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HÁ-UM, O SUJEITO E A SEXUAÇÃO

Yad’lun, the subject and sexuation

RESUMO:

O artigo visa demonstrar como o aforismo Há-um, forjado e trabalhado por Jacques Lacan notadamente nos seminários O saber do psicanalista e ...ou pior, entre 1971 e 1972, fundamenta a teoria da sexuação, promovida nessa época. Discutimos como as rupturas epistemológicas implicadas no Um desembocam na escrita da impossibilidade de proporção sexual para o ser falante. O aforismo se desdobra, portanto, em: não há relação do Um com o Ser, do Um com o Outro, do Um com o Outro sexo, isto é, não há relação sexual.

Palavras-chave:
sexuação; sujeito; diferença dos sexos; Jacques Lacan

ABSTRACT:

The article aims to demonstrate how the aphorism Yad’lun, forged and worked out by Jacques Lacan, notably in the seminars The psychoanalyst’s knowledge and …or worse between 1971 and 1972, is the basis for the theory of sexuation promoted, at that time. We discussed how the epistemological ruptures involved in the One lead to the writing of the impossibility of sexual proportion for the speaking being. The aphorism unfolds therefore in: there is no relationship between the One and the Being, the One and the Other, the One and the Other sex, that is, there is no sexual relationship.

Keywords:
sexuation; subject; sexual difference; Jacques Lacan

INTRODUÇÃO

Para fundar a paraconsistência de sua teoria da sexuação, Jacques Lacan teve de romper radicalmente com paradigmas lógicos que forçam o binarismo e a totalização da verdade, reforçando sua heterogenia em relação à metafísica aristotélica e aos substancialismos que suas bases engendram.

Consequências: atualização da teoria do significante e sua intrínseca concepção de verdade; o sujeito repensado a partir dessa penetração epistemológica da lógica e da matemática na psicanálise; possibilidade de formulação de posicionamentos sexuados a partir de uma impossibilidade de proporção/relação [rapport] lógica. Enquanto incongruente com a concretude individual, a existência lacaniana, referida ao real, tem primazia em relação à representação e estabelece matizes de significação desde a unariedade que obstaculiza nossa fantasia de simetria baseada no modelo mítico animal.

É nos seminários simultâneos que realizou entre 1971 e 1972, O saber do psicanalista e ...ou pior, que Lacan diretamente tentará dar conta dessa problemática. A resposta que forjará se condensa no aforismo Há-um [Yad’lun], que significa: não há relação do Um com o Ser, do Um com o Outro, do Um com o Outro sexo, isto é, não há relação sexual. Epistemologicamente, a questão é o tempo todo pareada com a relação do número com o real, sobretudo a partir da teoria dos conjuntos e da fundamentação da aritmética conforme Frege. O “alvo” de Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 61) naquele ano era: o que se transfere de 0 para 1?

O significante, o número e a verdade

A questão diz respeito ao sujeito. Lacan o situa de diferentes maneiras nesses seminários, reiterando metonimicamente que o vazio que funda o Um é o próprio suporte da existência. O inconsciente refere-se a que, por sua existência, se demonstra a inexistência como precedente ao necessário: a inexistência “está no princípio do sintoma, é a própria consistência do dito sintoma” (LACAN, 1971-1972/2003LACAN, J. ...ou pior (1971-1972). Salvador: Espaço Moebius, 2003., p. 48). A necessidade enquanto repetição advém da inconsistência do simbólico, sua reflexividade, da inexistência de fundamento do significante, isto é, de seu furo. Se o que existe é o significante, trata-se, a rigor, de que “a existência é a insistência” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 160): “Não há existência senão sobre um fundo de inexistência”; o há [il y a, y en a] surge “sobre o fundo do indeterminado”, “de algo que não tem forma” (p. 95, 88, 89).

Assim, a lógica é a ciência do real em homologia ao discurso analítico porquanto ele se interessa pelo mesmo impossível. A nova lógica que Lacan propõe logo na primeira aula de ...ou pior, aquela que se interessa pela forma como o discurso (linguagem) é limitado a abordar esse impasse em seu centro, dispensa o princípio de contradição, comporta o real em seu saber. Uma “exploração lógica do Real” implica que o que assim se forja de prosdiorismos na linguagem vai de encontro à tradição aristotélica e, portanto, à abordagem “anedótica” da castração:

A análise lógica do que se chama função proposicional articula-se pelo isolamento na proposição, ou mais exatamente da falta, do vazio, do buraco, do oco, que é feito daquilo que deve funcionar como argumento. (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 39, 40).

A existência, portanto, está para o real; assim como o significante está para a falta. Há-um assinala que o Um cinge uma ausência, donde o neologismo ex-sistência surge no dia 15 de março de 1972. Assim, o Um de que se trata situa-se nos confins do simbólico, é o contorno de um significante a mais, que jamais se inscreve: “será que não lhes chama a atenção [...] que eu fale do Um como de um Real, de um Real que também pode não ter nada a ver com qualquer realidade?” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 101).

Lacan enfatiza constantemente que está se baseando na interrogação lógico-matemática do número: “o número faz parte do Real” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 18). A teoria dos conjuntos “tentou dar conta da função do Um” (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 102), o que implica que tal teoria seja homóloga à estrutura significante, servindo-lhe de modelo (RONA, 2010RONA, P. A topologia na psicanálise de Jacques Lacan: o significante, o conjunto e o número. Tese de doutorado: Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2010.). Assim, o Um surgiu tardiamente nas matemáticas, que hoje têm a teoria dos conjuntos como um de seus pilares, juntamente com a lógica formal. Esse real, que vale para a simbolização de um modo geral, é portanto a indeterminação do que vem a ser um homem ou uma mulher, vazio do sujeito no argumento da função (fálica). Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 61) também diz que é a “propriedade comum” da logicização da série dos números inteiros: o que se transfere de 0 para 1 e impede que haja, não multiplicidade, mas tão somente repetição.

Em oposição à metafísica aristotélica e seu esgotamento da exploração do discurso para preservar a completude da verdade, Lacan saúda a astúcia do Parmênides de Platão em diferenciar o Um do Ser, donde saiu a distinção da existência, e critica o essencialismo do estagirita, tributário da noção de indivíduo que se vê nas particulares e universais (aquelas são ilustrativas dessas, não entram em contradição) de seu quadrado lógico. Pensar a mônada por essa perspectiva implicaria sua indivisibilidade, mas se trata justamente do contrário. Não o ser individual e sua “existência natural” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 101): “a mônada [monade], portanto, é o Um que se sabe sozinho, ponto-de-real da relação vazia” (LACAN, 1972-1973/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 547).

Lacan (1971-1972/2003) paga tributo à distinção entre “é Um” e “o Um é” (p. 85), do Parmênides, para lançar o aforismo do seminário: “renovamos a dialética platônica” (p. 95). Assim, contra “o Um é”, a crítica ontológica de Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549.) vai de encontro à positivação do ser, pois se trata antes do que “existe senão por não ser” (p. 96). Isto é, “o que comanda é o Um, o Um faz o Ser” (p. 164). Sua existência, portanto, é matemática: “não há outra existência do Um senão a existência matemática [...] um argumento que é completamente esvaziado de sentido, é simplesmente o Um como Um” (p. 132).

A partir da formalização da Matemática segundo Frege, ainda que com as ressalvas que seus paradoxos resultantes obrigam, Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549.) busca outra via de demonstração da “emergência do 1 como tal” (p. 53): “esta conquista permanece para nós preciosa na medida em que nos dá o 1 como sendo essencialmente [...] o significante da inexistência” (p. 55). A logicização da série dos números inteiros dá conta, não de qualidades ou propriedades, “mas da possibilidade da repetição”, o que convém à psicanálise: “A repetição se coloca a princípio como repetição do 1, enquanto 1 da inexistência” (p. 58).

Em Os fundamentos da aritmética, Frege (1884/1992FREGE, G. Os fundamentos da aritmética (1884). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992.) inicia sua investigação afirmando que carecemos de saber “o que é o número um” (p. 29). Exaustivamente, seus argumentos procuram demonstrar que “o número não é algo físico nem, tão-pouco [sic], subjectivo [sic]; ele não consiste de todo numa representação” (p. 74). Diferentemente da via axiomática de Peano, trata-se de estabelecer logicamente como se constitui a sucessão numérica.

Com efeito, as verdades aritméticas regem o domínio do contável. Este é, de entre todos, o mais abrangente; pertence-lhe não apenas o que é real, nem só o que é intuível, mas também tudo o que é pensável. Não será assim de esperar que as leis dos números estejam na mais íntima das ligações com as do pensamento? (FREGE, 1884/1992FREGE, G. Os fundamentos da aritmética (1884). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992., p. 50).

Sob conceitos caem os respectivos objetos, o que lhes constitui suas extensões. Frege forja o conceito de equinumericidade, isto é, a relação biunívoca entre extensões de conceitos, para estabelecer que a definição lógica do número compreende essa igualdade. Em outras palavras, “para se poder dizer o que é um número faz-se necessário explicitar o que quer dizer que dois números são iguais, o que implica o pressuposto de ser a relação de igualdade fundamental, e o princípio de igualdade (x=x), irrevogável” (RONA, 2010RONA, P. A topologia na psicanálise de Jacques Lacan: o significante, o conjunto e o número. Tese de doutorado: Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2010., p. 122). De tal forma que: “O número cardinal que vem para o conceito F é a extensão do conceito ‘equinumérico ao conceito F’” (FREGE, 1884/1992FREGE, G. Os fundamentos da aritmética (1884). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992., p. 87).

Para definir o zero e fundar a sucessão cardinal, Frege o submeterá ao conceito “desigual a si mesmo”, cuja extensão é nula. A partir desse mesmo objeto contraditório, que se exclui do princípio de identidade que permanece soberano nessa sistematização, Frege estabelecerá o conceito “igual a zero” para a definição do número um. Ora, como sob tal conceito só cabe o zero, essa falta de objeto é contada e o número 1 tem então conceito e objeto. Na sequência, ao número 2 caberá o conceito “igual a 0 ou 1”, e assim por diante. Assim, Frege “gerou o Um do conjunto vazio [...] para instaurar que zero e um são dois”, isto é, é do “1 que falta no nível do 0 (zero) que procede toda a série aritmética” (LACAN, 1972-1973/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 544; 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 93). O zero então se reitera como unidade, ou seja, a inexistência se repete e desdobra a série numérica. Em termos conjuntistas: “0 é o número que vem para ? (“diferente de si próprio”); 1 é o número que vem para {0}, ou {?} (“igual a 0”); 2 é o número que vem para {0,1}, ou {?, { ?}} (“igual a 0 ou 1”); 3 é o número que vem para {0,1,2}, {?, {?}, {?, {?}}} (“igual a 0,1 ou 2”), e assim por diante” (RONA, 2010RONA, P. A topologia na psicanálise de Jacques Lacan: o significante, o conjunto e o número. Tese de doutorado: Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2010., p. 126).

Em relação à teoria dos conjuntos, a secundariedade é inacessível, diz Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549.), no nível do álef zero, também chamado de infinito atual. Nesse sentido, a cardinalidade do infinito numérico, álefe zero, é homóloga ao Um da mesmidade (?), na medida em que é por sua própria falta contável que se promovem os conjuntos, tal como o significante se multiplica e faz “enxame”, o que bem designa Há-um, segundo Lacan (1972-1973/2010 LACAN, J. Encore (1972-1973). Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2010., p. 272) no seminário Encore: “o significante Um não é um significante qualquer, ele é a ordem significante, pois ele se instaura do envolvimento pelo qual toda a cadeia subsiste” (p. 273).

É a partir do que se refere ao lugar em que se faz um buraco, desse algo que, se vocês quiserem uma figura, representaria como sendo o fundamento do Yad’lun; não pode haver [d]o Um senão na figura de um saco, que é um saco furado. [...] eis o fundamento original, a ser tomado intuitivamente, do Um. (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 108).

Esse envolvimento de um buraco implica que a linguagem só pode engendrar o 0 e o 1. A verdade se constitui nesse limiar entre ausência e presença, é a própria articulação significante, entre o Um não inscritível no simbólico e o Um que o sujeito inventa para dar conta desse lugar vazio que suscita os desdobramentos da fala. Há-um é portanto uma maneira de denotar a própria reflexividade simbólica, a sutura que se engendra a partir do impasse no centro da representação: “Esse real do qual falo e do qual o discurso analítico é feito para nos lembrar que seu acesso é o simbólico. O dito real, ao qual acedemos no e por esse impossível que somente o simbólico define” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 92).

Em outras palavras, como Lacan (1972-1973/2010 LACAN, J. Encore (1972-1973). Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2010.) diz em Encore, não há realidade pré-discursiva, qualquer realidade se funda pelo discurso. Nesse sentido, para além da linguagem, só podemos formular o que vem a ser o real enquanto impossível de ser alcançado. O número, portanto, não diz respeito à contagem de objetos externos ao campo abstrato da lógica, assim como o significante não representa objetos externos ao que a própria linguagem forjou em seu domínio.

[...] o que se pressente ser este além da linguagem não pode ser senão matemático, imaginem, por causa do número, que se trata da quantidade. Mas talvez justamente [...] o número em toda sua realidade à qual a linguagem dá acesso, mas apenas por ser capaz de enganchar o Zero e o Um. Através disso seria feita a entrada desse real, único a poder estar mais além da linguagem, isto é, o único domínio em que pode ser formulada uma impossibilidade simbólica. (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 86).

Assim, a linguagem faz progredir a verdade, o que lhe dá uma estrutura de ficção (LACAN, 1971/2019 LACAN, J De um discurso que não seria semblante (1971). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2019.). Imagina-se proporcionalidade com o Outro, supõe-se o Dois - a relação sexual -, e ignora-se que “o Um fala”, o que implica que o semidizer da verdade corresponde à própria bifididade do significante, tratando-se de um “saber que se assegura da verdade” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 115).

Aqui, não falo senão do saber e observo que não se trata da verdade sobre o saber, mas do saber sobre a verdade, e que o saber sobre a verdade se articula da ponta do que desenvolvo esse ano sobre o Há o um. Há o um e nada mais, mas é um Um muito particular, aquele que separa o Um do Dois, e que é um abismo. (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 115).

O sujeito e a sexuação

Cauda de pensamentos (LACAN, 1971-1972/2003), lugar do semblante (LACAN, 1972-1973/2003), o sujeito se articula ao Um porquanto o paradoxo de sua presença ausente é correlato ao zero, que, por sua ambiguidade, é o motor do funcionamento simbólico: “o gozo Um, aquele que exerce a função do sujeito” (LACAN, 1972-1973/2003, p. 548). Exclusivamente, 0 é o número que cai sob o conceito vazio, o desigual a si mesmo incompatível com o registro da verdade, que é o campo da identidade e da produção do sentido; mas também é objeto, contado como extensão do conceito ao qual vem o número 1, deslindando a simbolização pela repetição de sua mesmidade ao longo do resto da série.

O modo do pensamento, na medida em que é, se posso dizer, subvertido pela falta da relação sexual, pensa e só pensa por meio do Um. O Universal é esse algo que resulta do envolvimento de um certo campo por algo que é da ordem do Um, salvo que a verdadeira significação da noção do conjunto é precisamente que o conjunto é a notação matemática desse [...] $, o sujeito enquanto não é nada mais do que o efeito de significante, dito de outro modo, o que eu represento: um significante para um outro significante.

O conjunto é a maneira com a qual, num giro da história, as pessoas menos capacitadas para esclarecer o que concerne ao sujeito, aí se acharam, se podemos dizer, necessitadas. O conjunto não é nada mais que o sujeito. É exatamente por isso que não se poderia sequer manejá-lo sem a adição do conjunto vazio [Ø]. (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 126).

A teoria dos conjuntos se baseia no fato de que o conjunto vazio também é elemento, e consta nos outros conjuntos: “o suporte da teoria dos conjuntos se sustenta inteiramente nisso que o Um que há, do conjunto, é distinto do Um do elemento” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 104). Lacan enfatiza essa autonomia simbólica, utilizando-se várias vezes do triângulo de Pascal nesses seminários para demonstrar a reincidência do Um. O sujeito é o conjunto, conforme a citação acima, na medida em que, representado por um significante para outro significante, hiante na cadeia, desdobra a simbolização, razão pela qual Lacan dirá que o significante mestre é a própria cardinalidade simbólica, por assim dizer:

É sempre, seguramente, do significante que eu falo quando falo do Há o um [Yad’l’un]. Para estender esse d’l’un na medida de seu império, uma vez que ele é seguramente o significante-mestre, é preciso aproximá-lo, ali onde foi deixado aos seus talentos, para colocá-lo ao pé do muro. (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 96).

Isto é, “o Real é o que comanda toda a função da significância” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 25). Lacan prossegue, nesses seminários, seu apoio na lógica e na matemática para demonstrar como os saberes compartilham o mesmo impasse, os mesmos paradoxos:

[...] o autodesdobramento de uma sequência simbólica, e logo do universo simbólico em sua totalidade, consiste em um processo contínuo de autodeterminação que se assenta paradoxalmente em sua própria impossibilidade. (CARDOSO, 2010CARDOSO, M. J. E. Lacan e Frege: sobre o conceito de Um. Psicologia USP, v. 21, n. 1. São Paulo: Edusp, 2010, p. 127-144., p. 130).

Le Gaufey (2014LE GAUFEY, G. Hiatus sexualis: la no-relación sexual según Lacan. Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2014.) frisa que não se trata de um apoio metafórico que traria consistência ao que se quer defender, supostamente insuflando legitimidade ao que seria precário em outros termos. A busca do saber lógico se orienta justamente por essa mesma razão metonímica que atravessa os saberes.

À altura do seminário Problemas cruciais para a psicanálise uma “nova lógica” já era pensada, na medida em que lógica e psicanálise apresentam dificuldades análogas: “A psicanálise é uma lógica e, inversamente, pode-se dizer que a lógica tem muito a esclarecer-se com certas questões radicais que são colocadas na psicanálise” (LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006., p. 158, 159). Em referência a Frege, Lacan busca ampliar a questão da identificação a partir da “lógica da falta” que já era estabelecida em seu ensino (p. 159). O Um, que na época dizia respeito ao traço unário desenvolvido no seminário A identificação (1961), deve, portanto, ser situado no domínio da aritmética. A partir de alguns seminários fechados realizados na época, Lacan (1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006., p. 177) conclui: “o sujeito seria, em suma, reconhecível naquilo que se revela, no pensamento matemático, estritamente ligado ao conceito de falta, a este conceito cujo número é zero”. Tal é a aproximação realizada de diferentes maneiras nos seminários 19.

Dentre os seminários fechados de 1964-1965, Jacques-Alain Miller fundamentou a homologia entre o sujeito e o zero, a partir de Frege, em 24 de fevereiro de 1965: ambos estão ausentes do campo da verdade, mas precisamente o sustentam; faltam ao simbólico mas lhe pertencem, suturando-o. Em seguida, a apresentação foi publicada no primeiro número dos Cahiers pour l’analyse: “Sutura, por extensão, a relação em geral da ausência com a estrutura da qual ela é elemento, na medida em que ela implica a posição de um ‘lugar-tenente’” (MILLER, 1967MILLER, J.-A. A sutura: elementos da lógica do significante. In: COELHO, E. P. (Org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 211-224., p. 212).

Segundo Miller (apud LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006.), é a função do sujeito que promove a série dos números inteiros naturais, donde o paradoxo no seio de uma formalização que visa justamente a exclusão do sujeito psicológico nomeador das teorias empiristas. O número, enquanto unidade nomeada, distingue-se por ser idêntico a si mesmo. De inspiração leibniziana, tal concepção de identidade busca salvaguardar a verdade, na medida em que aquilo que é idêntico a outra coisa pode ser substituído a ela sem prejuízo quanto à verdade. Miller (LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006.) precisa que a dimensão da verdade é o que permite que a identidade em si mesma funcione.

Assim, a transposição do zero a esse regime da identidade, quando se constitui a extensão do conceito do número um (“igual a 0”), resume o que Miller (LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006., p. 163) chama de “lógica do significante”, sinônimo de lógica geral, pois se trata do funcionamento formal, elementar de todos os saberes: “O que interessa é que se convençam que o lógico, como o linguista, no seu nível, sutura. E, do mesmo modo, quem diz ‘eu’” (MILLER, 1967MILLER, J.-A. A sutura: elementos da lógica do significante. In: COELHO, E. P. (Org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 211-224., p. 213). O zero sutura a lógica porquanto falta e quando se conta como Um, a partir da identidade de sua unicidade a si mesma. O campo da verdade deve ser preservado: “Se nenhum objeto corresponde ao conceito não idêntico a si, é porque é preciso que a verdade persista. Se não há coisa que não seja idêntica a si, é porque ela é contraditória com a dimensão da verdade” (MILLER apud LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006., p. 167). O rechaço desse objeto irracional aponta a exclusão do que é incompatível com a verdade. Por outro lado, o zero se conta como Um, tornando-se objeto: “a função que a identidade assume é o que permite que as coisas do mundo recebam seu status de significante” (p. 166).

Assim, Frege “resvalou para o equívoco do nome do número zero para instaurar que zero e um são dois” (LACAN, 1972-1973/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 544). A falta então representada se reitera na cadeia, donde a fórmula do sucessor, n +1, indicar a “superfetação” dos números inteiros (MILLER apud LACAN, 1964-1965/2006 LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006., p. 169). Aí Miller localiza a sutura, circularidade mas não reciprocidade entre o sujeito e o significante: “o sujeito é o efeito do significante; o significante é o representante do sujeito” (p. 172).

O objeto impossível, que o discurso da lógica convoca como o não idêntico a si e rejeita como o negativo puro, que ele convoca e rejeita para se constituir como o que ele é, que ele convoca e rejeita sem querer saber dele para nada, chamamos-lhes, nós, na medida em que ele funciona como o excesso operante na sequência dos números, o sujeito. (MILLER, 1967MILLER, J.-A. A sutura: elementos da lógica do significante. In: COELHO, E. P. (Org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 211-224., p. 221).

A emergência do traço unário no regime da identidade sustenta, portanto, a exclusão desse objeto impossível, divisão correlata à alienação: o +1 do significante que viria atestar o comparecimento do sujeito no tesouro dos significantes jamais se inscreve, está sempre em excesso. A sutura desse vazio para provisoriamente totalizar o saber e forjar o lugar da verdade é a paráfrase de que não há metalinguagem; o que também significa a impossibilidade de inscrição de um gozo Outro na linguagem: “o traço do idêntico representa o não idêntico, donde se deduz a impossibilidade da sua duplicação, e por esse mesmo caminho a estrutura da repetição, como processo de diferenciação do idêntico” (MILLER, 1967MILLER, J.-A. A sutura: elementos da lógica do significante. In: COELHO, E. P. (Org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 211-224., p. 221).

O que implica que o lugar do sujeito seja a visada de um significante a mais (MILLER apud LACAN, 1964-1965/2006). Assim, do conjunto vazio se repete a unariedade ao longo da cadeia, que é a própria representação do sujeito entre as unidades simbólicas: “O significante Um não é um significante entre outros, e supera aquilo pelo qual é apenas pelo entre-dois desses significantes que o sujeito pode ser suposto, segundo eu digo” (LACAN, 1972-1973/2003, p. 547). O Um tout seul não copula com o Outro, assim como o corpo não faz relação com o significante produzindo uma suposta essência sexual: o Um enquanto lugar do semblante é esse furo do saco unário em que o sujeito se vê representado. Vê-se, portanto, como a existência está situada, suportada pelo real, que determina a significância: o x de Фx só é variável pelo valor de verdade que lhe atribuirmos na função; o argumento é, Ø que Lacan chama de sujeito.

Ao empreender a escrita de uma não-relação, Lacan subverte os paradigmas metafísicos de identidade e situa a existência a partir do real, enquanto impasse que suscita a produção da verdade gramaticalmente. A própria articulação significante pensada segundo esse bojo epistemológico se divide enquanto polos da significação, entre a lacuna de fundamento e a conformação na unidade. O argumento esvaziado de sentido que promove o dizer se determinará sexuadamente nas fórmulas quânticas, segundo sua modalidade de inscrição ao regime da falta. Dos posicionamentos assimétricos em relação à universal, foraclusiva ou discordancialmente, resultará a significação “homem” ou “mulher”:

O que gostaria de lembrar a vocês é que a significação do falo [...] é neutra. A significação do falo tem isso de astucioso, que o que o falo denota é o poder de significação.

Não é portanto esse Фx, uma função do tipo comum, é o que faz com que à condição de se utilizar, para colocá-lo aí como argumento, algo que não necessita ter a princípio nenhum sentido, com esta única condição de articulá-lo a um prosdiorismo, existe, ou então todo, segundo somente o prosdiorismo, ele próprio produto da busca da necessidade lógica e nada mais, o que se destacará deste prosdiorismo tomará significação de homem ou de mulher segundo o prosdiorismo escolhido, quer dizer, ou o existe, ou o não existe, ou o todo, ou o não todo. (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 53).

A genealogia do aforismo Há-um nos remete, portanto, a desconstruções epistemológicas mais profundas que o debate sobre a sexualidade. O quadrado lógico à maneira de Lacan, ao contar com o não-todo como sua razão (LE GAUFEY, 2015LE GAUFEY, G. O não-todo de Lacan: consistência lógica, consequências clínicas. São Paulo: Scriptorium, 2015.), impede que pensemos binariamente, que concebamos uma dualidade substancial, que tomemos a existência como suporte ilustrativo da universal. Assim, Lacan aponta para uma origem comum à linguagem, pois “todos” e “alguns” não são exclusivos a algumas línguas; são instanciações forjáveis pela própria significação. É a partir da própria conjugação significante que se definem os lugares discursivos onde o ser falante poderá se situar. Para Aristóteles, a existência natural do ser era idêntica a sua atribuição simbólica; com o quadrado lógico da particular máxima conforme Lacan (1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549.) a existência não se confunde com o ser, isto é, a universal é destituída da existência: “tratando-se da existência, será sempre em torno do Um que girará a questão” (p. 95).

Assim, do lado homem, a existência da exceção se articula a essa falta ao regime da representação que se esquematiza lógico-matematicamente como zero. A ambiguidade desse número é correlata ao equívoco da estruturação da verdade, no limiar da sutura daquilo que escapa mas pertence à significação. No seminário 18, Lacan (1971/2019 LACAN, J De um discurso que não seria semblante (1971). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2019.) já atestava essa “mediação”: “a passagem à mediação ‘masculina’ é precisamente a deste ao menos um que sublinhei e que reencontraremos em Peano, com esse n + 1 sempre repetido, aquele que, de alguma maneira, supõe que o n que o precede se reduz a zero. Pelo quê? Precisamente, pelo assassinato do Pai” (p. 223). A fantasia se funda, portanto, a partir do que 0 e 1 pode enganchar na linguagem, razão pela qual a universal que assim se constitui exclui a possibilidade simbólica de outro Todo que não o fálico: “A exceção que as fórmulas distinguem com toda a clareza graças à particular máxima [...] não deve, portanto, ser considerada numericamente, mas plasticamente, enquanto manifesta essa existência que dá forma aos traços” (LE GAUFEY, 2015LE GAUFEY, G. O não-todo de Lacan: consistência lógica, consequências clínicas. São Paulo: Scriptorium, 2015., p. 178).

Do lado mulher, é justamente a ex-sistência que autoriza o não todos: se a existência fosse pensada aristotelicamente, como conceber que não todos se submetem à função ao mesmo tempo em que não há quem não participe dela? Pois é justamente “o que a lógica aristotélica elude” (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 10): “Aristóteles imagina que basta dizer que alguns, alguns apenas, não todos, são assim ou assado para que isso os distinga; que é distinguindo-os daquilo que, ele é assim, se estas não o são, por exemplo, isso basta para assegurar sua existência” (p. 95).

Os lados da sexuação, longe de implicarem uma justaposição binária, esquematizam o que cabe ao sujeito se decidir pelo próprio constrangimento discursivo ao qual está enredado. Seja o fechamento ou a frouxidão (LACAN, 1962-1963/2005 LACAN, J. A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (O Seminário, 10)) à ordem fálica, “não se trata de duas substâncias (ousia, substância ou essência), mas de uma dupla maneira de não ser: não-ser-um (ao menos-um) e não ser Outro (não-uma-que não)” (DUNKER, 2017DUNKER, C. I. L. O esquecimento da ontologia e as tendências metafísicas do lacanismo contemporâneo. Academia.edu. 2017. Disponível em: Disponível em: https://tinyurl.com/tg7q7jm . Acesso em: 14 maio 2020.
https://tinyurl.com/tg7q7jm...
, p. 18).

[...] o Um, quando é verídico, quando diz o que tem para dizer, vemos aonde isto leva, em todo caso, à total recusa de qualquer relação com o ser.

Há apenas uma coisa que se sobressai quando ele se articula, é exatamente esta, não há dois. Eu disse a vocês, é um dizer. E realmente, vocês podem encontrar assim, ao alcance da mão, a confirmação do que digo, quando digo que a verdade pode apensas se semidizer; porque só precisam quebrar a fórmula. Para dizer isto, ele só pode dizer ou há [y en a], como digo Yad’lun, ou então não dois [pas deux], o que se interpreta, é imediatamente interpretado por nós, não há relação sexual. (LACAN, 1971-1972/2003 LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549., p. 128-129).

Há-um, não dois; há desencontro e contingência, não proporção e relação. A partir da formulação do Um, nos seminários de 1971-1972, Lacan reedita que o Outro não existe para fazer união com o sujeito; o Um é a própria designação dessa falta: “o Outro é o Um-a-menos” (LACAN, 1972-1973/2010 LACAN, J. Encore (1972-1973). Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2010., p. 255). Os sexos são posicionamentos na estrutura a partir da incompletude do simbólico, maneiras de lidar com a (im)possiblidade de engendramento da unidade fálica no corpo, modalidades de pertencimento à universal que governa a diferença, a “inscrição quantificadora dos quatro termos” (LACAN, 1971-1972/1997LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997., p. 122). Nesse litoral da significância se situa a dualidade sexual do discurso analítico, oposição fundada numa falta que insiste a cada Um que nada mais é que um saco furado.

REFERÊNCIAS

  • CARDOSO, M. J. E. Lacan e Frege: sobre o conceito de Um. Psicologia USP, v. 21, n. 1. São Paulo: Edusp, 2010, p. 127-144.
  • DUNKER, C. I. L. O esquecimento da ontologia e as tendências metafísicas do lacanismo contemporâneo. Academia.edu 2017. Disponível em: Disponível em: https://tinyurl.com/tg7q7jm Acesso em: 14 maio 2020.
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  • FREGE, G. Os fundamentos da aritmética (1884). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992.
  • LACAN, J. A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (O Seminário, 10)
  • LACAN, J De um discurso que não seria semblante (1971). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2019.
  • LACAN, J. Encore (1972-1973). Rio de Janeiro: Escola Letra Freudiana, 2010.
  • LACAN, J. ...ou pior (relatório do seminário de 1971-72). In: LACAN, J. Outros escritos (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003, p. 544-549.
  • LACAN, J. Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife , 2006.
  • LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-1972). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 1997.
  • LACAN, J. ...ou pior (1971-1972). Salvador: Espaço Moebius, 2003.
  • LE GAUFEY, G. Hiatus sexualis: la no-relación sexual según Lacan. Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2014.
  • LE GAUFEY, G. O não-todo de Lacan: consistência lógica, consequências clínicas. São Paulo: Scriptorium, 2015.
  • MILLER, J.-A. A sutura: elementos da lógica do significante. In: COELHO, E. P. (Org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália Editora, 1967, p. 211-224.
  • RONA, P. A topologia na psicanálise de Jacques Lacan: o significante, o conjunto e o número. Tese de doutorado: Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2020
  • Aceito
    03 Fev 2023
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