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Metodologia de avaliação metrológica da medição de energia para analisadores de desfibriladores e cardioversores

Methodology for metrological evaluation of power measurement for defibrillators and cardioverters analyzers

Resumos

Neste artigo descreve-se uma pesquisa na qual se desenvolveu um analisador de desfibriladores e cardioversores e se executou sua avaliação metrológica, sendo apresentados os resultados obtidos. A avaliação das incertezas de medição do analisador foi realizada de acordo com as determinações da versão brasileira do EA-4/02 - Expressão da Incerteza de Medição de Calibração publicado pelo INMETRO. Os resultados obtidos mostraram-se adequados às exigências de exatidão determinadas pelas normas ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) e ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003), tendo apresentado uma incerteza expandida relativa para as medições de energia igual a 1,0% no pior caso. Nesta pesquisa foi também realizada uma análise da incerteza definicional do processo de calibração utilizado e avaliou-se a capacidade do processo. Para os cálculos da capacidade do processo, foi determinado um erro máximo para as medições de energia igual a 5% ou 1,0 J, o que for maior. Este erro máximo é igual a 1/3 do erro máximo admissível para a energia entregue pelos desfibriladores, em outras palavras, é igual ao erro máximo admissível para um instrumento de medição pela Norma ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996). Os resultados obtidos para a capacidade do procedimento de calibração mostraram-se adequados para as especificações de um analisador de desfibriladores e cardioversores, tendo obtido como resultado, no pior caso, um índice de capacidade Cm igual a 2,87, que é bem superior, portanto, a 1,0, sendo este o limite mínimo para que o procedimento seja considerado capaz de calibrar a medição de energia sem atribuir uma incerteza definicional demasiadamente grande.

Avaliação; Metrologia; Analisador; Desfibrilador; Cardioversor


This paper describes a research involving the development of a defibrillator and cardioversor analyzer and its metrological evaluation. The evaluation results are presented. The evaluation of measurement uncertainties was performed according to the directives of the Brazilian version of the EA-4/02 - Expressing Uncertainty in Calibration Measurements - published by INMETRO. The results conformed to the accuracy prescriptions defined in the ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) and ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003) standards, presenting an expanded relative uncertainty of energy measurements of 1.0% in worst cases. An uncertainty analysis was performed for the calibration process employed in the research and the process capacity was evaluated. A maximum error of 5% or 1.0 J, whichever is greater, was determined for the energy measurements taken to calculate process capacity. The maximum error is 1/3 of the maximum error acceptable for the energy delivered by the defibrillators, i.e., it is the maximum error acceptable for a measurement device according to the ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) standard. The results for the capacity of the calibration procedure were shown to be appropriate for the specifications of a defibrillator and cardioversor analyzer. At worst case the capacity index Cm was 2.87, well above the threshold of 1.0, which is the minimum value needed to consider the procedure as capable of calibrating energy measurements without incurring in a large definition uncertainty.

Evaluation; Metrology; Analyzer; Defibrillators; Cardioverters


ARTIGO ORIGINAL

Metodologia de avaliação metrológica da medição de energia para analisadores de desfibriladores e cardioversores

Methodology for metrological evaluation of power measurement for defibrillators and cardioverters analyzers

Conrado Almeida de Oliveira; José Carlos Teixeira de Barros Moraes* * e-mail: jcmoraes@leb.usp.br

Laboratório de Engenharia Biomédica, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo – USP, Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav. 3, nº 158, sala D2-05, CEP 05508-900, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Neste artigo descreve-se uma pesquisa na qual se desenvolveu um analisador de desfibriladores e cardioversores e se executou sua avaliação metrológica, sendo apresentados os resultados obtidos. A avaliação das incertezas de medição do analisador foi realizada de acordo com as determinações da versão brasileira do EA-4/02 – Expressão da Incerteza de Medição de Calibração publicado pelo INMETRO. Os resultados obtidos mostraram-se adequados às exigências de exatidão determinadas pelas normas ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) e ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003), tendo apresentado uma incerteza expandida relativa para as medições de energia igual a 1,0% no pior caso. Nesta pesquisa foi também realizada uma análise da incerteza definicional do processo de calibração utilizado e avaliou-se a capacidade do processo. Para os cálculos da capacidade do processo, foi determinado um erro máximo para as medições de energia igual a 5% ou 1,0 J, o que for maior. Este erro máximo é igual a 1/3 do erro máximo admissível para a energia entregue pelos desfibriladores, em outras palavras, é igual ao erro máximo admissível para um instrumento de medição pela Norma ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996). Os resultados obtidos para a capacidade do procedimento de calibração mostraram-se adequados para as especificações de um analisador de desfibriladores e cardioversores, tendo obtido como resultado, no pior caso, um índice de capacidade Cm igual a 2,87, que é bem superior, portanto, a 1,0, sendo este o limite mínimo para que o procedimento seja considerado capaz de calibrar a medição de energia sem atribuir uma incerteza definicional demasiadamente grande.

Palavras-chave: Avaliação, Metrologia, Analisador, Desfibrilador, Cardioversor.

ABSTRACT

This paper describes a research involving the development of a defibrillator and cardioversor analyzer and its metrological evaluation. The evaluation results are presented. The evaluation of measurement uncertainties was performed according to the directives of the Brazilian version of the EA-4/02 – Expressing Uncertainty in Calibration Measurements – published by INMETRO. The results conformed to the accuracy prescriptions defined in the ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) and ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003) standards, presenting an expanded relative uncertainty of energy measurements of 1.0% in worst cases. An uncertainty analysis was performed for the calibration process employed in the research and the process capacity was evaluated. A maximum error of 5% or 1.0 J, whichever is greater, was determined for the energy measurements taken to calculate process capacity. The maximum error is 1/3 of the maximum error acceptable for the energy delivered by the defibrillators, i.e., it is the maximum error acceptable for a measurement device according to the ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) standard. The results for the capacity of the calibration procedure were shown to be appropriate for the specifications of a defibrillator and cardioversor analyzer. At worst case the capacity index Cm was 2.87, well above the threshold of 1.0, which is the minimum value needed to consider the procedure as capable of calibrating energy measurements without incurring in a large definition uncertainty.

Keywords: Evaluation, Metrology, Analyzer, Defibrillators, Cardioverters.

Introdução

A avaliação periódica de desfibriladores e cardioversores durante todo o seu ciclo de vida é essencial para garantir o seu funcionamento eficaz e seguro. As características metrológicas desses equipamentos devem ser rigorosamente avaliadas. Assim, este artigo apresenta uma metodologia para análise destas características para ser utilizada como guia para fabricantes e usuários.

Este trabalho apresenta um analisador de desfibriladores e cardioversores desenvolvido de acordo com as exigências estabelecidas por normas técnicas internacionais e nacionais (Associação..., 1997), considerando as especificações fundamentais exigidas para esta classe de analisadores (Oliveira, 2010). O analisador é apresentado em diagrama de blocos com a descrição de seu funcionamento básico. Para a sua avaliação, foram compiladas especificações necessárias para analisadores de desfibriladores e cardioversores (Oliveira, 2010). Dentre estas especificações, sobressai-se a medição da energia de saída dos desfibriladores e cardioversores.

Neste artigo apresenta-se o procedimento completo e detalhado para a calibração das medições de energia aplicado ao equipamento desenvolvido para exemplificar o método metrologicamente aceitável e necessário para a definição e avaliação das especificações de analisadores de desfibriladores e cardioversores (Instituto..., 2009). As outras especificações devem ser consideradas e avaliadas de maneira análoga.

Os resultados são apresentados, analisados e discutidos. Uma metodologia e avaliação metrológica de outros parâmetros do analisador de desfibriladores e cardioversores podem ser encontradas em Oliveira (2010).

Materiais e Métodos

O analisador de desfibriladores e cardioversores ensaiado

O analisador de desfibriladores e cardioversores desenvolvido é de fácil utilização e capaz de medir a energia do pulso desfibrilatório entregue por um desfibrilador.

Na Figura 1 é apresentado o diagrama em blocos do analisador de desfibriladores e cardioversores desenvolvido nesta pesquisa.


A descarga desfibrilatória é aplicada nos discos do analisador sobre uma resistência de 50 Ω ± 2,0% não indutiva (<10 µH), que simula a impedância transtorácica de um paciente. O pulso desfibrilatório passa pelo bloco atenuador e segue pelo bloco filtro de entrada para então ser aquisitado pelo bloco A/D, conforme mostra a Figura 1.

O bloco atenuador é o responsável por condicionar o sinal do pulso de descarga para valores adequados para a medição e é constituído por um divisor resistivo. O bloco filtro de entrada é constituído por um circuito amplificador de instrumentação e um filtro tipo Butterworth de 2º ordem com realimentação múltipla e com frequência de corte fC = 5 kHz.

O bloco A/D é constituído por um conversor analógico digital (National Semiconductor, ADC12048) com resolução de 12 bits mais um bit de sinal, e 8 entradas diferenciais analógicas multiplexáveis. A taxa de amostragem do sinal aquisitado é de 10 kHz.

O analisador realiza medições de até 1.000 J de energia com resolução de 0,01 J em uma janela de medição de 24 ms. A tensão mínima de pico para que o analisador detecte a aplicação de pulso de descarga é de 75 V. Realiza também as medições do tempo de carga do desfibrilador, do tempo de sincronismo de descargas sincronizadas, da tensão (faixa de 0 a 6 kV) e da corrente de pico (faixa de 0 a 120 A) do pulso desfibrilatório.

A forma de onda do pulso desfibrilatório é apresentada em um display tipo LCD de 256 × 64 pixels e em uma saída para osciloscópio. Todos os parâmetros aferidos podem ser transmitidos a um computador por meio de uma interface serial RS-232. A escala de tempo da forma de onda do pulso desfibrilatório apresentada no display é fixa e igual a 0,1 ms/pixel. Já a escala de amplitude é variável para facilitar a sua visualização.

O analisador contém um gerador de sinais de ECG utilizado para medir o tempo decorrido entre a detecção da onda R pelo cardioversor e a aplicação do pulso desfibrilatório (tempo de sincronismo). O gerador de sinais de ECG também pode reproduzir formas de onda de arritmias (passíveis ou não de desfibrilação) para avaliar a capacidade de desfibriladores externos automáticos em identificar as mesmas e aplicar, adequadamente, o pulso desfibrilatório.

O analisador também possui uma saída de sinal de sincronismo para ser utilizada por cardioversores que demandam tal sinal de monitores cardíacos para a realização de descargas sincronizadas.

Os sinais de ECG e da saída para o osciloscópio são gerados a partir dos blocos de saída D/A do microcontrolador CY8C29666. Estes sinais são condicionados por blocos específicos, após serem gerados pelo microcontrolador, conforme mostrado na Figura 1. O sinal na saída para o osciloscópio apresenta a forma de onda do pulso desfibrilatório atenuada de 1.500 vezes.

Os sinais de ECG gerados, depois de condicionados, podem apresentar amplitudes que variam de 0,5 a 4,0 mV pico a pico e taxas de batimento cardíaco que vão de 30 a 300 bpm. O sinal da saída de sincronismo é gerado pelo microcontrolador no instante em que o gerador de sinal de ECG gera a onda R, e tem amplitude de 5 V e largura de 100 ms.

A interface com o usuário (teclado, display, buzzer, saída serial e impressora) é controlada pela placa processadora, que também é responsável pelo processamento do sinal captado e armazenamento das ondas amostradas.

Os circuitos do analisador estão divididos fisicamente em três placas distintas: placa atenuadora, que contém os circuitos atenuadores e os circuitos de proteção contra as altas tensões, placa processadora, constituída por um módulo CPU embarcado ("CPU embedded"), e placa base, que possui os circuitos de condicionamento e medição dos sinais, além de realizar a interface entre as placas e os periféricos.

Procedimento para calibração das medições de energia

Para a calibração das medições de energia, a incerteza padrão da medição foi determinada de acordo com a publicação da versão brasileira do EA-4/02 Expressão da Incerteza de Medição na Calibração (Instituto..., 1999) e do Joint Committee for Guides in Metrology – JCGM 100:2008 (Bureau..., 2008), seguindo o procedimento indicado pelo item 7 'Procedimento passo a passo para o cálculo da incerteza de medição' da versão brasileira do EA-4/02 (Instituto..., 1999).

O primeiro passo deste procedimento consiste em modelar a medição, de modo a expressar em termos matemáticos a dependência do mensurando (grandeza de saída) com as grandezas de entrada.

Considerando que a resistência de carga não apresenta indutância significativa, pode-se determinar o valor da energia aplicada por um pulso de descarga com duração finita e inferior a T pela Equação 1:

A tensão do pulso de descarga VDESC é medida através dos canais CH0 e CH1 do conversor A/D após ter sido atenuado no bloco atenuador e no bloco filtro de entrada (Figura 1). A atenuação teórica do bloco atenuador é de 3.007 vezes e as atenuações teóricas do bloco filtro de entrada para o canal CH0 e para o canal CH1 são iguais a 1,00 e 0,20, respectivamente. As atenuações para os canais do conversor A/D são diferentes para que se possa calcular a energia do pulso desfibrilatório amostrado com melhor resolução (sem saturação) de modo a se obter melhor exatidão para a medida.

O modelo matemático para as medições de energia do desfibrilador desenvolvido é dado pela Equação 2:

na qual: [0,T] corresponde à janela de integração do analisador que apresenta uma largura igual a 24 ms; ECH j é a energia determinada a partir das medições realizadas pelo canal CH j, VCH j é a tensão na entrada do canal CH j, ATAT é a atenuação do Bloco Atenuador e ATCH j é a atenuação do Bloco Filtro de entrada para os canal CH j, onde o canal CH j deve ser igual aos canais CH0 ou CH1 do conversor A/D.

O segundo passo deste procedimento relaciona todas as fontes de incerteza na forma de uma análise de incertezas. De acordo com a Equação 2, tem-se que as incertezas primárias relacionadas com as medições de energia através do canal CH0 (ECH0) são: u(R), u(ATAT), u(ATCH0) e e as incertezas primárias relacionadas com as medições de energia através do canal CH1 (ECH1) são: u(R), u(ATAT), u(ATCH1) e

A Tabela 1 apresenta a lista das fontes de incertezas relativas às medições da energia de um pulso desfibrilatório, apresentando as incertezas secundárias das quais derivam as incertezas primárias citadas.

No terceiro passo deste procedimento, a partir da Equação 2, e baseando-se nos métodos de cálculo da incerteza de medição determinados pela versão brasileira do EA-4/02 (Instituto..., 1999) e pelo Guia para a Expressão da Incerteza de Medição (Bureau..., 2008), determina-se a Equação 3 para a variância combinada relativa para energias determinadas a partir das medições realizadas pelo canal CH j do conversor A/D, onde CH j é igual a CH0 ou CH1:

As parcelas da Equação 3 são determinadas no quarto passo deste procedimento, que é dividido em quatro etapas que correspondem ao cálculo de cada parcela do lado direito da Equação 3.

Portanto, na primeira etapa deste passo, determinou-se a estimativa da resistência de carga R e a sua variância combinada relativa. A resistência de carga R foi determinada a partir da realização de 10 medições da resistência. As medições da resistência foram realizadas por um multímetro digital (Fluke, modelo 45), que apresenta, para medições na faixa de 0 a 300 Ω, uma resolução igual a 10 mΩ e erro máximo declarado de 0,05% da leitura mais 2 dígitos mais 0,02 Ω. Através da repetição das medições, determinou-se a estimativa do valor da resistência de carga , e a incerteza Tipo A relacionada à resistência de carga u().

A incerteza de Tipo B, relacionada à incerteza nas medições do multímetro utilizado, u(∇), foi determinada a partir da variância associada com as especificações do multímetro para a medição da resistência de carga que foi calculada de acordo com as determinações do JCGM 100:2008, mais especificamente no seu item 4.3.7 (Bureau..., 2008).

A variância combinada de R é dada pela Equação 4.

Na etapa seguinte do quarto passo deste procedimento, determinou-se a estimativa da atenuação do bloco atenuador e a sua variância combinada relativa. A atenuação do bloco atenuador foi determinada como sendo igual à relação entre o valor da tensão de entrada do bloco atenuador VATOUT, pela tensão de saída do bloco atenuado , como mostra o modelo matemático dado pela Equação 5, tendo sido obtida a partir da aplicação de uma tensão à entrada do bloco atenuador.

As estimativas dos valores de e foram obtidas a partir de 10 repetições das medições das tensões na entrada e saída do bloco atenuador. As fontes de incerteza Tipo A relacionadas à incerteza combinada da atenuação do bloco atenuador u(ATAT)são e .

As fontes de incerteza Tipo B do bloco atenuador e foram calculadas de acordo com o item 4.3.7 do JCGM 100:2008 (Bureau..., 2008). Estas incertezas foram determinadas a partir das variâncias associadas com as especificações do multímetro para a medição de tensões.

As variâncias combinadas de e são dadas pelas Equações 6 e 7:

A variância combinada relativa da atenuação do bloco atenuador é dada pela Equação 8:

Na terceira etapa deste quarto passo do procedimento, determinou-se a estimativa e a variância combinada relativa da atenuação do bloco filtro de entrada. A atenuação do bloco filtro de entrada foi determinada como sendo igual à média das relações entre a tensão de entrada e a tensão de saída do bloco filtro de entrada para sinais senoidais com frequência fide 50, 100, 250 e 500 Hz.

O trabalho de Guedes e Moraes (2001) demonstra que o espectro de frequência de um pulso de 240 J gerado por um desfibrilador ECAFIX modelo DF-1, pulso este bastante similar aos gerados por outros equipamentos de descarga senoidal amortecida, não apresenta componentes significativas com frequências superiores a 500 Hz. Os valores das frequências fi dos sinais aplicados foram definidos com base no trabalho Guedes e Moraes (2001).

A Equação 9 apresenta os modelos matemáticos dados para a atenuação do bloco filtro de entrada para uma tensão senoidal com frequência fi relativa aos canais CH0 e CH1 do conversor A/D.

As estimativas dos valores de , , e foram obtidas a partir de 10 repetições das medições das tensões na entrada e saída do bloco filtro de entrada.

As fontes de incerteza Tipo A relacionadas à incerteza combinada da atenuação do bloco filtro de entrada para o canal CH0 do conversor A/D são e , e para o canal CH1 são e .

As fontes de incerteza Tipo B relacionadas à atenuação do bloco filtro de entrada são , e e estão relacionadas com a incerteza do multímetro para a medição de tensões.

As variâncias combinada de VFILT - CH j fi e VCH j fi são dadas pelas Equações 10 e 11.

As variâncias combinadas relativas da atenuação do bloco filtro de entrada para uma frequência fi, para os canais CH0 e CH1 do conversor A/D são dadas pela Equação 12.

Como a atenuação do bloco filtro de entrada foi determinada como sendo a média aritmética da atenuação encontrada para cada uma das frequências fi, a variância combinada da atenuação do bloco filtro de entrada é determinada pela Equação 13.

Na quarta e última etapa do quarto passo deste procedimento, determinou-se a estimativa e a variância combinada relativa de e .

Para o cálculo da variância combinada relativa de e utilizou-se a relação existente entre o cálculo do valor eficaz da tensão de um sinal periódico e o valor da energia de um sinal (Maciel Junior, 2000).

A obtenção de dt a partir do valor de energia (ES) e do valor eficaz da tensão de um sinal Vi periódico em um intervalo de tempo igual a T, onde T é um múltiplo inteiro do período de Vi, são apresentados nas Equações 14 e 15, respectivamente.

Para o levantamento do erro e da incerteza na medição da aplicou-se, através do gerador de sinais, o mesmo sinal senoidal aplicado no procedimento realizado para o levantamento da atenuação do bloco filtro de entrada. Entretanto configurou-se este sinal para o modo burst, com a fase, o período e o retardo (delay) iguais a 0º, 2 e 0 s, respectivamente.

O número de ciclos utilizado para os sinais é igual a 1, 2, 5 e 10 ciclos, relativos aos sinais de 50, 100, 250 e 500 Hz, respectivamente.

A obtenção de a partir das medições de energia do analisador se faz pela Equação 16:

Os valores de R, ATAT e ATCH j são os obtidos durante o procedimento de calibração, sendo utilizados como parâmetro do software do analisador para o cálculo da energia. Consequentemente não adicionam erros para a obtenção do valor de a partir da energia medida pelo analisador.

Foram realizadas 10 repetições de medição da energia pelo analisador ECH j-fi, para cada um dos canais CH j e para cada uma das frequência fi, para assim obter a estimativa do valor de energia e a sua incerteza experimental u().

Como os valores de R, ATAT e ATCH j não adicionam incertezas no cálculo de tem-se, de acordo com a versão brasileira do EA-4/02 (Instituto..., 1999) e do JCGM 100:2008 (Bureau..., 2008), que:

O valor verdadeiro convencional (VVC) de e a ser adotado e o cálculo da incerteza do processo de calibração, foram determinados para avaliar a capacidade deste procedimento de calibração. Calculou-se a partir do valor eficaz da tensão no canal CH j do conversor A/D, medida através de um multímetro digital, no qual CH j pode ser CH0 ou CH1, do período do sinal no canal CH j, VCH j-fi, mensurado através de um osciloscópio digital, e do número de ciclos especificado para cada frequência fi do sinal, através da Equação 18:

Considerando que não existe erro no número de ciclos a serem aplicados, tem-se que a incerteza definicional neste processo para é, portanto, determinada de acordo com a Equação 19:

As estimativas das incertezas relativas e e os erros relativos foram determinados como a média dos valores obtidos para cada frequência fi.

No quinto passo deste procedimento, a partir da Equação 3 e dos resultados obtidos no quarto passo, calcula-se a variância combinada relativa para energias determinadas a partir das medições realizadas pelo canal CH j do conversor A/D, onde CH j é igual a CH0 ou CH1. Neste passo calcula-se também a incerteza relativa para as energias a partir das suas respectivas variâncias relativas.

O passo seguinte no procedimento constituiu-se da determinação das incertezas relativas expandidas Ur(ECH j) = ur(ECH j) ∙ k para uma probabilidade de abrangência de 95,45%.

Como nenhuma das contribuições para a incerteza foi obtida de uma avaliação do Tipo A baseada em menos de 10 observações repetidas, de acordo com a publicação da versão brasileira do EA-4/02 (Instituto..., 1999), o critério de contabilidade é satisfeito, logo o fator da probabilidade de abrangência padronizado k = 2 é utilizado.

O cálculo da incerteza relativa definicional, obtida no processo de calibração para a medição de energia do analisador, é realizado através da Equação 20.

A partir do valor da incerteza relativa definicional e da tolerância para o erro de medição de energia do analisador, determina-se o índice de capacidade Cm do processo de calibração através da Equação 21:

na qual IT corresponde à tolerância para o erro de medição de energia do analisador.

O índice de capacidade Cm compara a variabilidade total permitida ao produto (ou tolerância de especificação) com a variação do processo (também chamada de tolerância natural). A capacidade de um sistema de medição pode ser utilizada para a avaliação do processo de medição.

Resultados

Durante a realização do procedimento a temperatura e a umidade relativa do ar foram registradas por um higrotermógrafo, que obteve como resultado temperaturas variando de 23 a 25 ºC, e umidade relativa do ar variando de 70 a 76%, sendo a incerteza do instrumento de medição igual a 1 ºC para a temperatura e a 3% para a umidade relativa do ar.

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos para a estimativa e a variância da resistência de carga R, tensão na entrada do bloco atenuador VAT IN e tensão na saída do bloco atenuador VAT OUT.

A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos para a estimativa da atenuação do bloco atenuador ATAT, calculados a partir dos resultados obtidos para a tensão de entrada VAT IN, e tensão de saída do bloco atenuador VAT OUT.

A Tabela 4 apresenta os resultados obtidos para a estimativa e variância da tensão de entrada do bloco filtro de entrada a partir de um sinal senoidal com 2,00 V de amplitude VFILT-CH0 fi, e com 500 mV de amplitude VFILT-CH1 fi, para frequências fi iguais a 50, 100, 250 e 500 Hz e as respectivas tensões de saída deste bloco, que são as tensões no canal CH0, VCH0 fi, e no canal CH1 do conversor A/D, VCH1 fi.

A Tabela 4 também apresenta os resultados obtidos das medições dos períodos TCH0 fi e TCH1 fi, dos sinais das tensões no canal CH0 e CH1 do conversor A/D, VCH0 fi, e VCH1 fi, respectivamente.

A Tabela 5 apresenta os resultados obtidos para as estimativas da atenuação do bloco filtro de entrada relativa ao canal CH0 do conversor A/D ATCH0, e relativa ao canal CH1 do conversor A/D ATCH1, calculados a partir da média das estimativas e incertezas obtidas para a tensão de entrada e de saída do bloco filtro de entrada, respectivamente, para o canal CH0, VFILT-CH0 fi, e VCH0 fi, e para o canal CH1, VFILT-CH1 fi, e VCH1 fi.

A Tabela 6 apresenta os resultados obtidos para a estimativa e incertezas da integral do quadrado da tensão no canal do conversor A/D obtidos a partir das medições de energia do analisador.

A Tabela 7 apresenta os resultados obtidos para a estimativa e incertezas da integral do quadrado da tensão no canal do conversor A/D obtidos a partir do valor eficaz da tensão no canal do conversor A/D, do período do sinal e do número de ciclos.

A Tabela 8 apresenta os resultados para a incerteza expandida das medições de energia do analisador obtidos a partir da Equação 3 e dos resultados apresentados nas Tabelas 2, 3, 5 e 6.

A Tabela 9 apresenta os resultados para a incerteza definicional na metodologia proposta obtidos a partir da Equação 20 e dos resultados apresentados nas Tabelas 2, 3, 5 e 7. A Tabela 9 apresenta também os resultados obtidos para o índice de capacidade Cm do processo considerando uma incerteza máxima permitida para as medições de energia do analisador igual a 5% e calculado conforme descrito em Oliveira (2010).

Discussão

Foiatto et al. (2009) propõem uma metodologia de calibração para analisadores de desfibriladores cardíacos a partir da integração de potência, utilizando um divisor de tensão e com base em medidas de intervalo de tempo e de sinais de tensão elétrica. Esta metodologia é realizada pelo método de transferência de valores, utilizando um desfibrilador para geração do pulso de energia, um divisor de tensão e um osciloscópio, que contenha no mínimo dois canais e funções matemáticas.

A metodologia apresenta como vantagens o fato de não necessitar conhecimento dos circuitos do analisador e de poder ser utilizada para a calibração de diferentes modelos de analisadores sem grandes alterações no seu procedimento. Como principal desvantagem tem-se a necessidade da utilização de um desfibrilador, que não é um equipamento tipicamente encontrado em laboratórios de calibração, e a exigência do osciloscópio utilizado apresentar funções matemáticas.

Por não estar dentre os seus objetivos, o trabalho de Foiatto et al. (2009) também não detalha o processo de obtenção da incerteza expandida da medição e nem o procedimento e os recursos necessários para que, a partir da forma de onda adquirida, se determine a energia da descarga, tais como as funções matemáticas que o osciloscópio deve possuir, o método de integração utilizado e o detalhamento do modelo matemático utilizado. Estas razões dificultam a adoção desta metodologia e, por contraposição, valorizam as características do presente estudo.

Vale salientar, portanto, que na metodologia apresentada utilizou-se de mais de um ponto de amostragem para destacar a importância de se considerar a resposta do equipamento analisado, tendo em vista o objetivo de auxiliar o leitor no desenvolvimento de metodologias de calibração.

A resposta em frequência do bloco filtro de entrada do analisador desenvolvido (Figura 1) apresenta o comportamento de um filtro passa-baixas com frequência de corte de 5 kHz. Observa-se, portanto, que o bloco filtro de entrada apresenta uma resposta praticamente constante para todo o espectro de frequência do pulso desfibrilatório de uma descarga senoidal amortecida. Este fato faz com que os resultados da atenuação do bloco filtro de entrada praticamente não se modifiquem quando a posição e o número de pontos de amostragem são alterados.

Outras formas de onda de pulso desfibrilatório apresentam um espectro de frequência diferente e mais largo que o espectro da descarga senoidal amortecida. Entretanto, mesmo para estas outras formas de onda, pode-se considerar que a frequência de corte apresentada pelo bloco filtro de entrada é suficientemente elevada para que não se necessite de mais de um ponto de amostragem.

A norma ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003) é uma revisão conjunta das normas ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996) e ANSI/AAMI DF39, e não define o erro máximo admissível para os instrumentos de medição utilizados na realização dos ensaios por ela estabelecidos. Entretanto, a norma ANSI/AAMI DF2 (American..., 1996), a partir da qual ela foi baseada, estabelece que todos os instrumentos e equipamentos de ensaio utilizados na realização dos ensaios especificados por ela devem ter a maior exatidão possível, e não mais que um terço do erro máximo admissível da variável a ser medida ou ±5% da variável a ser medida em que apenas limites máximos e mínimos são fornecidos.

Esta consideração está de acordo com a norma ISO 10012-1:1993, na qual o erro imputável à calibração deve ser tão pequeno quanto possível. Na maioria das áreas de medição não deveria ser maior do que um terço e, de preferência, um décimo do erro máximo admissível do equipamento comprovado quando em uso (Instituto..., 1993).

De acordo com as normas ANSI/AAMI DF80 (American..., 2003) e NBR IEC 60601-2-4 (Instituto..., 2005), a energia entregue não deve variar por mais que ±15% da energia selecionada ou ±3 J, o maior valor dentre os dois. Portanto, tem-se que a incerteza máxima aceitável de um analisador para as medidas de energia é igual a ±5% ou ±1,0 J, o que for maior dentre os dois.

A partir da calibração das medições de energia do analisador desenvolvido, constatou-se que este apresentou uma incerteza relativa expandida igual a 1,0% para medições de energia a partir dos canais CH0 e CH1 do conversor A/D, conforme pode ser observado na Tabela 8. Estes resultados são adequados para um analisador de desfibriladores e cardioversores.

Uma avaliação da capacidade da metodologia utilizada para a calibração foi realizada. Nesta avaliação considerou-se o erro máximo admissível para as medições de energia do analisador de desfibriladores e cardioversores igual a ±5% ou ±1 J, o que for maior dentre os dois. Para que o processo de calibração tenha uma probabilidade >99,73% de que o parâmetro mensurado realmente se encontre dentro das tolerâncias determinadas para o analisador, o índice de capacidade Cm do processo de calibração deve ser >1. Para tanto é necessário que o processo de calibração apresente um erro máximo não superior a 1,67% ou 0,33 J.

Conforme pode ser observado na Tabela 9, o procedimento de calibração proposto apresentou uma incerteza de 0,57 e 0,58% para as medições realizadas através dos canais CH0 e CH1 do conversor A/D respectivamente, e coeficientes de capacidade Cm de 2,92 e 2,87, respectivamente.

Conclusão

Através do estudo de caso do cálculo da incerteza da medição da energia apresentado neste estudo, apresenta-se os passos e as normas utilizados para a determinação de incertezas dos equipamentos. Deste modo, este artigo fornece a base necessária para o correto emprego de metodologias de calibração, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura metrológica.

Recebido: 04/02/2010

Aceito: 27/01/2012

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    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2010
    • Aceito
      27 Jan 2012
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