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Uso do bagaço de mandioca em substituição ao milho no concentrado para bovinos em crescimento. 2. Digestibilidade aparente, consumo de nutrientes digestíveis, ganho de peso e conversão alimentar

Replacing corn by cassava bagasse in concentrate mix fed to growing cattle. 2. Apparent digestibility, digestible nutrients intake, live weight gain and feed:gain ratio

Resumos

RESUMO - O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da substituição do milho pelo bagaço de mandioca no concentrado sobre a digestibilidade aparente, o consumo de nutrientes digestíveis, o ganho de peso diário médio (GPDM) e a conversão alimentar (CA) em bovinos em crescimento. Dezesseis novilhos mestiços machos inteiros foram distribuídos em delineamento em blocos casualizados completos em dois períodos. Quatro tipos de concentrados foram testados, em associação com o fornecimento a vontade de feno de aveia/azevém (Avena strigosa, L.; Lolium multiflorum, L.) e suplementação média de concentrado de 0,83% PV. Os concentrados fornecidos aos animais diferenciaram-se pelo nível de substituição do milho por bagaço de mandioca: T1, 0; T2, 33; T3, 66 e T4, 99. Não houve efeito dos níveis de substituição do milho pelo bagaço de mandioca sobre os coeficientes de digestibilidade aparente das frações nutritivas estudadas. O consumo de fibra em detergente ácido digestível (FDAD) aumentou linearmente com a substituição do milho por bagaço de mandioca. Não houve efeito dos tratamentos sobre o consumo de matéria seca digestível (MSD), matéria orgânica digestível (MOD), fibra em detergente neutro digestível (FDND), energia digestível (ED) e energia metabolizável (EM), que foram, respectivamente, para T1, T2, T3 e T4, 53,51; 54,50; 53,63; e 53,69 (g MSD/ kg0,75·dia), 51,77; 52,37; 51,27; e 51,23 (g MOD/ kg0,75·dia) e 30,13; 30,93; 30,46; e 30,88 (g FDND/ kg0,75·dia), 224,13; 228,51; 224,77; e 225,33 (kcal ED/ kg0,75·dia), 183,75; 187,56; 184,38; e 184,43 (kcal EM/ kg0,75·dia). Os resultados obtidos para GPDM foram 1,10; 0,95; 1,12; e 0,75 kg/animal·dia, e para CA 4,61; 6,17; 4,58; e 7,98, respectivamente, para T1, T2, T3 e T4. Os valores de GPDM e CA, para o nível de substituição de 99% do milho por bagaço de mandioca no concentrado, foram inferiores aos obtidos para os níveis de 0 e 66%, porém semelhantes aos do nível de 33% de substituição do milho pelo bagaço de mandioca no concentrado.

bagaço de mandioca; bovinos; consumo; conversão alimentar; digestibilidade; ganho de peso; subproduto


ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the effect of the substitution of corn by cassava bagasse in concentrate on apparent digestibility, digestible nutrient intakes, average daily gain (ADG) and feed:gain ratio (F:G) in growing cattle. Sixteen cossbred bulls, were allotted to a completely randomized block design and in two periods. Four types of concentrade were tested, in association with an ad libitum allowance of oat/ryegrass hay (Avena strigosa, L.; Lolium multiflorum, L.) and an average concentrate suplemetation of .83% LW. The concentrates fed to the animals were different by the substitution level of corn by cassava bagasse: T1 0,0; T2, 33,0; T3, 66,0; e T4, 99,0. There was no effect of the substitution of corn by cassava bagasse on the apparent digestibility coefficients of the studied nutritive fractions. The digestible acid detergent fiber intake (DADF) linearly increased with the substitution of corn by cassava bagasse. There was no effect of the treatments on the intakes of digestible dry matter (DDM), digestible organic matter (DOM), digestible neutral detergent fiber (NDF), digestible energy (DE) and metabolizable energy (ME), which were, respectively, for T1, T2, T3 and T4, 53.51; 54.50; 53.63 and 53.69 (g DDM kg0.75·day), 51.77; 52.37; 51.27 and 51.23 (g DOM/ kg0.75·day, 30.13; 30.93; 30.46 and 30.88 (g DNDF/ kg(.7)5·day), 224.13; 228.51; 224.77 and 225.33 (kcal DE/ kg.75·day), 183,75; 287,56; 184,38 and 184,43 (kcal ME/ kg.75·day). The results obtained for ADG were 1.10; 0.95; 1.12 and 0.75 kg/animal·day, and for F:G 4.61; 6.17, 4.58 and 7.98, respectively for T1, T2, T3 and T4. The values of ADG and F:G, for the substitution of 99% of corn by cassava bagasse in concentrate, were lower than those obtained by the levels of 0 and 66%, however, they were similar to the 33% of substitution level of corn by cassava bagasse in the concentrate.

cassava bagasse; cattle; intake; feed:gain ratio; digestibility; weight gain; by-product


Uso do Bagaço de Mandioca em Substituição ao Milho no Concentrado para Bovinos em Crescimento.

2. Digestibilidade Aparente, Consumo de Nutrientes Digestíveis, Ganho de Peso e Conversão Alimentar11 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq.

Paulo Roberto Ramos21 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq. , Ênio Rosa Prates31 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq. , Roberto Serena Fontanelli41 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq. , Júlio Otávio Jardim Barcellos51 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq. , Diego Langwinski61 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq. , Itamar Bressan Bonelli71 Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq.

RESUMO - O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da substituição do milho pelo bagaço de mandioca no concentrado sobre a digestibilidade aparente, o consumo de nutrientes digestíveis, o ganho de peso diário médio (GPDM) e a conversão alimentar (CA) em bovinos em crescimento. Dezesseis novilhos mestiços machos inteiros foram distribuídos em delineamento em blocos casualizados completos em dois períodos. Quatro tipos de concentrados foram testados, em associação com o fornecimento a vontade de feno de aveia/azevém (Avena strigosa, L.; Lolium multiflorum, L.) e suplementação média de concentrado de 0,83% PV. Os concentrados fornecidos aos animais diferenciaram-se pelo nível de substituição do milho por bagaço de mandioca: T1, 0; T2, 33; T3, 66 e T4, 99. Não houve efeito dos níveis de substituição do milho pelo bagaço de mandioca sobre os coeficientes de digestibilidade aparente das frações nutritivas estudadas. O consumo de fibra em detergente ácido digestível (FDAD) aumentou linearmente com a substituição do milho por bagaço de mandioca. Não houve efeito dos tratamentos sobre o consumo de matéria seca digestível (MSD), matéria orgânica digestível (MOD), fibra em detergente neutro digestível (FDND), energia digestível (ED) e energia metabolizável (EM), que foram, respectivamente, para T1, T2, T3 e T4, 53,51; 54,50; 53,63; e 53,69 (g MSD/ kg0,75·dia), 51,77; 52,37; 51,27; e 51,23 (g MOD/ kg0,75·dia) e 30,13; 30,93; 30,46; e 30,88 (g FDND/ kg0,75·dia), 224,13; 228,51; 224,77; e 225,33 (kcal ED/ kg0,75·dia), 183,75; 187,56; 184,38; e 184,43 (kcal EM/ kg0,75·dia). Os resultados obtidos para GPDM foram 1,10; 0,95; 1,12; e 0,75 kg/animal·dia, e para CA 4,61; 6,17; 4,58; e 7,98, respectivamente, para T1, T2, T3 e T4. Os valores de GPDM e CA, para o nível de substituição de 99% do milho por bagaço de mandioca no concentrado, foram inferiores aos obtidos para os níveis de 0 e 66%, porém semelhantes aos do nível de 33% de substituição do milho pelo bagaço de mandioca no concentrado.

Palavras-chave: bagaço de mandioca, bovinos, consumo, conversão alimentar, digestibilidade, ganho de peso, subproduto

2. Apparent Digestibility, Digestible Nutrients Intake, Live Weight Gain and Feed:Gain Ratio

ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the effect of the substitution of corn by cassava bagasse in concentrate on apparent digestibility, digestible nutrient intakes, average daily gain (ADG) and feed:gain ratio (F:G) in growing cattle. Sixteen cossbred bulls, were allotted to a completely randomized block design and in two periods. Four types of concentrade were tested, in association with an ad libitum allowance of oat/ryegrass hay (Avena strigosa, L.; Lolium multiflorum, L.) and an average concentrate suplemetation of .83% LW. The concentrates fed to the animals were different by the substitution level of corn by cassava bagasse: T1 0,0; T2, 33,0; T3, 66,0; e T4, 99,0. There was no effect of the substitution of corn by cassava bagasse on the apparent digestibility coefficients of the studied nutritive fractions. The digestible acid detergent fiber intake (DADF) linearly increased with the substitution of corn by cassava bagasse. There was no effect of the treatments on the intakes of digestible dry matter (DDM), digestible organic matter (DOM), digestible neutral detergent fiber (NDF), digestible energy (DE) and metabolizable energy (ME), which were, respectively, for T1, T2, T3 and T4, 53.51; 54.50; 53.63 and 53.69 (g DDM kg0.75·day), 51.77; 52.37; 51.27 and 51.23 (g DOM/ kg0.75·day, 30.13; 30.93; 30.46 and 30.88 (g DNDF/ kg.75·day), 224.13; 228.51; 224.77 and 225.33 (kcal DE/ kg.75·day), 183,75; 287,56; 184,38 and 184,43 (kcal ME/ kg.75·day). The results obtained for ADG were 1.10; 0.95; 1.12 and 0.75 kg/animal·day, and for F:G 4.61; 6.17, 4.58 and 7.98, respectively for T1, T2, T3 and T4. The values of ADG and F:G, for the substitution of 99% of corn by cassava bagasse in concentrate, were lower than those obtained by the levels of 0 and 66%, however, they were similar to the 33% of substitution level of corn by cassava bagasse in the concentrate.

Key Words: cassava bagasse, cattle, intake, feed:gain ratio, digestibility, weight gain, by-product

Introdução

Bovinos alimentados com dieta de baixa qualidade nem sempre consomem o nível de energia necessário para a síntese de proteína bacteriana. A suplementação com alimentos concentrados visa suprir essa deficiência, mas, por outro lado, contribui para que a energia seja o componente mais caro da dieta.

A suplementação da dieta de bovinos com alimentos concentrados, geralmente, acelera o ganho de peso e melhora a conversão alimentar. Porém, a velocidade de ganho de peso depende da qualidade e da quantidade do suplemento utilizado.

Os efeitos decorrentes da suplementação energética para ruminantes que consomem dietas de baixa qualidade são geralmente não aditivos, diminuindo a digestibilidade, o pH ruminal e o consumo voluntário (OSPINA, 1990). A digestibilidade potencial das diversas frações do alimento, por sua vez, é variável.

Segundo LASCANO e QUIROZ (1990), em se tratando de forragens, a parede celular constitui a fração que tem maior influência sobre o fluxo da digesta e, portanto, sobre o consumo voluntário.

A adição de suplementos energéticos rapidamente fermentáveis à ração pode diminuir o consumo voluntário devido ao desequilíbrio entre as proporções de bactérias celulolíticas e amilolíticas no rúmen. Este fato prejudica a fermentação ruminal e, conseqüentemente, diminui a digestibilidade, principalmente se a suplementação energética não for acompanhada de fonte extra de nitrogênio. Segundo JOHNSON (1976), devido ao crescimento mais rápido das bactérias amilolíticas, após certo tempo a proporção de bactérias celulolíticas reduz, provocando menor digestão da fibra.

No sul do Brasil, um dos principais alimentos utilizados na formulação de concentrados é o milho. No entanto, apesar da sua boa qualidade nutricional, vários produtos têm sido estudados com o objetivo de substituir o milho no concentrado, principalmente devido ao seu custo elevado.

A raiz da mandioca, sendo um produto basicamente energético e de baixo custo, tem sido utilizada como o principal ingrediente energético do concentrado em lugar do milho, conforme vários estudos. FERREIRA et al. (1989) e FICHTNER et al. (1990) apontaram a raspa da mandioca como bom substituto do milho. Além desse produto, a mandioca gera vários subprodutos durante seu processamento industrial. Dentre eles, encontra-se o bagaço de mandioca, que pode ser aproveitado com resultados satisfatórios na engorda de bovinos (SILVEIRA,1995). O bagaço de mandioca é um subproduto da industrialização da mandioca para a fabricação de polvilho que, segundo BUTRIAGO (1990), pode conter até 60% de amido; portanto, é fonte de carboidrato rapidamente fermentável, não havendo muitas informações científicas sobre sua utilização para ruminantes.

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da substituição do milho do concentrado por bagaço de mandioca sobre a digestibilidade aparente, o consumo de nutrientes digestíveis, o ganho de peso e a conversão alimentar de bovinos em crescimento.

Material e Métodos

Dezesseis novilhos machos inteiros, cruzas taurino x zebuíno, sem grau de sangue definido, com idade média de onze meses e peso médio inicial de 215 kg (±31), foram mantidos confinados em baias individuais no Laboratório de Ensino Zootécnico, do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS. O experimento constou de dois períodos de 28 dias, em média. Os animais receberam concentrados com, aproximadamente, 23,75% de proteína bruta (PB) e constituídos de milho, bagaço de mandioca, farelo de soja, sal, calcário e uréia (RAMOS et al., 2000).

Os animais, diariamente, receberam o concentrado na proporção de 0,83% do peso vivo de concentrado e feno (6,44% PB) de aveia/azevém (Avena strigosa, L.; Lolium multiflorum, L.) e água à vontade, em duas refeições diárias: às 8h30 e 16h30. O bagaço de mandioca foi misturado ao concentrado somente na hora do fornecimento aos animais.

O delineamento experimental adotado foi o de blocos completos casualizados, sendo os dados submetidos às análises de covariância e regressão, bem como ao teste de comparação de médias (PIMENTEL GOMES, 1978). Foram estudadas as respostas às covariáveis: peso inicial (PI), consumo de concentrado (média do período) em relação ao peso inicial (CONC.%PI) e consumo de volumoso (obtido no primeiro dia de cada período experimental) em relação ao peso inicial (VOLUM.%PI).

Os tratamentos atribuídos a quatro animais por período foram:

T1: Feno à vontade + 0% de substituição do milho por bagaço de mandioca no concentrado.

T2: Feno à vontade + 33% de substituição do milho por bagaço de mandioca no concentrado.

T3: Feno à vontade + 66% de substituição do milho por bagaço de mandioca no concentrado.

T4: Feno à vontade + 99% de substituição do milho por bagaço de mandioca no concentrado.

Os dados de composição química dos concentrados, do feno e do bagaço de mandioca utilizados no experimento estão descritos em RAMOS et al. (2000).

Na fase de coleta total para a determinação da digestibilidade aparente, o fornecimento de alimento (às 8h30 e 16h30) foi reduzido a 90% da quantidade obtida na fase de consumo máximo, para que não houvesse seleção do alimento pelos animais. O feno fornecido foi amostrado diariamente e guardado em sacos de papel. As amostras diárias de concentrado seco foram armazenadas em sacos plásticos e as do bagaço de mandioca, congeladas para, após homogeneização, serem realizadas as análises químicas.

As fezes foram coletadas diariamente em bandejas adaptadas na parte posterior das gaiolas, sendo pesadas, homogeneizadas e armazenadas em geladeira na proporção de 10% do peso total coletado. No final do período de coleta do ensaio de digestibilidade, as fezes foram novamente homogeneizadas, reunidas em uma amostra individual por animal e congeladas para as análises químicas posteriores.

Os teores de FDN, FDA e lignina em detergente ácido (LDA) foram determinados para alimento e fezes, segundo GOERING e VAN SOEST (1970). Nas análises desses parâmetros para o concentrado, para cada litro de solução detergente ácido, foi adicionado 0,5 mL de amilase termo-estável, para minimizar problemas de filtragem.

As determinações de energia bruta (EB) foram realizadas em bomba calorimétrica adiabática, segundo o método PARR (1988).

Os coeficientes de digestibilidade aparente (CD) para MS, MO, FDN, FDA e EB foram calculados utilizando-se a seguinte fórmula:

CD = [(g de nutriente consumido - g de nutriente nas fezes)/(g de nutriente consumido)] * 100.

A EM da dieta consumida foi calculada multiplicando-se o valor da ED por 0,82 (NRC, 1984).

Resultados e Discussão

Na Tabela 1, pode-se observar que não houve efeito significativo dos tratamentos sobre os coeficientes de digestibilidade aparente de MS, MO, FDN, FDA e EB, sendo que, à exceção das frações FDN e FDA, os coeficientes de digestibilidade aparente foram superiores a 60%.

Aumentos no consumo de MS, geralmente, implicam em menor digestibilidade, tanto do amido como de componentes da fibra da dieta (MERCHEN, 1988), sendo este efeito mais evidente em dietas mistas ou concentradas que em dietas compostas apenas por volumoso (MOE, 1981; JOANNING et al., 1981). Este efeito parece não ter ocorrido no presente experimento ou, se ocorreu, o aumento do consumo de MS não foi suficiente para reduzir significativamente a digestibilidade das frações nutritivas. Considerando-se o consumo de MS, sem aplicar o coeficiente de digestibilidade aparente, nota-se que o mesmo aumentou até o nível de 48,74% de substituição do milho por bagaço de mandioca (RAMOS et al., 2000).

STUMPF JR. (1992) observou diminuição no consumo da dieta basal de ovinos alimentados com feno de capim-elefante e suplementados com grão de sorgo ou mandioca, causada provavelmente pela diminuição da digestibilidade da parede celular, associada à redução na atividade dos microrganismos celulolíticos.

O nível de consumo, por sua vez, é um fator que também pode influenciar a digestibilidade da dieta. FONTE (1989) não observou relação entre digestibilidade aparente da MS e o consumo de MS das rações. Da mesma forma, ANDERSEN et al. (1959) não observaram efeito do nível de consumo da MS sobre a digestibilidade de forragens frescas e fenos por bovinos. Porém, em dietas mistas, a digestibilidade diminuiu acentuadamente, quando o nível de consumo aumentou.

CASTRO e COELHO DA SILVA (1975), substituindo milho desintegrado com palha e sabugo (MDPS) por raspa de mandioca, obtiveram aumento linear da digestibilidade aparente de MS e EB, atribuindo este fato à diminuição do teor de fibra das rações ou ao aumento do nível de uréia na dieta.

LORENZONI e MELLA (1994), substituindo MDPS por resíduo sólido da lavagem da raiz da mandioca como suplemento energético para bovinos, observaram aumento significativo no coeficiente de digestibilidade aparente da MS (CDMS) e diminuição significativa do coeficiente de digestibilidade da FDA (CDFDA). Os autores atribuíram o decréscimo do CDFDA ao maior teor de lignina do resíduo da mandioca, o que poderia ter dificultado o ataque da celulose pelos microrganismos do rúmen.

FONTE (1989) observou que a suplementação com farelo de arroz integral ou desengordurado não influenciou o CDMS e o coeficiente de digestibilidade aparente da parede celular da ração. Porém, o coeficiente de digestibilidade de proteína bruta (CDPB) e energia bruta (CDEB) aumentou linearmente com o incremento dos níveis de inclusão de farelo de arroz na dieta.

À exceção do consumo de fibra em detergente ácido digestível (FDAD), a substituição do milho do concentrado por bagaço de mandioca não influenciou significativamente o consumo dos demais nutrientes digestíveis analisados - MSD, MOD, FDND, ED e EM (Tabela 2).

O consumo de FDAD elevou-se linearmente com o aumento da substituição do milho por bagaço de mandioca, o que era esperado, pois o conteúdo de FDA do bagaço de mandioca é bem maior que o do milho (29,4 x 3%).

Considerando-se o consumo em relação ao tamanho metabólico, a equação de regressão encontrada para o consumo de FDAD foi a seguinte:

Y = 1,8289 + 0,00458x (P<0,01 e r2 = 0,86)

em que x é o nível de substituição de milho por bagaço de mandioca.

Pela equação de regressão, pode-se estimar que, para cada unidade percentual de substituição de milho por bagaço de mandioca, ocorreu aumento de 0,00458 g/kg0,75 no consumo de FDAD.

Uma vez que a substituição de milho por bagaço de mandioca, em qualquer dos níveis avaliados no experimento, não modificou o consumo de ED e de EM (Tabela 2), é possível que os animais tenham utilizado o nível energético da dieta como um dos mecanismos reguladores de consumo.

Segundo FORBES (1983), a regulação do consumo de alimentos pelos animais domésticos ocorre por intermédio de monitoramento da produção de energia a cada refeição e balanceamento entre as exigências e o consumo de energia a curto prazo.

Como a análise de regressão, utilizada inicialmente para a complementação da análise de covariância não foi satisfatoriamente eficiente (r2 = 0,48), os dados do ganho de peso diário médio (GPMD) e da conversão alimentar (CA) foram analisados por meio de teste de comparação de médias.

Não houve efeito do período experimental ou da interação entre tratamento e período sobre o GPDM dos animais. Entretanto, os níveis de inclusão de mandioca em substituição ao milho do concentrado tiveram efeito significativo sobre o GPDM (P<0,05).

Na Tabela 3, pode-se observar que os GPDM dos animais que consumiram concentrado com 33 ou 66% de substituição do milho por bagaço de mandioca não foram diferentes dos apresentados pelos animais que consumiram concentrado sem inclusão do bagaço de mandioca. Porém, o nível de 99% de substituição do milho por bagaço de mandioca originou GPDM inferior (P<0,05) aos níveis 0 e 66%, embora não diferente do nível 33%.

O consumo de energia, provavelmente, não influenciou o menor GPDM observado, quando foi substituído 99% do milho por bagaço de mandioca, porque não houve efeito dos tratamentos sobre os consumos das energia digestível (ED) e metabolizável (EM) (Tabela 2). Entretanto, os consumos de matéria seca (MS) e proteína bruta (PB), que diminuíram a partir de 48,74 e 43,75% de substituição do milho por bagaço de mandioca, respectivamente (RAMOS et al., 2000), devem ter influenciado o GPDM. Assim, é possível que a redução no consumo de MS e PB, ocorrida dos 43,75% até o nível de 66% de substituição de milho por bagaço de mandioca (T3), não tenha sido suficiente para acarretar redução no GPDM. Com a substituição de 99% do milho por bagaço de mandioca (T4), a redução no consumo de MS e PB foi muito grande a ponto de proporcionar redução significativa no GPDM.

A redução no GPDM observada no nível de 99% de substituição do milho por bagaço de mandioca, provavelmente, foi influenciada pelo aumento do consumo de fibra em detergente ácido digestível (FDAD) (Figura 1). O aumento linear (= 1,8289 + 0,00458x, P<0,01 e r2 = 0,86) do consumo de FDAD, em virtude da inclusão do bagaço de mandioca, pode ter reduzido a velocidade de digestão da dieta, o que pode ter ocasionado maior tempo de retenção da dieta no rúmen, reduzindo o consumo de MS e, conseqüentemente, o GPDM.

FONTE (1989) atribuiu o maior GPDM de ovinos aos maiores consumos de MS, PB e EB da dieta, concordando com os resultados do presente experimento, no que diz respeito aos consumos de MS e PB, mas não quanto ao consumo de EB, que não foi diferente entre os tratamentos.

LORENZONI e MELLA (1994), trabalhando com bovinos de peso médio de 260 kg e idade próxima a 16 meses, não observaram diferenças significativas no GPDM (média de 821 g/dia), substituindo milho desintegrado com palha e sabugo por resíduo sólido da lavagem da raiz da mandioca. FERREIRA et al. (1989) não encontraram diferenças no GPDM de novilhos, consumindo milho em grão (100%) ou milho e raspa de mandioca (50:50%), como fonte energética no concentrado, sendo que o consumo de MS também não foi diferente entre os tratamentos citados.

A conversão alimentar não foi diferente para os tratamentos com 0, 33 ou 66% de substituição do milho por bagaço de mandioca (Tabela 3). No entanto, a CA obtida para a dieta com 99% de substituição do milho foi pior que as registradas para os níveis 0 e 66%, mas não foi diferente para a verificada para o nível 33% de substituição.

Os valores para CAD, assim como para GPDM, apresentaram desvio-padrão (DP) e coeficiente de variação (CV) bastante altos (Tabela 3). É possível que o número de repetições utilizado e a grande heterogeneidade dos animais tenham contribuído para a variação dos dados destes parâmetros.

Como a CA é definida pela quantidade de MS consumida para o ganho de 1 kg de peso vivo, apesar do consumo de MS ter diminuído com a crescente substituição do milho por bagaço de mandioca, a redução no GPDM ocasionou piora significativa na CA.

FERREIRA et al. (1989) não encontraram diferenças para a CA apresentada por novilhos que receberam suplemento energético de 100% de milho em grão, ou de 50% de milho em grão e 50% de raspa de mandioca. LORENZONI e MELLA (1994) também não registraram diferenças significativas na CA de novilhos, consumindo como suplemento energético resíduo sólido da lavagem da raiz da mandioca em substituição ao milho desintegrado com palha e sabugo.

HSU et al. (1987), suplementando ovelhas com milho, fibra de milho ou casca de soja nos níveis de 50 ou 70% da ração, observaram melhor conversão alimentar dos animais que consumiram milho ou fibra de milho em relação aos alimentados com casca de soja, no nível de 50%. Porém, quando o nível de suplementação foi de 70%, não houve diferença entre os alimentos quanto à conversão alimentar. Os autores sugeriram que a maior proporção de propionato, oriunda da fermentação do alto conteúdo de amido do milho deve ter melhorado a CA. Isso seria atribuído à menor perda de energia no rúmen (menos energia necessária para os microrganismos do rúmen e menor incremento calórico), em comparação a situações em que há maior proporção ruminal de acetato (Smith, 1974, citado por HSU et al., 1987). Este mecanismo provavelmente ocorreu no presente trabalho, uma vez que o aumento do consumo de FDAD e, portanto, de fibra pode ter gerado maior produção de acetato, diminuindo, assim, a proporção molar do propionato ruminal oriundo da fermentação do amido do bagaço de mandioca. Em decorrência da fermentação ruminal mais do tipo acético, deve ter ocorrido menor disponibilidade energética para a síntese protéica pelo ruminante, tendo-se em vista a menor eficiência energética do ácido acético para a síntese de tecido corporal e o maior incremento calórico decorrente da digestão de dietas fibrosas (TYRREL et al., 1975).

Conclusões

A substituição do milho por bagaço de mandioca não alterou os coeficientes de digestibilidade de MS, MO, FDN, FDA e EB, nem o consumo de MSD, MOD, FDND, ED e EM.

O bagaço de mandioca caracteriza-se como subproduto de boa utilização pela microflora ruminal, apresentando coeficiente de digestibilidade da MS acima de 61% para níveis de inclusão de concentrado de até 99% em substituição ao milho.

O bagaço de mandioca pode ser utilizado em substituição ao milho no concentrado para bovinos até o nível de 66%, sem alterar o ganho de peso médio diário e a conversão alimentar dos animais.

Referências Bibliográficas

Recebido em: 30/04/98

Aceito em: 16/12/98

2 M.Sc., Pesquisador da EPAGRI, Estação Experimental de Lages, Cx. Postal 181, CEP 88502-970 - Lages, SC. E-mail: ramos@epagri.rct-sc.br

3 Professor do Curso de Pós-graduação em Zootecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Cx. Postal 776, 91001-970, Porto Alegre, RS, E-mail: erprates@orion.ufrgs.br. Bolsista do CNPq.

4 Engo Agro., M.Sc. Faculdade de Passo Fundo, UPF. Passo Fundo, RS.

5 Professor Assistente do Depto. de Zootecnia, Faculdade de Agronomia da UFRGS, Cx. Postal 776, 91001-970, Porto Alegre, RS.

6 Estudante do Curso de graduação em Agronomia da UFRGS e bolsista do CNPq.

7 Engo Agro., M.Sc., EPAGRI - Administração Regional de Tubarão. Tubarão, SC.

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    Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada à UFRGS. Financiada em parte pelo CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2000

    Histórico

    • Aceito
      16 Dez 1998
    • Recebido
      30 Abr 1998
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