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Letters from Prison: a Cry for Justice

Livros

Letters from Prison: a Cry for Justice

Palermo, George B. & White, Maxine A. Springfield, Illinois: Charles C. Thomas Publisher. 1998. 252p. ISBN 0-398-06851-8

Em 1888, um médico italiano dedicado à antropologia criminal, Cesare Lombroso, lançou uma obra denominada Palimsesti del Carcere (Palimpsestos do Cárcere), na qual reunia uma coleção de escritos, mensagens e grafites produzidos por criminosos recolhidos à prisão de Turim. O conjunto desses textos demonstrava não apenas o interesse de Lombroso nesses indivíduos como seres humanos mas também refletia uma realidade que tem superado as barreiras do tempo: a da condição do homem prisioneiro, submetido à rígida disciplina carcerária e ansiando por liberdade.

Pouco mais de um século após, outro médico italiano, também dedicado a investigar o comportamento criminoso, George B. Palermo, hoje um destacado psiquiatra forense americano, debruça-se sobre os "palimpsestos" de fim de milênio produzidos por detentos do Estado de Wisconsin: as cartas que enviaram a seus familiares, advogados, médicos e juízes. Nessa empreitada conta com a colaboração da juíza Maxine A. White, de larga atividade em tribunais criminais do Wisconsin. Dessa forma, conjugando a experiência e o conhecimento de ambos os autores, tanto no âmbito da psiquiatria, quanto no dos meandros do funcionamento do sistema de justiça criminal americano, produziram uma obra instigante e indispensável a todos os que se dedicam à psiquiatria forense ou à criminologia.

Letters from Prison é uma obra editorialmente muito bem apresentada e de leitura agradável. A partir da observação empírica do conformismo e da naturalidade com que os mais diversos criminosos encaravam o seu encarceramento, bem como da forma descontraída assumida por seus familiares nos momentos de visita ao presídio – quase recreacional – Palermo e White passam a indagar-se quem são na realidade essas pessoas, o que pensam, o que sentem, que valores professam. (Registre-se, a propósito, que numa sociedade prisional, como a americana, tal tipo de conhecimento é fundamental, posto que 2,8% de sua população - ou aproximadamente 5,5 milhões de pessoas - encontram-se presas ou em liberdade condicional, o que corresponde a 260 prisioneiros por 100 mil habitantes. Apenas para comparar, no Brasil temos um índice de 75 prisioneiros por 100 mil habitantes.). Os autores utilizam como instrumento de sua investigação uma série de cartas escritas por detentos, através das quais buscam desvendar a face oculta e seguidamente ignorada dessas pessoas. Sem em momento algum caírem na retórica fácil de desumanizarem o humano através da mera negação das responsabilidades individuais, substituindo-as pela inculpação coletiva, Palermo e White produzem uma obra que causa forte impacto emocional.

O livro estrutura-se em oito capítulos. O primeiro trata da história da justiça criminal nos Estados Unidos desde suas raízes anglo-saxônicas, buscando os autores esclarecerem como a lei penal afetou – e afeta – ao longo dos tempos a vida em sociedade. O segundo aborda a evolução histórica da prisão, a começar com a época em que o cárcere não era um local de cumprimento de pena mas sim o local onde se aguardava a execução da pena, até os problemas atuais de superpopulação penitenciária. São dois capítulos muito informativos e que preencherão por completo as expectativas de todos aqueles que se interessam por temas históricos.

Os capítulos 3 e 4, ambos intitulados Who are the prisoners (I e II), ocupam-se de aspectos descritivos da população prisional. O primeiro aborda características sociodemográficas e psicológicas dos grupos criminosos, detendo-se nas questões de temperamento e caráter e no problema crucial da psicopatia. O segundo examina a relação entre doença mental e crime, com ênfase na dependência química e nos quadros psicóticos, bem como detendo-se no estudo do idoso submetido à prisão, um fenômeno cada vez mais comum em nossos dias em face do envelhecimento populacional e das penas privativas de liberdade cada vez mais elevadas.

No capítulo 5, enfim, ao longo de 50 páginas, encontramos as Letters from Prison, que tratam de temas os mais diversos, como pedidos de clemência, assertivas de plena recuperação, descrições do encontro com Deus e com a religião, preocupações com a família, com a saúde, com a vítima e seus familiares, necessidades sexuais, esperanças, poemas e, ainda, severas críticas de natureza social, as quais centram-se geralmente nas questões raciais. Palermo e White optaram por manter os erros gramaticais e de pontuação dos documentos originais, dessa forma melhor retratando o grau (ou a falta) de sofisticação intelectual de cada um dos respectivos autores.

No capítulo 6, os autores abordam o fenômeno da prisonização, decorrente da necessidade de adaptação e de sobrevivência a um outro meio-ambiente e discutem o importante tópico da subcultura ou paracultura prisonal, bem como os efeitos do encarceramento e as dificuldades da desinstitucionalização dos internos. A seguir, no capítulo 7, detêm-se na questão da punição. Examinam os fundamentos filosóficos do direito de punir, as razões de punir e os tipos de punição hodiernamente empregados.

Finalizam sua interessante obra com um capítulo denominado A View from the Bench, no qual são expostos as percepções e os dilemas dos profissionais do Direito que atuam na cena judiciária criminal, muitas vezes pressionados pelas vítimas e/ou seus familiares de um lado e, de outro, defrontando-se com a humanidade de infratores que insistem em se fazerem ouvir e exporem sua razões. De vida, por certo.

José G. V. Taborda

1o Secretário do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal da ABP

Professor Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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