Acessibilidade / Reportar erro

Estudos da deficiência na produção acadêmica: uma cartografia nas arenas do Norte-global

Disability studies in academic production: a cartography of the global North arena

Resumo

Qual seria o lugar dos estudos da deficiência na prática científica contemporânea? Em que medida a circulação de investigações que questionam ontologias capacitistas e posicionam a deficiência como um marcador social relevante para a compreensão das diferentes formas de apagamento e de opressão social estaria influenciando o desenvolvimento de novas agendas de pesquisa? A partir de um mapeamento de 2.864 documentos registrados nas bases de dados Scopus e Web of Science entre os anos de 1956 e 2020, este artigo procura descrever as tendências gerais de produção e a estrutura intelectual dos estudos da deficiência ao longo das últimas sete décadas. A intenção é oferecer um mapa atualizado dos principais periódicos, autores e autoras, repertórios teóricos, enfoques heurísticos e sujeitos políticos que disputam visibilidade e legitimidade no cenário internacional da produção de conhecimentos a respeito da deficiência. Os resultados desta investigação sugerem que a deficiência é uma categoria plural e em construção nos meios científicos especializados; simultaneamente analítica e política, ela se organiza em torno de múltiplas áreas que participam da coprodução de distintos modelos de interpretação e de construção das vidas das pessoas com deficiência.

Palavras-chave
estudos da deficiência; modelo social; produção científica; sociologia do conhecimento; bibliometria

Abstract

What would be the place of disability studies in contemporary scientific practice? To what extent might the circulation of investigations that question ableist ontologies and position disability as a relevant social marker for understanding the different forms of erasure and social oppression be stirring new research agendas? Based on a mapping of 2,864 documents registered in the Scopus and Web of Science databases between the years 1956 and 2020, this article seeks to describe the general trends in production and the intellectual structure of disability studies over the past seven decades. The purpose is to offer an updated map of the leading publication outlets, authors, theoretical repertoires, heuristic approaches and political subjects that compete for visibility in the international scenario of knowledge production regarding disability. This investigation suggests that disability is an analytical and political category that participates in the co-production of different models of interpretation and construction of the lives of people with disabilities.

Keywords
disability studies; social model; scientific production; sociology of knowledge; bibliometrics

Apresentação

Os estudos da deficiência se apresentaram nas últimas décadas do século XX como um território de disputas políticas e de possibilidades intelectuais, que vêm produzindo efeitos concretos sobre as vidas de milhares de pessoas ao redor do mundo. A expressão surgiu com força entre as décadas de 1960 e 1970 como uma maneira de representar algumas das principais lutas coletivas pelos direitos destes sujeitos políticos e pela contestação da hegemonia de modelos biomédicos centrados exclusivamente nos impedimentos corporais. Na esteira desse processo, como mencionaremos no decorrer deste texto, inúmeras comunidades epistêmicas e terapêuticas conseguiram se articular no contexto euro-norte-americano dos anos de 1980 e 1990 para configurar os contornos do que se convencionou chamar de “modelo social da deficiência”; ou seja, um modo de compreender a deficiência como uma categoria existencial e relacional, marcada por práticas de apagamento e de opressão, mas que comporta múltiplos potenciais de emancipação humana.

O impacto desses estudos na arena global da saúde foi imenso. Em particular, no que se refere ao deslocamento da ideia capacitista de que a deficiência seria uma espécie de doença passível de ser “curada”, para sua compreensão como uma manifestação biopsicossocial que demanda políticas de acessibilidade e de inclusão. Tal transformação conceitual levou a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) a revisar seus critérios de significação da deficiência e publicar, em 2001, uma versão atualizada da Internationl Classification of Functioning, Disability and Health (OMS, 200162 WHO – World Health Organization. International classification of functioning, disability and health. Genève: WHO, 2001.) para atender à diversidade física e intelectual das populações humanas. A partir deste novo ideário, que considera o funcionamento e as habilidades dos corpos em relação às sociedades em que habitam, outros coletivos organizaram-se, marcos regulatórios foram desenvolvidos e as pesquisas a respeito da deficiência multiplicaram-se exponencialmente nos mais diversos contextos e latitudes.

Neste artigo recuperamos uma parcela significativa de pesquisas relacionadas aos estudos da deficiência, para refletir sobre a trajetória dessa categoria no universo científico contemporâneo. Partindo de um mapeamento de 2.864 documentos registrados – em especial artigos acadêmicos revisados por pares, mas também livros e comunicações em anais de congressos – nas bases de dados Scopus e Web of Science,1 1 Consideramos estes dois bancos de dados por serem as maiores bases de publicações revisadas por pares (incluindo periódicos, livros e anais de congressos) e representarem atualmente os meios hegemônicos de sistematização e de classificação da produção científica mundial. Optamos por não utilizar a base PubMed por entender que os documentos nela inscritos não influenciaram decisivamente o desenvolvimento e a configuração atual dos estudos da deficiência. entre os anos de 1956 e 2020, realizamos análises bibliométricas das tendências gerais da estrutura intelectual desse território científico, para apresentar as principais áreas, periódicos, autores e autoras, repertórios teóricos, enfoques temáticos e sujeitos políticos que vêm disputando espaço, visibilidade e legitimidade na arena científica internacional ao longo das últimas sete décadas. O objetivo é construir uma possível cartografia dos variados atores, conflitos, desenvolvimentos e horizontes inaugurados pelos estudos da deficiência. Assim, esperamos contribuir para ampliar nossas maneiras de compreender a diversidade humana com as experiências e as perspectivas oferecidas por pessoas com deficiência ou que se ocupam de sua significação.

Cartografias intelectuais: documentos científicos como campo de análise

Análises bibliométricas a respeito dos estudos da deficiência tornaram-se cada vez mais frequentes no século XXI. Elas abrangem fontes e temáticas variadas, mas parecem ter em comum a ambição de oferecer mapas provisórios do modo pelo qual redes dinâmicas de trabalho científico vêm se organizando, adquirindo coerência, credibilidade e materialidade.2 2 A noção de rede, em detrimento de outras noções correlatas, como as de grupo ou comunidade, revelou-se útil para a análise bibliométrica empreendida neste artigo justamente por favorecer a compreensão de fluxos, circulações, alianças e movimentos em um plano heurístico horizontalizado, em vez de remeter a entidades fixas e assimétricas. Desse modo, como já observou Callon (1986, 93), a noção de rede descreve simultaneamente um ator, que age em relação a outros atores sociais, e um campo, capaz de redefinir e transformar seus próprios integrantes. Um exemplo recente dessas iniciativas é o estudo de Khoo, Li e Ansari (2018)30 KHOO, Selina; LI, Chunxiao; ANSARI, Payam. The top 50 most cited publications in disability sport: a bibliometric analysis. Perceptual and Motor Skills, v. 125, n. 3, p. 525-545, 2018., que analisou os 50 artigos acadêmicos sobre disability sports mais citados na base de dados Web of Science e constatou a hegemonia euro-norte-americana na interpretação de megaeventos esportivos como as Paraolimpíadas. Outro exemplo atual é o artigo de Ferreira, Souza, Silva e Fernandes (2017)19 FERREIRA, Naidson C. S.; SOUZA, Calixto J.; SILVA, João. H.; FERNANDES, Woquiton L. Bibliometric study about educational policies for people with disabilities, between 1997 to 2014. Revista Eletrônica de Educação, v. 11, n. 3, p. 817-829, 2017. acerca das pesquisas sobre políticas para pessoas com deficiência veiculadas em periódicos brasileiros de educação especial. Além de revelar a construção de ortodoxias intelectuais nas regiões Sul e Sudeste, os autores observam a produção coletiva de diferentes formas de denúncia da ineficiência do Estado e da gestão pública em assegurar uma educação de qualidade no país.

Impulsionadas pela informatização da atividade científica, essas tentativas de descrever e sistematizar os conhecimentos acumulados em determinadas áreas sinalizam tanto o adensamento da categoria quanto a necessidade de se atribuir outros significados à imensa quantidade publicações geradas nas últimas décadas. São esforços certamente limitados pelas arquiteturas dos bancos de dados disponíveis, pelas políticas científicas que os mantém, bem como pelas lógicas discursivas da narrativa estatística. Por isso mesmo, para evitar o risco de se reduzir a produção de saberes a um mero problema de codificação, talvez seja apropriado valer-se do potencial formativo e inclusivo da bibliometria para oferecer ferramentas que interrompam o fluxo dominante das informações e auxiliem a formulação de outros mapas e outras formas de dispersão do trabalho intelectual. Afinal, como argumenta Haraway (1991, p. 170)24 HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. New York: Routledge, 1991. a respeito da tecnopolítica feminista para este milênio, “[s]e aprendermos como ler essas teias de poder e vida social, podemos aprender novos acoplamentos, novas coalizões”.

Para este estudo, foi feita em 18 de março de 2020 pesquisa nas base da Scopus e da Web of Science (WoS). Para seleção dos documentos foi verificado o uso dos termos no título ou nas palavras-chave ou no resumo dos documentos, sem delimitação temporal ou de língua ou de tipo de documento (e.g., artigo e livro) ou de fonte de documentos (e.g. periódicos e conferências), usando as seguintes queries:

* Web of Science: (“disabilit* stud*”) (Tópico)

* Scopus: TITLE-ABS-KEY (“disabilit* stud*”)

Foram identificados 5.679 documentos (Scopus = 4.000 e WoS = 1.679). Como dados recuperados de diferentes bases podem conter registros duplicados foi feito pré-processamento, identificando-se 2.815 documentos duplicados. Além disso é possível que sejam capturados documentos sem aderência ao foco da investigação. Dessa forma, foram lidos os títulos dos documentos e, quando não se pôde fazer a validação da sua aderência, foram lidos os resumos. Não foram identificados documentos sem aderência ao escopo do estudo. Assim, ao final, a base contou com 2.864 documentos.3 3 As bases de dados (Scopus e WoS) e o script para o software R estão disponíveis no Harvard Dataverse: https://doi.org/10.7910/DVN/LOZGUO Para o processamento foi utilizado o pacote bibliometrix (Aria; Cuccurullo, 20172 ARIA, Massimo; CUCCURULLO, Corrado. Bibliometrix: an R-tool for comprehensive science mapping analysis. Journal of Informetrics, v. 11, n. 4, p. 959-975, 2017.) para o software R (R Core Team, 201946 R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. V. 3.5.3. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2019.).

Procuramos modelar nossos dados através de ferramentas bibliométricas da estrutura social (e.g., mapa de colaboração da nacionalidade dos autores), conceitual (e.g., nuvem de palavras-chave) e intelectual (e.g., autores mais citados) do campo que nos auxiliaram a percorrer os circuitos intelectuais, sociais e conceituais que favoreceram a postulação e a repercussão desses estudos nos meios atualmente hegemônicos do universo científico. Para isso, marcos temporais, espaciais e relacionais foram mobilizados como princípios analíticos que permitissem a delimitação de quem, quando, onde, o quê e a partir de quais repertórios intelectuais esteve sendo publicado na forma de artigos acadêmicos, livros ou comunicações de anais de congressos. Tais estratégias revelaram-se úteis para a compreensão das tendências de desenvolvimento da estrutura intelectual de redes epistêmicas que se configuraram ao longo do século XX, particularmente em países que compõem o eixo euro-norte-americano.

Por meio da análise dessas redes, pretendemos expor mapas atualizados do volume e da historicidade das publicações, para situar na década de 1990 o início de um processo de estabilização dos estudos da deficiência nos circuitos centrais do conhecimento produzido nas arenas acadêmicas do Norte global e de diversificação dos atores e dos sabres envolvidos em sua significação. Em seguida, examinaremos o modo pelo qual essa fração da literatura cientifica pôde produzir, logo na entrada deste novo milênio, agendas especializadas de trabalho a partir da interconexão de áreas e objetos de conhecimento e da fabricação de tradições teóricas em comum. A opção por considerar artigos acadêmicos, livros e comunicações de anais de congressos – em detrimento de palestras, vídeos, materiais didáticos, programas curriculares, teses, dissertações ou outras expressões da atividade científica – está relacionada com a centralidade que estes artefatos adquiriram na vida intelectual contemporânea. Dessa maneira, reviramos as páginas dos documentos acadêmicos mencionados com a expectativa de compreender: como os estudos da deficiência têm se configurado ao longo da história intelectual desta categoria?

A emergência dos estudos da deficiência na produção científica contemporânea

Assim que começamos a analisar os 2.864 documentos localizados nas bases de dados Scopus e Web of Science, não foi surpreendente constatar a aparição relativamente incipiente de um primeiro conjunto de publicações que mencionava a expressão “disability studies”, sem maiores preocupações conceituais, como uma maneira de se referir às pesquisas científicas sobre doenças, patologias ou síndromes incapacitantes. Partindo da isolada publicação do médico alemão H. Querg (1956)45 QUERG, H. Zur Frage der Frühinvalidität; Untersuchungen bei der Versicherungs-Anstalt, Berlin 1951-1953 [Problem of early disability; studies of the Berlin Institute of Social Security, 1951-1953]. Zeitschrift fur arztliche Fortbildung, v. 50, n. 6, p. 263-268, 1956., somada a outras setes pesquisas de profissionais norte-americanos e anglo-saxões das áreas da medicina e da psiquiatria nos anos de 1970, os trabalhos identificados abordaram o fenômeno da deficiência por meio de perspectivas que promoviam variadas formas de reducionismo biológico, mas que se tornariam hegemônicas no imaginário científico do pós-guerra. Como se pode visualizar na Figura 1, a partir desse período inicial, o volume de publicações científicas sobre o tema aumentou seguidamente até atingir um crescimento significativo na entrada do novo milênio. Esclarece-se que a figura compreende o período até 2019 pois os dados foram coletados em março de 2020.

Figura 1
Publicações científicas relacionadas aos disability studies (1956-2019)

Focadas no estudo de dados psicológicos, fisiológicos ou anatômicos de “disfunções” corporais individuais, aquelas pesquisas da década de 1970 expressavam uma relação de causalidade entre lesão ou doença e a experiência da deficiência que favorecia a sua compreensão com uma forma fatalista de “tragédia pessoal” (Oliver, 199040 OLIVER, Mike. The politics of disablement. London: Macmillan, 1990.). Esses modelos médicos (ou individuais) da deficiência reforçaram estigmas de passividade, dependência e incapacidade que marcariam a história social das pessoas com deficiência. Na condição de “objetos” de investigações clínicas ou terapêuticas, no entanto, muitas dessas pessoas já vinham percebendo com indignação o fato de os saberes acerca de seus corpos e as decisões sobre as suas vidas estarem sendo agenciadas por profissionais que pretendiam “reabilitá-las” sem sequer considerar as suas trajetórias, experiências e perspectivas. Assim, ao menos desde o final dos anos de 1960, diversos movimentos sociais ao redor do planeta adquiriram força e legitimidade para contestar os modelos médicos da deficiência e reivindicar igualdade de oportunidades e de direitos.

Figura 2
Hope for the Crippled

A Figura 2 mostra o famoso selo postal lançado em 1969, em Ohio, nos Estados Unidos, que materializaria o tipo de retórica biomédica contra a qual muitos dos movimentos sociais do período começaram a se levantar. Ao representar uma pessoa sentada em uma cadeira de rodas em processo de reabilitação, e acompanhada da frase “Esperança para os aleijados” (tradução nossa), a imagem sugeria uma forma de corponormatividade4 4 De acordo com Fiona Campbell (2000, p. 15 – tradução nossa), essa “dinâmica da metamorfose cria uma ilusão (aparência) de um corpo ‘deficiente’ transformando-se no ‘normal’, resultando em uma recomposição corporal e na reforma da subjetividade”. entre especialistas da época que submetia corpos de pessoas com deficiência a posturas e técnicas a partir de uma suposta “normalidade” para todos os corpos e da opressão dos corpos “desviantes”. Se, por um lado, inúmeros corpos com deficiência já não se permitiam ser escondidos, esterilizados ou exterminados, como nas décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial, por outro, ainda eram socialmente considerados indesejáveis. Assim, uma questão crucial se denunciava naquele selo: a “cura” da deficiência, o mito da sua recuperação, ocupava o centro do debate. Segundo os modelos médicos vigentes só haveria “esperança” numa igualdade fixada como “normal”. Toda diferença, assumida como desviante, deveria ser “consertada”.

Embora o ativismo de pessoas com deficiência pode ser rastreado até meados do século XIX (Hoge, 201926 HOGE, William F. The disability rights movement: list of resources. Excellence in Education Journal, v. 8, n. 2, p. 51-63, 2019.), foram as décadas de 1960 e 1970 que se notabilizaram na história dos estudos da deficiência como as décadas da enorme mobilização coletiva em torno de questões de direitos dessas pessoas. Nesse período, o fortalecimento dos movimentos pelos direitos de pessoas com deficiência parece ter acompanhado a ascensão global das lutas pela postulação dos direitos humanos. Desse modo, tanto em lugares específicos, como nos Estados Unidos de Kennedy,5 5 Ao traçar as raízes do ativismo universitário que articulou movimentos estudantis e de pessoas com deficiência nos Estados Unidos na década de 1960, Lindsey Patterson (2012) recupera acontecimentos que levaram à formação de coletivos como o Movimento de Vida Independente, iniciado em Berkeley em 1972, para argumentar que os processos entrelaçados de conscientização e formação de redes acadêmicas transformaram a compreensão dos movimentos sociais do período sobre acessibilidade. na Inglaterra reivindicada pela Union of the Physically Impaired Against Segregation (UPIAS, 197659 UPIAS - Union of the Physically Impaired against Segregation. Fundamental principles of disability. London: UPIAS, 1976.)6 6 Jameel Hampton (2020) analisa em detalhes a radicalização dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência no Reino Unido e a contestação das políticas de bem-estar social nos anos de 1970. ou nas lutas contra o apartheid promovidas pela Disabled People South Africa (DPSA),7 7 Ainda que o slogan “nada sobre nós sem nós” tenha repercutido internacionalmente a partir do ativismo norte-americano, a origem desta declaração advém da mobilização de pessoas com deficiência no contexto sul-africano, quando mulheres ativistas como Phindile Mavuso, Poppy Buthelezi e Mavis Ngubane começaram a narrar suas experiências com a deficiência em meio ao apartheid (Lopes, 2019). bem como nos fóruns internacionais mediados pela Organização das Nações Unidas (ONU),8 8 Do ponto de vista institucional, tais mobilizações produziram resultados efetivos. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, por exemplo, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975, incentivou a promoção de políticas públicas que oferecessem garantias mínimas para essa população em diversos estados nacionais ao redor do planeta. O ano de 1981 também seria proclamado como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Em dezembro de 1982, a ONU também publicaria o documento World Program of Action concerning Disabled Persons (UN, 1982 – tradução nossa), “para promover medidas eficazes para a prevenção da deficiência, reabilitação e a realização dos objetivos de ‘participação plena’ das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento e na ‘igualdade’”. as demandas daqueles coletivos de ativistas com e pela deficiência foram ouvidas nos mais diversos contextos e latitudes. Assim, passaram a compor a cena política do século XX, desafiando concepções que viam o corpo branco, burguês, masculino, heterossexual, saudável e sem deficiência, como sendo o modelo de corpo “normal”.

A repercussão gigantesca dessas mobilizações sociais levou a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicar, em 1980, a International Classification of Functioning, Impairments Disabilities and Handicaps (WHO, 198061 WHO – World Health Organization. International classification of impairments, disabilities and handicaps. Genève: WHO, 1980.). No entanto, ainda que o documento tangenciasse aspectos sociais e culturais então reivindicados pelos movimentos da época, a perspectiva adotada nessa classificação não foi capaz de dissolver a ideia de que a deficiência seria um tipo particular de patologia ou de incapacidade. Consagrou-se, então, o que Davis (1995)15 DAVIS, Lennard J. Enforcing normalcy: disability, deafness, and the body. London: Verso, 1995. denomina de uma “hegemonia da normalidade” no universo científico do século XX. Nesse sentido, os periódicos de maior impacto acadêmico naquele momento, enquanto instâncias de controle e rotinização dos saberes e das linguagens estabelecidas pela OMS, deixaram de incorporar muitas das demandas intelectuais e políticas de coletivos emergentes – sobretudo aquelas que remetiam à compreensão de que a experiência da deficiência não deveria ser encarada como o resultado de uma “limitação” individual a ser “corrigida”, mas de nossas hostilidades sociais em relação à diversidade humana (Shakespeare, 201052 SHAKESPEARE, Tom. The social model of disability. In: DAVIS, Lennard J. (ed.). The disability studies reader. New York: Routledge, 2010. p. 197-2004.).

Os 23 documentos publicados durante a década de 1980 nas bases de dados consideradas são reveladores do lugar periférico ocupado pela “primeira geração” de ativistas e intelectuais com deficiência na produção científica e da insensibilidade do mainstream acadêmico para com os modelos sociais que foram elaborados naquele período. Mesmo a produção de pesquisadores estabelecidos em universidades do Norte global, que seriam decisivos para o desenvolvimento das gerações seguintes, como o sociólogo Paul Hunt ou o cientista político Harlan Hahn, pouco repercutiu nas bases Scopus e Web of Science. Em seu lugar, foram veiculados estudos sobre aprendizagem, cognição, dificuldades especiais, doenças crônicas, epidemiologia, lesões, incapacidades, neurológia e metodologias de pesquisa nas áreas da saúde, psicologia e educação especial. Com raras ressalvas, a exemplo do artigo de Hubbard (1985)27 HUBBARD, Ruth. Prenatal diagnosis and eugenic ideology. Women's Studies International Forum, v. 8, n. 6, p. 567-576, 1985. que refletiu sobre o caráter eugênico das técnicas de pré-natal, a imensa maioria das publicações analisadas reforçava concepções que anormalizavam a deficiência.

A partir da década de 1990, o interesse acadêmico pelos estudos da deficiência começou a adquirir maior visibilidade e os saberes e os atores envolvidos em sua enunciação começaram a se diversificar. Naquele momento, as vozes plurais dos movimentos sociais conquistaram força e densidade suficiente para penetrar os extratos dominantes da produção científica e politizar os debates. Uma das principais proposições empreendidas por esses intelectuais engajados, como observa Colin Barnes (2003)4 BARNES, Colin. What a difference a decade makes: reflections on doing “emancipatory” disability research. Disability & Society, v. 18, n. 1, p. 3-17, 2003. a respeito do contexto britânico, esteve dirigira à denúncia das múltiplas formas de opressão que acometem as pessoas com deficiência. Tais análises levaram ao desenvolvimento de modelos emancipatórios de investigação que promovessem formas de empoderamento e engendrassem políticas de acessibilidade e inclusão social (Oliver, 199241 OLIVER, Mike. Changing the social relations of research production? Disability, Handicap & Society, v. 7, n. 2, p. 101-114, 1992.). Os desdobramentos desse processo favoreceram a configuração de uma nova atmosfera intelectual a partir da qual a deficiência pôde ser compreendida como um fenômeno complexo que articula conhecimentos produzidos tanto pelas biociências quanto pelas teorias sociais.

A Figura 3 ilustra esse cenário intelectual do final do século passado ao apresentar uma nuvem com as palavras-chave que indexaram os 108 documentos publicados durante o período nas bases de dados analisadas – a maior ou menor frequência dessas palavras está representada apenas pelo seu tamanho na imagem. Ao assumir a hipótese de que elas descrevem elementos importantes dos textos publicados, em especial as áreas, categorias, objetos, perspectivas e sujeitos políticos, foi possível reconstruir um universo discursivo a partir do qual os estudos da deficiência desenvolveram identidade e inteligibilidade nos anos de 1990. Trata-se, evidentemente, de apenas uma imagem entre tantas outras possíveis. A partir dela, pretendemos tão somente destacar o adensamento de significados que disputaram a hegemonia dos estudos da deficiência ao longo daquela década, transformando a deficiência em uma categoria agonística.

Figura 3
Nuvem de palavras-chave (1990-1999)

Apesar do predomínio de gramáticas biomédicas, debates emergentes a respeito das relações entre corpo, deficiência e sociedade já despontavam no conjunto das publicações do período. Um dos eventos que nos parece representativo desse processo, foi a transformação do veículo que atualmente é reconhecido como um dos mais influentes periódicos internacionais no território dos estudos da deficiência. Criado em 1986 sob a editoria de Michele Moore e veiculado pela Francis & Taylor, Disability, Handicap & Society modificaria seu projeto editorial em 1994 para se afastar de qualquer concepção relacionada à incapacidade e se converter no consagrado Disability & Society.9 9 Já no primeiro Editorial da então denominada Disability, Handicap & Society, de 1986, foi dito que “não queremos que a revista seja vista como um veículo meramente representativo de perspectivas profissionais. Assim, queremos encorajar os consumidores de serviços e as pessoas com deficiência a falar por si” (Editorial, 1986, p. 3 – tradução nossa). Por meio deste periódico, foram enunciadas algumas das principais críticas ao que Simi Linton (1998)32 LINTON, Simi. Disability studies/not disability studies. Disability & Society, v. 13, n. 4, p. 525-539, 1998. chamou de “modelos intervencionistas”. Em referência direta à enorme confiança depositada nas áreas da medicina aplicada e da educação especial, estudos como este opuseram-se fortemente à centralidade da ideia de lesão e à secundarização das dimensões sociais, políticas, corporais e afetivas que organizam a vida das pessoas com deficiência.

No curso desse processo de contestações dos reducionismos biomédicos e de formulação de alternativas que favorecessem o protagonismo e a emancipação das pessoas com deficiência, os modelos sociais que vinham sendo gestados desde a década de 1960 conquistaram espaço e credibilidade para se posicionar como um contradiscurso na arena global da saúde. Um dos seus resultados políticos mais evidentes ocorreu em 2001, com a revisão do sistema de classificação até então utilizado pela OMS para definir o fenômeno da deficiência. Assim, foi publicada a International Classification of Functioning, Disability and Health (WHO, 200162 WHO – World Health Organization. International classification of functioning, disability and health. Genève: WHO, 2001.) com a ambição de atualizar e unificar a linguagem mobilizada por agentes políticos e comunidades científicas ao redor do mundo. A partir desse documento, a entidade transformaria o seu antigo modelo de classificação de corpos com lesões e de desvantagens causadas pela suposta incapacidade dos indivíduos em se adaptar à vida social em um modelo mais complexo de avaliação da funcionalidade e dos impedimentos para todas as pessoas e não apenas para as pessoas com deficiência.

Esse novo modelo, que receberia a alcunha de “biopsicossocial” pela própria OMS, procurou compor com as perspectivas biológicas, subjetivas e sociais do fenômeno da deficiência, em disputa na década de 1990, para apresentá-lo como o efeito de diferentes interações entre funções e estruturas corporais, condições de atuação e participação e fatores contextuais que representam os ambientes físicos, sociais e atitudinais nos quais cada corpo atua e participa. Dessa maneira, a reformulação da classificação no âmbito da OMS permitiu, mesmo com seus problemas de tradução para outros contextos linguísticos e culturais no Sul global (Diniz; Medeiros; Squinca, 200717 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SQUINCA, Flávia. Reflexões sobre a versão em português da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Cad. Saúde Pública, v. 23, n. 10, p. 2507-2510, 2007.), diferentes apropriações da noção de deficiência, legitimando inclusive sua compreensão como uma categoria política e sociológica relevante para o que se convencionaria chamar de “humanidades em saúde”; ou seja, a percepção de que os desafios vivenciados pelas pessoas com deficiência são múltiplos e as respostas especializadas não poderiam se restringir a saberes ou intervenções estritamente biomédicas e individualizadas.

Vozes plurais: os estudos da deficiência ganham o mundo

Nas primeiras duas décadas deste milênio a terminologia proporcionada pelos movimentos sociais de pessoas com deficiência – e adotada pela OMS – para redefinir as noções de funcionalidade e de deficiência fomentou o desenvolvimento de marcos regulatórios que modificaram as agendas políticas no campo da saúde coletiva ao redor do planeta. Nesse processo, a publicação de diversos handbooks, a criação de novas associações científicas e a organização de fóruns internacionais em interface com as mais variadas áreas fizeram com que o fenômeno da deficiência ocupasse espaços cada vez mais prestigiados na produção do conhecimento.10 10 Tom Shakespeare (2005) oferece uma revisão detalhada da emergência dos estudos da deficiência na cena intelectual europeia e norte americana da entrada do século XXI. Tal movimentação parece ter contribuído para impulsionar e diversificar as investigações a respeito do tema, ao mesmo tempo que possibilitou recuperar a contribuição de intelectuais que não detinham destaque no conjunto dos estudos da deficiência indexados pelas bases Scopus e Web of Sciense até o final da década de 1990.11 11 Análises úteis a respeito dos estudos sobre deficiência nos contextos norte-americano e britânico da década de 1990 foram elaboradas por Gary Albrecht (2002) e Carol Thomas (2002). A Figura 4 demonstra esse crescimento no volume das publicações e a globalização dos estudos e das redes de colaboração a partir do contraste entre as 138 pesquisas veiculadas até 1999 e as 2.687 que circularam após o ano de 2000.

Figura 4
Globalização dos estudos da deficiência por período

O processo de expansão dos estudos da deficiência sinaliza a ampla repercussão que as epistemologias e proposições políticas euro-norte-americanas estão tendo nos mais diversos contextos e latitudes. No entanto, este movimento também favoreceu a relativa inclusão de realidades, perspectivas e sujeitos políticos, que até então escapavam ao imaginário intelectual e ao domínio linguístico dos centros de pesquisa sediados no Norte global, no interior dos circuitos integrados da produção científica. As reviravoltas discursivas desencadeadas em meio a esse percurso parecem estar tensionando e redefinindo os contornos daquilo que atualmente entendemos como “modelo social da deficiência”. Na Tabela 1 destacamos o papel central que os trabalhos de intelectuais como Tom Shakespeare, Robert McRuer e Fiona Kumari Campbell desempenharam, entre 2000 e 2009, para a construção de gestos de abertura e de pluralização da noção de deficiência em uma arena científica que se impõe como “global”. A intenção de destacar a produção intelectual de apenas essas três pessoas está relacionada com certa preocupação didática em introduzir aspectos gerais de suas produções intelectuais, nos limites possíveis para um artigo acadêmico, mas também com nossa própria percepção de sua relevância na estruturação do debate contemporâneo no campo dos estudos da deficiência.

Tabela 1
Estudos da deficiência com maior impacto científico (2000-2009)

Sociólogo, professor, comunicador, artista e ativista, Shakespeare é autor de uma vasta obra que, desde meados da década de 1990, tem influenciado decisivamente o modo como a noção de deficiência costuma ser conceituada dentro e fora dos espaços acadêmicos. Eleito Membro da Academia Britânica, em 2018, tendo trabalhado na divulgação e implementação do World Report on Disability (WHO, 201163 WHO – World Health Organization. World report on disability. Genève: WHO, 2011.) e na integração da área da deficiência nos programas técnicos da OMS, ele desenvolveu sua carreira nas universidades de Sunderland, Leeds, Newcastle e, mais recentemente, em Norwich.12 12 Mike Oliver e Colin Barnes (2012) realizaram uma análise crítica do documento World Report on Disability, publicado em 2011 pela OMS em parceria com o Banco Mundial, que merece ser consultada. No curso desta trajetória, marcada pela condição genética causada pela acondroplasia, conhecida como uma doença rara que causa restrições no crescimento ou nanismo13 13 A condição rara da doença de Shakespeare o levou a se aproximar das discussões a respeito da nova genômica, contribuindo para incluir as pessoas com “doença rara” como um sujeito político emergente nos estudos da deficiência contemporâneos (Huyard, 2009; Souza; Carniel, 2020). , e por uma militância ativa junto aos coletivos em defesa de uma vida independente para as pessoas com deficiência, Shakespeare (2006)51 SHAKESPEARE, Tom. Disability rights and wrongs. New York: Routledge, 2006. se tornou um crítico radical do que chamou de o “beco sem saída” do modelo social britânico.

Nesse sentido, procurou elaborar alternativas teóricas que partissem de uma visão menos dogmática do social e, assim, pudessem gerar novas alianças para os estudos da deficiência, em particular entre os setores médicos e sociais (Shakespeare; Watson, 200153 SHAKESPEARE, Tom; WATSON, Nicholas. The social model of disability: an outdated ideology? In: BARNARTT, Sharon N.; ALTMAN, Barbara (eds.). Exploring theories and expanding methodologies: where are we and where do we need to go? Amsterdam: JAI, 2001. p. 9-22.). Para isso, argumentou em favor de uma perspectiva relacional que posicionasse o fenômeno da deficiência na interface entre a opressão social e a condição corporal, liberando-a para outras políticas identitárias. Em seus estudos sobre bioética, demonstrou como práticas clínicas ou assistenciais vinculadas à triagem genética (Shakespeare, 199948 SHAKESPEARE, Tom. “Losing the plot”? Medical and activist discourses of contemporary genetics and disability. Sociology of Health & Illness, v. 21, n. 1, p. 669-688, 1999.), aos esforços para “curar” a deficiência (Shakespeare, 199847 SHAKESPEARE, Tom. Choices and rights: eugenics, genetics and disability equality. Disability & Society, v. 13, n. 5, p. 665-681, 1998.) e à caridade (Shakespeare, 200049 SHAKESPEARE, Tom. Help. Birmingham: Venture Press, 2000.) não seriam incompatíveis com a defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Pelo contrário, ao compreender que os direitos sozinhos não seriam capazes de assegurar o bem-estar, propôs que os afetos configurassem caminhos potenciais para rearticular a ética da virtude com a ética feminista do cuidado.

Ao mesmo tempo que Shakespeare despontou como um dos principais herdeiros da primeira geração dos estudos da deficiência britânicos, McRuer (2006)37 MCRUER, Robert. Crip theory: Cultural signs of queerness and disability. New York: New York University Press, 2006. se estabeleceu no contexto norte-americano como um expoente do que denominou de “teoria crip”. Professor do Departamento de Inglês da George Washington University desde 1997, McRuer (2005)36 MCRUER, Robert. Crip eye for the normate guy: Queer theory and the disciplining of disability studies. PMLA, v. 120, n. 2, p. 586-592, 2005. desenvolveu no curso de sua trajetória intelectual e militante uma perspectiva epistemológica da deficiência compulsória que promovesse a articulação entre a teoria queer e os estudos da deficiência para teorizar múltiplas formas de identidade e múltiplas estratégias de desidentificação. Desse modo, o autor localizou na aliança queer-crip uma emergente política da comunhão que desafia as identidades hegemônicas no capitalismo neoliberal contemporâneo. Mcruer reivindica atenção ao potencial crítico e transgressor dessa nova aliança interseccional formada por pessoas que precisam aprender a valorizar em seus corpos e em suas vidas aquilo que outros simplesmente desprezam. Nesse sentido, não seria somente o fato de ter de lidar com desprezo social que as aproximaria, mas sobretudo a necessidade de contestar as formas inautênticas de vida impostas pelo dispositivo da “corponormatividade compulsória”.

A teoria crip de McRuer (2006)37 MCRUER, Robert. Crip theory: Cultural signs of queerness and disability. New York: New York University Press, 2006. abriu espaço para uma compreensão profunda sobre como a indústria do entretenimento vem conseguindo absorver, manipular e recriar distintas figurações da anormalidade para moldá-las como alteridades passíveis de serem toleradas no interior da retórica “perfeitamente perfeita” que as sociedades ocidentais mantêm sobre si mesmas. Em suas pesquisas sobre casamento, por exemplo, McRuer (2002)35 MCRUER, Robert. Critical investments: AIDS, Christopher Reeve, and queer/disability studies. Journal of Medical Humanities, v. 23, n. 1, p. 221-237, 2002. observou que os corpos de muitas das pessoas com deficiência até podem ser incluídos nas esferas mais progressistas da cultura e da política norte-americanas, mas costumam ser sempre assumidos como “indesejáveis” – não apenas por contrastarem com os padrões de beleza, capacidade ou saúde socialmente idealizados, mas sobretudo por representarem uma espécie de “ameaça” ao modelo de reprodução social dominante no mundo moderno. Por isso, propôs que as lutas pelo acesso ao corpo deveriam se aliar às lutas pelo acesso à sexualidade na construção de “cidadanias íntimas” que radicalizassem o projeto político pós-identitário com a deficiência (McRuer; Mollow, 201238 MCRUER, Robert; MOLLOW, Anna. Introduction. In: MCRUER, Robert; MOLLOW, Anna (eds.). Sex and Disability. London: Duke University Press, 2012.).

Nascida em Melbourne, na Austrália, Campbell também é uma ativista e intelectual da geração dos anos de 1960 que, a exemplo do que ocorreu com Shakespeare e McRuer, conseguiu se posicionar no cenário global dos estudos da deficiência pelo enorme impacto de sua produção teórica. Formada em sociologia, humanidades e direito, no início deste século ela ingressou como professora em instituições australianas, como a Griffith University, Victoria University, University of Kelaniya e Queensland University of Technology. A partir de sua localização geográfica e epistemológica no Sul global, Campbell (2009)12 CAMPBELL, Fiona K. Contours of ableism: the production of disability and abledness. New York: Palgrave Mcmillan, 2009. empreendeu uma análise crítica e transdisciplinar das afinidades entre as lógicas do imperialismo e do capacitismo na estruturação do imaginário social e científico estabelecido a respeito da deficiência. Em especial, argumenta que a globalização de subjetividades, modos de vida e formas de governança por parte de organizações supranacionais administradas por atores do Norte global impõe aos estudos da deficiência encarar o capacitismo como um problema vinculado ao colonialismo.

Em suas investigações acerca da fabricação jurídica da deficiência, da medicalização da surdez, dos dramas biossociais implicados nos transplantes médicos e da educação sexual de pessoas com deficiência, a autora demonstrou que “o corpo típico da espécie” (Campbell, 20069 CAMPBELL, Fiona K. Litigation neurosis: Pathological responses or rational subversion? Disability Studies Quarterly, v. 25, n. 4, 2006.), “o cidadão normativo” (Campbell, 200710 CAMPBELL, Fiona K. States of exceptionality: provisional disability, its mitigation and citizenship. Socio Legal Review, v. 3, n. 1, p. 28–50, 2007.) e “o homem razoável” (Campbell, 20058 CAMPBELL, Fiona K. Legislating disability: negative ontologies and the government of legal identities. In: TREMAIN, S. (ed.). Foucault and the government of disability. Michigan: The University of Michigan Press, 2005. p. 108-132.) são construções biopolíticas de ideais normativos acerca do que deveríamos ser ou nos tornar, para os quais nenhum de nós conseguirá corresponder plenamente. De acordo com Campbell (2008)11 CAMPBELL, Fiona K. Exploring internalized ableism using critical race theory. Disability & Society, v. 23, n. 2, p. 151-162, 2008., o sistema do capacitismo apresenta-se como uma maquinaria racista que produz incapacidades ao esvaziar as alteridades colonizadas pelo discurso imperialista e induzir a internalização de múltiplas formas de autoaversão que excluem as pessoas com deficiência da própria condição humana. A análise crítica da ontologia capacitista, como enfatiza a autora, oferece mais do que um caminho para repensarmos a deficiência; ela sinaliza o próprio território a partir do qual articulações, resistências e rupturas se tornarão possíveis.

Na última década, a percepção compartilhada por Shakespeare, McRuer e Campbell de que a deficiência, em toda a sua multiplicidade, plasticidade e vulnerabilidade, representa uma categoria fundamental para que possamos compreender de forma menos dogmática, mais crítica e radicalmente anticapacitista o humano e o social, apresentou-se com força nas bases consideradas. Como procurou argumentar Dan Goodley (2013, p. 632)21 GOODLEY, Dan. Dis/entangling critical disability studies. Disability & Society, v. 28, n. 5, p. 631-644, 2013., os estudos críticos da deficiência sempre “começam com a deficiência, mas nunca terminam nela”. O que indica que a noção de deficiência tem se configurado recentemente como uma espécie de princípio epistemológico a partir do qual questões políticas, teóricas e práticas que envolvem a vida de todas as pessoas podem ser recolocadas em profundidade. A aparição do termo “crítico”, em que pesem as inúmeras controvérsias geradas (Vehmas; Watson, 201460 VEHMAS, Simo; WATSON, Nicholas. Moral wrongs, disadvantages, and disability: a critique of critical disability studies. Disability & Society, v. 29, n. 4, p. 638-650, 2014.), adquiriu proeminência entre os anos de 2010 e 2020, a partir da desconstrução dos dualismos que estruturam a ideologia capacitista da normalidade e do questionamento das bases materialistas que definem as pessoas com deficiência a partir de identidades rígidas e toleráveis às atuais políticas multiculturais de inclusão (Carniel, 201813 CARNIEL, Fagner. Agenciar palavras, fabricar sujeitos: sentidos da educação inclusiva no Paraná. Horizontes Antropológicos, v. 24, n. 50, p. 83-116, 2018.).

Trata-se, nos termos de Margrit Shildrick (2012)54 SHILDRICK, Margrit. Critical disability studies: rethinking the conventions for the age of postmodernity. In: WATSON, Nick; ROULSTONE, Alan; THOMAS, Carol (eds.). Routledge handbook of disability studies. London: Routledge, 2012. p. 30-41., de uma tentativa coletiva de repensar as convenções, suposições e aspirações empíricas, teóricas e políticas dos estudos da deficiência em um momento de complexificação das políticas identitárias (Jenks, 201929 JENKS, Andrew. Crip theory and the disabled identity: why disability politics needs impairment. Disability & Society, v. 34, n. 3, p. 449-469, 2019.), de enormes debates em torno do papel do corpo e do cuidado (Kittay, 201131 KITTAY, Eva. F. The ethics of care, dependence, and disability. Ratio Juris, v. 24, n. 1, p. 49-58, 2011.) e do aprofundamento das crises políticas, econômicas, sanitárias e societárias (Goodley; Lawthom, 201923 GOODLEY, Dan; LAWTHOM, Rebecca. Critical disability studies, Brexit and Trump: a time of neoliberal–ableism. Rethinking History, v. 23, n. 2, p. 233-251, 2019.). Desse ponto de vista, tais eventos estariam tensionando as respostas estabelecidas pelos modelos sociais postulados no século passado e impondo novas e revolucionárias respostas (Goodley, 201622 GOODLEY, Dan. Disability Studies. An interdisciplinary introduction. London: Sage, 2016.). Afinal, se o imaginário capacitista se perpetua em nossos modos de vida, estabelecendo duas zonas ontológicas opostas e hierárquicas nas quais a humanidade deveria se reconhecer como “capaz” ou “incapaz”, uma outra noção de pessoa precisa ser formulada com e através da deficiência. A exemplo do que já escreveu Adriana Dias (2018, p. 290)16 DIAS, Adriana A. M. Observando o ódio: entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade Estadual de Campinas, 2018., enquanto a ideologia do individualismo moderno se “consolida na unicidade”, a pessoa com deficiência se representa como “grafo”, pois “conectividade e relações são o fundamento de sua constituição, de sua percepção de si, do outro, do mundo”.

Mesmo correndo o risco de reduzir e personificar demasiadamente as perspectivas intelectuais que organizaram o debate hegemônico em torno dos estudos da deficiência na entrada do século XXI, talvez seja didático observar como os esforços de Shakespeare, McRuer e Campbell, em conjunto com muitas outras personalidades deste campo, contribuíram para aproximar os movimentos internacionais de pessoas com deficiência dos territórios políticos e analíticos das teorias sociais. Afinal, tal aliança entre a política acadêmica e a das ruas influenciou o que Pamela Block, Devva Kasnitz, Akemi Nishida e Nick Pollard (2016, p. 4 – tradução nossa)5 BLOCK, Pamela; KASNITZ, Devva; NISHIDA, Akemi; POLLARD, Nick. Occupying disability: an introduction. In: BLOCK, Pamela et al. (eds.) Occupying disability: critical approaches to community, justice, and decolonizing disability. Dordrecht: Springer, 2016. p. 3-14. chamam de um movimento de ocupação mútua que “reconhece as dimensões políticas e econômicas da desigualdade na deficiência, visto que ela se cruza com outras fontes de desigualdade”. Seus efeitos em nossos dias evidenciam-se tanto no que se refere ao maior engajamento de cientistas sociais com o fenômeno da deficiência quanto na diferenciação das posições políticas e das ferramentas conceituais utilizadas pelos atores e atrizes que militam em suas arenas sociais por formas renovadas de justiça para as pessoas com deficiência (Carniel; Mello, 202114 CARNIEL, Fagner; MELLO, Anahí G. Quem escreve pela deficiência no pensamento social brasileiro? Contemporânea - Revista de Sociologia da UFScar, v. 11, n. 2, p. 490-505, 2021.).

Recentemente, tal aproximação com as teorias sociais e de pluralização da agenda política dos estudos da deficiência parece ter aprofundado ainda mais a percepção de que o ativismo e a produção acadêmica precisam encontrar caminhos para intensificar seus diálogos. O dossiê proposto por Moore (2019)39 MOORE, Mike. Disability, activism and the academy: time for renewal? Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1025-1027, 2019. para a revista Disability & Society talvez seja um caso exemplar desse movimento político e intelectual. No artigo de abertura do dossiê, Mike Oliver (2019, p. 1029-1030 – tradução nossa)39 MOORE, Mike. Disability, activism and the academy: time for renewal? Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1025-1027, 2019. contrasta dois períodos que, para ele, estruturaram a história das relações entre deficiência, ativismo e academia, particularmente no Reino Unido, mas também em outras regiões do planeta: o primeiro, entre 1970 e 1997, teria se caracterizado por “políticas de deficiência, ativismo e orgulho”; o segundo, que se estenderia até os nossos dias, diz respeito ao “corporativismo, gestão pública e defesa de direitos” de pessoas com deficiência. Ao sugerir que “os tempos mudam, mas as coisas continuam as mesmas”, Carol Thomas (2019, p. 1041 – tradução nossa)57 THOMAS, Carol. Times change, but things remain the same. Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1040-1041, 2019. endossa a necessidade de reforçar alianças entre a academia e o ativismo para que a produção teórica não se afaste de seu compromisso com a construção de caminhos que nos levem à emancipação das pessoas com deficiência.

Provincializar a deficiência, considerações finais

Apesar de a arquitetura das bases de dados Scopus e Web of Science privilegiar pesquisas redigidas em língua inglesa e publicadas por periódicos sediados no eixo universitário euro-norte-americano, a partir dos anos 2000 novos atores e atrizes conquistaram visibilidade acadêmica no interior desses circuitos integrados da produção científica e começaram tensionar os regimes discursivos que historicamente organizam os estudos da deficiência desde o Norte global. Esse processo parece ter perturbado, ao menos em parte, o predomínio de tendências universalizantes e totalizantes na escrita da deficiência; particularmente, no que se refere ao reconhecimento de que as agendas de orgulho e celebração da deficiência não podem colonizar as experiências tão significativas que incontáveis populações de pessoas com deficiência vivenciam a partir de contextos de guerras, conflitos civis, testes nucleares, comércio de armas, poluição, epidemias ou atuação de conglomerados farmacêuticos nos países historicamente periferizados pelo capitalismo e pelo imperialismo.

Como já alertou Meekosha (2011, p. 678)34 MEEKOSHA, Helen. Decolonising disability: thinking and acting globally. Disability & Society, v. 26, n. 6, p. 667-682, 2011., “[p]recisamos pensar de maneira muito diferente sobre os estudos da deficiência. Precisamos perguntar quais países e partes do mundo estamos incluindo em nossas pesquisas. Também precisamos perguntar como as pessoas em partes do mundo diferentes da nossa entendem a deficiência”. Nesse sentido, ao longo destas páginas não fizemos mais do que apresentar uma cartografia possível de territórios intelectuais que se estabeleceram como globais e, assim, favoreceram a enunciação dos estudos da deficiência, ao longo das últimas sete décadas, como um marcador social relevante para a compreensão das diferentes formas de apagamento e de opressão social que constituem aquilo que entendemos e como nos relacionamos com o humano e o social. Nossa expectativa é que outros estudos possam se valer deste mapa para invertê-lo, rasurá-lo, provincializá-lo, contestá-lo ou mesmo descartá-lo. Afinal, o conhecimento assim como as lutas sociais podem ser percebidos como aquilo que Freire (2004)20 FREIRE, Paulo. Pedagogy of hope: reliving pedagogy of the oppressed. London: Bloomsbury Publishing, 2004. já chamou de enclaves pedagógicos que nos ajudam a aprender, desaprender e reaprender a pensar, sentir, agir e imaginar horizontes de esperança e de solidariedade.

  • 1
    Consideramos estes dois bancos de dados por serem as maiores bases de publicações revisadas por pares (incluindo periódicos, livros e anais de congressos) e representarem atualmente os meios hegemônicos de sistematização e de classificação da produção científica mundial. Optamos por não utilizar a base PubMed por entender que os documentos nela inscritos não influenciaram decisivamente o desenvolvimento e a configuração atual dos estudos da deficiência.
  • 2
    A noção de rede, em detrimento de outras noções correlatas, como as de grupo ou comunidade, revelou-se útil para a análise bibliométrica empreendida neste artigo justamente por favorecer a compreensão de fluxos, circulações, alianças e movimentos em um plano heurístico horizontalizado, em vez de remeter a entidades fixas e assimétricas. Desse modo, como já observou Callon (1986, 93)6 CALLON, Michel. Society in the making: the study of technology as a tool for sociological analysis. In: BIJKER, Wiebe; HUGHES, Thomas P.; PINCH, Trevor. (eds.). The social construction of technological systems: new directions in the sociology and history of technology. Cambridge: Mass., Mit Press, 1986. p. 83-103., a noção de rede descreve simultaneamente um ator, que age em relação a outros atores sociais, e um campo, capaz de redefinir e transformar seus próprios integrantes.
  • 3
    As bases de dados (Scopus e WoS) e o script para o software R estão disponíveis no Harvard Dataverse: https://doi.org/10.7910/DVN/LOZGUO
  • 4
    De acordo com Fiona Campbell (2000, p. 15 – tradução nossa)7 CAMPBELL, Fiona K. Eugenics in disguise? Law, technologies and negotiating the “problem” of “disability”. Australian Feminist Law Journal, v. 14, n. 1, p. 55-70, 2000., essa “dinâmica da metamorfose cria uma ilusão (aparência) de um corpo ‘deficiente’ transformando-se no ‘normal’, resultando em uma recomposição corporal e na reforma da subjetividade”.
  • 5
    Ao traçar as raízes do ativismo universitário que articulou movimentos estudantis e de pessoas com deficiência nos Estados Unidos na década de 1960, Lindsey Patterson (2012)44 PATTERSON, Lindsey. Points of access: rehabilitation centers, summer camps, and student life in the making of disability activism, 1960-1973. Journal of Social History, v. 46, n. 2, p. 473-499, 2012. recupera acontecimentos que levaram à formação de coletivos como o Movimento de Vida Independente, iniciado em Berkeley em 1972, para argumentar que os processos entrelaçados de conscientização e formação de redes acadêmicas transformaram a compreensão dos movimentos sociais do período sobre acessibilidade.
  • 6
    Jameel Hampton (2020)25 HAMPTON, Jameel. Peace news and radical disability writing in 1970s Britain: Perceptions of welfare and the welfare state. Disability Studies Quarterly, v. 40, n. 2, 2020. analisa em detalhes a radicalização dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência no Reino Unido e a contestação das políticas de bem-estar social nos anos de 1970.
  • 7
    Ainda que o slogan “nada sobre nós sem nós” tenha repercutido internacionalmente a partir do ativismo norte-americano, a origem desta declaração advém da mobilização de pessoas com deficiência no contexto sul-africano, quando mulheres ativistas como Phindile Mavuso, Poppy Buthelezi e Mavis Ngubane começaram a narrar suas experiências com a deficiência em meio ao apartheid (Lopes, 201933 LOPES, Pedro. Deficiência como categoria do Sul global: primeiras aproximações com a África do Sul. Rev. Estud. Fem., v. 27, n. 3, e66923, 2019.).
  • 8
    Do ponto de vista institucional, tais mobilizações produziram resultados efetivos. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, por exemplo, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975, incentivou a promoção de políticas públicas que oferecessem garantias mínimas para essa população em diversos estados nacionais ao redor do planeta. O ano de 1981 também seria proclamado como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Em dezembro de 1982, a ONU também publicaria o documento World Program of Action concerning Disabled Persons (UN, 198258 UN- United Nations. World program of action concerning people with disabilities. New York: United Nations, 1982. – tradução nossa), “para promover medidas eficazes para a prevenção da deficiência, reabilitação e a realização dos objetivos de ‘participação plena’ das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento e na ‘igualdade’”.
  • 9
    Já no primeiro Editorial da então denominada Disability, Handicap & Society, de 1986, foi dito que “não queremos que a revista seja vista como um veículo meramente representativo de perspectivas profissionais. Assim, queremos encorajar os consumidores de serviços e as pessoas com deficiência a falar por si” (Editorial, 198618 EDITORIAL. Disability, Handicap & Society, v. 1, n. 1, p. 3-4, 1986., p. 3 – tradução nossa).
  • 10
    Tom Shakespeare (2005)50 SHAKESPEARE, Tom. Disability studies today and tomorrow. Sociology of Health & Illness, v. 27, n. 1, p. 138-148, 2005. oferece uma revisão detalhada da emergência dos estudos da deficiência na cena intelectual europeia e norte americana da entrada do século XXI.
  • 11
    Análises úteis a respeito dos estudos sobre deficiência nos contextos norte-americano e britânico da década de 1990 foram elaboradas por Gary Albrecht (2002)1ALBRECHT, Gary L. American pragmatism, sociology and the development of disability studies. In: BARNES, Colin; BARTON, Len; OLIVER, Mike. (eds.). Disability studies today. Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 2002. p. 18-37. e Carol Thomas (2002)56 THOMAS, Carol. Disability theory: key ideas, issues and thinkers. In: BARNES, C.; BARTON, Len; OLIVER, Mike. (eds.). Disability studies today. Oxford: Blackwell Publishers Ltd, 2002. p. 38-57..
  • 12
    Mike Oliver e Colin Barnes (2012)43 OLIVER, Mike; BARNES, Colin. Back to the future: the World Report on Disability. Disability & Society, v. 27, n. 4, p. 575-579, 2012. realizaram uma análise crítica do documento World Report on Disability, publicado em 2011 pela OMS em parceria com o Banco Mundial, que merece ser consultada.
  • 13
    A condição rara da doença de Shakespeare o levou a se aproximar das discussões a respeito da nova genômica, contribuindo para incluir as pessoas com “doença rara” como um sujeito político emergente nos estudos da deficiência contemporâneos (Huyard, 200928 HUYARD, Caroline. How did uncommon disorders become “rare diseases”? History of a boundary object. Sociology of Health & Illness, v. 31, n. 4, p. 463-477, 2009.; Souza; Carniel, 202055 SOUZA, Bruna A. S.; CARNIEL, Fagner. Quando o raro se torna comum: uma trajetória no mundo da adrenoleucodistrofia. Temáticas, v. 28, n. 55, p. 271-300, 2020.).

Agradecimentos (em memória)

Gostaríamos de aproveitar a ocasião da publicação deste artigo para expressar nosso profundo agradecimento por todo o carinho e generosidade da colega e amiga Adriana Dias, que nos deixou prematuramente no início de 2023. Tivemos o prazer de conhecer e dialogar intensamente com Adriana ao longo dos últimos anos. Sua ausência ainda dói muito. Ela era uma pessoa incrível e deixou um legado político e intelectual amplamente conhecido nas ciências sociais brasileiras. Esperamos que sua memória siga sempre viva.

Referências

  • 1
    ALBRECHT, Gary L. American pragmatism, sociology and the development of disability studies. In: BARNES, Colin; BARTON, Len; OLIVER, Mike. (eds.). Disability studies today Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 2002. p. 18-37.
  • 2
    ARIA, Massimo; CUCCURULLO, Corrado. Bibliometrix: an R-tool for comprehensive science mapping analysis. Journal of Informetrics, v. 11, n. 4, p. 959-975, 2017.
  • 3
    BARNES, Colin. A legacy of oppression: a history of disability in western culture. In: BARTON, Len; OLIVER, Mike. (eds.). Disability studies: past, present and future. Leeds: The Disability Press, 1997. p. 3-24.
  • 4
    BARNES, Colin. What a difference a decade makes: reflections on doing “emancipatory” disability research. Disability & Society, v. 18, n. 1, p. 3-17, 2003.
  • 5
    BLOCK, Pamela; KASNITZ, Devva; NISHIDA, Akemi; POLLARD, Nick. Occupying disability: an introduction. In: BLOCK, Pamela et al (eds.) Occupying disability: critical approaches to community, justice, and decolonizing disability. Dordrecht: Springer, 2016. p. 3-14.
  • 6
    CALLON, Michel. Society in the making: the study of technology as a tool for sociological analysis. In: BIJKER, Wiebe; HUGHES, Thomas P.; PINCH, Trevor. (eds.). The social construction of technological systems: new directions in the sociology and history of technology. Cambridge: Mass., Mit Press, 1986. p. 83-103.
  • 7
    CAMPBELL, Fiona K. Eugenics in disguise? Law, technologies and negotiating the “problem” of “disability”. Australian Feminist Law Journal, v. 14, n. 1, p. 55-70, 2000.
  • 8
    CAMPBELL, Fiona K. Legislating disability: negative ontologies and the government of legal identities. In: TREMAIN, S. (ed.). Foucault and the government of disability Michigan: The University of Michigan Press, 2005. p. 108-132.
  • 9
    CAMPBELL, Fiona K. Litigation neurosis: Pathological responses or rational subversion? Disability Studies Quarterly, v. 25, n. 4, 2006.
  • 10
    CAMPBELL, Fiona K. States of exceptionality: provisional disability, its mitigation and citizenship. Socio Legal Review, v. 3, n. 1, p. 28–50, 2007.
  • 11
    CAMPBELL, Fiona K. Exploring internalized ableism using critical race theory. Disability & Society, v. 23, n. 2, p. 151-162, 2008.
  • 12
    CAMPBELL, Fiona K. Contours of ableism: the production of disability and abledness. New York: Palgrave Mcmillan, 2009.
  • 13
    CARNIEL, Fagner. Agenciar palavras, fabricar sujeitos: sentidos da educação inclusiva no Paraná. Horizontes Antropológicos, v. 24, n. 50, p. 83-116, 2018.
  • 14
    CARNIEL, Fagner; MELLO, Anahí G. Quem escreve pela deficiência no pensamento social brasileiro? Contemporânea - Revista de Sociologia da UFScar, v. 11, n. 2, p. 490-505, 2021.
  • 15
    DAVIS, Lennard J. Enforcing normalcy: disability, deafness, and the body. London: Verso, 1995.
  • 16
    DIAS, Adriana A. M. Observando o ódio: entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade Estadual de Campinas, 2018.
  • 17
    DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SQUINCA, Flávia. Reflexões sobre a versão em português da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Cad. Saúde Pública, v. 23, n. 10, p. 2507-2510, 2007.
  • 18
    EDITORIAL. Disability, Handicap & Society, v. 1, n. 1, p. 3-4, 1986.
  • 19
    FERREIRA, Naidson C. S.; SOUZA, Calixto J.; SILVA, João. H.; FERNANDES, Woquiton L. Bibliometric study about educational policies for people with disabilities, between 1997 to 2014. Revista Eletrônica de Educação, v. 11, n. 3, p. 817-829, 2017.
  • 20
    FREIRE, Paulo. Pedagogy of hope: reliving pedagogy of the oppressed. London: Bloomsbury Publishing, 2004.
  • 21
    GOODLEY, Dan. Dis/entangling critical disability studies. Disability & Society, v. 28, n. 5, p. 631-644, 2013.
  • 22
    GOODLEY, Dan. Disability Studies An interdisciplinary introduction. London: Sage, 2016.
  • 23
    GOODLEY, Dan; LAWTHOM, Rebecca. Critical disability studies, Brexit and Trump: a time of neoliberal–ableism. Rethinking History, v. 23, n. 2, p. 233-251, 2019.
  • 24
    HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. New York: Routledge, 1991.
  • 25
    HAMPTON, Jameel. Peace news and radical disability writing in 1970s Britain: Perceptions of welfare and the welfare state. Disability Studies Quarterly, v. 40, n. 2, 2020.
  • 26
    HOGE, William F. The disability rights movement: list of resources. Excellence in Education Journal, v. 8, n. 2, p. 51-63, 2019.
  • 27
    HUBBARD, Ruth. Prenatal diagnosis and eugenic ideology. Women's Studies International Forum, v. 8, n. 6, p. 567-576, 1985.
  • 28
    HUYARD, Caroline. How did uncommon disorders become “rare diseases”? History of a boundary object. Sociology of Health & Illness, v. 31, n. 4, p. 463-477, 2009.
  • 29
    JENKS, Andrew. Crip theory and the disabled identity: why disability politics needs impairment. Disability & Society, v. 34, n. 3, p. 449-469, 2019.
  • 30
    KHOO, Selina; LI, Chunxiao; ANSARI, Payam. The top 50 most cited publications in disability sport: a bibliometric analysis. Perceptual and Motor Skills, v. 125, n. 3, p. 525-545, 2018.
  • 31
    KITTAY, Eva. F. The ethics of care, dependence, and disability. Ratio Juris, v. 24, n. 1, p. 49-58, 2011.
  • 32
    LINTON, Simi. Disability studies/not disability studies. Disability & Society, v. 13, n. 4, p. 525-539, 1998.
  • 33
    LOPES, Pedro. Deficiência como categoria do Sul global: primeiras aproximações com a África do Sul. Rev. Estud. Fem., v. 27, n. 3, e66923, 2019.
  • 34
    MEEKOSHA, Helen. Decolonising disability: thinking and acting globally. Disability & Society, v. 26, n. 6, p. 667-682, 2011.
  • 35
    MCRUER, Robert. Critical investments: AIDS, Christopher Reeve, and queer/disability studies. Journal of Medical Humanities, v. 23, n. 1, p. 221-237, 2002.
  • 36
    MCRUER, Robert. Crip eye for the normate guy: Queer theory and the disciplining of disability studies. PMLA, v. 120, n. 2, p. 586-592, 2005.
  • 37
    MCRUER, Robert. Crip theory: Cultural signs of queerness and disability. New York: New York University Press, 2006.
  • 38
    MCRUER, Robert; MOLLOW, Anna. Introduction. In: MCRUER, Robert; MOLLOW, Anna (eds.). Sex and Disability London: Duke University Press, 2012.
  • 39
    MOORE, Mike. Disability, activism and the academy: time for renewal? Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1025-1027, 2019.
  • 40
    OLIVER, Mike. The politics of disablement London: Macmillan, 1990.
  • 41
    OLIVER, Mike. Changing the social relations of research production? Disability, Handicap & Society, v. 7, n. 2, p. 101-114, 1992.
  • 42
    OLIVER, Mike. Activism and the academy: losing the ideological and material battles. Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1028-1033, 2019.
  • 43
    OLIVER, Mike; BARNES, Colin. Back to the future: the World Report on Disability. Disability & Society, v. 27, n. 4, p. 575-579, 2012.
  • 44
    PATTERSON, Lindsey. Points of access: rehabilitation centers, summer camps, and student life in the making of disability activism, 1960-1973. Journal of Social History, v. 46, n. 2, p. 473-499, 2012.
  • 45
    QUERG, H. Zur Frage der Frühinvalidität; Untersuchungen bei der Versicherungs-Anstalt, Berlin 1951-1953 [Problem of early disability; studies of the Berlin Institute of Social Security, 1951-1953]. Zeitschrift fur arztliche Fortbildung, v. 50, n. 6, p. 263-268, 1956.
  • 46
    R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. V. 3.5.3. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2019.
  • 47
    SHAKESPEARE, Tom. Choices and rights: eugenics, genetics and disability equality. Disability & Society, v. 13, n. 5, p. 665-681, 1998.
  • 48
    SHAKESPEARE, Tom. “Losing the plot”? Medical and activist discourses of contemporary genetics and disability. Sociology of Health & Illness, v. 21, n. 1, p. 669-688, 1999.
  • 49
    SHAKESPEARE, Tom. Help Birmingham: Venture Press, 2000.
  • 50
    SHAKESPEARE, Tom. Disability studies today and tomorrow. Sociology of Health & Illness, v. 27, n. 1, p. 138-148, 2005.
  • 51
    SHAKESPEARE, Tom. Disability rights and wrongs New York: Routledge, 2006.
  • 52
    SHAKESPEARE, Tom. The social model of disability. In: DAVIS, Lennard J. (ed.). The disability studies reader New York: Routledge, 2010. p. 197-2004.
  • 53
    SHAKESPEARE, Tom; WATSON, Nicholas. The social model of disability: an outdated ideology? In: BARNARTT, Sharon N.; ALTMAN, Barbara (eds.). Exploring theories and expanding methodologies: where are we and where do we need to go? Amsterdam: JAI, 2001. p. 9-22.
  • 54
    SHILDRICK, Margrit. Critical disability studies: rethinking the conventions for the age of postmodernity. In: WATSON, Nick; ROULSTONE, Alan; THOMAS, Carol (eds.). Routledge handbook of disability studies London: Routledge, 2012. p. 30-41.
  • 55
    SOUZA, Bruna A. S.; CARNIEL, Fagner. Quando o raro se torna comum: uma trajetória no mundo da adrenoleucodistrofia. Temáticas, v. 28, n. 55, p. 271-300, 2020.
  • 56
    THOMAS, Carol. Disability theory: key ideas, issues and thinkers. In: BARNES, C.; BARTON, Len; OLIVER, Mike. (eds.). Disability studies today Oxford: Blackwell Publishers Ltd, 2002. p. 38-57.
  • 57
    THOMAS, Carol. Times change, but things remain the same. Disability & Society, v. 34, n. 7-8, p. 1040-1041, 2019.
  • 58
    UN- United Nations. World program of action concerning people with disabilities New York: United Nations, 1982.
  • 59
    UPIAS - Union of the Physically Impaired against Segregation. Fundamental principles of disability London: UPIAS, 1976.
  • 60
    VEHMAS, Simo; WATSON, Nicholas. Moral wrongs, disadvantages, and disability: a critique of critical disability studies. Disability & Society, v. 29, n. 4, p. 638-650, 2014.
  • 61
    WHO – World Health Organization. International classification of impairments, disabilities and handicaps Genève: WHO, 1980.
  • 62
    WHO – World Health Organization. International classification of functioning, disability and health Genève: WHO, 2001.
  • 63
    WHO – World Health Organization. World report on disability Genève: WHO, 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2022
  • Aceito
    20 Ago 2023
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revsoc@ufrgs.br