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Sobre a necessidade de tratar dos desastres no contexto da sociedade de risco

EDITORIAL

Sobre a necessidade de tratar dos desastres no contexto da sociedade de risco

Atualmente, além dos riscos associados aos avanços da ciência e tecnologia, surgem novas situações diferentes das existentes, muitas das quais imensuráveis. Entretanto, os riscos socioambientais urbanos configuram a produção de riscos associados à pobreza, às desigualdades e à lógica de desenvolvimento urbano que ainda prevalece.

Existe uma forte dimensão social no risco, agravada pela vulnerabilidade das populações e pelo contexto físico onde se localizam. A questão que se coloca, portanto, refere-se à gestão dos riscos, e a dinâmica que prevalece é a de que a prevenção e minimização das consequências dependerão das medidas políticas no contexto de cada território.

A literatura sobre os desastres ambientais, notadamente sobre inundações e deslizamentos, envolve os temas da segurança e da vulnerabilidade das populações, especialmente de grupos residentes em assentamentos humanos precários, sujeitos a risco socioambiental, que, em virtude das situações climáticas severas, se confrontam com a necessidade de suportar os impactos adversos, os quais poderão afetar direta ou indiretamente a todos.

O que se verifica é que em situações como inundações, um dos desastres mais comuns e devastadores, os problemas gerados após um evento expõem a falta de planejamento de uso e ocupação do solo, o despreparo das autoridades e a falta de um ethos de prevenção na sociedade. Além disso, os agravantes associados às desigualdades sociais e à precariedade da infraestrutura urbana não são desconsiderados estes que amplificam as tragédias urbanas causadas pelo descontrole histórico do processo de ocupação.

As noções de risco e segurança compõem o quadro de uma realidade socioambiental caracterizada pela fragilidade na capacidade de respostas das sociedades com menos recursos, assim como pela falta de ações articuladas, em virtude da cultura política institucional pautada pelas ações setoriais e também por aquelas voltadas para interesses de grupos econômicos e políticos dominantes.

Cabe enfatizar que, na sociedade de risco, os "desastres anunciados" não podem ser vistos como fatalidades, pois na maioria dos casos podem ser previstos e evitados.

Assim, no contexto do atual quadro da urbanização mundial, é inquestionável a necessidade da implementação de políticas públicas orientadas a tornar as cidades social e ambientalmente sustentáveis, contrapondo-se ao quadro de deterioração das condições da vida urbana, em especial nos países periféricos.

Isso porque, observa-se que eventos extremos têm se tornado mais frequentes, ameaçando cada vez mais a precária infraestrutura das cidades. As metrópoles se defrontam com o desafio de reduzir os riscos de desastres, especialmente provenientes de chuvas intensas. demanda.

É necessário, dessa forma, repensar a governança do espaço urbano, tanto prevenindo e alertando desastres como na atuação pós-desastre. Políticas que evitem ou reduzam a degradação de áreas frágeis e de relevância para o funcionamento dos sistemas naturais necessitam ser implementadas, o que poderá ser alcançado em uma perspectiva de atuação compartilhada e interescalar entre os diferentes setores da sociedade.

Neste volume especial dedicado à discussão dos Desastres Naturais e Riscos Socioambientais, os coeditores Antonio Aledo, da Universidad de Alicante (Espanha) e Jeroen Warner, da Universidade de Wageningen (Holanda), colaboram com dois textos que abordam questões relevantes no debate sobre riscos, seus impactos e a lógica prevalecente na sociedade, situaremos o leitor, a seguir, com uma breve explicação de cada texto presente nesta edição.

No artigo Disaster culture matters, os autores Jeroen Warner e Karen Engel enfatizam a necessidade de um engajamento inclusivo e reflexivo e do debate com todos os grupos sociais sobre como lidar com o desastre. Os autores advertem para a importância da ação dos especialistas e o planejamento top-down.

Antonio Aledo e Samia Sulaiman, no artigo La incuestionabilidad del riesgo, mostram como as pesquisas sobre o risco devem superar o enfoque gerencial para incluir a crítica ao contexto sociopolítico do qual decorrem as desigualdades do desenvolvimento que produz a vulnerabilidade face ao risco.

Os autores Luana Marcia Baptista Tavares e Fernando Cordeiro Barbosa avaliam a emoção do medo frente às consequências e danos de desastres naturais, no artigo Reflexões sobre a emoção do medo e suas implicações nas ações da Defesa Civil. O artigo discute em que medida o medo se torna um aliado nas possíveis ações preventivas da Defesa Civil ou quando se considera o que ocorre com as vítimas em suas expressividades pós-traumáticas.

Os autores Gabriela Marques Di Giulio, Sílvia Serrao-Neumann, José Eduardo Viglio, Lúcia da Costa Ferreira e Darryl Low Choy discutem a utilização de grupos focais e de planejamento com cenários envolvendo stakeholders e pesquisadores como instrumentos metodológicos em estudos qualitativos sobre risco. No artigo Propostas metodológicas em pesquisas sobre risco e adaptação: experiências no Brasil e na Austrália, os autores apresentam e analisam os resultados de dois estudos realizados no Litoral Norte paulista (Brasil) e na parte Norte da costa de Queensland (Austrália), entre 2011 e 2013.

No artigo Comunicação de risco e os discursos da imprensa Sergipana na Transposição do rio São Francisco, os autores Michele Amorim Becker e Antônio Carlos dos Santos analisam o discurso da imprensa sergipana sobre os possíveis riscos socioambientais causados pela transposição do rio São Francisco, com base em pesquisa documental realizada no período de 2004 a 2007.

Os autores Eliane Teixeira dos Santos e Eduardo Amaral Haddad, no artigo Mapeamento das Perdas Econômicas Potenciais dos Pontos de Alagamento do Município de São Paulo, 2008-2012 avaliam os impactos econômicos dos alagamentos ocorridos em São Paulo, considerando um conceito mais amplo de prejuízo, que inclui custos indiretos avaliados por meio das ligações das cadeias produtivas existentes na cidade.

No artigo Brasil, Éden desmoronando: desastres naturais no Brasil contemporâneo, os autores Leonardo Freire de Mello, Valéria Zanetti e Maria Aparecida Papali discutem a permanência de antigos mitos edênicos na sociedade brasileira e sua relação com o ambiente, a sociedade e as explicações utilizadas para diferentes desastres naturais. Para os autores essa perspectiva permite uma melhor compreensão da atual relação homem/natureza na sociedade brasileira, com base nas mudanças ambientais globais, seus riscos e vulnerabilidades.

As autoras Raquel Otoni de Araújo e Teresa C. da Silva Rosa analisam a comunicação de risco em situações de inundações e deslizamentos resultantes de chuvas no estado do Espírito Santo, no artigo Socio-environmental vulnerability and disaster risk reduction: the role of Espírito Santo State (Brazil).

No artigo Desastres relacionados à água no Brasil: perspectivas e recomendações os autores Luciana de Resende Londe, Marcos Pellegrini Coutinho, Leandro Torres Di Gregório, Leonardo Bacelar Lima Santos e Erico Soriano discutem os principais desafios para se minimizar os riscos de desastres ambientais associados aos recursos hídricos no Brasil.

No artigo Proposta de um programa de treinamento de desastres naturais considerando o perfil das vítimas os autores Irineu de Brito Junior, Carlos Henrique Viegas de Rosis, Priscilla Vieira Carneiro, Adriana Leiras e Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki analisaram desastres ambientais já ocorridos e o perfil de suas vítimas, visando propor programas de treinamento com o objetivo de contribuir com políticas de prevenção e mitigação de riscos. voltados a preparação para desastres.

No artigo Políticas públicas regionais para a gestão de riscos: o processo de implementação no Grande ABC, São Paulo os autores Fernando Rocha Nogueira, Vanessa Elias de Oliveira e Kátia Canil estudaram o impacto dos desastres ocasionados por chuvas intensas em Santa Catarina (2008) e Rio de Janeiro (2010 e 2011), sobre o enfoque dos avanços legais e institucionais na gestão de riscos de desastres.

A autora Viviane Kraieski de Assunção realizou uma pesquisa etnográfica sobre a reconfiguração socioespacial do município de Tubarão após a enchente de 1974, no artigo Enchente de 1974 como drama social: relações entre percepção de risco, conflito e gentrificação, discutindo as mudanças da representação da localidade, além do estabelecimento de relações de conflito entre moradores de classes sociais distintas e de um processo de gentrificação local.

Ao discutir a prevenção de desastres com base nas experiências de adolescentes que vivem em áreas de risco na região Norte da capital paulista, os autores Roberth M. Tavanti e Mary Jane Spink abordam as atuais políticas, diretrizes e conceitos que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil, em especial, aquelas orientadas para a prevenção de desastres, no artigo Ações locais e prevenção: um estudo com adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental.

Luísa Schmidt, Ana Horta e Sérgio Pereira retomam o debate em torno dos problemas de segurança em acidentes nucleares no artigo O desastre nuclear de Fukushima e os seus Impactos no enquadramento mediático das tecnologias de fissão e fusão nuclear comparam a cobertura mediática das tecnologias de fusão e fissão nuclear em três países, Alemanha, Espanha e Portugal, entre 2008 e 2012, revelando que o desastre de Fukushima não teve um impacto significativo no enquadramento midiático da fusão nuclear na maior parte dos jornais analisados.

No artigo Riscos geotécnicos e vulnerabilidade social em zonas costeiras: desigualdades e mudanças climáticas, os autores Allan Yu Iwama, Mateus Batistella e Lúcia da Costa Ferreira analisam os riscos ambientais em parte do Litoral Norte de São Paulo, em especial no contexto de eventos climáticos extremos. Para os autores há uma perspectiva de redução de riscos e desastres, com a implementação de políticas públicas voltadas à gestão territorial.

Por fim. o artigo Eventos climáticos extremos e consequências sobre a saúde: O desastre de 2008 em Santa Catarina segundo diferentes fontes de informação analisa os impactos à saúde decorrentes do evento climático extremo ocorrido em novembro de 2008, em Santa Catarina. Os autores Diego Ricardo Xavier, Christovam Barcellos e Carlos Machado Freitas demonstram que os efeitos imediatos do desastre se constituem como a parte mais evidente dos impactos que se prolongam ao longo do tempo, expressando as vulnerabilidades sociais, ambientais e institucionais.

Boa leitura a todos.

PEDRO ROBERTO JACOBI, ANTONIO ALEDO e JEROEN WARNER

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2014
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