alimentación saludable, asociada a la buena calidad de la salud bucal, con la valorización del conocimiento tradicional como práctica de cuidado. Sin embargo, los discursos presentaron un enfoque en la asistencia clínica para adultos, en detrimento de aspectos educativos. Las percepciones revelaron potencial para integración de cuidados de los profesionales de salud y de los actores sociales que tienen un papel de liderazgo en la comunidad indígena.

Palabras clave
Pueblos indígenas; Salud bucal; Percepción social


This study aimed to analyze the importance of oral healthcare in the Tremembé indigenous community, municipality of Itarema, state of Ceará, Brazil. In this exploratory and qualitative study, semi-structured interviews were carried out with six adults considered key informants in the community. The perceptions most frequently found in the discourses indicated that the informants recognize the importance of oral healthcare and focus on dental hygiene, necessary for socialization. The discourses related valuation of healthy eating - associated with good oral health - to valuation of traditional knowledge as a care practice. However, the discourses focused on clinical care for adults at the expense of educational aspects. The perceptions showed that it is possible to int egrate the care delivered by health professionals with the care provided by social actors who have a leadership role in the indigenous community.

Keywords
Indigenous peoples; Oral health; Social perception


Introdução

Os povos indígenas sofreram mudanças intensas após sobreviverem ao processo colonialista violento de culturas europeias, marcado por alterações ambientais e pela introdução de doenças. A situação de saúde das comunidades indígenas relaciona-se a um complexo arcabouço de transformações socioculturais, históricas e ambientais, embasadas em um processo contínuo de inter-relação com a expansão não indígena11 Alves Filho P, Santos RV, Vettore MV. Social and environmental inequities in dental caries among indigenous population in Brazil: evidence from 2000 to 2007. Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(3):692-704..

A saúde indígena é pautada por um longo processo histórico-social, objeto das reivindicações indígenas a partir da década de 1970, impulsionado pela primeira conferência de saúde dos povos indígenas em 198611 Alves Filho P, Santos RV, Vettore MV. Social and environmental inequities in dental caries among indigenous population in Brazil: evidence from 2000 to 2007. Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(3):692-704.. Com a instituição do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (Sasisus) em 1999, foram criados 34 Distritos Sanitários Especiais, Indígenas para a organização da rede de atenção à saúde, e a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), criada em 2002, tem como objetivo promover a atenção integral e diferenciada à saúde, no que tange a articulação dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) com as medicinas indígenas22 Rodrigues FI, Garbin CAS, Moimaz SAS, Saliba NA. Análise documental dos serviços de saúde bucal ofertados à população indígena no Brasil. Rev Cienc Plur [Internet]. 2018 [citado 28 Ago 2021]; 4(1):7-21. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/13529/9825
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. Em 2007, a assistência à saúde bucal indígena foi normatizada pelas Diretrizes para a Atenção à Saúde Bucal dos Povos Indígenas, que facilitaram o acesso da população indígena ao tratamento odontológico gratuito, ainda que não reflitam redução de iniquidades no acesso, conforme necessidades dessa população33 Ferdinand A, Lambert M, Trad L, Pedrana L, Paradies Y, Kelaher M. Indigenous engagement in health: lessons from Brazil, Chile, Australia and New Zealand. Int J Equity Health. 2020; 19(1):e47. doi: https://doi.org/10.1186/s12939-020-1149-1.
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Promover atenção à saúde bucal para os povos indígenas tem sido desafiador, em virtude da extensão territorial e diversidade desses povos. Existem atualmente 370 milhões de pessoas identificadas como indígenas em 90 países, em todo o mundo44 Jamieson L, Haag D, Schuch H, Kapellas K, Arantes R, Thomson WM. Indigenous oral health inequalities at an international level: a commentary. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17(11):e3958. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17113958.
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. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2010, foram registrados 896,9 mil indígenas no Brasil, estando 36,2% na área urbana e 63,8%, na área rural55 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os indígenas no censo demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Brasília: IBGE; 2012. Vol. 1.. Estima-se uma distribuição em 305 grupos étnicos indígenas com alta diversidade de características socioculturais e perfis epidemiológicos66 Soares GH, Aragão AS, Frias AC, Werneck RI, Biazevic MGH, Michel-Crosato E. Epidemiological profile of caries and need for dental extraction in a Kaingang adult Indigenous population. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22:e190042. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190042.
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Uma revisão sobre intervenções em saúde bucal indígena aponta que Estados Unidos, Canadá, Brasil e Austrália exibem uma ampla gama de iniciativas de prevenção e tratamento de doenças dentárias e periodontais, bem como melhoria no conhecimento em saúde bucal, comportamentos e outros fatores psicossociais associados77 Tiwari T, Jamieson L, Broughton J, Lawrence HP, Batliner TS, Arantes R, et al. Reducing indigenous oral health inequalities: a review from 5 nations. J Dent Res. 2018; 97(8):869-77. doi: https://doi.org/10.1177/0022034518763605.
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, porém, ainda se observam desigualdades em saúde bucal entre indígenas e não indígenas88 Schuch HS, Haag DG, Kapellas K, Arantes R, Peres MA, Thomson WM, et al. The magnitude of Indigenous and non-Indigenous oral health inequalities in Brazil, New Zealand and Australia. Community Dent Oral Epidemiol. 2017; 45(5):434-41. doi: https://doi.org/10.1111/cdoe.12307.
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,99 Jamieson L, Hedges J, Peres MA, Guarnizo-Herreño CC, Bastos J L. Challenges in identifying indigenous peoples in population oral health surveys: a commentary. BMC Oral Health. 2021; 21:e216. doi: https://doi.org/10.1186/s12903-021-01455-w.
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Pessoas indígenas enfrentam exclusão ou marginalização substancial, com estado de saúde inferior ao de populações não indígenas, incluindo pior condição de saúde bucal e acesso reduzido a serviços odontológicos99 Jamieson L, Hedges J, Peres MA, Guarnizo-Herreño CC, Bastos J L. Challenges in identifying indigenous peoples in population oral health surveys: a commentary. BMC Oral Health. 2021; 21:e216. doi: https://doi.org/10.1186/s12903-021-01455-w.
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. Indígenas brasileiros exibem o triplo de constatações de nunca terem visitado um consultório dentário1010 Souza TAC. Oral health disparities among Brazilian self-identified indigenous individuals. Tempus. 2019; 13(3):153-68. doi: https://doi.org/10.18569/tempus.v13i3.2753.
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, bem como maiores possibilidades de ter experiência de cárie e doença periodontal em comparação com não indígenas1010 Souza TAC. Oral health disparities among Brazilian self-identified indigenous individuals. Tempus. 2019; 13(3):153-68. doi: https://doi.org/10.18569/tempus.v13i3.2753.
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11 Ribeiro LSF, Santos JN, Ramalho LMP, Chaves S, Figueiredo AL, Cury PR. Risk indicators for tooth loss in Kiriri Adult Indians: a cross-sectional study. Int Dent J. 2015; 65(6):316-21. doi: https://doi.org/10.1111/idj.12187.
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-1212 Figueiredo A, Soares S, Lopes H, Santos JN, Ramalho LMP, Cangussu MC, et al. Destructive periodontal disease in adult Indians from Northeast Brazil: cross-sectional study of prevalence and risk indicators. J Clin Periodontol. 2013; 40(11):1001-6. doi: https://doi.org/10.1111/jcpe.12147.
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. No Brasil, essas diferenças nas condições de saúde bucal podem estar associadas ao território, como observado entre etnias do Mato Grosso do SuI, na região Oeste (Terena e Kadiwéu), que apresenta maior evidência de cárie do que a região SuI (Kaiwoá e Guarani)1313 Arantes R, Frazão P. Subjective oral symptoms associated with self-rated oral health among Indigenous groups in Central-West Brazil. Community Dent Oral Epidemiol. 2018; 46(4):352-9. doi: https://doi.org/10.1111/cdoe.12375.
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Desigualdades no acesso a serviços de saúde bucal deixam clara a vulnerabilidade das populações indígenas. Intervenções em saúde introduzidas sem um planejamento adequado, não possibilitando a universalização e a equidade, têm ampliado iniquidades em saúde1414 Celestino AF Jr, Soeiro DA, Aimée JAB, Carvalho RM, Rendeiro RM, Casseb TF, et al. Teatro mudo como alternativa de educação em saúde bucal com indígenas no Estado do Pará. Rev ABENO. 2017; 17(1):2-7. doi: https://doi.org/10.30979/rev.abeno.v17i1.374.
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,1515 Lemos PN, Rodrigues DA, Frazão P, Hirooka LB, Guisilini AC, Narvai PC. Atenção à saúde bucal no Parque Indígena do Xingu, Brasil, no período de 2004-2013: um olhar a partir de indicadores de avaliação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00079317. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00079317.
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. Ademais, o desconhecimento das práticas culturais dessas populações pode privar os profissionais de saúde de compreender como se dão seus métodos de tratar as doenças por meio de outras racionalidades ou medicinas tradicionais. O modelo biomédico, ainda muito presente, faz com que o distanciamento entre profissional e usuários dos serviços de saúde resulte em falta de conhecimento dos reais problemas dessas comunidades1616 Langdon EJ, Garnelo L. Articulación entre servicios de salud y “medicina indígena”: reflexiones antropológicas sobre política y realidad en Brasil. Salud Colect. 2017; 13(3):457-70. doi: https://doi.org/10.18294/sc.2017.1117.
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Para a compreensão do impacto científico da saúde indígena, uma revisão sistemática apontou que o conhecimento produzido tem sido temporalmente associado a transformações políticas, sociais, científicas e de reforma sanitária, na agenda indígena, da década de 1950 a 20101717 Kabad JF, Pontes ALM, Monteiro S. Relationships between scientific production and public policies: the case of indigenous people’s health in the field of collective health. Cienc Saude Colet. 2020; 25(5):1653-66. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33762019.
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. Após a implementação do Sasisus em 1999 e da PNASPI em 2002, o número de publicações sobre saúde indígena cresceu em dez vezes entre as décadas de 2000 a 2010, representando a saúde bucal indígena 7% desta produção científica total1717 Kabad JF, Pontes ALM, Monteiro S. Relationships between scientific production and public policies: the case of indigenous people’s health in the field of collective health. Cienc Saude Colet. 2020; 25(5):1653-66. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33762019.
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. A análise do perfil de trabalhos apresentados na reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica de 2018 apontou menos pesquisas com pessoas indígenas do que crianças, mulheres grávidas, mulheres e idosos, grupos típicos mais prevalentes1818 Barbosa LC, Saliba TA, Garbin CAS, Moimaz SAS. Overview of the Brazilian odontological studies presented at a scientific meeting - SBPqO. Rev Odontol UNESP. 2019; 48:e20190082. doi: https://doi.org/10.1590/1807-2577.08219.
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. Ainda, a maior concentração de pesquisas nas regiões norte1515 Lemos PN, Rodrigues DA, Frazão P, Hirooka LB, Guisilini AC, Narvai PC. Atenção à saúde bucal no Parque Indígena do Xingu, Brasil, no período de 2004-2013: um olhar a partir de indicadores de avaliação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00079317. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00079317.
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e centro-oeste1313 Arantes R, Frazão P. Subjective oral symptoms associated with self-rated oral health among Indigenous groups in Central-West Brazil. Community Dent Oral Epidemiol. 2018; 46(4):352-9. doi: https://doi.org/10.1111/cdoe.12375.
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do Brasil revela a carência de evidências sobre as etnias residentes nas regiões nordeste, sudeste e sul do país.

O panorama epidemiológico, somado à disponibilidade de serviços odontológicos, requer o entendimento aprofundado da saúde bucal como fenômeno social. Dessa forma, a promoção da saúde bucal deve transcender o perfil curativista restritivo, da naturalização da perda dentária e a ênfase no “protesismo”, indo além do limite clínico e odontológico1919 Botazzo C. Sobre a bucalidade: notas para a pesquisa e contribuição ao debate. Cienc Saude Colet. 2006; 11(1):7-17. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000100002.
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. O conceito de “bucalidade”, definido por Botazzo1919 Botazzo C. Sobre a bucalidade: notas para a pesquisa e contribuição ao debate. Cienc Saude Colet. 2006; 11(1):7-17. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000100002.
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, é um referencial teórico que se torna adequado ao contexto do presente estudo por expandir a percepção de práticas de saúde bucal para além de condições clínicas, promovendo também a boca como ponte de afirmação da vida e relacionamento com o mundo, considerando todo o potencial social relacionado ao bucal: manducação, erotismo, linguagem e a multiplicidade de significados de beleza, delicadeza, voracidade e potência deste território corporal1919 Botazzo C. Sobre a bucalidade: notas para a pesquisa e contribuição ao debate. Cienc Saude Colet. 2006; 11(1):7-17. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000100002.
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Dessa forma, a abordagem desse referencial na compreensão da subjetividade da comunidade indígena sobre a sua própria saúde bucal poderia ajudar no planejamento de ações voltadas para essas comunidades, de forma a reduzir os problemas bucais e melhorar o acesso aos serviços de saúde a partir da autopercepção da boca como espaço de relação com o mundo, utilizando a manutenção de uma qualidade de saúde que favorece processos não somente fisiológicos, mas também humanos e sociais. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a importância do cuidado em saúde bucal de informantes da comunidade indígena Tremembé, em Itarema, Ceará, Brasil.

Percurso metodológico

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa que segue os requerimentos de Tong, Sainsbury e Craig2020 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007; 19(6):349-57. doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042.
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. Estudos com abordagem qualitativa contribuem para os sistemas de saúde a partir da incorporação de práticas baseadas em valores culturais dos indivíduos, dos seus mediadores e dos seus ecossistemas2121 Bitencourt FV, Corrêa HW, Toassi RFC. Experiências de perda dentária em usuários adultos e idosos da Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2019; 24(1):169-80. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.09252017.
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,2222 Schaarschmidt GM, Bitencourt FV, Baumgarten A, Souza JM, Toassi RFC. Pesquisa qualitativa na saúde bucal coletiva: uma análise bibliográfica. Rev Fac Odontol Porto Alegre [Internet]. 2018 [citado 28 Ago 2021]; 59(1):42-51. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/RevistadaFaculdadeOdontologia/article/view/61787
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Este estudo foi desenvolvido no povo indígena de Tremembé, com território localizado no distrito de Almofala, município de Itarema, que integra as 12 aldeias distribuídas no estado do Ceará2323 Pereira ASM, Gomes DP, Castro SO. Práticas de lazer do povo indígena Tremembé. Licere. 2019; 22(2):132-59. doi: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2019.13553.
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. O município de Itarema possui uma população estimada para 2021 de 42.595 pessoas2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades/Ceará/Itarema/Panorama [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2021 [citado 28 Ago 2021]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/itarema/panorama
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. A etnia Tremembé, documentada na área de litoral desde o Maranhão até o Ceará, teria sua descendência dos indígenas Tapuia/Cariri, com língua original diversa do tronco tupi. Hoje habita regiões no litoral e no interior do Ceará, em Itarema, Acaraú, Itapipoca e Fortaleza. Em Itarema, há maior representatividade geográfica da etnia em Amofala (no litoral, à esquerda do Rio Aracati Mirim), em Varjota (à margem direita do rio) e em Córrego do João Pereira (no interior)2525 Pinto ALA, Matos MJ, Rufino MSM. O conhecimento etnográfico dos Tremembé da Barra do Mundaú, Ceará. Interações. 2018; 19(1):15-28. doi: https://doi.org/10.20435/inter.v19i1.1623.
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A relação de sobrevivência dos Tremembés está indissociável das questões naturais, e a preservação de ecossistemas faz parte de sua cultura, bem como o misticismo personificado por encantados, que convergem em espiritualidade, ancestralidade, defesa da natureza e territorialidade indígena2626 Fernandes JF. Encantes da Terra: segredo e conhecimento entre os Tremembé de Almofala. Ilha. 2019; 21(1):38-67. doi: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2019v21n1p38.
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Foram realizadas entrevistas com informantes-chave do povo Tremembé. Os critérios de elegibilidade dos participantes foram: indivíduos nascidos e residentes na aldeia de Almofala; de ambos os sexos; com idade a partir de 18 anos; em plenas condições físicas e mentais de fornecerem depoimentos e que autorizassem uso de suas informações gravadas. Segundo Tong, Sainsbury e Craig2020 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007; 19(6):349-57. doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042.
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, as entrevistas são ferramentas úteis para obter informações profundas, insights e explicações sobre modos de pensar ou de agir de membros de uma comunidade, e os informantes-chave são indivíduos bem-informados, com envolvimento ativo na comunidade e que possam fornecer informações profundas e amplas sobre um sistema, serviço ou outro assunto de interesse do pesquisador.

O recrutamento de participantes se deu por meio da técnica de amostragem em bola de neve ou snow ball. Nessa técnica, informantes-chave são usados como sementes, a fim de localizar algumas pessoas com o perfil necessário para a pesquisa dentro da população geral, sendo solicitado às pessoas indicadas pelas sementes que sugiram novos contatos com as características desejadas, a partir de sua própria rede pessoal, e assim sucessivamente2727 Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa. Temat [Internet]. 2014 [citado 28 Ago 2021]; 22(44):203-20. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tematicas/article/view/10977
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. O cacique indicou três informantes-chave, e cada um deles indicou mais um informante-chave, perfazendo assim um total de seis participantes para a fase de coleta de dados.

Inicialmente, a enfermeira que atua na Estratégia Saúde da Família que atende a comunidade indígena Tremembé sugeriu o contato com o cacique líder da comunidade, para conhecimento da proposta e posterior anuência para a realização da pesquisa. Após duas visitas iniciais para uma melhor aproximação com o campo empírico, um terceiro momento contemplou a apresentação do projeto ao cacique e demais líderes comunitários. O vínculo foi fortalecido especialmente por uma das entrevistadoras residir no município de Itarema e ter contato próximo com integrantes e lideranças da comunidade.

A coleta de dados foi conduzida presencialmente entre os meses de julho e agosto de 2021 por dois entrevistadores da equipe de pesquisa, previamente orientados pelo pesquisador principal, que, por sua vez, era experiente em pesquisa qualitativa em saúde, com ênfase na abordagem de participantes, técnica de entrevista semiestruturada e outros cuidados necessários no processo de coleta de dados qualitativos. Considerando o período pandêmico ocasionado pela Covid-19, foram adotadas como medidas de biossegurança as cautelas sanitárias vigentes de prevenção, incluindo uso de equipamentos de proteção individual, álcool em gel para limpeza tópica de mãos e distanciamento mínimo entre pesquisador e participante em ambiente de entrevista, com todas essas ações e cuidados ocorrendo em área ventilada. As entrevistas individuais foram feitas na própria aldeia, em ambiente privado e seguro, sem prejuízo para as atividades cotidianas dos entrevistados e de acordo com a disponibilidade previamente agendada com cada participante. O tempo de cada entrevista durou de dez a trinta minutos. Foi aplicado um roteiro de tópicos norteadores que abrangeram as seguintes questões: “Qual o entendimento e a importância dados à saúde bucal?”, “Comente sobre as experiências vivenciadas na busca por assistência odontológica.” e “Qual a percepção sobre as ações de saúde bucal realizadas para sua comunidade?”.

A reflexibilidade do processo de coleta de dados forneceu aos pesquisadores fundamentação suficiente para realizar uma análise com foco não somente nos aspectos biológicos, mas também no papel social que a boa qualidade de saúde bucal promove aos integrantes da comunidade indígena. Após esse contato inicial com o corpus empírico, as informações obtidas nas entrevistas realizadas foram integralmente transcritas e posteriormente analisadas por outros dois diferentes pesquisadores da equipe devidamente preparados para a fase de interpretação, utilizando a Análise de Conteúdo de Bardin, que tem as seguintes fases para a sua condução: 1) organização da análise, 2) codificação, 3) categorização, 4) tratamento dos resultados, inferência e 5) interpretação dos resultados com base nas categorizações, apresentada na seção a seguir2828 Mendes MF, Pereira LR, Lima TM, Melani VF, Palamim CVC, Boschiero MN, et al. Covid-19 pandemic evolution in the Brazilian Indigenous population. J Racial Ethnic Health Disparities. 2022; 9:921-37. doi: https://doi.org/10.1007/s40615-021-01031-6.
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,2929 Ferreira AMD, Oliveira JLC, Souza VS, Camillo NRS, Medeiros M, Marcon SS, et al. Roteiro adaptado de análise de conteúdo - modalidade temática: relato de experiência. J Nurs Health [Internet]. 2020 [citado 28 Ago 2021]; 10(1):e20101001. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/14534/10951
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Trata-se de uma pesquisa com seres humanos sem conflitos de interesse, que não fere os princípios éticos vigentes. A pesquisa está em conformidade com as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde n. 466/2012 (respeitando os princípios de não maleficência, beneficência, autonomia, justiça e equidade), n. 510/2016 (pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais) e n. 304/2000 (dentro da temática especial “populações indígenas”), tendo aprovação pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) em 22/01/2021, sob o parecer n. 4.507.802. Todos os participantes foram informados sobre os procedimentos desta pesquisa, sendo registrada sua anuência por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Autorização de Uso de Gravações. Para garantir o sigilo das informações e anonimato das participantes, os depoimentos foram codificados pelo símbolo “#”, acrescido do número arábico correspondente à ordem cronológica crescente da realização das entrevistas.

Resultados e discussão

Compuseram o presente estudo seis lideranças locais comunitárias, das quais obteve-se uma coerência de falas que se articularam nas seguintes subseções estruturadas com base na convergência de discursos:

A importância da saúde bucal relacionada ao bem-estar corporal e à socialização

Observou-se um consenso nas falas quanto à importância da saúde bucal e o cuidado assistencial odontológico como parte indissociável de boas condições de saúde geral, com ênfase nas necessidades de autocuidado.

E também entender que se a boca não tá legal, com certeza tem algum problema no corpo, tem problema em outro lugar também. Às vezes a pessoa tá com problema no estômago, não tá se cuidando, e é a boca que responde.

(#1)

Ademais, as mesmas falas ainda apontaram a saúde bucal não somente como uma necessidade para um funcionamento fisiológico do corpo humano, mas também como um instrumento que favorece a vida em sociedade, gerando boas condições físicas e mentais para o trabalho, a alimentação e as relações interpessoais.

O cabra sem dente não pode comer, não pode beber, não pode fazer coisa e aquilo dá uma impressão na pessoa que ninguém pode nem conversar com ninguém.

(#3)

Se você não tiver os dentes saudáveis, com saúde, sem ser estragado, você tem uma vida tranquila.

(#4)

Estando com dor de dente não pode tomar uma água porque dói, não pode almoçar porque dói, até de noite quando a pessoa tá dormindo dói. Porque ele cresce, né, dá aquela dor medonha, aí não dorme mais. E com dor de dente, tudo é ruim nesta vida...

(#5)

Os significados subjetivos que relacionam a saúde bucal com a existência da dor de dente, dificuldade de fala e perda da capacidade de exercer atividades cotidianas também foram relatados por indígenas de quatro grupos étnicos do Centro-Oeste (Kaiwoá, Kadiwéu, Terena e Guarani)1313 Arantes R, Frazão P. Subjective oral symptoms associated with self-rated oral health among Indigenous groups in Central-West Brazil. Community Dent Oral Epidemiol. 2018; 46(4):352-9. doi: https://doi.org/10.1111/cdoe.12375.
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. Pesquisas com a etnia Xukuru do Ororubá, em Pernambuco, sobre experiência de cárie em duas décadas, reforçaram a associação da experiência de dor e sofrimento com a baixa saúde bucal e a maior busca por atendimento odontológico, em comparação com queixas estéticas ou razões preventivas3030 Mauricio HA, Moreira RS. Oral health status of the ethnic group Xukuru from Ororubá: multilevel analysis. Rev Bras Epidemiol. 2014; 17(3):787-800. doi: https://doi.org/10.1590/1809-4503201400030017.
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,3131 Mauricio HA, Moreira RS. Self-perception of oral health by indigenous people: an analysis of latent classes. Cienc Saude Colet. 2020; 25(10):3765-72. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.26492018.
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. Esses aspectos demonstram que, embora o fenômeno saúde bucal seja acompanhado da palavra “saúde”, a percepção dos indígenas relacionada à ausência de dor e relação com o mundo pode ser resultante de dificuldades na integralidade do cuidado em saúde bucal.

Focalização em assistência clínica em detrimento de aspectos educativos

A problematização da integralidade predominou nas falas dos participantes do presente estudo. Ainda que apontassem a facilidade de acesso e uma aparente procura dos cuidados odontológicos no SUS, os quais são preconizados por ciclos e condições de vida, de acordo com a recomendação do Ministério da Saúde3232 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde bucal: cadernos de atenção básica, n° 17. Brasília: Ministério da Saúde; 2008., tal procura pareceu ser mais efetiva quando ocorria a dor.

Já falei até com a doutora ontem e eu vou pra lá. Não só comigo, mas cada probleminha que acontece, a pessoa é atendida.

(#1)

Eu nunca mais fui no dentista, nunca mais senti nada. Antes eu só ia quando estava doendo, mas sempre que eu sentia dor, eu marcava a consulta.

(#3)

A realização de consultas com base apenas na queixa de dor poderia levar a um atendimento com a eliminação do dente, procedimento mutilador, para a resolutividade do quadro.

O remédio do dente é arrancar. Eu prefiro que arranque, porque quando coloca a massinha, no outro dia ela tá caindo, e quando você arranca ele, ele não perturba mais.

(#2)

Ainda que esses relatos expressassem a presença da ação profissional na atenção à saúde bucal na área indígena, o processo de trabalho aparentou sustentar-se em um modelo exclusivamente assistencial, sobretudo onde há dificuldades de acesso a serviços de saúde bucal3333 Esposti CDD, Cavaca AG, Côco LSA, Santos-Neto ET, Oliveira AE. As dimensões do acesso aos serviços de saúde bucal na mídia impressa. Saude Soc. 2016; 25(1):19-30. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902016141706.
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. Existem elementos importantes nas falas que conotam a associação do trabalho odontológico educativo com crianças e estudantes, ação remanescente do modelo que incrementou a saúde bucal. Graças a essa hegemonia do sistema incremental, a saúde bucal de crianças em idade escolar foi priorizada, diferentemente do que ocorreu com outras faixas etárias, que acabaram sendo excluídas da atenção odontológica pública3434 Nickel DA, Lima FG, Silva BB. Modelos assistenciais em saúde bucal no Brasil. Cad Saude Publica. 2008; 24(2):241-6. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200002.
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.

Tem a equipe de saúde que trabalha muito, principalmente com a juventude, as crianças.

(#4)

Ela [cirurgiã-dentista] vem aqui pro colégio, a gente a chama, às vezes, duas vezes por ano pra dá essa palestra da importância da saúde bucal para os alunos, tanto pro fundamental quanto pro ensino médio.

(#5)

Esses discursos revelam que a atenção odontológica parece focalizar aspectos preventivos e educacionais em crianças escolares, desafio que se reflete na experiência de cada ciclo de vida com a saúde bucal. Indígenas Guaranis no Rio Grande do Sul apresentaram insatisfação com assistência odontológica em 18% dos adolescentes, em comparação com 7% dos adultos3535 Baldisserotto J, Ferreira AM, Warmling CM. Condições de saúde bucal da população indígena guarani moradora no Sul do Brasil. Cad Saude Colet. 2019; 27(4):468-75. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040354.
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. Os mais idosos dos indígenas Kaingang e Guarani da Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, também tiveram a busca pelo dentista associada à dor. Já os mais jovens o fizeram pela importância social e funcional de uma boa saúde bucal3636 Soares GH, Carrer FCA, Biazevic MGH, Michel-Crosato E. Food transition and oral health in two brazilian indigenous peoples: a grounded theory model. J Health Care Poor Underserved. 2019; 30(3):1037-52. doi: https://doi.org/10.1353/hpu.2019.0072.
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. Isso reforça a ideia de que a preocupação indígena com a saúde bucal pode diminuir com a idade, semelhante ao observado no ano 2000, quando a etnia Tremembé apresentou indicadores sobre a precariedade da sua saúde bucal e a ausência de ações educativas3737 Piuvezam G, Alves MSCF, Roncalli AG, Werner CWA, Ferreira AA. Ações de promoção em saúde bucal: um estudo com o povo indígena Tremembé, CE. Robrac. 2005; 14(37):60-4. doi: https://doi.org/10.36065/robrac.v14i37.113.
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.

Ações educativas para prevenir doenças bucais devem ser associadas à disponibilidade de água adequadamente fluoretada para o consumo, contexto não disponível para a comunidade de indígenas adultos Kiriri, na Bahia, que apresentaram alto índice de cárie3838 Montanha-Andrade K, Maia W, Pimentel ACP, Arsati YBOL, Santos JN, Cury PR. Dental health status and its indicators in adult Brazilian Indians without exposition to drinking water fluoridation: a cross-sectional study. Environ Sci Pollut Res Int. 2019; 26(33):34440-7. doi: https://doi.org/10.1007/s11356-019-06571-3.
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. Ações de higiene bucal supervisionadas, envolvendo questões alimentares, corporais e bucais e que consideram determinantes socias e que não promovem aculturação pelo modelo colonial de cuidado fizeram parte de experiência exitosa no povo Xukuru do Ororubá em Pernambuco3939 Santos LFR, Maurício HA, Lins FM, Silva IKS, Moreira RS. Expanded education during health multiprofissional residency: the experience report of a dentist in the Xukuru do Ororubá indigenous people (Pernambuco/Brazil). Interface (Botucatu). 2021; 25:e200549. doi: https://doi.org/10.1590/interface.200549.
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.

Na literatura, é importante evidenciar que oficinas de prevenção em saúde com os indígenas resultaram na produção de uma cartilha de saúde bucal Tremembé3939 Santos LFR, Maurício HA, Lins FM, Silva IKS, Moreira RS. Expanded education during health multiprofissional residency: the experience report of a dentist in the Xukuru do Ororubá indigenous people (Pernambuco/Brazil). Interface (Botucatu). 2021; 25:e200549. doi: https://doi.org/10.1590/interface.200549.
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, não relatada nas falas do presente estudo. A ausência de identificação da tecnologia pode ser resultante de linguagem e/ou ilustrações descontextualizadas da cultura indígena local4040 Sandes LFF, Freitas DA, Souza MFNS, Leite KBS. Atenção primária à saúde de indígenas sul-americanos: revisão integrativa da literatura. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42:e163. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.163.
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. Cita-se, por exemplo, um estudo qualitativo com o povo Tremembé de Almofala, que demonstrou ter muitas práticas de lazer realizadas na natureza e brincadeiras de crianças com animais, contribuindo para o sentimento de grupo2323 Pereira ASM, Gomes DP, Castro SO. Práticas de lazer do povo indígena Tremembé. Licere. 2019; 22(2):132-59. doi: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2019.13553.
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, favorável a ações educacionais coletivas.

Conhecimento tradicional associado à saúde bucal

As falas analisadas reportaram a coexistência de práticas culturais com hábitos de higiene bucal, realizados pelos integrantes Tremembés, o que reforça a existência da ancestralidade no cuidado em saúde.

Eu usava antigamente o Juá, as raspas, colocava na boca para gargulejar, era muito boa para conservar os dentes. A minha avó morreu com 86 anos... não tinha nenhum dente cariado. E ela sempre me ensinava a lavar a boca com água de sal e com o Juá.

(#2)

Coloco uma água de molho com casca de emburana, aí de manhãzinha passo na boca, bochechando, aí não fica aquele bafo ruim. Ela também é cicatrizante.

(#3)

Olha, eu nunca botei escova na boca no meu tempo de juventude, né? Eu lavava a boca com a própria areia. Eu não lavava a boca com a primeira capa de areia de cima... eu arredava a areia pra pegar uma parte de baixo.

(#4)

Às vezes eu escovo com pasta, às vezes com o carvão... e às vezes com areia ou com o pó da ostra. Sempre tive esse cuidado.

(#6)

Essas práticas culturais representam medicinas tradicionais, promovendo a (re)construção de saberes por meio da interação entre conhecimento popular e científico na própria realidade, com enfoque no autocuidado, podendo ser mais eficazes do que o padrão curativista. Tais relatos concordam com os resultados de outro estudo do povo Tremembé de Almofala, que evidenciou o uso de folhas de plantas diversas em rituais nas formas de banhos, defumação, bênçãos e rezas de cura, bem como o uso de cascas e sementes de umburana em forma de garrafadas para reduzir inflamação e melhorar a cicatrização, o que pode oferecer uma importante contribuição para a etnobotânica dos indígenas nordestinos4141 Arantes R, Jamieson LM, Frazão P. Dental caries, periodontal disease and restorative dental care among Indigenous and non-Indigenous groups in Brazil: a descriptive study. Community Dent Oral Epidemiol. 2021; 49(1):63-9. doi: https://doi.org/10.1111/cdoe.12577.
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. O povo Tremembé também demonstrou o uso de conhecimentos tradicionais para a cura física e espiritual, ancorado em um simbolismo próprio e incrementado por significantes de umbanda, encantados não humanos (curupira e caipora, protetores das matas, e guajara, protetor dos manguezais)2323 Pereira ASM, Gomes DP, Castro SO. Práticas de lazer do povo indígena Tremembé. Licere. 2019; 22(2):132-59. doi: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2019.13553.
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,4242 Lima RQ. Xamanismo Tremembé, abertura de lugares e formação de pessoas indígenas. Wamon. 2020; 5(2):235-57. doi: https://doi.org/10.29327/229184.5.2-17.
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, xamanismo e catolicismo popular4242 Lima RQ. Xamanismo Tremembé, abertura de lugares e formação de pessoas indígenas. Wamon. 2020; 5(2):235-57. doi: https://doi.org/10.29327/229184.5.2-17.
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.

Um catálogo das ervas e plantas medicinais utilizadas pela comunidade para a terapêutica das doenças bucais foi desenvolvido no ano 2000, na perspectiva de um resgate da medicina tradicional Tremembé3737 Piuvezam G, Alves MSCF, Roncalli AG, Werner CWA, Ferreira AA. Ações de promoção em saúde bucal: um estudo com o povo indígena Tremembé, CE. Robrac. 2005; 14(37):60-4. doi: https://doi.org/10.36065/robrac.v14i37.113.
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. Entretanto, trata-se de uma experiência pioneira e isolada na literatura temática sobre a etnia estudada, não sendo possível inferir suas potencialidades e limitações longitudinais para o cenário contemporâneo.

Embora a discussão sobre o conhecimento tradicional indígena para saúde bucal seja mais recente, há relatos de práticas de saúde geral na região do baixo Amazonas no Pará desde a década de 1990, em locais comunitários para tratamentos com plantas nativas, terapias bioenergéticas, florais e medicamentos, desenvolvidos com instituições científicas4343 Fidelis JC, Carvalho LG. Por dentro da rede: a circulação de conhecimentos e práticas de saúde no baixo Amazonas. Bol Mus Parana Emílio Goeldi Cienc Hum. 2021; 16(1):e20200002. doi: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0002.
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. Tais práticas tradicionais e alternativas em saúde são, portanto, capazes de agregar diferentes sistemas de conhecimento.

Valorização da alimentação saudável, associada à boa qualidade da saúde bucal

Foi importante identificar que, quando relataram as próprias experiências de autocuidado bucal, os integrantes da comunidade reconheceram os prejuízos de alimentos ultraprocessados, influenciando as condições de saúde bucal, e, ao mesmo tempo, demonstraram automaticamente o poder educativo que a comunidade indígena possui em relação aos hábitos de alimentação saudável.

Eu acho que a parte da alimentação também conta muito, porque hoje a maioria das crianças comem muita besteira: é o bombom, é o xilito, é o recheado. A mãe não incentiva a criança comer uma fruta.

(#1)

A gente dá muitas palestras com os alunos, né, porque a juventude de hoje gosta muito de bombom e o bombom é um veneno. A coisa mais difícil que tem é eu botar um bombom na boca.

(#4)

Essas falas refletiram que agricultura de subsistência dos Tremembés não é vista como um meio de produção, mas como uma possibilidade de se viver sem o constrangimento dos brancos4242 Lima RQ. Xamanismo Tremembé, abertura de lugares e formação de pessoas indígenas. Wamon. 2020; 5(2):235-57. doi: https://doi.org/10.29327/229184.5.2-17.
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. Por outro lado, a insegurança alimentar, verificada na tendência do alto consumo de alimentos ultraprocessados, pode impactar no alto índice de cárie, conforme verificado em adultos Kaingang beneficiários do Bolsa Família, da Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul4444 Soares GH, Mota JMS, Mialhe FL, Biazevic MGH, Araujo ME, Michel-Crosato E. Household food insecurity, dental caries and oral-health-related quality of life in Brazilian Indigenous adults. Cienc Saude Colet. 2021; 26(4):e06472019. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232021264.06472019.
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, e em indígenas da etnia Xukuru de Ororubá, em Pernambuco4545 Miranda KCO, Souza TAC, Leal SC. Caries prevalence among Brazilian indigenous population of urban areas based on the 2010 National Oral Health Survey. Cienc Saude Colet. 2018; 23(4):1313-22. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.18082016.
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. Estudo nacional, realizado em 113 vilas indígenas distribuídas pelo país, demonstrou, na região norte, menor status socioeconômico, maiores taxas de sobrepeso em mulheres e desnutrição em crianças, com impacto na qualidade de saúde bucal4646 Coimbra CEA Jr, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The first national survey of indigenous people’s health and nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health. 2013; 13:52. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-52.
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.

O consumo regular por indígenas adultos Kaingang, na Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, de bebidas fermentadas, doces, massas e comidas enlatadas, associado à distância de localização da vila, maior intervalo da última visita ao dentista (três ou mais anos) e maior número de dentes cariados, pode contribuir para piora dos indicadores de saúde dentária66 Soares GH, Aragão AS, Frias AC, Werneck RI, Biazevic MGH, Michel-Crosato E. Epidemiological profile of caries and need for dental extraction in a Kaingang adult Indigenous population. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22:e190042. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720190042.
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.

Cuidado com integração profissional-ator social

O reconhecimento da importância da saúde bucal aliada às práticas de cuidado tradicionais com foco na alimentação saudável, nas falas obtidas pelo presente estudo, apresentou-se como potencial para integração de cuidados dos profissionais de saúde e dos atores sociais que possuíam papel de liderança na comunidade indígena. Esse é um reconhecimento explícito nos discursos que apontam os saberes diversos e articulam conhecimentos, inclusive considerando-se parceiros indiretos dos trabalhadores de saúde quando se referem à utilização de diferentes abordagens terapêuticas que podem ser coadjuvantes dos tratamentos convencionais.

Ela [dentista] já tem toda a noção de uma febre que pode se curar com medicamento e que pode se curar com chá. Isso foi já a gente, índios, que passamos para ela. Então nós temos toda essa parte de parceria de trabalho.

(#1).

Quando eu vou no dentista, eu sempre pergunto se eu posso mastigar uma ervazinha que ajuda a cicatrizar, e ele diz que eu posso. Então eu fico bom rápido, ele trabalha de lá e eu trabalho me cuidando daqui, com o pouco que sei, quando os dois fazem por onde, a pessoa melhora logo.

(#2).

Essas falas identificam que o processo de educação indígena na etnia Tremembé de Almofala é representado como uma vivência cotidiana pautada nas relações afetivas que os indivíduos estabelecem entre si, com a natureza e com a sociedade em geral4747 Lima DMA, Fernandes FF, Figueiredo JBA. Diálogos na educação indígena: um olhar sobre as etnias Guarani-Mbyá do Paraná e Tremembé do Ceará. Rev Terceiro Incluido. 2015; 5(2):75-90. doi: https://doi.org/10.5216/teri.v5i2.38737.
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. As mulheres pajés Tremembés são frequentemente requisitadas para realização de trabalhos de cura e gozam de bastante respaldo perante o grupo indígena2323 Pereira ASM, Gomes DP, Castro SO. Práticas de lazer do povo indígena Tremembé. Licere. 2019; 22(2):132-59. doi: https://doi.org/10.35699/1981-3171.2019.13553.
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,4848 Borges JF, Silva TRV, Vilela LC. História e Arqueologia na construção da interculturalidade: construindo saberes plurais com os Tremembés de Almofala - CE. Fronteiras Rev Hist. 2016; 18(32):178-96..

No Brasil, houve, nas últimas duas décadas, um aumento expressivo do acesso dos povos indígenas aos serviços de saúde pública e do número de profissionais nas equipes de Atenção à Saúde Indígena4949 Diehl EE, Langdon EJ, Dias-Scopel RP. Contribuição dos agentes indígenas de saúde na atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas brasileiros. Cad Saude Publica. 2012; 28(5):819-31. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000500002.
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. No entanto, a alta rotatividade profissional, o relacionamento interpessoal pouco dialógico e a insuficiência de formação e capacitação são fatores que impactam negativamente e atrapalham a real melhoria das condições de saúde indígena3535 Baldisserotto J, Ferreira AM, Warmling CM. Condições de saúde bucal da população indígena guarani moradora no Sul do Brasil. Cad Saude Colet. 2019; 27(4):468-75. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040354.
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,4949 Diehl EE, Langdon EJ, Dias-Scopel RP. Contribuição dos agentes indígenas de saúde na atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas brasileiros. Cad Saude Publica. 2012; 28(5):819-31. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000500002.
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.

O debate descolonizante e a construção de saberes plurais com base nos saberes indígenas são importantes na formação em saúde. A atenção bucal indígena pode ser experienciada desde a faculdade, como comprovou o programa extensionista Huka-Katu (“belo sorriso”, em língua local), desenvolvido no Parque Nacional Indígena do Xingu, que possuía foco nas comunidades e ações educativas, agregando valores de diferentes realidades de atenção odontológica; trabalho em equipe e comunitário; tomada de decisão; respeito à cultura indígena; e visão holística do paciente5050 Bulgarelli AF, Roperto RC, Mestriner SF, Mestriner W. Dentistry students’ perceptions about an extramural experience with a Brazilian indigenous community. Indian J Dent Res. 2012; 23(4):498-500. doi: https://doi.org/10.4103/0970-9290.104957.
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.

A compreensão dos modelos de estruturação política poderia ajudar na neutralização dos determinantes sociais e no combate às iniquidades indígenas44 Jamieson L, Haag D, Schuch H, Kapellas K, Arantes R, Thomson WM. Indigenous oral health inequalities at an international level: a commentary. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17(11):e3958. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17113958.
https://doi.org/10.3390/ijerph17113958...
. Segundo Jamieson et al.44 Jamieson L, Haag D, Schuch H, Kapellas K, Arantes R, Thomson WM. Indigenous oral health inequalities at an international level: a commentary. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17(11):e3958. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17113958.
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, com base no poder de ideias, seria um caminho aumentar a importância da representatividade indígena; empoderamento dos atores sociais, a busca de coesão da comunidade indígena; e no poder do contexto político, com o aproveitamento do momento governamental e econômico em benefício da comunidade indígena.

Considerações finais

O desenho deste estudo adotou uma metodologia qualitativa com uma importância substancial no empoderamento de comunidades indígenas e fortalecimento de políticas de saúde. As limitações deste estudo concordam com as da literatura, que exibe heterogeneidade das populações indígenas, desafios enfrentados por investigadores para implementação da pesquisa e menor abordagem de determinantes sociais da saúde. As dificuldades no processo de entrada no campo da pesquisa se justificam pela pandemia por Covid-19 ainda vigente, que encontra na população indígena pessoas mais vulneráveis à transmissão do vírus, requerendo atenção especial. Embora os participantes tenham relatado experiências importantes para o fortalecimento de vínculo com a equipe de saúde bucal, a construção bilateral dessa relação não pôde ser aprofundada em virtude da escolha metodológica.

Dessa forma, pode-se concluir que os discursos convergem para a necessidade do cuidado em saúde bucal com um olhar para além das funções fisiológicas, bem como para o reconhecimento da atuação social, fruto das relações, processos e produções sociais. Ainda se observa a necessidade de ampliar o significado da atenção à saúde bucal com ações preventivas e de limitação de danos, com a valorização de hábitos saudáveis, como a alimentação e práticas tradicionais da comunidade. Essas ações se apresentam como estratégias aliadas a programas de cuidados baseados em ciclos de vida, que incluam abordagens educativas problematizadoras e emancipatórias na comunidade indígena.

O conhecimento obtido a partir da análise das falas é tomado como prática social, ou seja, são reconhecidas a necessidade de assistência odontológica e o entendimento de que as práticas de autocuidado, considerando aspectos culturais e ancestrais, podem ser articuladas com o saber profissional na qualificação da atenção à saúde bucal. Tais produções sociais que se institucionalizaram na comunidade Tremembé por meio de práticas habituais são importantes para os processos de gestão do SUS.

  • Maciel JAC, Monteiro AKA, Pará JWS, Sousa JR, Castro-Silva II. “Com dor de dente, tudo é ruim nesta vida!”: saúde bucal na comunidade indígena de Tremembé, Ceará, Brasil. Interface (Botucatu). 2022; 26 (Supl. 1): e220239 https://doi.org/10.1590/interface220239
  • Financiamento

    Bolsa de Produtividade em Pesquisa, Estímulo à Interiorização e à Inovação Tecnológica (BPI) da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Ceará, Brasil (Processo n. BP4-0172-00222.01.00/20).

Referências

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Editado por

Editora
Miriam Celí Pimentel Porto Foresti
Editor associado
Franklin Delano Soares Forte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2022
  • Aceito
    19 Set 2022
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