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APRESENTAÇÃO DO VOLUME 25, N.2 DE ALEA. ESTUDOS NEOLATINOS

PRESENTATION OF VOLUME 25, ISSUE 2, OF ALEA. ESTUDIOS NEOLATINOS

A chamada para este volume de Alea convocou trabalhos de tema livre. Assim, como é comum nesse tipo de chamada, recebemos um grande volume de textos, variados em temas, universos linguísticos-literários e metodologias de trabalho. Depois de um rigoroso processo de avaliação e, em muitos casos, de uma frutífera interlocução entre avaliadores e autores, buscando uma produção mais acurada dos textos e um movimento mais atrativo de construção coletiva, conforme postula Ciência Aberta, articulamos um sumário que, como em outras oportunidades, oferece um possível percurso de leitura.

Um primeiro movimento desse percurso está focado em quatro textos que estudam o ensaio e outras formas de produção reflexiva, como manifestos, palestras e entrevistas, em seus vínculos com a crítica e a ficção. Inaugura o volume um artigo que desenvolve uma original reflexão em torno à obra ensaística de Ricardo Piglia. O autor aprofunda as particularidades do ensaio do escritor argentino, apontando para as diferentes conceições de leitor e de leitura que se desenvolvem na produção crítica de Piglia, assim como para a elaboração de uma voz enunciadora que articula com eficácia o crítico, o narrador e o professor. No segundo artigo, estudam-se os ensaios biográficos que César Aira escreveu sobre Osvaldo Lamborghini e Alejandra Pizarnik, ensaios que exploram as mediações entre vida e literatura, dinamitando os mitos cristalizados por exegetas e críticos em torno à figura e à obra de ambos os escritores argentinos. Continuando esse tema das relações literatura e vida, o terceiro texto do sumário propõe uma singular e íntima aproximação à obra de Victor Heringer, mostrando como a leitura de uma obra literária pode ser um ponto de giro não só na sua interpretação, mas também na sistematização teórica e na própria vida de quem lê. E o quarto texto, que fecha esse pequeno núcleo, faz uma inusitada aproximação entre textos de Glauber Rocha e de Ailton Krenak, duas figuras aparentemente distantes em suas atribuições, lugares sociais e posições político-estéticas, mas que compartilham um engajamento em questões urgentes no debate público de seus respectivos tempos históricos.

O segundo movimento de leitura que propõe o sumário se concentra em quatro textos que desenvolvem uma reflexão teórica promovida ao calor de sua aproximação a uma praxe narrativa, teatral ou poética. Esses núcleos conceituais são: o conceito de “procedimento” desenvolvido por César Aira, funcionando como ferramenta artística e como operador crítico para pensar sua obra e a de outros escritores latino-americanos, com foco, nesse caso, em Roberto Bolaño; o debate autonomia/pós-autonomia da literatura na América Latina e a necessária quebra de qualquer perspectiva lineal, essencialista e representativa para pensar as tensões do processo literário latino-americano, tomando a obra de Jorge Ibargüengoitia como referência singular da impossibilidade de qualquer recorte classificatório para “localizar” uma obra; a “perspectiva” como complexo técnico, especulativo e poético que se articula a partir dos diálogos entre a literatura, o teatro e a pintura na concepção de Valère Novarina, apresentada nesse caso a partir do estudo de Morada frágil, (1999), um peculiar experimento literário-teatral do escritor, dramaturgo, encenador, pensador do teatro e artista visual francês; e a noção de “ordem” conforme formulada na obra de Wallace Stevens, isto é, uma ordem pensada fora dos paradigmas estruturalistas, que delineiam fronteiras entre o extrínseco e intrínseco de todo artefato artístico, postulada nesse caso como possibilidade de trazer para o poema toda sua exterioridade, reconfigurando criativamente a realidade.

Já um terceiro movimento propõe leituras críticas da obra de Manuel Puig, Carolina Maria de Jesus, Bernardo de Carvalho, Daniel Galera, Milton Hatoum e Itamar Vieira Junior: a representação de um Brasil massivo em Seven Tropical Sins (1986), um roteiro escrito durante o exílio do escritor argentino no Brasil; o registro da viagem à Argentina da escritora afro-brasileira Carolina Maria de Jesus; o exercício de alteridade que possibilita o contato com o outro e a consciência de si na construção narrativa de O sol se põe em São Paulo (2007); e o multiperspectivismo na representação da violência em Meia-noite e vinte (2016), Pontos de fuga (2019) e Torto arado (2019), textos que desenvolvem formas expressivas que a crítica contemporânea identifica com um “novo realismo” e com o “retorno à subjetividade” (SCHØLLHAMMER, 2009SCHØLLHAMMER, Karl E. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.).

Na sequência, um quarto eixo de leitura articula aproximações à obra da poetisa angolana Alda Lara e do mestre da narrativa portuguesa José Saramago. O primeiro estuda os múltiplos trânsitos de uma “mulher em trânsito” como Alda Lara, centrando como objeto de analise seu livro póstumo Poemas (2004), e o segundo se debruça em um original estudo lexicográfico da prosa ficcional de Saramago, considerando a singularidade do escritor português de produzir em seus textos uma reflexão em torno do uso da linguagem e um registo de definições de tipos lexicográficos no próprio texto.

O último movimento de leitura que pensamos para esta seção de Artigos está focado no eixo mulher e escrita. O primeiro artigo desse núcleo explora a singular obra da escritora mexicana Amparo Dávila, uma narradora que integra a dimensão feminina ao relato fantástico com extraordinária efetividade artística. Nesse caso, é estudado “El último verano”, um relato de seu livro Árboles petrificados (1977DÁVILA, Amparo. Árboles petrificados. México DF: Editorial Joaquin Mortiz, 1977.). O segundo desenvolve um estudo comparado da obra das cartunistas Marcela Trujillo e Alison Bechdel, postulando que o modo gráfico autoficcional e a exposição da intimidade familiar em ambos os casos intervêm como transgressão das normas filiativas estabelecidas, permitindo reinscrever o eu narrativo a partir de posições múltiplas. Já o terceiro artigo desse núcleo explora a escrita fronteiriça da poetisa paraguaia Susy Delgado, destacando seu translinguismo, seu biculturalismo e como esse entrelugar cultural e linguístico potencia uma poética da escrita.

A seção de Tradução deste volume de Alea nos traz a extraordinária voz do poeta galego Claudio Rodríguez Fer em tradução ao português. A obra de Rodríguez Fer teve sua primeira tradução no Brasil em 2019, quando a editora Valer publicou Uma temporada no paraísoRODRÍGUEZ FER, Claudio. Uma temporada no paraíso. Trad. Saturnino Valladares. Manaus: Valer, 2019. , de maneira que este trabalho que apresentamos seria o segundo esforço tradutório da obra do escritor galego no Brasil. Trata-se, nesse caso, da tradução de cinco textos pertencentes à primeira parte de ADN do infinito (2021RODRÍGUEZ FER, Claudio. ADN do infinito. Santiago de Compostela: Andavira, 2021.), o último poemário do autor. O signo erótico que atravessa a poesia de Rodríguez Fer, de tanto impacto na renovação estética da poesia galega dos anos 1980, renova-se nesse poemário, sendo belamente captado e transcriado pelo tradutor em sua versão em língua portuguesa. Agradecemos ao tradutor por seu trabalho e por mediar na comunicação com o poeta e a Claudio Rodríguez Fer pela generosa concessão dos direitos de tradução e de publicação de sua obra em nossa revista.

Finalmente, na seção de Resenhas, divulgamos dois volumes de extraordinária atualidade: Duas formações, uma história: das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio, de Luis Augusto Fischer, publicado em Porto Alegre pela editora Arquipélago em 2021, e Metodologia e transdisciplinaridade nos Estudos Literários, uma coletânea de ensaios organizada por Celina Maria Moreira de Mello e Pedro Paulo Garcia Ferreira e publicada pela editora 7Letras do Rio de Janeiro em 2022.

Mostrando o gradativo processo de ampliação da rede de colaboradores de Alea, participam neste volume professores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras. Do Brasil, participaram pesquisadores das seguintes instituições: Universidade de São Paulo; Universidade Estadual de Campinas; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal Fluminense; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Universidade Federal de Viçosa; Universidade do Extremo Sul Catarinense; Universidade Federal da Integração Latino-Americana e Universidade Federal do Amazonas. De Argentina recebemos colaborações da Universidad de Buenos Aires, da Universidad Nacional de Rosario e da Universidad Nacional de La Plata. Do Chile enviaram seus trabalhos autores da Universidad de La Frontera e da Universidad Católica de Temuco. Recebemos também as colaborações de pesquisadores da Universidad Peruana de Ciencias Aplicadas, do Peru, do Centro de Estudios Rurales Interdisciplinarios, do Paraguay, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Portugal, e dos Estados Unidos recebemos trabalhos de pesquisadores da Brigham Young University e da Duke University.

Agradecemos a todos pelo interesse em publicar em nossa revista, pelo paciente trabalho de revisão e, em muitos casos, de reescrita dos textos em atenção às sugestões dos pareceristas, e pela generosa doação de suas vozes para orquestrar o sumario deste volume. Externamos também nosso agradecimento a todos os avaliadores que participaram nesta empreitada, e a nossos leitores desejamos, como sempre, uma boa e produtiva leitura.

Referências

  • DÁVILA, Amparo. Árboles petrificados México DF: Editorial Joaquin Mortiz, 1977.
  • RODRÍGUEZ FER, Claudio. ADN do infinito Santiago de Compostela: Andavira, 2021.
  • RODRÍGUEZ FER, Claudio. Uma temporada no paraíso Trad. Saturnino Valladares. Manaus: Valer, 2019.
  • SCHØLLHAMMER, Karl E. Ficção brasileira contemporânea Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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