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O papel do sistema dopaminérgico na fobia social

The role of the dopaminergic system in social phobia

Resumos

Os autores descrevem o papel do sistema dopaminérgico na fobia social. Evidências que indicam disfunção dopaminérgica são descritas, e o papel da dopamina como um regulador da atividade social é discutido.

Dopamina; Fobia social; Ansiedade; Fisiopatologia


The role of the dopaminergic system on social phobia is described. Evidence indicating dopaminergic dysfunction and the role of dopamine as a regulator of social activity are discussed.

Dopamine; Social phobia; Anxiety; Physiopathology


Atualização

O papel do sistema dopaminérgico na fobia social

The role of the dopaminergic system in social phobia

Márcia Kauer-SantAnnaa, Michelle Lavinskya, Rogério Wolf de Aguiara,b e Flávio Kapczinskia,b

aDepartamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. bServiço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Os autores descrevem o papel do sistema dopaminérgico na fobia social. Evidências que indicam disfunção dopaminérgica são descritas, e o papel da dopamina como um regulador da atividade social é discutido.

Descritores

Dopamina. Fobia social. Ansiedade. Fisiopatologia.

ABSTRACT

The role of the dopaminergic system on social phobia is described. Evidence indicating dopaminergic dysfunction and the role of dopamine as a regulator of social activity are discussed.

Keywords

Dopamine. Social phobia. Anxiety. Physiopathology.

A neurobiologia da fobia social (FS) ainda é pouco conhecida, embora pesquisas preliminares tenham sugerido possíveis anormalidades biológicas. As vias serotoninérgicas, noradrenérgicas e gabaérgicas têm sido mais extensivamente estudadas.1 A principal evidência do envolvimento desses neurotransmissores na fisiopatologia da fobia social inclui o efeito dos psicofármacos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), os b-bloqueadores, os benzodiazepínicos1-3 e os inibidores da monoaminoxidase (IMAO).3,4

Existem evidências sugerindo que uma disfunção no sistema dopaminérgico seja um dos mecanismos predisponentes para instalação de um quadro de FS.2,5 Considerando que nenhum psicofármaco utilizado como primeira escolha no tratamento desse transtorno atue preferencialmente no sistema dopaminérgico, essas evidências podem trazer profundas modificações na compreensão da fisiopatologia e do tratamento da fobia social.

A investigação dos sítios de recaptação de dopamina em indivíduos com fobia social revelou uma diminuição da densidade destas estruturas na região estriatal em portadores de FS em relação a controles normais.5 A baixa densidade de transportadores de dopamina pode ser explicada de duas maneiras: redução no número de sinapses ou redução dos sítios de recaptação de dopamina por neurônio.5 A correlação comportamental encontrada entre a atividade do sistema dopaminérgico e a FS é confirmada por estudos que relacionam o aumento da transmissão dopaminérgica a um aumento da procura por novidade, do comportamento exploratório e da agressividade em animais.5

Schneier et al (2000) demonstraram que a ligação de marcadores radioativos aos receptores D2 foi significativamente mais baixa no striatum de pacientes com fobia social generalizada do que em controles normais, refletindo uma redução no potencial de ligação destes receptores .2 Esse achado parece ser relativamente específico para FS, já que essa alteração não foi encontrada na esquizofrenia ou na depressão maior.2 A redução do potencial de ligação sugere uma diminuição na atividade dos receptores D2 às custas de uma diminuição no número ou na afinidade desses sítios.

Estudos em animais apresentam evidências de que o sistema serotoninérgico possa exercer uma inibição tônica em relação ao sistema dopaminérgico central.6,7 Dessa forma, os ISRS parecem modular a transmissão dopaminérgica, o que é consistente com os efeitos extrapiramidais eventualmente observados durante a terapia com ISRS. Outras evidências sugerem que os ISRS podem, na verdade, sensibilizar os receptores mesolímbicos de dopamina.7 Há dados que demonstram que neurônios serotoninérgicos podem modular a atividade dopaminérgica e noradrenérgica no córtex frontal.7 Essa influência parece ocorrer por meio da ação direta sobre córtex frontal ou pela ação sobre área tegmentar ventral e Locus Ceruleus.7 Há também efeitos indiretos mediados por interneurônios gabaérgicos. Estudos sugerem que os receptores 5HT1B, por meio da interação com interneurônios gabaérgicos, facilitem a transmissão dopaminérgica mesolímbica e nigroestriatal.7 Nesse contexto, é possível correlacionar o efeito dos benzodiazepínicos e do álcool na ansiedade social à sua ação no sistema dopaminérgico. A eficácia dos inibidores da monoaminoxidase (IMAO), em contraste com a menor utilidade dos tricíclicos, sugere que a ação sobre o sistema dopaminérgico pode ter importância terapêutica na FS.4,6 Da mesma forma, o uso de bupropiona, que tem propriedades agonistas dopaminérgicas, tem sido relatado como efetivo em determinados casos de FS8 e em um estudo aberto, dose-flexível, de 12 semanas, com 18 pacientes.9

A doença de Parkinson (DP) tem como parte mais importante de sua fisiopatologia a perda funcional e a deterioração dos núcleos dopaminérgicos. Alguns estudos têm demonstrado alta prevalência de sintomas de fobia social e de transtornos de ansiedade em geral em pacientes portadores de DP.10 Um estudo encontrou uma prevalência de nove pacientes (38%) com transtorno de ansiedade clinicamente significativo entre os 24 pacientes estudados.10 Neste estudo, a aferição da ansiedade foi realizada pela subtração dos sintomas ligados à DP. Não foi encontrada correlação entre a severidade da ansiedade e a severidade dos sintomas à DP e entre o tempo de exposição a L-dopa ou a dose atual de L-dopa.10 Dessa forma, os sintomas de ansiedade encontrados em pacientes com DP parecem existir não apenas por efeitos colaterais da L-dopa ou por sintomas da própria DP, mas por uma fisiopatologia em comum com a ansiedade social.

Mikkelsen et al (1981), em um relato de uma série de casos, descreveram a indução de sintomas de fobia social e o medo de ir à escola em 15 pacientes com síndrome de Tourette, que utilizavam haloperidol em baixas doses. Os sintomas apareceram subitamente, cerca de uma a duas semanas após o início do tratamento com haloperidol. A característica principal entre os casos descritos inclui fobia a situações, como o trabalho e a escola, relacionados a um medo de fracasso no desempenho das tarefas habituais. Os sintomas de esquiva regrediram completamente com a retirada ou a redução da medicação.11

Outras evidências de envolvimento do sistema dopaminérgico na fisiopatologia da FS provêm de estudos sobre abuso de substâncias. Williams et al (2000) relataram um caso de desenvolvimento de fobia social após abuso de anfetamina, que pode produzir depleção de dopamina no striatum, tanto em modelos animais quanto em humanos.12 Após o uso crônico de 1,5 g de anfetamina quase diariamente por seis anos, a paciente descrita por Williams et al apresentou sintomas de ansiedade intensos desencadeados por situações sociais. Antes desses episódios, era uma pessoa extrovertida sem história psiquiátrica prévia. As crises não tinham relação com a ingesta da droga.12 Ainda que as anfetaminas diretamente induzam ansiedade, a depleção de dopamina pelo uso crônico deve ser considerada para a compreensão da fisiopatologia da ansiedade associada às situações de interação social. Entretanto, a liberação de dopamina pela ação aguda da administração de anfetamina correlaciona-se à euforia em voluntários normais,13 reforçando os achados de experimentos com animais que demonstravam a relação da atividade das projeções dopaminérgicas mesolímbicas para estriado ventral com comportamentos de motivação e recompensa.

Os dados descritos anteriormente reforçam a hipótese de que o sistema dopaminérgico possa estar envolvido na fisiopatologia da fobia social. Evidências que emergem de diferentes áreas e com métodos de investigação diversos apontam para uma mesma direção, relacionando a depleção de dopamina aos sintomas de ansiedade social. Esse conjunto de evidências sugere que estratégias farmacológicas que promovam o aumento da função dopaminérgica podem constituir uma alternativa para o tratamento de sintomas associados à ansiedade social.

Correspondência

Flávio Kapczinski

Rua Costa 30/501

90110-270 Porto Alegre, RS, Brasil

Tel.: (0xx51) 3230-2716

Email: kapcz@terra.com.br

Recebido em 26/1/2001. Revisado em 30/7/2001. Aceito em 6/8/2001.

Fonte de financiamento e conflito de interesses inexistentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002

Histórico

  • Aceito
    06 Ago 2001
  • Revisado
    30 Jul 2001
  • Recebido
    26 Jan 2001
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