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Aloimunização em pacientes com insuficiência medular

Alloimmunization in bone marrow failure

EDITORIAIS

Aloimunização em pacientes com insuficiência medular

Alloimmunization in bone marrow failure

Silvia M. M. Magalhães

Professora adjunto da Universidade Federal do Ceará

Endereço para correspondência Correspondência: Silvia M. M. Magalhães Av. José Bastos, 3390 60.440-261 – Fortaleza-CE Tel.: (85) 3101 2272; Fax: 3101 2308 E-mail: silviamm@ufc.br

Nas últimas décadas verificou-se uma redução dramática na incidência de doenças transmissíveis por transfusão. A incidência de aloimunização parece decrescer com o uso mais disseminado de componentes leucorreduzidos, embora a aloimunização e a refratariedade à transfusão de plaquetas ainda sejam problemas clínicos significantes. O assunto é abordado nesse número da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia por Arruda e col., com foco na aloimunidade contra antígenos HLA em pacientes com síndromes mielodisplásicas (SMD) e anemia aplástica (AA). Os autores, após estudo de 110 pacientes, detectaram anticorpos anti-HLA em 28,6% dos pacientes com SMD e 45% dos pacientes com AA.

A terapia de suporte transfusional permanece a abordagem padrão para pacientes com insuficiência medular, notadamente as síndromes mielodisplásicas e a anemia aplástica, nos casos severos e em que o transplante não é uma opção terapêutica possível. A maioria dos pacientes é transfundida em alguma fase durante o curso de sua doença, e um percentual significativo torna-se cronicamente dependente de transfusão. Nos pacientes com anemia, a transfusão de concentrados de hemácias promove aumento dos níveis de hemoglobina e oxigenação tecidual adequada, com conseqüente melhora da fadiga, da capacidade física e intelectual e da qualidade de vida. Múltiplas transfusões, no entanto, aumentam o risco de desenvolvimento de anticorpos contra antígenos eritrocitários e antígenos HLA e potencialmente resultam em hemosiderose transfusional (mais de 20 unidades de concentrados de hemácias transfundidas), importante causa de disfunção progressiva de vários órgãos, especialmente fígado, coração e sistema endócrino. Um estudo retrospectivo japonês recente estimou que, em média, 61,5 unidades de concentrados de hemácias são transfundidas em pacientes portadores de SMD e AA ao ano.1 A aloimunização promove diminuição progressiva da efetividade da transfusão de plaquetas, aumentando os riscos e a mortalidade decorrentes de hemorragia. Num estudo de 50 pacientes portadores de SMD, aproximadamente 80% das transfusões se associaram a algum tipo de complicação: reações transfusionais, necessidade de pré-medicação, desenvolvimento de aloanticorpos e refratariedade a novas transfusões.2 Na SMD, a dependência transfusional é atualmente considerada fator prognóstico independente, relacionada à diminuição da sobrevida global.

São questões de interesse: qual o impacto da aloimunização, quais seus efeitos na resposta à transfusão de plaquetas, que fatores têm influência e como ela pode ser minimizada? As evidências demonstram que o uso de componentes leucodepletados reduz os riscos de reações transfusionais febris não-hemolíticas, a transmissão de citomegalovírus e a aloimunização contra antígenos HLA, especialmente importante nos pacientes candidatos ao transplante de medula óssea.3 A terapia transfusional de longo prazo requer, com freqüência, hemocomponentes especialmente testados e processados. Gupta e colaboradores, em estudo multicêntrico desenvolvido em hospitais de ensino, estimaram um custo unitário adicional de US$100 para testes de compatibilidade para antígenos HLA em concentrado de plaquetas.2

Diretrizes internacionais (NCCN)4 e nacionais (Resoluções de Diretoria Colegiada – RDC) orientam a prática transfusional adequada evitando exposição desnecessária a riscos de infecção e aloimunização. Atualmente, mais de 1,5 milhões de componentes de plaquetas são transfundidos por ano nos EUA. Na Europa, esse número alcança 2,9 milhões de unidades.5 No Brasil, esses números ainda não são conhecidos. A definição do valor mínimo para indicação de transfusão profilática de plaquetas, ajustada aos quadros clínicos específicos, reduz a exposição, os custos e o potencial de aloimunização.

O nível alvo de hemoglobina para transfusão é função da idade, presença de co-morbidades e nível de atividade física e laboral. Os agentes estimulantes da eritropoese têm custo elevado, mas são capazes de induzir resposta satisfatória num subgrupo de pacientes portadores de SMD de baixo risco segundo o IPSS (International Prognostic Score System) e com eritropoetina endógena inferior a 500U/L, diminuindo ou abolindo a necessidade transfusional.5 O uso de fatores de crescimento associados ao tratamento da hemosiderose transfusional com a quelação do ferro têm, comprovadamente, prolongado a sobrevida desses pacientes.7,8 Novas opções terapêuticas, que incluem imunomoduladores, imunossupressores, indutores de diferenciação e hipometilantes, trazem expectativas de redução ou abolição da necessidade transfusional.

A aloimunização e a refratariedade resultante permanecem um problema clínico comum e relevante, conforme demonstraram Arruda e col. em seu estudo. Uma contribuição importante para novos estudos e novas estratégias.

Recebido: 30/01/2008

Aceito: 30/01/2008

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor

  • 1. Takatoku M, Uchiyama T, Okamoto S. Retrospective nationwide survey of Japanese patients with transfusion-dependent MDS and aplastic anemia highlights the negative impact of iron overload on morbidity/mortality. Eur J Haematol 2007;78:487-94.
  • 2. Gupta P, Leroy SC, Luikart SD, Bateman A, Morrison VA. Long-term blood product transfusion support for patients with myelodysplastic syndromes (MDS): cost analysis and complications. Leuk Res. 1999;23:953-9.
  • 3. Bordin JO, Fabron JR A. Aplicação clínica de filtros leucocitários. Rev Assoc Med Bras. 1997;43:205-8.
  • 4
    National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Myelodysplastic Panel Members. NCCN practice guidelines: myelodysplastic syndromes, version 2, 2008. Available at URL: http://nccn.org/professionals/physician_gls/PDF/mds.pdf
  • 5. Stroncek DF, Rebulla P. Platelet transfusions. Lancet 2007;370: 427-38.
  • 6. Mundle SD. Erythropoiesis-stimulating agents versus RBC transfusion in MDS: comparison of long-term outcomes. Future Oncol 2007; 397:397-403.
  • 7. Jabbour E, Kantarjian HM, Koller C, Taher A. Red blood cell transfusions and iron overload in the treatment of patients with myelodysplastic syndromes. Cancer 2008 Jan 10 (Epub ahead of print).
  • 8. Marsh JC, Ganser A, Stadler M. Hematopoietic growth factors in the treatment of acquired bone marrow failure states. Semin Hematol 2007;44:138-47.
  • Correspondência:
    Silvia M. M. Magalhães
    Av. José Bastos, 3390
    60.440-261 – Fortaleza-CE
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008
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